A escultura no campo ampliado: algumas considerações sobre o texto de Rosalind Krauss

September 3, 2017 | Autor: Monique Allain | Categoria: Arte, Espaço, Instalação, Produção Tridimensional
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A ESCULTURA NO CAMPO AMPLIADO
Algumas considerações sobre o texto de Rosalind Krauss


Monique Allain[1]




Resumo



Rosalind Krauss, em seu texto A escultura no campo ampliado publicado
originalmente em 1979 pela revista October, propõe uma nova abordagem do
espaço que ultrapassa radicalmente os limites da noção tradicional da
escultura na produção artística tridimensional, como marco da passagem para
a pós-modernidade. Este se tornou um texto de referência. Proponho-me aqui
a destacar as principais colocações e fazer alguns comentários na tentativa
de contribuir com o aprofundamento das reflexões que as questões sobre o
espaço suscitam no campo da arte. Ao final, Proponho uma abordagem no
estudo dos mecanismos que envolvem as questões espaciais na criação
artística, voltada para a natureza da relação entre obra e interlocutor.










Palavras-chave
Arte, produção tridimensional, instalação, espaço, Arquitetura.
Rosalind Krauss, em seu texto A escultura no campo ampliado publicado
originalmente em 1979 pela revista October, propõe uma nova abordagem do
espaço que ultrapassa radicalmente os limites da noção tradicional da
escultura na produção artística tridimensional, como marco da passagem para
a pós-modernidade.

Este texto incisivo, no qual Rosalind Krauss coloca suas idéias de
modo claro e direto, tornou-se um texto de referência. Longe de pretender
combate-lo ou criticá-lo de alguma maneira, me proponho aqui a destacar
suas principais colocações com alguns comentários, na tentativa de
contribuir com o aprofundamento das reflexões que as questões abordadas
suscitam.

A autora questiona em um estilo fluido e sem meias palavras a visão
historicista apoiada em relações superficiais, para interpretação dos
processos que envolvem a questão espacial nas práticas artísticas. A
necessidade de justificar a origem dos procedimentos que marcaram a
passagem para a pós-modernidade através de relações cronológicas com o
passado, forma esta de apaziguar a insegurança que o novo carrega,
ocasionaria conclusões prematuras e inadequadas na identificação dos
mecanismos que influenciaram os desdobramentos da história.

Segundo a autora, ao longo dos anos 70, o termo escultura foi
utilizado para qualificar uma série de trabalhos heterogêneos, esgarçando o
conceito desta categoria e expandindo seu significado sem justificativas
adequadas[2].

"O novo é mais fácil de ser entendido quando visto como uma evolução
de formas do passado... confortamos-nos com essa percepção de
similitude, com essa estratégia para reduzir tudo o que nos é
estranho, tanto no tempo como no espaço, àquilo que já conhecemos e
somos." [3].

Como exemplo, Rosalind Krauss argumenta que nesta visão historicista,
Gabo, Tatlin e Lissitzky foram vistos como precursores da arte Minimal,
apesar de colocarem uma significação antagônica nos conteúdos das suas
obras: enquanto o construtivismo defendia a "lógica imutável" [4] e a
"coerência de geometrias universais" [5], a arte Minimal considerava que
esta geometria era eventual, ditada por fenômenos físicos, e não pela
mente[6].

É certo que a adaptação pode ser menos traumática quando algumas
referências preservadas fazem a ponte com o novo. Mas, se a divergência nos
conteúdos apontada por Rosalind Krauss do Construtivismo apoiado em uma
"lógica imutável[7]" e "coerência de geometrias universais[8]" em confronto
com a Arte Minimal é certa, seria ela suficiente para negar qualquer outro
tipo de afinidade conceitual entre ambas as categorias? Não estariam os
construtivistas e os minimalistas respondendo ao vazio deixado pela segunda
guerra e pela crise ética que emergiu? As formas construtivistas (o nome já
revela) visam uma reconstrução na busca de uma ordem após o caos. Esta
ordem também presente nas obras de Donald Judd e Karl André, talvez não
traduza apenas uma necessidade de re-estruturação do mundo, mas a busca em
si do significado das coisas.

Segundo Rosalind Krauss, quando na produção tridimensional o uso do
termo escultura parecia ter alcançado seus limites, genealogias de culturas
milenares tais como as pré-colombianas e Stonehenge foram indevidamente
utilizadas para legitimar novas formas de expressão como esculturas. Da
mesma maneira, obras do início do século XX tais como a Coluna sem fim de
Brancusi também serviram de mediação entre passado e a produção daquele
momento, tornando a categoria escultura cada vez mais obscura, até fazê-la
entrar em colapso[9].

A autora observa que esta categoria não é universal, mas ligada à
história, à lógica do monumento. Ela funciona como marco espaço-temporal e
carrega uma simbologia sobre o lugar à qual se destina, mediando-o ao signo
que representa. Por isso costuma ser figurativa, vertical, estar apoiada
em um pedestal. A lógica do monumento começou a ser quebrada com as obras
recusadas Portas do Inferno e a estátua de Balzac no final do século 19,
quando Rodin ao dar vazão à subjetividade em detrimento dos desejos
daqueles que lhe tinham feito a encomenda, subtraiu o lugar de destino das
obras[10].

Abriu-se um novo campo de exploração a partir de então, característico
da produção escultórica modernista. Há a perda do lugar do monumento que
absorve o pedestal para si e transforma-se em um marco sem lugar fixo, de
significado e função variáveis, algo abstrato e auto-referencial. O
monumento adquiriu neste momento, como define a autora, uma "condição
negativa" [11].

"A respeito dos trabalhos encontrados no início dos anos 60, seria
mais apropriado dizer que a escultura estava na categoria de terra-de-
ninguém: era tudo aquilo que estava sobre ou em frente a um prédio que
não era prédio, ou estava na paisagem que não era paisagem." [12].

Rosalind Krauss admite a existência de "um certo interesse[13]" nos
termos "não-paisagem[14]" e "não-arquitetura[15]", mas considera que eles
revelam uma condição negativa da produção escultórica, neste momento de
transição, suspensa entre o construído e o não construído, entre o cultural
e o natural.

"... a escultura assumiu sua total condição de lógica inversa para se
tornar pura negatividade,... deixou de ser algo positivo para se
transformar na categoria resultante da soma da não-paisagem com a não-
arquitetura[16]".

Este campo de exploração da escultura esgota-se por volta de 1950. A
partir do final dos anos 60 os escultores voltam suas produções para os
limites externos destas "não" categorias que encaradas em seus opostos,
recuperam sua forma positiva. A não-arquitetura é a paisagem e a não-
paisagem é arquitetura[17].

As noções de paisagem e arquitetura se aproximam: "Labirintos e
trilhas são ao mesmo tempo paisagem e arquitetura[18]". Isto obriga a
repensar o significado e a abrangência do termo escultura já que os lugares
destinados a rituais nas antigas civilizações e os jardins japoneses, neste
caso, também deveriam no passado ter sido incluídos nesta categoria. A não
inclusão destaca a diferença entre as duas formas de produção. O termo
escultura caracteriza um determinado tipo de expressão tridimensional que
não deveria incluir os labirintos, e as trilhas, do mesmo modo que não
incluíram os jardins japoneses e os locais de praticas de rituais.

Rosalind Krauss, ao apontar esta situação do final dos anos 60, quando
não se sabia ainda ao certo onde encaixar as novas produções como Land Art,
e Site specific, responsabiliza a mentalidade historicista em seu afã de
estabelecer um vínculo com o passado dentro de uma lógica linear que
justificasse as transformações da produção artística tridimensional, por
esta confusão. A autora chama de campo ampliado a noção de espacialidade
utilizada na produção artística, culturalmente já praticada no passado,
porém inovadora dentro do campo da arte. Ela vê este momento como um ponto
de virada no qual o modernismo, com a práxis definida pelo meio de
expressão, é deixado para trás. Inicia-se o pós-modernismo interessado nas
operações lógicas que incorporam a mescla de diversos meios[19].

Se o termo escultura remete a um tipo de produção que não inclui a
abordagem tridimensional contemporânea, conforme enfatizou a autora, cabe
sinalizar que Rosalind Krauss também se vale de um resgate do passado para
observar que os jardins japoneses e locais de praticas de rituais
pertenciam a uma categoria similar aos labirintos e trilhas. Ou seja,
estabelecer relações cronológicas com os processos artísticos, pode
efetivamente ser um conforto, mas tomando-se precauções para evitar
conclusões precipitadas, também é um recurso fundamental para que a
interpretação dos processos artísticos seja constantemente atualizada de
acordo com as transformações sociais. Susan Buck-Moss em seu texto Walter
Benjamin: entre moda acadêmica e Avant-garde, alerta para a transitoriedade
do sentido histórico:

"O sentido histórico é transitório, dependendo não tanto do passado,
como do presente, do estado real das coisas. Assim, a história não
pode ser abordada como um exercício acadêmico, como se dissesse
respeito a uma raça de humanóides que existiram uma vez em Marte.
Estamos na história e seu tempo não acabou. Fazemos a história em
ambas as direções temporais, passado e presente. O que fazemos ou não
fazemos cria o presente; o que sabemos ou não sabemos, constrói o
passado. Essas duas tarefas estão inextricavelmente vinculadas no
sentido de que o modo como construímos o passado determina a nossa
compreensão do curso presente." (BUCK-MORSS, 1998, p.43).

Foster em seu texto Archives of modern art ressalta a distinção na
forma como o modernismo foi visto e compreendido no pós-modernismo e como
ele é visto e compreendido hoje. Se os documentos e vestígios, se as
informações contidas nos arquivos da historia permanecem, as interpretações
variam segundo o olhar da época e suas configurações. O confronto da
critica com a produção permitiu novas interpretações sobre este período. O
autor comenta a visão de Foucault sobre o papel do arquivo como sistema que
governa a aparência dos enunciados e reúne memórias necessárias ao estudo
da pratica artística, da função museológica e da historia da arte. Foster
acredita que a história da arte nasceu de uma dinâmica entre crises
causadas pela fragmentação e reificações de tradições em processos de
remontagem e reanimação (FOSTER, 2002). Ao confrontar visões dialéticas no
período entre 1850 e 1950 e relacioná-las às esferas da pratica, da critica
e da historia no campo da arte, ele ressalta as transformações do
pensamento e destaca a possibilidade de novas interpretações sobre os
arquivos da arte moderna.

Voltando ao texto de Rosalind Krauss, no final dos anos 60 a
combinação de paisagem e não-paisagem é muito utilizada pelos artistas. O
termo site specific passa a ser empregado para classificar produções como a
Spiral Jetty (1970) de Smithson, produções de outros artistas tais como
Serra, Morris, Carl Andre e Christo. Os primeiros a se interessar pelo
binômio arquitetura / não-arquitetura foram Robert Irwin, Sol LeWitt, Bruce
Nauman, Richard Serra e Christo. A exploração do campo ampliado na passagem
para o pós-modernismo trouxe uma ruptura tanto das práticas artísticas
quanto dos meios de expressão[20].

Proponho como possível abordagem no estudo dos mecanismos que
envolvem as questões espaciais no campo da arte, adicionar como parâmetro,
o tipo de contato que se processa entre a obra e o interlocutor, no que diz
respeito à posição e escala de um em relação ao outro. Enquanto a escultura
atuava no campo da representação e por isto necessitava impor uma distância
entre ela e o público, sujeito e objeto não compartilhavam do mesmo espaço.
O sujeito estava fora da obra. Já, no final dos anos 60, a necessidade de
incluir-se dentro do trabalho de modo a experimentar uma vivência ao invés
de permanecer no nível da representação, aproxima o indivíduo do espaço e
da obra. Desde então, jardins japoneses e locais destinados a rituais
passam a pertencer à mesma categoria ocupada pelas trilhas e labirintos
apontados por Rosalind Krauss. Isto propicia uma multiplicação de
instalações e vivências interativas com o público. Pergunto então, de que
maneira estas mudanças na relação dentro x fora entre obra e público no
campo da arte interfere na leitura e interpretação do meio pelo ser humano,
e como este procedimento pode contribuir para amenizar os conflitos
apontados por Milton Santos[21] entre o homem e o espaço?



Bibliografia

BUCK-MORSS, Susan. Walter Benjamin : entre moda acadêmica e Avant-garde.
http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/A_Buck-Morss.pdf
Consulta em 15/06/2009

FOSTER, Hal. Archives of modern art.
http://www.mitpressjournals.org/doi/abs/10.1162/016228702317274648
Consulta em 15/06/2009

KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. In: Caminhos da escultura
moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Edusp, 2007.


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[1] Monique Allain é artista e pesquisadora, aluna de mestrado em Artes
Visuais na FASM-SP, bacharel em Artes Plásticas pela FAAP-SP (2007),
formada com Licenciatura em Ciências Físicas e Biológicas (1980) e pós-
graduação em Genética (1982) pela USP-RP, participa do grupo arte&meios
tecnológicos (CNPq/FASM). Foi residente na "Cité Internationale des Arts"
em Paris, (bolsista pela FAAP 2008). Partindo da compreensão do espaço como
corpo, investiga suas relações com o homem. Utiliza a imagem digital para
realização de intervenções, performances, ocupações e instalações.
[2] KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Texto originalmente
publicado no número 8 da revista October com tradução publicada em 1979 no
número 1 de Gávea, revista do Curso de Especialização em História da Arte e
Arquitetura no Brasil, da PUC-Rio em 1984 (87-93), p.129.
[3] KRAUSS, 1984, p.129.
[4] KRAUSS, 1984, p.130.
[5] KRAUSS, 1984, p.130.
[6] KRAUSS, 1984, p.131.
[7] KRAUSS, 1984, p.130.
[8] KRAUSS, 1984, p.130.
[9] KRAUSS, 1984, p.131 -132.
[10] KRAUSS, 1984, p.130 -131.
[11] KRAUSS, 1984, p.132.
[12] KRAUSS, 1984, p. 132.
[13] KRAUSS, 1984, p. 133.
[14] KRAUSS, 1984, p. 133.
[15] KRAUSS, 1984, p. 133.
[16] KRAUSS, 1984, p. 133.
[17] KRAUSS, 1984, p. 133.
[18] KRAUSS, 1984, p. 135.
[19] KRAUSS, 1984, p. 135-136.
[20] KRAUSS, 1984, p. 135-136.
[21] Milton Santos em sua publicação "Pensando o Espaço do Homem", faz um
estudo sobre as relações entre o ser humano e seu espaço, aponta os
problemas que a sociedade contemporânea enfrenta em resposta ao sistema
capitalista mundial e seus reflexos na geografia do planeta. Ele discute o
papel do Estado e alguns efeitos provocados pelos avanços tecnológicos a
serviço desta política globalizada, propõe uma reconstrução sintonizada do
espaço e da sociedade, com conseqüente alteração dos objetos geográficos
produzidos
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