A ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL

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A ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL E AS PAISAGENS INDUSTRIAIS DO OESTE DO ESTADO DE SÃO PAULO COMO PATRIMÔNIO DA MOBILIDADE NO BRASIL. Pesquisadora TAÍS SCHIAVON [email protected] Orientação Prof.ª Drª. ANA CARDOSO DE MATOS (Universidade de Évora, Évora, Portugal) [email protected] Co-orientação Prof. Dr. ADALBERTO DA SILVA RETTO JÚNIOR ( UNESP, campus Bauru, São Paulo, Brasil) [email protected]

Arquiteta e Urbanista pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP, campus Bauru, São Paulo, Brasil_2007-2011). Mestra em História, Gestão e Valorização do Patrimônio Industrial pelo Master Erasmus Mundus TPTI (Techniques, Patrimoine et Territoire de l’Industrie, um convênio entre as universidades Paris 1 Panthéon Sorbonne, França; Universita Degli Studi di Padova, Itália; Universidade de Évora, Portugal_2013-2015), atualmente cursando doutoramento em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Évora, Portugal. Como continuação dos estudos desenvolvidos no Brasil pelo Projeto Temático FAPESP, a pesquisa desenvolvida para o master TPTI, caracterizou-se pela releitura dos dados coletados préviamente no Brasil e por sua adaptação metodológica ao conceito de Patrimônio Industrial, amplamente discutida em países europeus e em estágio inicial no Brasil. A pesquisa teve como embasamento a leitura histórica e cartográfica da região Oeste do Estado de São Paulo e a identificação das influencias internacionais no processo de dispersão ferroviária em direção ao interior do país. O vínculo deste memorial com a Instituição Francesa AHICF, a partir de 2015, permite que no âmbito da circulação de ideias, os conhecimentos sejam dispersos por novas fronteiras de estudo, permitindo a identificação de semelhanças e distinções referentes a implementação ferroviária e industrial em diferentes contextos1.

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Projeto Temático FAPESP: “05/55338-0- Saberes eruditos e técnicos na configuração e reconfiguração do espaço urbano: Estado de São Paulo, séculos XIX e XX. AP. TEM”, com a coordenação da prof.ª Dr.ª Maria Stella Martins Bresciani (UNICAMP); Subtema III – “Saberes Urbanos na configuração e re-configuração das cidades formadas com a abertura de zonas pioneiras no Oeste do Estado de São Paulo”, com a coordenação o prof.º Dr.º Adalberto da Silva Retto Junior (UNESP, Bauru). SCHIAVON, Taís. Le Chemin de Fer Noroeste do Brasil et les paysages industriels de l’Ouest de l’État de São Paulo, comme patrimoine de la Mobilité au Brésil. Master TPTI, Universidade de Évora, Évora, Portugal, 2015. (Dissertação de Mestrado). Orientação da prof. Drª Ana Cardoso de Matos (Universidade de Évora, Portugal) e a co-orientação do prof. Drº Adalberto da Silva Retto Junior (UNESP, Bauru). Em 2015 a pesquisa foi uma das cinco finalistas do Prix CILAC Jeunes Chercheurs, uma iniciativa desenvolvida pela CILAC como forma de incentivo à jovens pesquisadores. Esta dissertação representa o início parcerias entre a UNESP e Master TPTI, por meio do projeto “Conhecimento histórico ambiental integrado na planificação territorial e urbana: a criação de um acervo virtual nas cidades Bocas do Sertão”, coordenação do Prof. Drº Adalberto da Silva Retto Júnior e supervisão prof.ª Dr.ª Anne-Françoise Garçon (Université Paris 1 Panthéon Sorbonne, França) e prof.ª Drª. Ana Cardoso de Matos (Universidade de Évora, Portugal). AHICF _ Association pour l’Histoire des Chemins de Fer, apoio financeiro e metodológico de pesquisas entre Brasil e França. «Chemin de fer, mobilité et transformation urbaine: une comparaison internationale (São Paulo, Brésil et France) ».

A ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL E AS PAISAGENS INDUSTRIAIS DO OESTE DO ESTADO DE SÃO PAULO COMO PATRIMÔNIO DA MOBILIDADE NO BRASIL. RESUMO A construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, localizada na região Oeste do Estado de São Paulo, pode ser caracterizada como um exemplo da internacionalização de empresas europeias e brasileiras a partir de investimentos e projetos nacionais e franco belgas. Inserida em um projeto que visa a criação de um acervo patrimonial estruturado em rede, buscando inventariar, catalogar e sistematizar o território urbano da porção Oeste do Estado de São Paulo, este trabalho busca descrever o atual estado do patrimônio ferroviário, industrial e urbano gerado pela atuação direta ou indireta da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, possibilitando a criação de novos veios de interpretação aos dados históricos e sua aplicação nas diversas áreas em torno do planejamento urbano, ambiental e sócio econômico presentes nas cidades do Oeste Paulista, um cenário dinâmico, capaz de descrever o patrimônio da mobilidade como um museu aberto. CONTEXTUALIZAÇÃO Até hoje é mais exato falar em regiões ferroviárias, que de regiões geográficas ou econômicas da franja pioneira. (MONBEIG, 1984: 385)

O estudo global que geriu esta pesquisa buscou a identificação da ferrovia como elemento propulsor ao processo de urbanização da região Oeste do Estado de São Paulo, assim como a identificação das ações exercidas neste percurso, atuantes no contexto nacional ou internacional, aliadas a consequente valorização de seus vestígios. Em direção ao Oeste do Estado de São Paulo, território anteriormente desabitado, diferentes Companhias de Estrada de Ferro2 provocam uma surpreendente transformação espacial, responsável pelo abandono da condição de mata fechada, em troca da abertura de fazendas e do surgimento de organizados núcleos urbanos, um verdadeiro complexo de cidades guiadas a partir de um regime de rede com o avanço dos trilhos. A documentação identificada pela pesquisa permite a criação de um banco de dados capaz de narrar os processos de formação e transformação das cidades estudadas, abrindo caminho para futuros estudos urbanos. As atuações políticas em torno dos meios de transporte no Brasil, demonstram que o complexo urbano gerado em torno do modelo ferroviário, apresentam na transição ao modelo rodoviário uma série de rupturas em seu traçado urbano, intensificadas principalmente entre os anos 70/803. Toda a metodologia adotada pela pesquisa contou em acréscimo ao Brasil, com estudos realizados na França, Itália e Portugal, países das instituições de ensino do Master TPTI.

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Além da Noroeste, outras três companhias ferroviárias foram responsáveis pelo desbravamento do ‘sertão’, entre elas as companhias Sorocabana, Paulista e Araraquerense. Das quatro companhias, a Noroeste se destaca pelo pioneirismo no avanço territórial e pelo rompimento das fronteiras do Estado em direção ao Estado do Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul). 3

Até o momento a pesquisa considera o estudo das cidades de Bauru, Avaí, Presidente Alves, Pirajuí, Penápolis, Lins, Cafelândia e Araçatuba.

A NOROESTE DO BRASIL E A ABERTURA DO SERTÃO No Brasil o século XIX é marcado por decretos buscando a comunicação do território. Concentradas inicialmente nas regiões litorâneas, as ferrovias buscavam as áreas de produção agrícola realizando sua dispersão aos principais portos do país.

FIGURA 01 _ POSICIONAMENTO DAS FERROVIAS NO SÉCULO XIX. Fonte: ACIOLI, 2007: 28.

Com o fim da Guerra do Paraguai em 1870, foram reafirmadas as necessidades em busca do povoamento e o domínio do território brasileiro. Estratégias e projetos em torno de ferrovias e hidrovias previam a comunicação entre o Estado do Mato Grosso (divisa entre países como Paraguai e Bolívia) ao litoral brasileiro. Após vários estudos aproximando técnicos e engenheiros internacionais ao Brasil, como os Planos Rebouças (1874), Bicalho (1881), Ramos de Queiroz (1882) e o Plano da Comissão (1890), em 1890, o governo brasileiro lança um decreto concedendo “privilégio, garantia de juros e mais favores para o estabelecimento de um sistema de viação geral ligando diversos Estados da União à Capital Federal.” 4 Este decreto permitia a criação de um trecho entre Uberaba (em Minas Gerais) a Coxim (no Mato Grosso), sendo sua concessão de responsabilidade do Banco União do Estado de São Paulo. A falta de recursos suficientes à construção da companhia é colocada entre as possíveis causas do não cumprimento deste decreto. Após este fracasso, em 1904, o Sr. Joaquim Machado de Mello, engenheiro brasileiro renomado na Europa, consegue juntar recursos entre banqueiros e investidores franceses e belgas para a construção da recém criada Companhia de Estradas de Ferro Noroeste, que teria como ponto de partida a cidade de 4

decreto nº 862 de 16 de Outubro de 1890

Bauru no Estado de São Paulo e o gerenciamento realizado pelos representantes da “Compagnie Géneral de Chemins de Fer et Traveux Publics”, uma empresa de capital franco belga sediada na Bélgica. Recursos incomuns no Estado de São Paulo, onde grande parte do financiamento de ferrovias possuia o capital nacional ou inglês. Investimesntos franceses eram comuns em Estados do Sul e Nordeste do país. A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, tem sua estaca zero na cidade de Bauru, onde se entroncam a ‘Paulista’ e a ‘Sorocabana’, a primeira ligando-a a São Paulo através da ‘Santos-Jundiaí’ (...) e a segunda a Santos (FIGUEIRÊDO, 1950: 5, 6)

Iniciada em 1905, a construção da ferrovia tinha como ponto final a cidade de Cuiabá, em 1908 o destino é alterado em um novo decreto, sendo prevista a cidade de Corumbá, na divisa com a Bolívia. A partir desta conformação a Noroeste abrigaria na cidade de Bauru um dos mais importantes complexos ferroviários do país e América Latina. Por meio da junção com as companhias Paulista e a Sorocabana, as mercadorias proveninetes dos Estados de Mato Grosso e de São Paulo poderiam ser distribuídas aos principais centros de consumo do Estado e ao porto de Santos, um dos principais portos da América do Sul no Atlântico. A alteração do trecho à Corumbá, aproximaria o mercado brasileiro ao Paraguai, Argentina e Uruguai, oferecendo um maior controle sobre as fronteiras e o aumento da influência política do país e seus vizinhos. Mais do que isso, a alteração do trajeto possibilitaria a comunicação dos países de fronteira ao Brasil com o Oceano Atlântico, consolidando a hegemonia brasileira quanto as relações comerciais internacionais do continente sul-americano. Com a conclusão do prolongamento até Corumbá, tanto Bolívia quanto o Chile teriam facilitadas as comunicações com o Atlântico, a partir do trecho composto pela Noroeste entre Bauru e Corumbá e sua extensão Bauru – Santos, a partir das companhias Sorocabana ou Paulista, com sede em Bauru.

FIGURA 02 _ TRAJETO TRANSCONTINENTAL _ SANTOS-ARICA. TRECHO DA NOROESTE NO BRASIL _ SÃO PAULO E MATO GROSSO. Fonte: FIGUEIRÊDO, 1950, p.8. Apud: RETTO JR , ENOKIBARA, CONSTANTINO.

O impulso ao caráter transcontinental da linha surge em um momento em que a atuação das demais companhias férreas do Brasil e em especial as situadas em meio à região Oeste do Estado de São Paulo

iniciam o declínio de suas atividades. Ao contrário, a ‘Estrada de Ferro Noroeste do Brasil’, uma estrada de ‘penetração’, recebe um novo impulso, num momento onde mais uma vez o Oceano Atlântico torna-se o ambiente de circulação de conhecimentos e inovações, possibilitando também a reabertura do Brasil, visto agora como um ambiente propício ao estudo e à prática profissional, associados á lógica da dispersão do conhecimento. FERROVIA E A CONFORMAÇÃO DO CONTEXTO URBANO Por traz de uma ferrovia existe uma complexa estrutura capaz de viabilizar o seu desenvolvimento. Neste cenário destacam-se, investidores, engenheiros e demais trabalhadores qualificados a sua construção, além dos materiais e conhecimento do território a ser desvendado. O engenheiro apareceria substituindo o bandeirante, como o desbravador de áreas desconhecidas e aquele que permitia a ocupação e incorporação destes lugares ao corpo da nação (CASTRO 1993: 152).

A associação existente entre progresso e ferrovias caracteriza-se como um discurso amplamente utilizado ao longo do século XIX com o intuito de estimular os investimentos neste setor em todo o mundo. O progresso alcançado com os trens, ultrapassava o aspecto material, pois as estradas de ferro exerceriam influências positivas sobre o conjunto das atividades humanas, alterando costumes, a moral, a cultura, a instrução e a política. Neste sentido, as grandes feiras e exposições mundiais representavam um importante papel na divulgação dos países aos investidores em busca de novos mercados, segundo CASTRO (1993 : 29) “logo se tornou comum associar o vapor e as ferrovias à abertura de uma nova era, na qual o progresso atuaria como mola propulsora da história”. Indústria por excelência, na região Oeste do Estado de São Paulo, a ferrovia abre caminho por onde passa, preparando o terreno para o florescimento de estruturas capazes de agrupar as bases para uma organização verdadeiramente industrial, voltada para atender seu núcleo urbano, e as nessecidades da companhia. Nesta nova lógica, as estações representam junto com as grandes indústrias e equipamentos urbanos, os maiores monumentos edificados, demonstrando o poder econômico e o dinamismo de companhias e investidores. Arquitetos e engenheiros atuam junto à criação da chamada ‘arquitetura industrial’, destinada aos projetos das estações e todo o complexo criado em torno de seu progresso, desta maneira, indústrias, pontes e demais edifícios associados ao seu contexto seriam inseridos em sua dinâmica, como o meio de expressão máxima da modernidade e do progresso. (...) Suas cidades, hoje todas muito importantes, praticamente tiveram início com a estação original, marco inicial de um povoamento em função do qual a cidade se criou e se desenvolveu (MATOS, 1974: 128).

Quanto a Noroeste uma particularidade pode ser notada, mesmo sendo a gare o principal símbolo de imponência para uma companhia, foi identificado um certo improviso no estabelecimento de estações, característica percebida tanto em Bauru quanto nas demais cidades, sendo a ferrovia muitas vezes o elemento pioneiro de um município, vagões ou estruturas improvisadas serviam como estações.

Em Bauru, por muitos anos a companhia fez uso de instalações das demais companhias presentes na cidade, já que no início das atividades grande parte das funções administrativas eram realizadas no Rio de Janeiro, transferidas gradativamente para a cidade. Estruturas de madeira também eram amplamente utilizadas. É de autoria de Eugene Lafón o primeiro projeto para a estação da Noroeste em Bauru em 1905, muito próximo ao estilo das gares francesas, este projeto não chega a ser executado, considerado desnecessário perante os interesses reais da companhia, desta forma, por muitos anos, a Noroeste faz uso de uma estrutura de madeira e das instalações da Sorocabana, outra companhia com sede na cidade de Bauru.

FIGURA 03 _ PROJETO PARA ESTAÇÃO DE BAURU 1905. Fonte: Arquivos do Museu Ferroviário da Noroeste em Bauru, São Paulo, Brasil. Pesquisa realizada em Abril de 2015

Outro projeto é datado de 1922, assim como o projeto anterior, não foi colocado em prática, permanecendo em funcionamento as antigas instalações em madeira, substituídas apenas pelo imponente projeto inaugurado em 1939, existente até os dias atuais. No projeto de 1922 o ecletismo, representa a imposição de um estilo arquitetônico capaz de representar uma nação autônoma.

FIGURA 04 _ PROJETO PARA ESTAÇÃO DE BAURU DE 1922 Fonte: Arquivos do Museu Ferroviário da Noroeste em Bauru, São Paulo, Brasil. Pesquisa realizada em Abril de 2015

Somente em 1939 a Noroeste inaugura sua estação, período onde a ferrovia não possuia mais influências estrangeiras. A estação apresenta como estilo arquitetônico o Art Decó, buscando a modernidade a partir da simetria e grandiosidade. Edificada em três andares, o projeto da estação da Noroeste antecipa a utilização do concreto armado como elemento estrutural da gare5. Pouco tempo após sua inauguração, o edifício abriga a sede administrativa das três companhias situadas em Bauru.

FIGURA 05 _ PROJETO DE 1939 Fonte: Arquivos do Museu Ferroviário da Noroeste em Bauru, São Paulo, Brasil. Pesquisa realizada em Abril de 2015

Outro conjunto que merece destaque na cidade de Bauru caracteriza-se pelas Oficinas Gerais da Noroeste, construídas em 1921, representam importância tanto ao desenvolvimento da companhia como à 5

Outro projeto símbolo desta técnica no Brasil é representado pela Estação da Central do Brasil (Estrada de Ferro Dom Pedro II), no Rio de Janeiro, inaugurada em 1943.

cidade de Bauru, pois demonstram o rápido processo de modernização da principal cidade ‘Boca de Sertão’6 da companhia, além da autonomia nacional na gestão do empreendimento, uma vez que caracteriza-se como a primeira grande obra entregue desde a encampação em 1917. Juntamente à imponência dos edifícios ‘industriais’ ferroviários, a ‘arquitetura industrial’ do Oeste do Estado de São Paulo acompanha este processo de modernização. Cada vez mais as cidades passam a apresentar indústrias com maiores índices de sofisticação e capital instalado. Crescimento este diretamente revestido em sua arquitetura, unidades como Sambra, Anderson Clayton, Matarazzo entre outras distribuem modernas unidades fabris por toda a região. Hotéis, escolas, clubes, hospitais, aeroportos, vilas operárias, entre tantas outras estruturas foram instaladas nas cidades recém criadas para o atendimento dos operários da ferrovia e população urbana em constante crescimento. A atuação cultural também foi marcante, com a instalação de clubes e centros de recreação para a sociedade.

FIGURA 06 _ OFICINAS EM BAURU Fonte: Arquivos do Museu Ferroviário da Noroeste em Bauru, São Paulo, Brasil. Pesquisa realizada em Abril de 2015

Bairros operários também foram identificados, em grande parte das cidades eram concentrados em um único ponto da cidade, próximo à estação, em geral destinadas apenas aos cargos administrativos da companhia. Em cidades como Bauru, Lins e Araçatuba, que concentravam maior número de equipamentos e pessoal, as Vilas eram dispersas por diversos pontos da cidade, originando bairros em distintas regiões, conforme a dispersão dos equipamentos da companhia. 6

Bocas de Sertão _ Em geral, estas cidades atraem os maiores índices de pessoas e investimentos ao longo do processo de desenvolvimento das companhias da região em virtude de seu posicionamento pioneiro. Em geral, estas cidades apresentam maiores índices de desenvolvimento e espacialização urbana mesmo após o fim das atividades das companhias de estrada de ferro. Referentes ao eixo composto pela Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil caracterizavamse como ‘Bocas de Sertão’ as seguintes cidades: Bauru, Avaí, Lins, Penápolis, Birigui, Araçatuba e Andradina. A cidade de Pereira Barreto também possuía característica estratégica durante a construção do trecho conhecido como Variante, que anos mais tarde seria considerado como linha tronco.

Nos arquivos da companhia em Bauru, foi encontrado uma espécie de catálogo, contendo detalhes das unidades construídas pela empresa ao longo do avanço de seus trilhos. Moradias coletivas, individuais, hotéis, restaurantes entre outros ‘thypos’ foram identificados, sendo catalogados conforme a quilometragem da linha.

FIGURA 07 _ EQUIPAMENTOS URBANOS DA NOROESTE. Fonte: Execução da autora conforme dados encontrados em pesquisa.

BAURU E O IDEAL DA CIDADE SEM LIMITES Ao contrário de grande parte das cidades do Oeste do Estado de São Paulo, abertas em função do avanço dos trilhos, a cidade de Bauru já apresentava uma organização urbana e equipamentos como igreja, praça e cemitério. Os primeiros sinais de desenvolvimento concentravam-se onde atualmente está localizada a Rua Araújo Leite, na época uma estrada de ligação aos povoados vizinhos de Bauru, Fortaleza e Lençóis. Com a instalação das ferrovias na cidade, o desenho formado pela junção entre as três empresas aumenta a barreira existente entre as margens do córrego, aos fundos dos trilhos. Esta organização é considerada fator de importância para a cisão do traçado urbano, concentrando nas áreas em face a estação os lotes mais valorizados. Após a instalação da Sorocabana, em 1905, foi proposta a construção de uma Avenida, Alfredo Maia, atual Av. Rodrigues Alves. Historiadores consideram que esta avenida tenha sido o resultado da busca por ares contemporâneos à cidade, inspirados nos boulevares parisienses, privilegiando a perspectiva da estação.

FIGURA 12 _ LOCALIZAÇÃO DAS COMPANHIAS. Fonte: Execução da autora conforme dados encontrados em pesquisa.

Em 1914, um novo Código de Posturas é lançado buscando melhorias no traçado urbano da cidade que crescia em função da instalação dos trilhos. Neste período ocorre a reversão do quadro de saúde pública e normas sanitárias, sendo o engenheiro francês Sylvio Saint-Martin, responsável por boa parte das atividades. Pouco a pouco a cidade ganha novas fisionomias. Além da ferrovia, o automobilismo representa um impotrtante papel ao desenvolvimento espacial do município, com os anos nota-se cada vez mais marcante a presença do automóvel.

FIGURA 13 _ CRESCIMENTO E DISPERSÃO DE EQUIPAMENTOS NA CIDADE SEM LIMITES 1900 _ 2000. Fonte : Execução da autora conforme dados encontrados em pesquisa.

Com diversas avenidas sendo projetadas, não tardou para que as rodovias influenciassem na organização da cidade. O entroncamento ferroviário, conta com as influências das rodovias, que cortam a cidade a partir dos anos 40, alterando radicalmente as feições da cidade.

Nos anos 50, o município enfrenta o crescimento desordenado de seu traçado, que busca nas margens das rodovias novos limites para sua expansão. Grandes avenidas são projetadas, buscando a dispersão entre os fluxos urbano e o deslocamento proveniente de outras cidades da região. Nasce ai a cidade Sem Limites. FERROVIAS X RODOVIAS Após o delineamento das ferrovias na região Oeste do Estado de São Paulo, a sobreposição do traçado das rodovias revela que inicialmente esses eixos seguiam o traçado semelhante ao imposto pela lógica ferroviária, atuando em conjunto a criação de rotas perpendiculares, capazes de interligar as regiõs posteriormente abertas pelas ferrovias.

FIGURA 14 _ DISPERSÃO DE FERROVIAS E RODOVIAS EM SÃO PAULO. Fonte: Execução da autora conforme dados encontrados em pesquisa.

Num primeiro momento do rodoviarismo a concorrência entre os meios de transporte é identificada, porém as ferrovias ainda possuíam meios de viabilizar as adaptações necessárias, as carências foram intensificadas a partir dos anos 60. Curiosamente este processo de transição é notado num intervalo semelhante em países mais desenvolvidos, resultado da dispersão da lógica automobilistica e das necessidades de readaptação dos modelos ferroviários. A grande diferença existente entre o Brasil e demais nações, que ainda hoje utilizam os trens como importante meio de transporte de passageiros e mercadorias, resumida pela modernização de ambientes, tecnologias e o conforto dos vagões. No Brasil, ao passo que as rodovias eram construídas, o sistema ferroviário é colocado em segundo plano, somente trechos estratégicos recebiam novos investimentos do governo, processo que persiste até os anos 90, quando continuam em funcionamento apenas alguns trechos, em grande parte apenas para o transporte de mercadorias.

FIGURA 11 _ IMPACTOS DO FERROVIAIRSMO E DO RODOVIARISMO NO TRAÇADO DE BAURU. Fonte: Execução da autora conforme dados encontrados em pesquisa.

PATRIMÓNIO? No Brasil e sobretudo no Estado de São Paulo, o sistema ferroviário se torna o precursor do adensamento territorial, crescimento econômico e consequente dispersão da 'indústria moderna', consolidando definitivamente a conformação urbana, em sobreposição a conformação rural. Território desconhecido, a região Oeste do Estado de São Paulo vê sua expansão no início do século XX em meio a criação de novas conexões territoriais, abrangendo limites nacionais e internacionais, reflexo do sistema ferroviário, gradualmente substituído pelo modelo rodoviário de transportes, onde uma nova lógica urbana passa a ser consolidada. Nesta transição, um enorme complexo paisagístico e industrial é pouco a pouco colocado em evidência, decorrência da crescente modernização e reposicionamento de unidades fabris, resultado da era ferroviária gradualmente abandonada, um importante campo de estudo e readaptação. Quando se fala ou trata do termo patrimônio, o reconhecimento de seus agentes formadores é fundamental para a compreensão das ações humanas sobre o ambiente construído e sua organização social. Neste sentido, a análise geográfica do ambiente permite a compreensão das formas de apropriação da natureza de seu entorno e origens, delineando os rumos que determinada condição histórica tomou ao longo da evolução da sociedade ou comunidade em questão. O conceito de Patrimônio deve abranger questões referentes aos meios de produção, cultura e as formas de organização espacial, sobretudo urbano, incluindo neste contexto suas relações de caráter histórico e atuais, assim como as atividades sociais envolvidas em seu processo dinâmico, assim, o ambiente descrito por um monumento será capaz de descrever as questões em torno dos avanços da engenharia, ciência e cultura, apresentando a partir de seus espaços e trajetórias os avanços em torno da organização do espaço e sociedade.

A análise dos complexos ferroviários nacionais permite a compreensão dos processos em torno da capacitação técnica brasileira, demonstrada em meio à grande diversidade de edifícios, estruturas e forma de articulação, que a partir dos anos 60, passa a revelar estações e pátios ferroviários em processo de abandono e degradação. Os complexos ferroviários tornam-se questão de importância cultural nacional, seus espaços se revelam dia a dia como ambientes de ampla possibilidade de atuação e intervenção. Em sua origem, caracterizamse como espaços amplos dotados de determinadas infra-estruturas capazes de facilitar seu acesso. Ambientes dinâmicos e passíveis de inúmeras readaptações, peças chave à reconversão dos núcleos urbanos em função de sua estrutura préviamente existente. Em geral, as Companhias de Estrada de Ferro representam ao contexto urbano elementos de extrema importância histórica e viabilidades de readaptação. Nos últimos dez anos vem crescendo no Brasil a reconversão de espaços ferroviários. Resta aos municípios a busca pela maior variabilidade das atuais funções, possibilitando a maior participação da população, relativamente baixa quando comparada aos grandes centros internacionais, ou até mesmo nacionais como São Paulo e Rio de Janeiro, que utilizam antigas estações como museus e terminais urbanos. Das cidades cortadas pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, Bauru, Araçatuba e Lins, apresentam ao longo dos anos diferentes pontos para a sede de suas estações ferroviárias. Atualmente seus traçados apresentam cicatrizes, pontos de latência e rearticulação, onde podem ser implantadas idéias e usos semelhantes aos encontrados em países europeus, porém com os devidos cuidados em torno dos estudos de viabilidades e impactos evitando maiores problemas aos seus contextos urbanos. Muito mais do que recuperar os edifícios, a manutenção da história da companhia é de extrema importancia uma vez que grande parte das cidades ainda conta com edificios, maquinários e documentos, sem contar do relato humano um importante meio de descrição e compreensão dos fatos históricos.

Recentemente o incentivo a utilização turística de trechos tem sido incentivada, porém ainda podem ser consideradas como atitudes pontuais e com baixa repercussão. A cidade de Bauru até pouco tempo realizava pequenos passeios turísticos entre as estações da Noroeste e Paulista, fazendo usso de uma antiga Maria Fumaçã e dois vagões restaurados. Projetos em torno da criação de redes regionais novamente interligadas por ferrovias encontram-se em discussão no Brasil. As propostas lançadas pela CPTM7 (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), considera a partir de estudos de demanda, a reconstituição de trechos entre a cidade de São Paulo e cidades como Santos, São José dos Campos, Jundiaí, Campinas, Sorocaba, com possibilidades de extensão para os municípios de Bauru, Araraquara e Ribeirão Preto, conforme as etapas previstas para o projeto. Mesmo consideradas como grandes promessas de difícil realização, estas atitudes já representam o início da transição do pensamento e atitude do Brasil quanto a logística de transportes.

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Ligações Ferroviárias Regionais na Macrometrópole Paulista Estudos de Rede e Demanda. DIRETORIA DE PLANEJAMENTO E PROJETOS GERÊNCIA DE PLANEJAMENTO DE TRANSPORTE. Setembro/2014

Para Bauru a reinserção do complexo ferroviário é fundamental, em meio ao traçado urbano, sua recuperação possibilitaria a reativação de sua região, garantindo o dinamismo e a segurança ao centro da cidade. A atuação conjunta entre a valorização cultural, a melhoria da qualidade paisagística e de acesso á região, assim como ações em torno de sua revitalização econômica são fundamentais. Assim, o complexo ferroviário presente na cidade de Bauru, constituído respectivamente pelos conjuntos das companhias de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, Sorocabana e Paulista, pode ser categorizado como um importante modelo remanescente do Patrimônio Industrial e Ferroviário nacional. A análise dos edifícios construídos na cidade de Bauru demonstra os diferentes estágios técnicos das companhias, revelando também os estágios nacionais da dependência internacional, relacionados a todos os processos em torno do desenvolvimento ferroviário, e suas consequentes necessidades de adaptação em função do crescimento das companhias e diversificação econômica das cidades servidas pelos serviços de transporte. A identificação e a valorização de todas a área de delimitação do complexo ferroviário é de extrema importância, auxiliando a manutenção de sua autenticidade e integridade, como uma forma de impedir que parte de seu património seja esquecido ou retirado do local.

BIBLIOGRAFIA ACIOLI, Rodrigo Girdwood. “Os Mecanismos de Financiamento das Ferrovias Brasileiras”. Rio de Janeiro, 2007. Programa de Engenharia de Transportes - Universidade Federal do Rio de Janeiro (Dissertação de Mestrado). In: acesso fevereiro de 2015 AZEVEDO, Fernando de. “Um Trem Corre Para o Oeste. Estudo Sobre a Noroeste e seu papel no sistema de Viação Nacional”. São Paulo, Livraria Martins Editora S.A, 1950 CASTRO, Maria Ines Malta. “O Preço do Progresso: A Construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (1905-1924)”. UNICAMP (Tese de Dissertação de Mestrado), 1993. DE MATOS, Odilon Nogueira. “Café e ferrovias. A evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira”. Editora Pontes, São Paulo, 1990, 4ª Edição FIGUEIRÊDO, Lima. “A Noroeste Do Brasil E A Brasil-Bolívia”. São Paulo, Livraria José Olympio Editora. 1950 MONBEIG, Pierre. “Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo”. São Paulo, Editora HUCITEC, Editora POLIS, 1984. 1ª Edição MONBEIG, Pierre. “Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo”. São Paulo, Editora HUCITEC, Editora POLIS. 1998. 2ª Edição. 05/55338-0- Saberes eruditos e técnicos na configuração e reconfiguração do espaço urbano: Estado de São Paulo, séculos XIX e XX. AP. TEM. Subtema III – “Saberes Urbanos na configuração e reconfiguração das cidades formadas com a abertura de zonas pioneiras no Oeste do Estado de São Paulo” 06/58396-3. RETTO JR, Adalberto da Silva; MENEZES, Everton Pelegrini de. “A quadrícula e suas Variações na ocupação extensiva do território do Oeste Paulista: Estudo comparativo nos quatro ramais ferroviários”. BP. IC RETTO JR, Adalberto da Silva; ENOKIBARA, Marta; CONSTANTINO, Norma R. T. “The Theoretical and Technical Knowledge on the Configuration and Reconfiguration of the cities emerged from the opening of Pioneer Zones In the West of São Paulo (Brazil).” In: 15th International Planning History Society Conference. Cities, nations and regions in planning history.

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