A espetacularização do metrô de Curitiba: o projeto e a mídia

July 8, 2017 | Autor: Heliberton Cesca | Categoria: Journalism, Urbanism, Metro and Subway Systems, Society of the Spectacle, Gazeta do Povo
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Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 32 - 2010 - 2º quadrimestre política de transporte

A espetacularização do metrô de Curitiba: o projeto e a mídia

AN P

Heliberton Cesca

Especialista em Gestão Técnica do Meio Urbano pela PUCPR e Université de Technologie de Compiègne, é jornalista da Gazeta do Povo. E-mail: [email protected]

governo, o metrô era tema obrigatório. E a confirmação de Curitiba como uma das 12 cidades-sede da Copa do Mundo em 2009 impulsionou ainda mais o projeto, como uma necessidade para a cidade reformular-se na área do transporte e oferecer uma possibilidade de deslocamento rápido para os turistas. Até o momento, a efetivação do projeto ainda não é certa, já que os estudos para o desenvolvimento de um projeto básico ainda não estão concluídos. E também não há previsão orçamentária de nenhuma instância de governo que dê conta de tirar o projeto do papel, já que tem custo calculado em cerca de R$ 2 bilhões para apenas uma linha, ligando o bairro Pinheirinho, na região sul da cidade, ao centro.

Fábio Duarte

Doutor em comunicações (USP) e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (www.pucpr.br/ppgtu). E-mail: [email protected]

No final de 2006, uma discussão começou a ganhar corpo em Curitiba: a cidade que se notabilizou no cenário mundial a partir da década de 1970 pela consolidação da implantação de um sistema de transporte público baseado em ônibus expressos, com vias exclusivas, embarque em nível, integração em terminais e carros biarticulados, precisa construir uma linha de metrô? A retomada do transporte público sobre trilhos, como complemento ou substituto ao transporte sobre pneus, é um tema recorrente entre os técnicos da prefeitura de Curitiba. Prestes e Duarte (2010) analisaram que desde o início da implantação do que se tornou conhecido com BRT (Bus Rapid Transit), em 1974, oito propostas com nível de anteprojeto, já foram elaboradas pela cidade. E apesar de nenhuma ter sido implantada, há sinais de que elas estimularam as principais inovações no BRT curitibano. Em 2005, pelo mesmo motivo do crescimento da demanda e da análise por parte do Ippuc e da Urbs de que alguns eixos do sistema de ônibus estavam em seu limite de capacidade, a ideia da implantação do metrô voltou à pauta da prefeitura. Neste mesmo ano, a prefeitura de Curitiba estabeleceu uma parceria com a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) para retomar os estudos de um projeto de metrô. Em dezembro de 2006, aconteceu o seminário “Curitiba nos trilhos”, para discutir a ideia. Desde então, esse debate técnico do urbanismo ganhou contornos políticos e sociais, com o projeto sendo debatido nos meios de comunicação e nas campanhas eleitorais. Durante 2008, ano de eleições municipais e com a cidade posta como candidata a ser uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, o projeto de construção de uma linha de metrô consolidou-se. Nos planos de 33

Por isso, este artigo pretende discutir se há uma “espetacularização” do metrô acompanhando o projeto desde seu anúncio. Para isto tomamos como referencial a obra de Guy Debord, no livro A sociedade do espetáculo, para analisar duas peças de divulgação do projeto. De um lado, o material de divulgação produzido e veiculado pela Prefeitura Municipal de Curitiba, e de outro, as notícias publicadas a respeito do metrô curitibano no jornal Gazeta do Povo, o jornal com a maior circulação na capital e no Estado do Paraná. O objetivo deste artigo é ajudar a compreender como uma discussão de caráter técnico urbanístico (a construção ou não de uma linha de metrô) torna-se uma discussão pública, política e social, antes mesmo de se ter certeza sobre a viabilidade técnica e financeira do empreendimento. O espetáculo: política e comunicação Na segunda metade do século XX, a sociedade ocidental começou um processo de mudança cultural marcada pela crescente individualização. De certa maneira, foi uma resposta à primeira metade do mesmo século, marcada por duas grandes guerras mundiais. Em 1967, o filósofo e político francês Guy Debord (1997) publica A sociedade do espetáculo, em que critica o consumo frenético e contínuo de mercadorias e conceitos. Debord parte da noção de valor, de Karl Marx. Segundo Marx, o capitalismo atribui um valor a todo tipo de produto, inclusive ao trabalho humano. O valor, diferente do preço, surge da representação simbólica de determinado produto. Para Debord, o desenvolvimento da sociedade capitalista difundiu a noção de valor – e, consequentemente, a noção de representação – para todos os ramos econômicos, inclusive os culturais. E isso independentemente do modelo econômico. Para as sociedades capitalistas, Debord afirma existir “o espetacular difuso”; já nas sociedades socialistas há “o espetacular concen34

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trado”. Porém, “em ambos os casos, ele não passa de uma imagem de unificação feliz cercada de desolação e pavor; ocupa o centro tranquilo da desgraça (Debord, 1997, p. 42). E ainda segundo Debord (1997, p. 14), “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. A velocidade de consumo destas imagens segue a lógica econômica. No caso do capitalismo, uma imagem deve ser sucedida rapidamente para que a produção mantenha-se em atividade e possa até expandirse. Porém, não há tempo para a reflexão sobre o consumo, o que leva a alienação: A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta da sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao homem que age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mais de um outro que os representa por ele. É por isso que o espectador não se sente em casa em lugar algum, pois o espetáculo está em toda a parte (Debord, 1997, p. 24). A obra de Debord influenciou diversos intelectuais, e foi aplicada em diversas áreas, reforçando os conceitos de consumo, representação e alienação levantados pelo autor. Schwartzenberg (1978), por exemplo, trouxe os conceitos da espetacularização para o cenário político mostrando de que forma o Estado e, principalmente, os agentes políticos, inserem-se neste conceito espetacular da sociedade. Dentro disto, Schwartzenberg nos mostra que a política foi “contaminada” pelos mesmos mecanismos de representação e intermediação da comunicação por imagens, conforme propõe Debord. Logo nas primeiras linhas de O Estado espetáculo, ele deixa claro isso: A política, outrora, era ideias. Hoje, é pessoas. Ou melhor, personagens. Pois cada dirigente parece escolher um emprego e desempenhar um papel. Como num espetáculo (Schwartzenberg, 1978, p. 1). Para o autor, o ser político percebe a necessidade de ser reconhecido por uma imagem que possa resumi-lo e facilitar sua identificação com o público. A imagem política precisa transmitir uma mensagem, que leve o cidadão a reconhecer no político uma personalidade, com ideias predefinidas. Em última instância, a imagem é o próprio discurso político: “(…) a imagem faz conhecer ou reconhecer. Ela cria ou consolida a notoriedade ao servir de símbolo visível e tangível. Quando suficientemente caracterizada e individualizada, a imagem capta o interesse do público. O perfil, suficientemente trabalhado, prende sua atenção” (Schwartzenberg, 1978, p. 4). 35

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Na era espetacular, a política não se faz apenas com ações e políticas públicas, mas, e principalmente, com a divulgação destes atos de forma selecionada e criteriosa a fim de atender ao personagem político. Não basta o desenvolvimento do trabalho, ele tem que ser visto, acompanhado, dramatizado para que a população – os eleitores – possam perceber e valorizar a saga do homem público em busca do ideal comum. Schwartzenberg compara o político da sociedade do espetáculo com o herói, que tem trabalhos a cumprir e supera todos os obstáculos que o caminho vai apresentando a ele no decorrer de sua jornada rumo ao cumprimento de sua tarefa. Dessa maneira, o “político herói” carrega o “fardo” de guiar a sociedade ou o grupo que representa no poder para o cumprimento de uma ação. A base da sociedade espetacular é a comunicação. Como já escrevemos, Debord (1997) salienta o papel da imagem na intermediação da comunicação espetacular. Por óbvio, a mídia ganha um papel preponderante neste sentido. Ela é responsável, como a principal mediadora das sociedades contemporâneas, por promover o espetáculo e consolidá-lo, conforme explica o francês: “O espetáculo nada mais seria do que o exagero da mídia, cuja natureza, indiscutivelmente boa, visto que serve para comunicar, pode às vezes chegar a excessos” (Debord, 1997, p. 171). O jornalismo é uma das ferramentas da mídia e, portanto, vale-se das mesmas bases “espetaculares” nos dias atuais para desempenhar seu papel. Para Arbex Jr. (2001) os veículos de comunicação foram incorporando ano a ano as características basilares da “sociedade do espetáculo” – um marco neste sentido, apresentado por diversos autores, foi a transmissão ao vivo pela CNN da Guerra do Golfo, entre os EUA e o Iraque, quando da invasão do Kwait, nos anos 1990. A cobertura “ao vivo” do conflito consagrou, definitivamente, a “espetacularização” da notícia. E, exatamente por ser espetáculo, a transmissão de imagens submeteu-se às mesmas regras que se aplicam a um show (Arbex Jr., 2001, p. 31). Novamente, o que conta neste sentido não é o fato em si, mas prioritariamente a forma como ele será noticiado e compreendido pelo público. A lógica da comunicação jornalística, que tem como base a prestação de informação, ganha contornos de um show, com o risco de não se separar a informação do espetáculo, o real da representação do real: “ora, uma das consequências de apresentar o jornalismo como um ‘show-rnalismo’ é o enfraquecimento ou o total apagamento da fronteira entre o real e o fictício” (Arbex Jr., 2001, pag 32). Assim, a representação da realidade, divulgada pelos meios de comunicação, passa a ser também parte constituinte dessa própria realidade. 36

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Para Nestor Garcia Canclini (2008), os meios de comunicação de massa são os principais influenciadores da cultura de um aglomerado urbano. Os meios de comunicação substituiriam, neste contexto, as atividades integralizadoras de uma sociedade, que outrora eram desempenhadas por teatro e as festividades e datas religiosas, quando uma determinada população reunia-se em torno de uma atividade comum. É isso que nos apresenta Canclini, ao discutir a cultura das grandes cidades. Enquanto a expansão demográfica e territorial desanima muitos habitantes da periferia a comparecer aos teatros e salões de baile concentrados no centro da cidade, o rádio e a televisão levam a cultura a 97% dos lares. Essa reorganização das práticas urbanas nos sugeriu uma conclusão teórica: a caracterização socioespacial da megalópole deve ser complementada por uma redefinição sociocomunicacional que dê conta do papel rearticulador dos meios no desenvolvimento da cidade (Canclini, 2008, p. 20).

assunto pela mídia ganha ares de “novela” com uma sequência de capítulos em que a história sucede-se passo a passo, onde o importante não é o último capítulo, mas o drama e o desenrolar da história até a parte final. Debord, ao tratar do espetáculo, reforça que a sua compreensão acontece na dramaticidade: “no espetáculo, imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenrolar é tudo. O espetáculo não deseja chegar a nada que não seja ele mesmo” (Debord, 1997, p. 17).

A produção de notícias por vezes tende a seguir esta lógica “espetacular”. A maneira a apresentá-las ao público faz com que se selecione o que será noticiado, de que forma será divulgado e, principalmente, o que será ignorado ou suprimido. Busca-se que a notícia “seduza” o público. Para isso, o discurso jornalístico lança mão de elementos de dramaticidade para comunicar: Fatos existem, mas só podemos nos referir a eles como construções da linguagem. Descrever um fato é, ao mesmo tempo, interpretá-lo, estabelecer sua gênese, seu desenvolvimento e possíveis desdobramentos, isolá-lo, enfim, como um ato, uma unidade dramática (Arbex Jr., 2001, p. 107).

No contexto da espetacularização, decisões técnicas sobre intervenções urbanas saem da lógica científica de arquitetos, engenheiros e urbanistas, e passam a ser determinadas pelo gosto do público; assim, o discurso dos meios de comunicação ganha relevância acentuada na determinação de políticas públicas.

O jornalismo, então, usa de dramaticidade para informar. E como no teatro ou em um filme, em uma notícia nos são apresentados personagens, uma cena, uma localização espacial e temporal, e a discussão de um drama. Pedro Diniz de Souza detalha este recurso como uma ferramenta da mídia: Nomeadamente, a importância do tempo presente, a necessidade de produzir um discurso claro, a decorrente necessidade de simplificação, o carácter apelativo e muitas vezes afectivo deste discurso, a presença de narrativas tendentes a concentrar a acção em torno de um pequeno núcleo de personagens. [...] Ou seja, têm o condão de persuadir o espectador ou o leitor de que está perante a realidade e não perante a sua representação. [...] conferir visibilidade, imposição de uma visão do mundo, remitificação, agitação política e utilização dos sentimentos para fins ideológicos (Souza, 2005, pags 1 e 2). A partir deste conceito vale ainda refletir sobre outra característica das notícias com cunho de espetacularização: a “exaltação da novidade”, segundo apresenta Arbex Jr. (2001). A cobertura de determinado 37

Desde logo, é importante salientar que a espetacularização em si não é um problema, na visão deste trabalho. O que se busca aqui é identificar a sua utilização, talvez de forma inconsciente, na veiculação de um projeto que a princípio diz respeito exclusivamente a características técnicas urbanas e de transportes de uma cidade. A cidade no espetáculo

A incontestável capacidade de transformação contínua de Curitiba ao longo de 40 anos foi apontada por alguns autores (Ultramari, Duarte, 2009). Porém, outros ressaltam que além dos méritos técnicos, houve uma espetacularização de Curitiba, que, com um discurso homogêneo e hegemônico, tornou-se referência no Brasil e fora dele como um exemplo em planejamento urbano e transportes públicos (Moura, 2001; Sánchez Garcia, 1997). Sánchez Garcia (1997) aponta que com isto pode haver o risco da subordinação da técnica ao espetáculo, invertendo a característica histórica da cidade de Curitiba, de valorizar o planejamento urbano em relação aos interesses sociais e políticos. Metrô Curitibano, um projeto, um espetáculo Breve histórico Desde que os bondes deixaram de circular em Curitiba, em 1952, e desde 1972, quando teve início a implantação dos corredores exclusivos para transporte público na cidade – origem do que se tornou um dos mais importantes casos de sucesso de BRT no mundo (ITDP, 2007) –, a prefeitura municipal desenvolveu, em nível de anteprojeto, oito propostas para retomada dos trilhos na cidade, como substituição ou complementação do transporte público sobre pneus (Prestes; Duarte, 2010). 38

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A mais recente investida teve início em 2006, quando a cidade voltou a discutir a implantação de um metrô. Pela proposta, o metrô substituiria os ônibus expressos em dois dos seis eixos do sistema de transporte público da cidade: os eixos Norte e Sul, que ligam o bairro Pinheirinho (sul) ao bairro Santa Cândida (norte), passando pelo centro. O trecho é o mais carregado da Rede Integrada de Transporte (RIT) de Curitiba.

recebidas de 2 de setembro de 2009 a 31 de outubro de 2009. Passada a consulta, não há no site a reunião ou a síntese dessas sugestões, de modo que a população não sabe, quase um ano depois de concluída a consulta, quais são suas sugestões e se estão sendo consideradas.

A estimativa inicial é aumentar a capacidade de transporte do trecho a ser construída (chamado linha Azul) em quase cem mil passageiros por dia, no eixo Norte/Sul. A linha de metrô teria 22 km de extensão, sendo que cerca de 3 km serão em via elevada no trecho da atual BR-476 e outros 19 km subterrâneos, com 22 estações e terminais, a um custo de R$ 2 bilhões.

Figura 1 Página inicial do site do Metrô Curitibano

Em convênio com a CBTU, em 2009, a prefeitura concluiu a licitação para a realização de estudos técnicos para a elaboração de um projeto executivo da obra, e para o estudo de impacto ambiental. Porém, antes mesmo do início destes estudos – ainda não concluídos! –, imagens, logomarcas, e até processos construtivos foram amplamente divulgados pela Prefeitura Municipal de Curitiba (PMC). Uma vez que não estão concluídos os estudos técnicos, não caberia a este artigo analisar a pertinência da obra. Não obstante, há farto material para analisar a outra face deste projeto, a face do projeto divulgada pela prefeitura e noticiada pelos meios de comunicação. Os objetivos iniciais da pesquisa que originou este artigo eram dois: o primeiro seria analisar o material gráfico produzido e divulgado pela PMC sobre o metrô; o segundo seria comparar o teor dos comunicados feitos pela PMC sobre o projeto, contrapondo-o às notícias veiculadas pelos meios de comunicação. Este segundo objetivo foi prejudicado pois a PMC retirou de seu site todos os comunicados referentes ao metrô e, até conclusão desta pesquisa, não havia dado acesso a este material. Por conta disto, o segundo objetivo foi reconduzido à análise das notícias veiculados sobre o metrô curitibano no jornal com maior circulação no Estado do Paraná, incluindo a capital: a Gazeta do Povo.

A análise do material gráfico disponível no site do metrô curitibano permite algumas relações que indicam sua espetacularização.

Fonte: Metrô Curitibano, www.metro.curitiba.pr.gov.br.

A logomarca do metrô curitibano usa as cores preponderantes da bandeira do município para formar uma imagem com três referências combinadas. Nas duas primeiras, vemos uma referência à forma do túnel de metrô e ao nome da cidade: a logomarca pode ser vista como uma letra C verde em perspectiva, envolvendo uma letra M em um círculo vermelho. Ou como se fosse o M, de metrô, passando por dentro do C de Curitiba. Além da referência ao túnel do metrô, que indica o futuro desejado pela PMC para o transporte da cidade, há também uma referência ao sistema que a colocou no mapa mundial: o BRT. A figura 2, de uma estação-tubo de Curitiba, tornou-se uma marca da cidade, reconhecido internacionalmente. Figura 2 Estação-tubo de Curitiba

O material gráfico sobre o metrô curitibano pode ser acessado em www.metro.curitiba.pr.gov.br; e as notícias do jornal podem ser acessadas em www.gazetadopovo.com.br. O metrô divulgado A Prefeitura Municipal de Curitiba tem um site destinado a divulgar informações sobre o projeto do que foi batizado como metrô curitibano. Um dos objetivos do site foi ser a ferramenta para coleta de “sugestões para sua viabilização”. As sugestões (e não críticas ou contestações) foram 39

Fonte: Fábio Duarte, 2010.

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Comparando a logomarca da cidade à estação-tubo, percebe-se uma aproximação icônica bem-sucedida, entre um projeto ligado ao futuro atrelado ao projeto de sucesso da cidade.

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Figura 5 Ilustração do metrô curitibano

Finalmente, deve-se notar que o nome do eixo Norte-Sul do metrô, linha Azul, faz referência ao maior projeto urbano da cidade na última década: a transformação da antiga rodovia BR 116 em uma via urbana, com os mesmos princípios dos corredores de ônibus do BRT. Antes mesmo da licitação para a escolha da empresa que faria os estudos de viabilidade técnica, foi divulgado que os túneis do metrô de Curitiba seriam feitos pelo sistema cut-and-cover. Segundo informação do site do Metrô Curitibano, o método tem princípios construtivos bastante simples. Estacas são cravadas nas laterais, servindo de paredes da estrutura da via. A estrutura de cobertura, então, é apoiada nas estacas e, posteriormente, se processa a escavação, a estruturação do piso e o revestimento das estacas (paredes). Ele seria usado nas regiões onde é possível cavar na área das atuais canaletas dos ônibus expressos, reduzindo assim os custos de implantação. O método NATM seria usado para trechos de escavação profunda, principalmente na região central da cidade “entre as estações Eufrásio Correia e Passeio Público, numa extensão de 2,5 km”. A maioria das estações seria subterrânea, acessada da rua por escadas ou elevadores. Algumas imagens ilustrativas estão disponibilizadas no site.

Fonte: Metrô Curitibano, www.metro.curitiba.pr.gov.br.

A figura 5 parece mostrar exatamente o mesmo da figura 4: o metrô circulando sob o antigo corredor de ônibus, convertido em um parque linear. E mostra também como, ao se utilizar a técnica de cut-andcover, a escavação para a construção do metrô seria rasa. Porém, esta imagem é sintomática da espetacularização do projeto: é impossível que árvores deste porte possam ser plantadas e vinguem com um laje tão delgada como a proposta para recobrir o túnel raso concebido. É uma imagem que serviria para convencer a população leiga de que além do transporte o metrô traria a requalificação urbana – mas em uma imagem de impossível concretização.

Figuras 3 e 4 Ilustrações das estações do metrô curitibano

Fonte: Metrô Curitibano, www.metro.curitiba.pr.gov.br.

Na figura 3 pode-se ver a estação central, junto à praça Eufrásio Correia. Observa-se que há um ônibus biarticulado sobre o eixo do metrô, onde os eixos Norte-Sul e Leste-Oeste se cruzam – e indicando que haverá integração entre os modais. Já na figura 4 vê-se o metrô sob o antigo corredor de ônibus, que seria convertido em praça linear, com projeto paisagístico e ciclovia. 41

O metrô noticiado Todas essas imagens e informações abasteceram os meios de comunicação da capital e do estado quando a pauta foi a implantação do metrô em Curitiba. Para este artigo, nosso foco será o jornal Gazeta do Povo. A partir da matéria inicial sobre o projeto de construção de uma linha de 42

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metrô em Curitiba, no dia 28 de novembro de 2006, efetuou-se um levantamento de todas as notícias publicadas pelo jornal, até a do dia 30 de março de 2010. Esta última notícia diz que a obra não foi incluída pelo governo federal no segundo Plano de Aceleração do Crescimento, o chamado PAC 2, apesar de um intenso lobby político da prefeitura de Curitiba para que o governo federal incorpore a obra no seu escopo de prioridades para dotar o país de infraestrutura. O projeto já havia sido deixado de lado outras vezes em circunstâncias diferentes. Para analisar o conjunto de 68 matérias publicadas no jornal impresso e pesquisadas através do site do veículo de comunicação definiu-se uma metodologia que consiste em classificar cada reportagem de acordo com alguns critérios. A saber: a) Recurso de dramaticidade, caracterizada pelo uso de personagens, cenário e por um discurso apelativo, de forma a chamar a atenção do público leitor para a matéria e, consequentemente, para o projeto. Por isso, fez-se o questionamento para cada reportagem: “Dramatiza? Sim ou não?” Para aquelas em que havia a identificação de “drama” a partir do “SIM” da primeira classificação, buscou-se definir a forma a partir do questionamento “De que forma?”; e para isso dividiu-se a dramaticidade da matéria em três vertentes acerca do projeto: “Financiamento”, “Viabilidade” e “Técnica”. Vale salientar que, nessa classificação, uma mesma notícia poderia enquadrar-se em mais de uma vertente, dependendo do assunto principal tratado em cada reportagem. Por isso, o resultado numérico final dessas três classificações é maior que o total de matérias classificadas em “SIM” no questionamento sobre o uso de recursos dramáticos. b) A seguir, as reportagens foram classificadas pelo questionamento “Usa imagem? Sim ou não?”. Neste item, foram consideradas imagens aquelas com relação direta com o projeto, como os desenhos preliminares da futura linha de metrô e a logomarca criada pela prefeitura de Curitiba para identificar o projeto. c) Finalmente, levantamos ainda os recursos gráficos usados pelo jornal para aumentar a quantidade de informações sobre o projeto na matéria. Neste quesito vale a pena salientar que um recurso gráfico constante em uma página com duas ou mais matérias era considerado válido para cada um dos textos, já que seu uso é compartilhado na página por cada matéria. No quadro 1 reproduzimos parte do resultado final da pesquisa realizada, com o cabeçalho da tabela de controle, parte do levantamento de matérias de 2009 e 2010 e, por fim, o resultado obtido. 43

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Quadro 1 Reprodução de parte da tabela de controle da pesquisa

Fonte: autores.

Das 68 matérias publicadas pelo jornal Gazeta do Povo sobre o projeto da linha Azul desde o fim de 2006, a imensa maioria (63) utilizou alguma forma de espetacularização. Outras cinco, portanto, não tiveram esta característica. Sobre a maneira de dramatização usada, a discussão da “viabilidade” foi a mais frequente, com 36 casos. Houve ainda 21 textos sobre questões “técnicas” e nove matérias sobre o “financiamento” da obra. A maioria (51) das reportagens não continha nenhuma imagem ícone, mas outras 17 utilizaram algum tipo de imagem do projeto. Nesse sentido, também foram identificadas as matérias que utilizaram de recursos gráficos a fim de facilitar a apresentação do assunto ao público. O levantamento permitiu notar a utilização deles 21 vezes. Entre estes recursos podemos citar a utilização de fotos em que a logomarca do metrô é exposta, cronologias do assunto, mapas com o traçado da futura linha, identificação das futuras estações, desenhos que projetam o metrô em operação, entre outros. Figura 6 Exemplo de matéria coletada no site

Fonte: Gazeta do Povo, www.gazetadopovo.com.br.

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Figura 7 Matéria com destaque para reprodução da lomarca do projeto

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Ressaltamos, por fim, que o artigo não tem o objetivo de discutir a necessidade ou não da implantação do metrô em Curitiba, muito menos seus eventuais impactos positivos ou negativos – afinal, os estudos técnicos contratados por licitação ainda não foram concluídos. Mas, justamente por esses estudos não estarem concluídos, e mesmo assim haja fartura de informações gráficas e noticiosas sobre o projeto, tanto divulgados pela Prefeitura Municipal de Curitiba quanto pelos meios de comunicação, pode-se compreender como uma discussão de caráter técnico urbanístico, como é a construção de uma linha de metrô, tornou-se uma discussão pública, política e social na cidade, antes mesmo de se ter certeza sobre sua viabilidade técnica e financeira. Referências Bibliográficas ARBEX JR., J. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001.

Fonte: Gazeta do Povo, www.gazetadopovo.com.br.

CANCLINI, N. Imaginários culturais da cidade: conhecimento/espetáculo/desconhecimento. In: COELHO, T. (org.). A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras, Itaú Cultural, 2008.

Conclusão A cidade de Curitiba, conhecida mundialmente por criar e implementar um sistema de transporte coletivo público conhecido como BRT, retomou recentemente a proposta de implantação de um metrô. Pelo material de divulgação da prefeitura e pelo noticiado nos meios de comunicação, pode-se notar que desde quando a ideia foi retomada, em 2006, houve a espetacularização do projeto de construção de uma linha de metrô no município. A pesquisa, baseada tanto no material oficial de divulgação da PMC, quanto nas notícias publicadas pelo jornal Gazeta do Povo, é relevante porque comprova um dos recursos utilizados pelo discurso da mídia para espetacularizar um fato: a dramaticidade. Segundo nos mostra Pedro Diniz de Souza (2005), este mecanismo aproxima a linguagem e as coberturas dos meios de comunicação da linguagem teatral ou de “representação” exacerbada, com toques dramáticos, da realidade. Isso fica visível ao perceber que a maioria das matérias se abstém de discutir tecnicamente a viabilidade do projeto – o que vale é o desenrolar de uma história, mais do que a posição crítica e esclarecedora à população sobre a necessidade ou possibilidade de implantação do metrô. Também vimos que um recurso presente em 17 das 68 notícias foi o uso de imagens de intermediação discursiva, que seria, segundo Debord (1997), uma das características da Sociedade do espetáculo: “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.”

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CANCLINI, N. O papel da cultura em cidades pouco sustentáveis. In: SERRA, M. A. (org.). Diversidade cultural e desenvolvimento urbano. São Paulo: Iluminuras, 2005. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DUARTE, F. e PRESTES, O. Curitiba sobre trilhos: A história não contada do BRT. In: Revista dos Transportes Públicos, ano 32, 3º quadrimestre de 2009, p. 65. GAZETA DO POVO, Curitiba. Anteriores. (Disponível em www.gazetadopovo.com.br/ anteriores) acessado em 23/03/2010. HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. ITDP. Bus Rapid Transit Planning Guide. Washington: Institute for Transportation & Development, 2007. METRÔ CURITIBANO. Linha Azul CIC Sul/Santa Cândida. [2009]. (Disponível em www. metro.curitiba.pr.gov.br). Acessado em 23/03/2010. MOURA, R. Os riscos da cidade-modelo. In: ACSERALD, H. (org.). A duração das cidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. SÁNCHEZ GARCÍA, F. A. (in) sustentabilidade das cidades-vitrine. In: ACSERALD, H. (org.). A duração das cidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. SÁNCHEZ GARCÍA, F. Cidade espetáculo: política, planejamento e city marketing. Curitiba: Palavra, 1997. SCHWARTZENBERG, R-G. O Estado espetáculo. Rio de Janeiro: Difel, 1978. SOUZA, P. D. O discurso dramático da nova imprensa partidária. Actas 4º Congresso da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (4º SOPCOM), Aveiro, Portugal, 2005. (disponível em www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-pedro-discurso-dramatico-dnova-imprensa-partidaria.pdf acessado em 20/04/2010). ULTRAMARI, C.; DUARTE, F. Inflexões urbanas. Curitiba: Champagnat, 2009.

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