A estética de Agostinho de Hipona - o Belo

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Faculdade de Letras da Universidade do Porto Ano Letivo: 2014/2015 Licenciatura: Filosofia Unidade Curricular: Filosofia Medieval I Docentes: José Meirinhos e Paula Oliveira e Silva Aluna: Ana Catarina Moreira Azevedo

A estética de Agostinho de Hipona: o belo

Introdução Agostinho de Hipona, (354 d.C. - 430 d.C., Argélia) era um homem da igreja com inquietações, nas suas obras há soluções a problemas e críticas aos pensadores Maniqueus1 a sua primeira influência, seguindo-se o neoplatonismo e só depois de tornou cristão acabando por criar a sua própria abordagem à filosofia. Nos anos de 380/381 d.C. Agostinho de Hipona, era professor de Artes Liberais em Cartago, e terá elaborado um tratado de estética perdido denominado “De pulchro et apto”2, contudo apenas nas “Confissões” verifica-se o interesse do autor pela estética. Agostinho tem uma atitude positivista em relação ao homem, Deus – vive no presente inamovível - deu-nos o livre arbítrio – causa da felicidade do homem- para nos mostrar o seu poder, mas sabe que escolhas faremos e quais as consequências que iremos sofrer. Neste trabalho pretendo abordar a visão de estética e do belo do ponto de vista de Agostinho de Hipona, que influenciado pelos antigos (Plotino e Platão,) valoriza as artes, e entende o mundo como uma unidade da qual os seres humanos também fazem parte.

Maniqueus são adeptos do maniqueísmo – filosofia religiosa criada e divulgada por Maniqueu (filósofo cristão do século II) que divide o mundo entre o Bem (Deus) e o Mal (Diabo), ao contrário de Agostinho que acreditava que o universo é UNO e bom. 2 Trad: Sobre o belo e o conveniente 1

Desenvolvimento Capítulo I Do ponto de vista de Platão3 e Plotino4 a vivência estética – experiência do homem total radicada na consciência – é uma condição essencial para a evolução do ser humano, enquanto Platão aprecia a música, Plotino tem mais estima pelas artes plásticas. Para Platão, a cura da alma envolve o “conhecer-se a si mesmo” numa jornada por intermédio do autoconhecimento, o “conhece-te a ti mesmo”, é condição para a vida virtuosa. Para Plotino, o mundo é o melhor dos seres corpóreos, é uno e composto por harmonia, os que erram são aqueles que ignoram o mundo incapacitados ao ponto de não compreenderem a beleza. O mundo sensível é o último reflexo do uno, é sombra e reflexo do mundo inteligível. A beleza é ideia, é algo interior que faz parte da alma e do espírito. O amor ao belo, a busca da sabedoria e o aperfeiçoamento das virtudes cívicas convertem o ser humano, purifica-o e liberta-o. Agostinho, influenciado pelos antigos (Platão e Plotino), valoriza as artes, e entende o mundo como uma unidade da qual, os seres humanos fazem parte. O mundo é belo porque é contemplado de unidade e ritmo, mas para perceber a unidade rítmica que abarca o belo temos de “educar o olhar” para contemplar a harmonia do belo, pois o belo e a beleza pressupõem harmonia. Na tese estóica, o que confere beleza (o que é belo) é a sua proporção, ordem e simetria, Plotino nega essa ideia e apresenta cinco argumentos refutando a ideia estóica, porém Agostinho concilia a perspetiva de Plotino com a perspetiva estóica. Embora concorde com Plotino em relação ao caráter incorpóreo/imaterial da beleza (que depende do princípio da racionalidade que está na origem da constituição dos corpos belos), Agostinho numa das suas obras mais conhecidas “A cidade de Deus” define a beleza da seguinte forma “a beleza de qualquer objeto material está na harmonia das partes, unida a certa suavidade e cor”, o que mostra que de facto o Bispo de Hipona não desvalorizando a estética estóica da ordem e da proporção, opta antes pela harmonia 3

Platão foi um filósofo e matemático fundador da Academia, nasceu e morreu em Atenas, foi seguidor de Sócrates, e mestre de Aristóteles. 4 Plotino foi um filósofo grego, neoplatónico, nasceu no ano de 205 em Licopólis e morreu no ano de 270 no Egipto, foi aprendiz de Amônio Sacas, e mestre de Porfírio.

– Aristóteles defendia que a beleza resultava da harmonia das partes do objeto estético entre si e em relação ao todo – que se observa entre as diferentes partes. Há inúmeras belezas criadas por Deus, mas a essas juntam-se tantas outras criadas por artistas e mesmo quando apreciamos essas (criadas por artistas), estamos mesmo assim a apreciar a obra de Deus, contudo para Agostinho todas as coisas concebidas devem ser valorizadas, pois todas as coisas são belas. Para Agostinho, cada um dos seres era isoladamente bom, mas em conjunto será ainda melhor, ou seja o corpo na sua integridade é mais belo do que os seus membros, contudo cada membro do corpo tem uma beleza própria. Ao contrário de Aristóteles, Agostinho não faz menção à dimensão do objeto, acreditava que o porte do objeto estético era indiferente, o que indica que tinha presente a diferença entre beleza e o belo (este último submetido a ordem e proporção. Logo não há o afastamento total da ideia formal de beleza dos estóicos como se pressupõe em Plotino, a estética agostiniana estabelece-se em conjeturas que realçam a submissão formal das diferentes belezas já presentes.

Capítulo II Em todos os textos do Bispo de Hipona são encontradas várias expressões de admiração causadas pela beleza da criação, da vida virtuosa, da amizade e de Deus, a estética acompanhou-o durante toda a sua vida e os seus textos. No livro IV das “Confissões”5, Agostinho demonstra o seu interesse pela temática da estética, o belo, e o seu fascínio por objetos belos. Nós amamos o belo, pois é uma mistura de beleza e encanto. O belo faz-se presente na conformidade, equilíbrio e congruência, supõe harmonia. Aliciados pelo nosso encanto e harmonia, firmamos o nosso olhar e ponderação sobre as coisas belas. A beleza (dum corpo belo) também é vista na ligação com os outros corpos belos, e a isso chama-se harmonia.

“Amamos por acaso algo que não seja belo? E o que é o belo, o que é a beleza? O que nos atrai e nos liga ao objeto que amamos? Se não tivesse harmonia e encanto não seriamos atraídos. Eu via e observava, então que num corpo, uma coisa é a beleza no seu todo, e outra é a sintonização com outros corpos, e isso é harmonia, tal como a parte em relação ao todo, o calçado em relação ao pé e coisas semelhantes. Essa consideração brotou-me no espírito, do fundo do coração, e por isso escrevia alguns livros, não sei se dois ou três, sobre a beleza e a harmonia. Sabes ó Deus, por que os esqueci e não mais os possuímos. Eles me desapareceram, não sei como.” (Confissões, IV, 13,20) 5

Também no seu livro “Confissões” desta vez no livro X6, Agostinho mostra que é um esteta cuidadoso, emocionado e agitado pela beleza e diversidade das formas particularmente com o brilho das cores, a luz é a rainha das cores, pois está sempre presente e encontra-se manifestada num dos nossos sentidos, a visão. A luz, rainha das cores, divulga a luz invisível que vem do criador de tudo e de todas as coisas belas – Deus, para o autor, não chega sermos providos de olhos, temos de partir da luz visível que ilumina o mundo para encontrar a luz invisível, única luz. Agostinho coloca a beleza no objeto, mas concluí que apenas o espírito com brilho/iluminado, a pode aproveitar realmente, isto é só o coração cheio de graça é que a pode apreciar e deliciar-se com ela, sem cair por engano numa ilusão. O autor escreveu reflexões acerca do belo sobre a presença do Belo e do Feio na estética, e para isso usou a norma aristotélica de que a beleza é unidade na variedade, mas refere que a variedade não deve compreender unicamente as frações belas de um todo. Para o autor, o Belo é belo, e o Feio é feio. Para Agostinho de Hipona e para a estética medieval em geral, a beleza é associada à ideia da revelação e à perfeição de um Deus que criou tudo a partir de nada, ele criou a própria matéria da criação que viria a criar ainda mais substâncias/seres/objetos. A pesquisa da conceção agostiniana de forma é relevante para qualquer colisão com a estética de Agostinho pois é este conceito que traduz o caráter intermediário religioso7 da atitude estética. O conceito de forma significa que contingência e transcendência são expressas do mesmo modo, a nível estético. Para além do conceito de forma, há outro conceito que se revela fulcral para a compreensão da estética de Agostinho, o conceito de numerus8, que aparenta manter a junta entre unidade e multiplicidade. O esteta é capaz de interpretar em cada coisa o Sumo Belo é astuto o suficiente para reconhecer e indicar no mundo a presença dos números inteligíveis através dos quais Deus governa e confere beleza ao universo, para Agostinho todas as coisas são governadas por Deus partindo dos números existe proporção, medida e ordem.

“Os olhos amam a beleza e variedade das formas, o brilho luminoso das cores. Oxalá tais atrativos não me acorrentem a alma.” 7 Agostinho acredita que Deus cria a matéria informe ex nihilo, que tem a capacidade para arrecadar forma pela conversão a si. A beleza da criação é inerente à sua existência, desde o momento da sua criação. 8 Trad.: Números 6

Conclusão Para o Bispo de Hipona tanto a audição como a visão são sentidos fundamentais, universais e superiores aos outros, isto porque permitem-nos observar a beleza, pois tanto a visão como a audição são capazes de compreender a beleza segundo normas matemáticas e racionais. Deus por sua natureza é belo, pois é o criador de todas as coisas belas, é a Suma Beleza, enquanto UNO é a fonte da unidade de todas as coisas onde há unidade, proporção, equilíbrio, simetria e ritmo. O olhar da razão não só é capaz de perceber a beleza sensível como se dá conta também da beleza que está na alma. O olhar da razão começa nos sensíveis, passa pelos inteligíveis e desses chega ao UNO. Portanto transformado pela visão do UNO, o olhar da razão conseguirá constatar a beleza em todas as suas exteriorizações, sensíveis e inteligíveis, encontradas na conceção, nas artes, na alma e em Deus. A vivência estética está presente em todas as artes liberais unida pela beleza, beleza essa que é uma revelação do divino, e estimulados por essa beleza encontraremos a beleza de deus, ou seja, o Sumo Belo é uma manifestação das belezas da criação. “Amamos, sobretudo o Sumo Belo. E amando o Sumo Belo, no tempo e na história, amamos tudo aquilo que o Sumo Belo ama. E amando, cuidamos e promovemos a criação, expressão e epifania da Beleza e do amor de Deus”. (in: A estética de Santo Agostinho: o belo e a formação do humano”)

Bibliografia HINRICHSEN, Luís Evandro, (2009). A estética de Santo Agostinho: o belo e a formação do humano. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana. ISBN: 978-85-99481-14-1 HIPONA, Agostinho, (2012: Imago Mundi) A verdadeira religião, De uera religione. [Introdução e Notas: Paula Oliveira e Silva]. [Tradução: Paula Oliveira e Silva, Manuel Francisco Ramos]. Porto: Afrontamento.ISBN: 978-972-36-1288-2 Ferreira, Ana, (2012). Do Escondido: Santo Agostinho e os limites da estética. Tese de doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Portugal.

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