A estratégia de produção pela qualidade – caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos

May 30, 2017 | Autor: Fernando Gomes | Categoria: Quality Management, Strategic Management, Push Pull Production Strategy, Lean enterprise
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A estratégia de produção pela qualidade – caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos Fernando Ricardo Gomes – [email protected] MBA Gestão da Qualidade e Engenharia de Produção Instituto de Pós-Graduação - IPOG Brasília, DF, 1º de setembro de 2016 Resumo Uma Estratégia de Produção bem planejada e estabelecida leva a organização ao sucesso junto aos seus clientes, que a reconhecem e indicam seus produtos e serviços. Do outro lado, uma Estratégia mau definida pode acarretar em aumento de custos, produtos e serviços que não atendem aos anseios dos clientes, queda de receita, colapso empresarial. Em meio a notícias de que os Correios terão recursos financeiros para se manter até setembro de 2016, a empresa se encontra em uma situação que, invariavelmente, dentre as medidas emergenciais, inclui-se redução de custos e revisão da sua posição no mercado. A pesquisa que será apresentada a seguir busca demonstrar que as organizações devem estar constantemente preocupadas na definição e no posicionamento de sua estratégia de produção, e que suas decisões neste sentido podem resultar no aumento de eficiência. A pesquisa tem característica de revisão literária, seja de publicações acadêmicas, seja de documentos de pesquisas mercadológicas junto ao Departamento de Marketing da Vice-Presidência de Encomendas e ao Departamento de Planejamento Estratégico e registros documentais da empresa Correios. Palavras-chave: Estratégia de Produção. Qualidade. Lean. Posicionamento de Negócio. 1. Introdução A sustentabilidade de negócios tem sido assunto recorrente entre organizações de classe mundial. Buscar eficiência na relação produção x custos, aumentando participação de mercado oferecendo produtos que atendam às expectativas dos clientes parecem ser premissas para resultar em negócios perduráveis. Além de fatores que podem interferir nesse resultado, como decisões governamentais e cenário econômico desfavorável, uma avaliação sobre o posicionamento estratégico da organização não pode ser deixada de lado: a estratégia de operações. Nos últimos 03 anos os Correios vêm testemunhando a urgente necessidade de reverter a tendência implacável de realização de prejuízo – confirmada em 2015 quando publicou uma redução de 215,4% no lucro comparado com o período anterior, 2014. Sua receita operacional em 2015 cresceu 6,7% frente ao ano anterior, muito embora tenha representado 95,5% da meta estabelecida para 2015. Entretanto, as despesas cresceram 18,5% nesse período, 11,3% acima do esperado: “para cada R$ 1,00 em despesas foram gerados R$ 0,85 em receita operacional” Seus resultados operacionais, medidos pela Qualidade ao Cliente, apresentaram redução de 4,9 pontos percentuais nesse período. (RAE, 12/2015:5-6). Em 30 de junho de 2016 o jornal Estadão, no caderno Economia, publicou na internet a matéria “Correios pedirão R$ 6 bi ao Tesouro”, em que mencionou a situação econômica da empresa. Dentre outras informações, ressaltou que “Só nos primeiros cinco meses deste ano, a empresa teve de desembolsar R$ 60 milhões em indenizações por falhas no serviço de entregas.” (ALVES, 2016)

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Esta breve análise faz despertar o interesse sobre a necessidade de se revisar a Estratégia de Produção e de revisitar a importância de tê-la sempre atualizada e implementada. Espera-se, com este estudo, que a empresa consiga despertar à necessidade de aprimorar sua forma de ouvir o cliente para, principalmente, ajustar seus processos à expectativa deste, uma vez que é o cliente quem viabiliza o crescimento dos negócios ao consumir seus produtos ou serviços. De forma semelhante, espera-se revisar o assunto para elucidar e consolidar a discussão acadêmica quanto à necessidade de se utilizar dos métodos descritos na literatura e às boas práticas de gestão aplicada à gestão da qualidade e do pensamento enxuto (Lean Enterprise). E, profissionalmente, o autor da pesquisa tem interesse no desenvolvimentos de tema como gestão da qualidade e da produtividade, principalmente quando são abordados os aprendizados disseminados com o TPS (Toyota Production System). 2. O que é Estratégia de Produção Para Slack (2009:37), a função produção “[...] é a função que agrega competitividade à empresa ao fornecer a habilidade de resposta aos consumidores e ao desenvolver as capacitações que a colocarão à frente dos concorrentes no futuro.” É pelo desempenho dos processos em operações que uma organização mantém sua reputação. Paiva (2004:39) lembra que “[...] o general Von Moltke conceituou o termo [estratégia] mais ou menos como hoje o utilizamos; para ele, estratégia era a ‘adaptação prática dos meios postos à disposição do general para o alcance do objetivo em vista’.” Ainda, conceituando a aplicação de estratégia para produção, Paiva cita Mintzberg: “‘[...] estratégia representa uma adaptação entre um ambiente dinâmico e um sistema de operações estável. É uma concepção de organização, de como esta se ajusta continuamente ao ambiente em que está inserida.’” É pela Estratégia de Produção que a organização determina seus investimentos em máquinas, equipamentos, diretrizes do Plano e Controle da Produção, da engenharia de produtos e de processos, capacidade, ou seja, toda política que envolve a engenharia de operações adotada. Segundo Paiva (2004:39), “A área de operações é um dos fatores definidores da estratégia da empresa, sendo três os elementos fundamentais desta: uma orientação dominante, um padrão de diversificação e uma perspectiva de crescimento”. É a partir da orientação dada pela organização para a área de operações que são definidas as estratégias para as demais áreas e a forma como ocorrerá a inter-relação entre os diferentes níveis da organização. Paiva (2004:105) ainda menciona que “Slack (2002) define uma sequência de passos para a implementação de estratégias de produção. O primeiro passo é o estabelecimento dos critérios competitivos da produção.” Lembra que este primeiro passo é necessário quando se busca harmonia entre marketing, produção e desenvolvimento de produto, para que cada função trabalhe “[...] para a melhoria da competitividade da organização”. Um dos métodos apresentados por Paiva para atingir este objetivo é a elaboração da matriz Importância x Desempenho, que busca correlacionar o desempenho da empresa ao dos concorrentes e os critérios competitivos identificados pela empresa aos que os clientes consideram importantes. A análise dos resultados da matriz possibilitam identificar quais atributos devem ser priorizados na elaboração das estratégias da organização. A matriz destaca quatro zonas que agrupam os atributos de acordo com a urgência das ações para atuação da organização: a apropriada, a de melhoramento, a de ação urgente e a de excesso. (PAIVA, 2004:103-105)

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Figura 1 - Matriz Importância x Desempenho

Fonte: PAIVA, 2006:103-105

Para Paiva, a organização deve concentrar esforços para transferir os atributos agrupados na zona de urgência para a zona apropriada, tendo em vista que, comparativamente à concorrência, o desempenho está pior em atributo considerado de maior importância para o cliente. Os atributos agrupados na zona de excesso podem corresponder a desperdício, uma vez que são percebidos como de menor importância para o cliente, porém, como desempenho acima do praticado pela concorrência. (PAIVA, 2004:103-105) Ainda de acordo com Paiva, é possível aumentar a competitividade da empresa trabalhando de duas maneiras: A primeira é através do aumento ou da diminuição da importância de alguns critérios, utilizando recursos de marketing. A segunda é melhorar o desempenho em alguns critérios através de investimentos na função produção. É possível também um investimento conjunto em marketing e produção, possibilitando uma influência simultânea tanto na percepção da importância dos critérios por parte dos clientes quanto na melhoria do desempenho nos mesmos perante os concorrentes. (Paiva, 2004:103-105)

Diante disso é possível afirmar que a produção de uma empresa é agente fundamental na realização do negócio. Caso fracasse na sua missão de gerar produtos ou serviços de acordo com o projeto ou atrase pedidos ou deixe de atender qualquer outro requisito, toda a organização pode fracassar frente à percepção do cliente. “Se uma função produção, no entanto, não consegue produzir seus produtos e serviços de forma eficaz, poderá “quebrar” o negócio ao prejudicar seu desempenho, independentemente da posição que ocupe em seu mercado.” (SLACK, 2009:37) Slack menciona o trabalho desenvolvido pelos professores Hayes e Wheelwright, o Modelo de quatro estágios, “[...] que pode ser usado para avaliar o papel e a contribuição da função produção.” O modelo permite identificar a progressão desde o papel negativo (Estágio 1) até a função produção “tornar-se o elemento central de estratégia competitiva” (Estágio 4). (SLACK, 2009:37)

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Figura 2 - Modelo de 4 estágios da contribuição de operações

Fonte: SLACK, 2009:39

No primeiro estágio, “Internamente neutro”, “[...] a função produção está segurando a empresa quanto a sua eficiência competitiva [...]”, contribui pouco para a competitividade da organização, não é vista como fonte de inovação ou originalidade, se resume a “evitar erros”; no segundo estágio, “Externamente neutro”, a função produção começa “[...] a comparar-se com empresas ou organizações similares fora do mercado (sendo “externamente neutra”) [...]”, levando-a “[...] a comparar seu desempenho ao da concorrente, e a tentar adotar “melhores práticas””; no terceiro estágio a operação, “Internamente apoiado”, a produção “[...] está entre as melhores de seu mercado [...]” e ‘aspira a ser a melhor do mercado’, ao obter “[...] uma visão clara da concorrência ou dos objetivos estratégicos da empresa e desenvolvendo os recursos de produção “apropriados” [...]”; e, no quarto estágio, “Externamente apoiado”, a função produção é vista pela empresa “[...] como provedora da base para seu sucesso competitivo. A produção olha para o longo prazo. Ela prevê as prováveis mudanças nos mercados e na oferta de insumos e desenvolve capacidades que serão exigidas para competir nas condições futuras de mercado, [...] é inovadora, criativa e proativa e está impulsionando a estratégia da empresa ao manter-se “um passo à frente” dos concorrentes”. (SLACK, 2009:37-38) Entretanto, para atingir o nível de satisfação dos clientes, Slack (2009:39) alerta que “[...] as coisas que a produção precisa fazer certo variarão de acordo com o tipo de operação. Todas as operações encaram qualidade como um objetivo particularmente importante.” 3. Percepção do cliente sobre o produto Muito embora concorde que alguns autores contestem o conceito, Carvalho e Paladini (2012:28) descrevem qualidade da seguinte forma: “No seu sentido primeiro, qualidade é uma relação da organização com o mercado. Neste contexto, a qualidade é definida como uma relação de consumo”. Uma relação de consumo em que a organização oferece algo que é procurado pelo mercado. Mas essa busca pelo consumo não é mais indiscriminada: os consumidores procuram por algo que não está mais apenas associado ao produto, na forma como este é produzido, ou na prestação do serviço em si. Qualidade vai além de tudo isso. Carvalho e Paladini e Slack lembram da visão transcendental discutida pelo Professor David Garvin, que idealiza a qualidade como sendo “excelência inata”. Conforme Slack, além da visão transcendental, o Professor David Garvin também categorizou outras quatro definições de qualidade: a abordagem baseada em manufatura, a abordagem

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baseada no usuário, a abordagem baseada no produto e a abordagem baseada no valor. (SLACK, 2009:522) Buscando simplificar as cinco abordagens para apenas uma, Slack (2009:524) conceitua assim: “Qualidade é a consistente conformidade com as expectativas dos consumidores”. Associa que, diferente do usual, expectativa não é igual a necessidade ou desejo, pois o consumidor (cliente) não se contenta apenas com suas necessidades, ele quer algo mais; mas também sabe que não conseguirá aquilo que não é provável. E, para conformidade, o autor busca correlacionar aquilo que foi pedido (especificado) com aquilo que é entregue. Quanto maior a conformidade, mais próximo o produto estará das expectativas. No entanto, para o consumidor, a visão de qualidade está relacionada com o que ele percebe. Ou seja, para ele, qualidade significa a aproximação da sua percepção com o produto ou serviço com a sua expectativa. (SLACK, 2009:525) Se a experiência com o produto ou serviço foi melhor do que a esperada, então o consumidor fica satisfeito e a qualidade é percebida como alta. Se o produto ou serviço esteve abaixo das expectativas do consumidor, então a qualidade é baixa e o consumidor pode ficar insatisfeito. Se o produto ou serviço corresponde às expectativas, a qualidade do produto ou serviço é percebida como aceitável. (SLACK, 2009:526)

Expectativas > percepções

Expectativas = percepções

A qualidade percebida é pobre

Percepções dos consumidores em relação ao produto ou serviço

Lacuna

Expectativas dos consumidores em relação ao produto ou serviço

Percepções dos consumidores em relação ao produto ou serviço

Expectativas dos consumidores em relação ao produto ou serviço

Lacuna

Percepções dos consumidores em relação ao produto ou serviço

Expectativas dos consumidores em relação ao produto ou serviço

Figura 3 - A qualidade percebida é governada pelo tamanho e pela direção da lacuna entre as expectativas dos consumidores e suas percepções do produto ou serviço.

Expectativas < percepções A qualidade percebida é boa

Fonte: SLACK, 2009:525

Neste aspecto, no caso dos Correios, a principal medida de qualidade utilizada para aferir os resultados operacionais é o “Índice de Qualidade ao Cliente – IQC”, que possui “foco na qualidade do ponto de vista do cliente e mede o prazo de entrega dos objetos postais”. A diferença entre os resultados aferidos e a avaliação dos clientes corresponde à lacuna mencionada por Slack. A Figura 4 apresenta a curva dos resultados aferidos de janeiro a agosto de 2016. (DPLAN, 08/2016:4)

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Figura 4 - Índice de Qualidade ao Cliente – IQC

Fonte: Paper Informações Estratégicas – Agosto – 1ª Quinzena, Correios, agosto/2016

Comparando esses resultados com o índice de indenizações processadas por encomenda fora do prazo, muito embora o grau de correlação seja fraco (menor que 40%), o comportamento das curvas indica tendência inversamente proporcional, podendo sinalizar que a variação do resultado do IQC é percebida pelo cliente e provoca variação no índice de indenizações processadas pela empresa. Figura 5 - Índice de indenizações processadas por encomendas fora do prazo

Fonte: Paper Informações Estratégicas – Agosto – 1ª Quinzena, Correios, agosto/2016

Concordando com isto, ao analisar o resultado da “Pesquisa de Opinião 2014”, encomendada pelos Correios e desenvolvida pela NC Pinheiro, observa-se que o atributo “Entrega no prazo” foi avaliado pelos clientes com nota 7,99 – sendo que a expectativa era de 8,74 pontos. Dentre os 09 atributos avaliados, este foi o que apresentou o menor resultado na percepção do cliente: 91,42%. 4. A Gestão da Qualidade e as Estratégias da Organização Para Slack (2009:78), os “[...] objetivos de desempenho da produção e as decisões da produção devem ser primeiramente influenciados pela combinação das necessidades de consumidores e das ações dos concorrentes”. A estratégia de produção deve alinhar as decisões da produção para satisfazer os clientes de acordo com os “requisitos do mercado”. Na perspectiva dos recursos de produção, a estratégia deve se basear nos recursos da empresa e considerar as competências centrais como sua principal influência. Assim, as decisões que definem a forma da operação produtiva (estruturais) e as decisões que “[...] influenciam os sistemas e

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procedimentos que determinam como a operação irá trabalhar na prática” devem ser claramente distinguidos. Logo, questões como investimentos em capacidade de produção e questões como sistemas e procedimentos, muito embora estejam intimamente ligados, afetam o resultado da produção em níveis diferentes. Moreira apud Walton (2008:553) destaca os pontos a seguir ao apresentar a relação entre qualidade e produtividade: a) Melhorar a qualidade implica que os custos baixem pela diminuição do trabalho refeito, dos erros, atrasos e empecilhos e pelo melhor uso dos materiais e do tempo das máquinas. b) O que por sua vez implica que a produtividade aumente. c) O que leva a conseguir o mercado com uma qualidade melhor e um preço mais baixo. d) Tornando, portanto, mais fácil à empresa ficar no negócio. e) Tendo como benefícios oferecer empregos e aumentar essa oferta.

Nesta relação pode-se observar que há uma consequência a partir dos procedimentos e sistemas resultando para a capacidade uma variação em função de como a qualidade é tratada na estratégia de produção. Como no exemplo de Walton apresentado por Moreira, melhorar qualidade aumenta produtividade. Isso porque o conceito trazido por Moreira (2008:553) é de que “[...] se um produto, serviço ou atividade é feito de forma correta e com qualidade logo na primeira vez, evita-se refazer o trabalho ou tenta-se consertá-lo posteriormente.” Atuando dessa forma evita-se retrabalhos com consertos, horas de trabalho de pessoas e máquinas tanto na produção malfeita quanto no reprocessamento de produtos, o que implica em aumento de custos, redução de eficiência e consumo inadequado de capacidade. Nos Correios, por exemplo, enquanto que entre os anos de 2003 e 2008 o efetivo total da empresa variou 0,2% (em média foi de 113.979 empregados), entre 2011 e 2015 a variação foi de 3,66% (com uma média de 125.574 empregados), ou seja, entre 2003 a 2015 o efetivo total da empresa aumentou 7,65% enquanto que a medida “Tráfego/empregado (em mil unidades)” reduziu 13%. 5. Qualidade e Custos Para Imai (2014:35), “Qualidade, custo e entrega não são assuntos distintos, mas estão intimamente ligados.” A relação dessa tríade não permite oferecer produtos sem qualidade com preços baixos, nem oferecer produtos de alta qualidade fora do tempo exigido. Para o autor, “[...] a qualidade perpassa todas as fases da atividade da empresa, ou seja, ao longo dos processos de desenvolvimento, projeto, produção, venda e manutenção dos produtos ou serviços.” Concordando com isso, Slack (2009:41) explica que “Custos crescentes não são a única consequência da má qualidade.” O fato de a administração estar preocupada em lidar com a insatisfação dos clientes causa o desvio do foco que pode ser uma simples falha de procedimento. Uma coisa leva a outra. “[...] o objetivo de desempenho da qualidade [...] envolve um aspecto externo, que lida com a satisfação do consumidor, e um aspecto interno, que lida com a estabilidade e a eficiência da organização.”

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O objetivo custo, para a função produção, pode ser classificado como consequência de outros, tais como velocidade, qualidade, flexibilidade e confiabilidade, de acordo com o exemplificado no diagrama de Slack, na Figura 6: Figura 6 - Objetivos de desempenho provocam efeitos externos e internos. O custo interno é influenciado por outros objetivos de desempenho

Fonte: SLACK, 2009:51

Slack sugere avaliar o nível de sucesso de uma operação a partir de um indicador de produtividade, conceituando que “Produtividade é a relação entre o que é produzido por uma operação e o que é necessário para essa produção” (SLACK, 2009:49). Neste quesito, ao avaliar a produtividade dos Correios em relação ao transporte nacional de carga, observa-se que, enquanto o resultado do transporte no modal aéreo, que é utilizado para conectar localidades mais distantes para garantir a execução de menores prazos, chega a 2,723 objetos/R$, o resultado do transporte no modal terrestre, que conecta localidades mais próximas com prazos menores ou localidades mais distantes com prazos mais dilatados, chega a 4,174 objetos/R$. A diferença corresponde a 1,53 vezes. Ou seja, a organização adota um modelo de estratégia de produção que prioriza o objetivo velocidade, neste caso, em detrimento do objetivo custo. Slack (2009:48) lembra que “Cada real retirado do custo de uma operação é acrescido a seus lucros.” Ou seja, é importante salientar que a margem operacional pode variar significativamente decorrente do quanto o custo da estratégia de produção consumir com as operações. Para Carvalho e Paladini (2012:31), a qualidade deve ser compreendida como fator de liderança estratégica: [...] a correta definição de uma forma de relacionamento da organização com o mercado e, mais em geral, com a sociedade (qualidade) é o mecanismo que conduz um dado resultado (fator), qual seja, uma postura inovadora (liderança) que garantirá a sobrevivência da organização (ação estratégica).

Mesmo procurando inovar em qualquer objetivo na tentativa de oferecer ao mercado algum diferencial (como a velocidade), a organização deve estar atenta à garantia de sobrevivência do seu negócio. Por isso a importância de se correlacionar a estratégia às expectativas e percepções do cliente.

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Imai (2014:38) aconselha a realizar o “[...] planejamento correto na primeira vez - compreender com precisão as necessidades do cliente, traduzir essa compreensão em requisitos de engenharia e projetos e fazer preparativos antecipados para um início sem problemas”, além de evitar problemas no momento da execução na fase de produção, evita problemas no pós-venda com os clientes. Além do custo por objeto no transporte utilizando o modal aéreo ser próximo de 35% mais caro do que o modal terrestre, a quantidade de indenizações pagas em julho/2016 pelos Correios sob o motivo “Atraso” correspondeu a quase 91% do total de indenizações processadas naquele mês. O valor pago com indenizações no mês de julho/2016 correspondeu a 0,1% de toda a receita operacional aferida no ano de 2015. No entanto, Imai (2014:41) chama atenção para os casos em que “[...] muitos gestores tentam reduzir custos apenas por meio de ações secundárias, como a demissão de funcionários, reestruturação e endurecimento com as relações com fornecedores. Esse corte de custos, invariavelmente, interrompe os processos de qualidade e acaba por deteriorá-la.” 6. Como os Correios planejam seus produtos e processos O modo de avaliar a qualidade percebida pelo cliente auxilia a função produção a entender e a identificar como os problemas relacionados a ela podem ser tratados e a qualidade ser gerida. Slack propõe um modelo de análise que considera, sob a perspectiva do consumidor (cliente) e sob a perspectiva da organização, as diferencias de especificações e conceitos, denominadas pelo autor como “lacuna”. Figura 7 - Domínio dos consumidores e domínio da operação na determinação da qualidade percebida, demonstrando como a diferença entre as expectativas dos consumidores e suas percepções a respeito de um produto ou serviço podem ser explicadas por lacunas em outra. Domínio do consumidor Experiências prévias

Comunicação boca a boca

Imagem do produto ou serviços

Lacuna 4

Expectativas dos consumidores relativamente ao produto ou serviço

Especificações de qualidade do próprio consumidor

Conceito do produto ou serviço da gerência de operações

Especificações de qualidade da organização Lacuna 2

Existe Lacuna?

Percepções dos consumidores relativamente ao produto ou serviço

Lacuna 1

O produto ou serviço real

Lacuna 3

Domínio da operação

Fonte: SLACK, 2009:526

As lacunas identificadas entre as especificações de qualidade do cliente e as especificações de qualidade da organização devem provocar redefinições das estratégias ligadas ao produto e ao processo, entre as especificações de qualidade da organização e ao produto real, percebido pelo cliente, devem gerar redefinições das estratégias ligadas ao produto e ao marketing, enquanto

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que as lacunas entre o conceito do produto da gerência de operações e às especificações de qualidade da organização devem levar à redefinição das estratégias ligadas ao processo. No entanto, apenas ouvindo o cliente e medindo o desempenho, comparando as informações, é possível levar à identificação dessas lacunas. O planejamento da produção dos Correios parte do modelo de negócios dos serviços prestados. Este modelo é discutido no “Guia do desenvolvimento e gestão de Produtos e Marketing dos Correios – GPM”, onde são definidas as Políticas e Diretrizes para o desenvolvimento e gestão de produtos nos Correios, tanto para inovação, planejamento, introdução, gestão do produto e do marketing, quanto para processos de suporte à gestão do produto. Uma boa prática identificada neste Guia é a Diretriz de incluir no design e na gestão do produto a identificação dos recursos, das atividades e da capacidade operacional envolvida na realização do serviço. Entretanto, ao avaliar o resultado da “Pesquisa de Opinião 2014”, observa-se que apenas 01 dos 09 atributos relativos à distribuição pesquisados é medido e controlado pela organização: “Entrega no prazo”. Uma tentativa de classificar os atributos por ordem de expectativa do cliente, a “Entrega no prazo” aparece listada em 7º lugar. Isso pode indicar que o atributo “Entrega no prazo” tem menor relevância para o cliente, assim como pode não ter relação com a ordem de importância dada por ele. A pesquisa não indica de forma clara qual é a ordem de importância dos atributos. Logo, o 7º lugar pode simplesmente indicar, por exemplo, que a realização do prazo já não representa expectativa de mudança para o cliente. Os demais atributos não possuem registro de acompanhamento sistemático (indicador). O enfoque no objetivo velocidade, sob a perspectiva do cliente, só faz sentido se este o perceber como muito importante. Voltando à matriz Importância x Desempenho, caso o desempenho dos Correios no atributo prazo for melhor que o desempenho da concorrência, sob esta leitura, o item seria classificado na “Zona de Excesso”, ou seja, o esforço para ser excelente em um atributo que pode estar exageradamente representando aumento de custos para a organização. O conceito de trade-off é sugerido por Slack para formulação da estratégia. O modelo pressupõe a melhoria do desempenho de um determinado objetivo sacrificando o desempenho de outros objetivos. O autor (2009:78) explica que quando “[...] uma operação utiliza o conceito de tradeoff para concentrar seus esforços em um conjunto estreito de objetivos de desempenho, denomina-se “foco em operações”. Foco também pode ser aplicado em partes de uma operação”. É provável que a estratégia de produção dos Correios para realizar entregas em prazos mais curtos – se considerar a prática de mercado – pode estar minando o resultado dos objetivos custo e qualidade, uma vez que os resultados do indicador de qualidade e a percepção do cliente apontam para uma tendência de insatisfação dos clientes. Isso pode explicar também, em parte, o resultado operacional negativo aferido pela organização. 7. Como o Lean Enterprise pode mudar a trajetória da organização Slack faz uma distinção das abordagens de produção tradicional e de produção enxuta com o diagrama apresentado na Figura 7:

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Figura 8 - Diferentes visões de utilização de capacidade nas abordagens (a) tradicional e (b) JIT (a) Abordagem tradicional

(b) Abordagem JIT

Fonte: SLACK, 2009:455

Até meados dos anos 2000, os Correios, em parceria formada em 1996 com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, aplicaram o que ficou conhecido como “Gestão da Produtividade Aplicada aos Correios – GPAC”, um modelo de gestão da produção que implantou na função produção da empresa conceitos como “desperdícios”, “gargalos”, “sistema puxado (Just In Time)”, dentre outras funções do gerenciamento de operações. O modelo, principalmente, e sem ser diretamente dito, introduz os conceitos do STP – System Toyota Production, que leva ao Lean Manufecturing. Nisso, o planejamento da produção reverteu algumas características do antigo modo de produzir os serviços, eliminando etapas e viabilizando a aceleração de alguns processos, corroborando com o pensamento de Slack: [...] os melhoramentos de qualidade podem afetar outros aspectos do desempenho da produção. As receitas podem ser aumentadas por melhores vendas e preços elevados no mercado. Ao mesmo tempo, os custos podem ser reduzidos por eficiência, produtividade e uso melhor do capital. (Slack, 2009:522)

Ao pensar estrategicamente nos procedimentos da produção, levando os conceitos de qualidade para fazer correto da primeira vez, a eficiência em toda a cadeia passa a produzir melhores resultados. Imai (2014:38) recomenda utilizar o Desdobramento da Função Qualidade – QFD porque é “[...] uma poderosa ferramenta que permite à gestão identificar as necessidades do cliente, converter essas necessidades em requisitos de engenharia e projeto, e, finalmente, implantar essas informações para desenvolver componentes e processos, estabelecer padrões e treinar funcionários.” O QFD, embora seja uma ferramenta desenvolvida no Japão na década de 1960, foi aprimorada e difundida por empresas estadunidenses na década de 1980, como a Ford e a Xerox. [...] o QFD corresponde a quatro matrizes onde é feito o planejamento do produto e que costuma ser chamada genericamente de “casa da qualidade”. A partir dos requisitos dos consumidores, que podem ser captados através de pesquisas, reclamações, etc., que geralmente são coletados na forma de idéias vagas ou conceitos generalizados, a equipe de projeto traduz estas idéias ou conceitos em requisitos de projeto que podem ser mensuráveis e, portanto, transformados em características efetivas do produto (conceitos). (Faria, 2006)

Carvalho e Paladini (2012:37) ressaltam que “A ênfase da qualidade no processo centra-se na eliminação de defeitos, que ocorre ao longo de fases bem definidas, que vão desde a percepção

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dos defeitos, passam pela sua correção e deságuam na eliminação de suas causas (ações preventivas).” É exatamente nesse aspecto que o Lean Enterprise, conceito que nasce com a filosofia japonesa traduzida como Pensamento Enxuto, ou simplesmente lean, procura atuar nas organizações. O Lean Institute Brasil (LIB) define lean como “[...] uma filosofia de gestão inspirada em práticas e resultados do Sistema Toyota.”: Trata-se de um corpo de conhecimento cuja essência é a capacidade de eliminar desperdícios continuamente e resolver problemas de maneira sistemática. Isso implica repensar a maneira como se lidera, gerencia e desenvolve pessoas. É através do pleno engajamento das pessoas envolvidas com o trabalho que se consegue vislumbrar oportunidades de melhoria e ganhos sustentáveis. (LIB, 2016)

A iniciativa lean se sustenta em propósitos orientados à criação de valor para o cliente, gerando relação com mudanças nos processos e na organização do trabalho para explicitar lacunas de conhecimento e de habilidades e criar oportunidades para que as pessoas envolvidas com o trabalho desenvolvam o necessário para preencher essas lacunas. Essa transformação deve ser incorporada pelo pensamento lean no dia a dia das operações, de maneira perene. (LIB, 2016) “A qualidade começa quando todos na organização se comprometem a não enviar refugos ou informações imperfeitas ao próximo processo”, reforça Imai (2014:42). Não basta a função produção estar preocupada em melhorar qualidade, reduzir custos, entregar produtos de alta qualidade percebida pelo cliente, se as demais funções da cadeia de valor da organização também não pensarem assim. Imai apud Kaoru Ishikawa (2014:42): “o processo seguinte é o cliente”. Cada etapa do processo produtivo dentro e fora da organização é cliente da etapa anterior. Compras, suprimento, atendimento ao usuário, desenvolvimento de software, limpeza e conservação, manutenção predial, vendas, e todos os demais setores da organização precisam enxergar seus demandantes como cliente interno e devem estar preocupados em realizar seus serviços ou entregar seus produtos com qualidade. “Não aceite falhas, não cometa falhas e não encaminhe falhas”. Para Imai (2014:42), “O gerenciamento de custos orienta os processos de desenvolvimento, produção e venda de produtos ou serviços de boa qualidade, enquanto se esforça para reduzir custos ou mantê-los em níveis estabelecidos”. Uma vez que toda a cadeia produtiva se esforça em produzir com qualidade, o reflexo é percebido em toda a organização, que passa a gerar menos desperdícios, a aproveitar melhor a capacidade produtiva e intelectual das pessoas e recursos, passa a reduzir custos e a perceber aumento nas margens. Assim, o modelo Just In Time trata dos problemas relacionados a custos e a prazos. Entretanto, o modelo funciona bem para redução de custos após eliminar todos os tipos de atividades que não agregam valor. Como o sistema está mais voltado para a entrega (é orientado pela demanda do cliente, e não pela geração de estoques), é necessário que a organização se esforce em enxergar o tempo e a quantidade de itens do pedido do cliente. Produzir mais que o necessário é desperdício – gera estoques, assim como produzir antes do necessário, e produzir com atrasos também gera desperdício. (Imai, 2014:46) O emprego de vários sistemas de gerenciamento aplicados pelo Lean, como Kaizen (Melhoria Contínua), JIT, Heijunka (nivelamento), Poka Yoke (dispositivos à prova de erros), Jidoka (autonomação), Kanban (controle de produção para sistemas puxados), Gestão Visual, VSM (Mapeamento do Fluxo de Valor, em inglês), dentre outros, permite perceber a melhoria da qualidade e tornar a empresa muito mais rentável. (Imai, 2014:47) Imai (2014:47) ainda conclui que “[...]a qualidade é o alicerce sobre o qual custo e entrega podem ser desenvolvidos. Sem o desenvolvimento de um sistema robusto para garantir a

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qualidade, não pode haver esperança de se construir sistemas eficazes de gerenciamento de custos e de entrega.” 8. Conclusão Diante de tudo o que foi exposto, pode-se observar que, embora os Correios realizem pesquisas junto aos clientes, os resultados não permitem identificar qual é a ordem de importância dos atributos submetidos à avaliação. Além disso, a pesquisa não segmenta os resultados por perfil de cliente ou serviço consumido, para decompor os resultados por negócio: Postal, Encomendas, Logística e Rede de Varejo. Para elaboração de uma estratégia de produção mais adequada, a correta identificação dessas variáveis implica na acurácia das ações definidas para tomada de decisão. Como discorrido nos exemplos, se ocorrer de os clientes de fato não considerarem a velocidade para entrega como principal atributo, a decisão da organização poderia ser a de encaminhar o máximo de objetos utilizando o modal terrestre, o que corresponde a uma economia de 35% em relação ao custo médio por objeto encaminhado utilizando o modal aéreo. Ou seja, caso se expanda esse raciocínio, com a visão do cliente, para as demais etapas do processo produtivo, pode-se representar um significativo ganho de escala para a organização. A associação dos sistemas de gerenciamento proporcionados pelo Lean Enterprise nas operações e nas demais atividades da organização podem potencializar os resultados. Programas iniciados pela empresa, como a Jornada de Capacitação e Desenvolvimento - JCD, que envolve os empregados lotados em unidades operacionais até o 3º nível de gerência, tratando de problemas de resolução simples, afetos ao dia a dia das operações, e programas mais avançados, como a capacitação de profissionais Belt Lean Six Sigma, a partir do Primeiro Escalão da organização, formando Champions Lean Six Sigma, e descendo pela estrutura organizacional até alcançar o 3º nível de gerência formando Black Belts, Green Belts e Yellow Belts podem facilitar a implementação de uma cultura voltada para o desenvolvimento de produtos e serviços de alta qualidade percebida pelo cliente, além de representar um novo impulso ao programa da GPAC iniciado há 20 anos. Sugere-se então que a organização siga os passos para planejamento da estratégia de produção resultar em sucesso: aprimorar a pesquisa de opinião para identificar o grau de importância dos atributos por ordem de prioridade, segmentação dos clientes por negócio consumido, rever os indicadores para medir os atributos listados como importantes para os clientes, comparar os resultados dos indicadores com o praticado pela concorrência (fazer benchmark), aplicar os resultados à matriz Importância x Desempenho para listar os atributos que devem ser priorizados para ações de melhoria, utilizar o QFD para revisar engenharia de produtos e de processos e assim identificar as oportunidades de adequação às especificações do cliente e da organização, expandir o programa da JCD para capacitar e homogeneizar o diálogo com os gestores operacionais com foco no lean e implantar o programa de qualificação de profissionais Lean Six Sigma, para que possam trabalhar os problemas complexos não solucionados pelas equipes Kaizen nas unidades de primeira linha (até o 2º nível de gestão). Referências ALVES, Murilo Rodrigues. Correios pedirão R$ 6 bi ao Tesouro. O Estado de S.Paulo. Disponível em http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,correios-pedirao-r-6-bi-aotesouro,10000060088. Acesso em 31 de agosto de 2016.

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CARVALHO, Marly Monteiro; PALADINI, Edson Pacheco. Gestão da qualidade: Teoria e Casos. 2ª Ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Elsevier: ABEPRO, 2012. FARIA, Caroline. Desdobramento da Função Qualidade (QFD). Disponível em http://www.infoescola.com/administracao_/desdobramento-da-funcao-qualidade-qfd/. Acesso em 31 de agosto de 2016. IMAI, Masaaki. Gemba Kaizen: uma abordagem de bom senso à estratégia de melhoria contínua. 2ª Ed. Porto Alegre: Bookman, 2014. LEAN INSTITUTE BRASIL. Definição. Disponível em http://www.lean.org.br/o-que-elean.aspx. Acesso em 31 de agosto de 2016. MOREIRA, Daniel Augusto. Administração da produção e operações. 2ª Ed. São Paulo: Cengage Learning, 2008. PAIVA, Ely Laureano. Estratégia de produção e de operações. Porto Alegre: Bookman, 2004 SLACK, Nigel; CHAMBERS, Stuart; JOHNSTON, Robert. Administração da produção. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009.

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