A estratégia espacial construída pelas pessoas: Uma metodologia para combinar problemas, oportunidades e desafios

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‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

A estratégia espacial construída pelas pessoas: Uma metodologia para combinar problemas, oportunidades e desafios Jorge Gonçalves(a) , J. Antunes Ferreira(b) (a) Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georecursos, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, Email: [email protected] (b) Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georecursos, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, Email: [email protected] Resumo A construção de um instrumento de gestão territorial (IGT) é muito demorada, complexa mas determinante do futuro dos espaços onde incide. Todo este quadro acaba por valorizar as componentes técnicas e políticas dado que é difícil mobilizar os cidadãos e outros atores para um processo deste tipo. Surge assim a participação apenas numa fase inicial onde se podem identificar os problemas que existem num território e, numa fase final, onde se podem avaliar e discutir os resultados. Tendo em conta esta grave limitação considerou-se pertinente a promoção de uma ampla participação sobretudo no momento em que o IGT se encontra na delicada fase de encontrar respostas duráveis e mobilizadoras às questões levantadas no diagnóstico. Esta comunicação pretende descreve uma proposta de metodologia para um envolvimento amplo e ao mesmo tempo especializado que discuta de modo participado os elementos fundamentais para um desenho de estratégia num plano territorial. Palavras chave: Estratégia espacial; Instrumento de Gestão Territorial; Envolvimento público

1. A estratégia no Plano Diretor Municipal: Noções prévias A estratégia, por um lado, é considerada como uma ferramenta eficaz para dar resposta aos anseios espaciais de um modelo flexível de acumulação de capital. É, portanto, uma ferramenta associada ao neoliberalismo; por outro lado, pode também ser entendida como um instrumento capaz de abrigar uma participação pública mais ativa, orientada no sentido de uma construção partilhada de um futuro possível e desejado para essa comunidade territorial. Todavia, é importante assumir, em qualquer dos casos, que é a combinação, em cada caso, dos objetivos com os recursos disponíveis e a mobilizar, que lhe confere uma clara singularidade. Estas duas perspectivas, sendo distintas, poderão com facilidade fundir-se numa única, com a segunda a tornarse apenas um exercício manipulado pela primeira perspectiva. Podemos assim acrescentar que o planeamento espacial estratégico é também um conjunto de conceitos, procedimentos e ferramentas, que devem ser combinados de modo a alcançar os resultados pretendidos, mas com expressão territorial. É, por isso, mais que uma teoria ou modelo. É um processo, é uma exigência de uma organização adequada e o estímulo de uma mobilização necessária para a sua concretização. A metodologia para o processo espacial estratégico deverá conformar-se à utilização da informação recolhida e tratada até essa fase do plano, identificando as dimensões sectoriais que exijam mais atenção (quer por serem problemáticas quer por serem de aproveitar). É dessa primeira sistematização e da sua validação através da discussão pública que surgem as primeiras ideias estruturantes da estratégia. 1100

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Porém, a descrição dessa experiência exige que não só se discuta os procedimentos e os resultados obtidos mas que, de forma preliminar, se apresentem desde já alguns dos conceitos básicos estabelecidos para criar uma base comum de diálogo entre os vários intervenientes. Recursos, problemas, oportunidades e desafios, são os conceitos de base considerados mobilizadores de uma estratégia visando a definição de orientações estratégicas. O recurso foi entendido como algo que pode ser utilizado no sentido da melhoria ou aproveitamento das condições existentes. No caso de um território o recurso deverá proporcionar a possibilidade de, por um lado, resolver problemas com repercussões no domínio do plano e, por outro lado, poderá igualmente ser importante para aproveitar dinâmicas globais ou intervenções/decisões exteriores ao município. Em síntese, um recurso constitui, então, algo que pode ser usado por um plano, através de uma ação, no sentido de enfrentar um problema ou aproveitar uma oportunidade permitindo gerar mais-valias para a qualidade de vida da população afetada por esse plano. O problema corresponde a uma disfuncionalidade existente ou prevista verificada localmente. A sua resolução depende da capacidade de perceber se o problema é então de raiz local ou extra-local e, nessa linha de raciocínio, se é um problema de base ou um problema sucedâneo. Assim, um problema deve então definir-se, como uma situação de disfuncionalidade no domínio do plano decorrendo da existência de fragilidades e debilidades e que, no caso de inação, pode vir a afectar negativamente a qualidade de vida das populações A oportunidade constitui uma situação que numa determinada conjuntura, existente ou previsível, mas confinada no tempo, se apresenta como favorável para um território podendo, caso seja possível aproveitá-la, contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações. A escala local pode dela beneficiar caso consiga reunir quatro condições essenciais e cumulativas: identificar essa oportunidade, dispor dos recursos necessários para a aproveitar, estar mobilizada e desenvolver o quadro de ações adequadas. A conjugação adequada destes aspectos – reconhecimento, recursos, mobilização e ação – é fundamental para aproveitar a oportunidade com sucesso. O desafio é entendido como o processo de superação ou mitigação de problemas e/ou o aproveitamento de oportunidades. Na óptica de um território corresponde a algo que deve ser enfrentado no sentido de daí, com o seu aproveitamento ou superação, retirar vantagens para as pessoas e atividades nele sedeadas. Formulando a mesma afirmação mas pela negativa, quando um desafio é ignorado ou mal avaliado as consequências poderão ser prejudiciais. Um desafio acaba então por constituir o enfrentamento selecionado de problemas existentes ou expectáveis e/ou o aproveitamento de oportunidades existentes ou expectáveis visando alcançar novos patamares de desenvolvimento.

2. O envolvimento público na estratégia na estratégia espacial: uma oportunidade para criar capital social Pierre Bourdieu (1980), sublinha que o capital social é um dos recursos de que dispõem os indivíduos e os grupos sociais, a par do capital económico ou histórico. O capital social é, para este autor, o conjunto de relações e redes 1101

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de ajuda mútua que podem ser mobilizadas efetivamente para melhorar a existência do indivíduo ou dos grupos onde se encontra envolvido. Sendo propriedade do indivíduo e de um grupo pode ser também “armazenado” e acumulado de modo a proporcionar novas oportunidades no futuro. A ideia de capital social remete para os recursos a obter da participação em redes de relações mais ou menos institucionalizadas. Putnam (1995) refere que uma comunidade que beneficia de níveis relevantes de capital social e redes sociais de compromisso cívico incitam à prática geral da reciprocidade e facilitam o surgimento da confiança mútua. Assim, tendo em conta a relevância do capital social procurou-se desenvolver fórmulas que facilitassem a participação pública e a ação coletiva: “reducing the costs of participation (e.g. paying for child care, keeping meetings short);

increasing the direct benefits (e.g. creating an opportunity for socialising); penalising non-participation (e.g. ‘naming and shaming’); making the impact of participation on the policy decisions more explicit (e.g. using the local media to highlight examples of success); altering the perception of policy outcomes (e.g. careful ‘marketing’ of policy); an education programme (e.g. through schools)” (Rydin e Pennington, 2000). O capital social não é, como se viu, inato. Cria-se, acumula-se e cuida-se. A sua quantidade e qualidade são determinantes na coesão social e territorial e ainda na determinação e enfrentamento dos desafios do futuro. Assim sendo, o envolvimento da comunidade na elaboração do que será a estratégia a considerar para o ordenamento territorial na próxima década não se torna um exercício retórico ou administrativo mas sim a busca genuína de contributos úteis, informados e atualizados através de um processo que propícia o interconhecimento, a valorização das opiniões e expectativas pessoais, o reforço da confiança mútua, etc. Por isso, o envolvimento público neste caso concreto cumpre pelo menos três exigências: Satisfaz a preocupação do quadro legal quanto à participação das populações/interessados nos processos de planeamento, através do alargamento dessa participação a esferas tradicionalmente mais reservadas; Promove a coesão socio-territorial por via de uma mobilização generalizada para o debate de ideias sobre a comunidade, o território e o futuro. De um modo estruturado, pessoas diferentes, com diferentes experiências e percepções colocam as suas visões disponíveis aos outros para o debate; Fornece elementos fundamentais para conceber e estruturar a componente estratégica do Plano Diretor Municipal.

3. Os passos de uma metodologia de construção coletiva da estratégia A metodologia que agora se descreve foi preparada e aplicada numa sessão teste aos dirigentes e técnicos municipais e onde se juntaram ainda o presidente da autarquia bem como a vereadora do pelouro do planeamento. O conteúdo da sessão foi pensado de modo a extrair dos participantes as suas opiniões sobre um conjunto de aspetos que afetam o concelho mas também de modo a que os restantes se pronunciassem sobre essas mesmas opiniões, de modo a perceber o seu grau de generalização ou de aceitação.

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De uma forma breve pode-se apresentar a concretização da sessão com 5 grupos com 5 pessoas cada, 5 facilitadores de mesa e 4 facilitadores de sessão, da seguinte forma: 1º Momento – Introdução e Enquadramento (30 min): i. Recepção dos participantes – Distribuição de números identificativos do grupo em que se inserem no 2º momento (problemas e oportunidades) e no 3º momento (desafios), de “memos” com definições e das fichas para preencher com os problemas, as oportunidades e os desafios; ii. Distribuição dos participantes por grupo, conforme identificação do 2º momento; iii. Explicação dos objetivos da sessão; iv. Explicação de conceitos; v. Explicação da metodologia para a sessão 2º Momento – Identificação de Problemas e Oportunidades (60 min): i. Facilitador relembra definição de Problema e Oportunidade e dá dois dos exemplos mais claros e incontroversos para cada um (referindo que estes exemplos não poderão ser utilizados – o que fazer com os exemplos? Inserem-se também na nuvem para hierarquização?); ii. Dentro de cada grupo é pedido a cada um dos membros que identifique os 5 problemas mais graves do concelho (devem escreve-los em post-it individualmente e na folha fornecida); iii. O facilitador afixa os post-its no quadro/parede e promove uma troca de impressões para depurar o conjunto de problemas e tentar consensualizar os 5 mais graves (que podem estar na lista dos identificados por cada elemento do grupo ou surgir após aglutinação/discussão). Se não for possível consensualizar usa-se um processo de votação (com voto secreto). De qualquer das formas não se perderá a memória do processo; iv. Este resultado é transmitido à equipa facilitadora “geral” que depura o conjunto de problemas e insere no computador; v. Após entrega do resultado da selecção de problemas, o grupo faz o mesmo processo para as oportunidades; vi. Intervalo (facilitadores “gerais” depuram conjunto de oportunidades e inserem no computador); vii. Durante o intervalo dá-se o processo de votação: cada pessoa elege 3 dos problemas que considera mais e nas 3 maiores oportunidades; viii. Depuração dos resultados e hierarquização de problemas e oportunidades 3º Momento – Identificação de Desafios (60 min): i. Distribuição dos participantes por grupo, conforme identificação do 3º momento; ii. Facilitador relembra definição de Desafio e dá dois exemplos (referindo que estes exemplos não poderão ser utilizados e que a sua identificação tem por base os problemas e as oportunidades já identificadas – o que fazer com os exemplos? Inserem-se também na nuvem para hierarquização?); iii. Dentro de cada grupo é pedido a cada um dos membros que identifique os 2 maiores desafios identificando quais os problemas e oportunidades a que responde (devem escreve-los em post-its individualmente e na folha fornecida; ter por base um conjunto de palavras proibidas ou palavras permitidas); iv. O facilitador afixa os post-it no quadro/parede e promove uma troca de impressões para depurar o conjunto de desafios e tentar consensualizar 5/6 (que podem estar na lista dos identificados por cada elemento do grupo ou surgir após aglutinação/discussão). Se não for possível consensualizar usa-se um processo de votação (com voto secreto). De qualquer das formas não se perderá a memória do processo; v. Este resultado é transmitido à equipa

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facilitadora “geral” que depura o conjunto de desafios e insere no computador; vi. Dá-se o processo de votação: cada pessoa vota em 3 dos desafios; vii.Depuração dos resultados e hierarquização dos desafios

4. O tratamento da informação resultante Tão importante como o processo de estruturação da sessão é o processo de tratamento e sistematização dos resultados que tem de responder a dois aspetos importantes: um relaciona-se com o facto de existirem várias sessões e por isso tem de ser prático e acolher com facilidade uma grande quantidade de informação; outro respeita à sua capacidade de organizar os resultados mesmo aqueles que não têm a ver diretamente com o que poderia constar do Plano Diretor Municipal. A proposta para resolver estas duas precondições foi uma chave dicotómica que, por respostas de “sim” e “não” a perguntas sistemáticas, permite culminar numa matriz organizadora das respostas. Para cada um dos conceitos tratados na sessão - problemas, oportunidades, desafios - resultou uma matriz com a correspondente listagem de respostas Finalmente, a partir de uma aplicação disponível no Google Driver foi possível ter uma visão de conjunto e de relação entre oportunidades, problemas e desafios. A aplicação Network Graph permite articular e dar uma imagem interessante deste conjunto de informação e ainda interagir com os dados percebendo para cada desafio quais os problemas e oportunidades que são abordados. O resultado de conjunto fornece assim uma ideia sugestiva dos desafios que permitem enfrentar e aproveitar mais problemas e oportunidades bem como aqueles que apenas dão resposta residual às preocupações colocadas.

5. Reflexões finais A estratégia territorial a integrar em fase de elaboração dos instrumentos de planeamento não têm tido a centralidade exigida no processo e muito em especial no que respeita ao envolvimento público. Esta proposta metodológica para a participação pública surge já no decorrer de um processo de definição e estruturação da abordagem estratégica do PDM e prevê-se a sua generalização a sessões com participantes ligados a certos domínios da vida local (cultura, economia, etc.), a certos territórios (juntas de freguesia) ou ainda a grupos de cidadãos com certas afinidades (idosos, jovens, dificuldades na mobilidade, etc.). A sessão-teste bem como o tratamento dos seus resultados mostra que poderá ser um bom contributo para integrar de modo substantivo a estratégia espacial para Almada bem como poderá constituir uma interessante ferramenta a implementar com os ajustes que considerarem adequados a outros formatos de planos.

6. Bibliografia Bourdieu, P. (1980). Le capital social: notes provisoires. Actes de la recherche en sciences sociales, 31, pp. 2-3.

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‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia Gil, A., Calado, H., Bentz, J. (2011). Public participation in municipal transport planning processes – the case of the sustainable mobility plan of Ponta Delgada, Azores, Portugal. Journal of Transport Geography, 19(6), 1309–1319 Putnam, R. (1995). Bowling Alone: America's Declining Social Capital, Journal of Democracy, 6(1), 65-78. Rydin, Y., Pennington, M. (2000). Public Participation and Local Environmental Planning: The collective action problem and the potential of social capital. Local Environment: The International Journal of Justice and Sustainability, 5(2),153-169

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