A estrutura de atitudes e referências do imperialismo romano em Sagunto (II a.C. – I d.C.).

June 25, 2017 | Autor: C. Campos | Categoria: Ancient History, Roman imperialism, Romanizacion Iberian peninsula
Share Embed


Descrição do Produto

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Carlos Eduardo da Costa Campos

A estrutura de atitudes e referências do imperialismo romano em Sagunto ( II a.C. – I d.C.)

Rio de Janeiro 2013

Carlos Eduardo da Costa Campos

A estrutura de atitudes e referências do imperialismo romano em Sagunto (II a.C – I d.C.)

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido. Coorientador: Prof. Dr. Pedro Paulo Abreu Funari.

Rio de Janeiro 2013

Carlos Eduardo da Costa Campos

A estrutura de atitudes e referências do imperialismo romano em Sagunto (II a.C – I d.C.)

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política. Aprovada em: 08 de março de 2013. Banca Examinadora: ______________________________________________ Profª. Drª. Maria Regina Candido (Orientadora) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ _____________________________________________ Profª. Drª. Tânia M. Tavares Bessone da Cruz Ferreira Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ ______________________________________________ Prof. Dr. Regina Maria da Cunha Bustamante Instituto de História da UFRJ _____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria do Carmo Parente Santos Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ (Suplente)

Rio de Janeiro 2013

AGRADECIMENTOS

No percurso dos anos que transcorreram entre a graduação e o mestrado, diversas foram as formas de auxílio obtidas para a efetivação desta pesquisa. De tal forma, agradeço, primeiramente, aos meus pais Rubem Barboza Campos (in memoriam) e Helena da Costa Campos, pelos incentivos dados ao longo de minha vida e pelos seus ensinamentos. Em segundo, agradeço a imprescindível orientação e amizade da Prof.ª Dra. Maria Regina Candido. Desde a elaboração da temática a ser desenvolvida, até as considerações finais desta pesquisa, a sua orientação e atuação sempre estiveram presentes. É importante frisar toda a sua paciência, determinação, afeto e dedicação como orientadora. A ela agradeço por ensinarme a seguir um perfil profissional que almeja a qualidade científica e o comprometimento com o magistério. Outro agradecimento se faz essencial ao Prof. Dr. Pedro Paulo Abreu Funari, que contribuiu energicamente com seus conselhos e orientações. Por fim, eu agradeço à Prof.ª Dr.ª Marici Magalhães pelo ensino dos estudos epigráficos, os quais foram vitais para esta dissertação. Outros mestres aos quais sou grato pelo total apoio são os docentes Fábio Faversani, Carmen Soares, Margaret Bakos, Fábio Vergara, Regina Bustamante, Lúcia Bastos, Laura Nery, Tania Bessone, Sônia Wanderley, Márcia de A. Gonçalves, Marilene Rosa, Paulo Seda, Edna Santos, Maria Tereza Toríbio, Norma Mendes, Claudia Beltrão e Adriene Baron Tacla, pois, através das suas aulas, de suas palestras, dos materiais fornecidos para a pesquisa ou de conversas informais, os referidos professores demonstraram interesse e ajudaram no desenvolvimento desta temática de pesquisa. Também gostaria de agradecer aos meus familiares e amigos, pois diversos foram os que me ajudaram com esta pesquisa, diretamente ou indiretamente. Um agradecimento especial à minha Tia Fernanda, ao meu primo Carlos Eduardo, a minha querida avó Aída (in memoriam), à minha tia Cidália (in memoriam), aos meus amigos Ana Paula, Anny Konrad, Karine Costa, Gresison Jacob, Leandro Pontes, Deivid Gaia, Tiago França, Gustavo Cortez, Olga Castro e Débora Silva, por me encorajarem sempre a lutar por tudo aquilo que almejo na vida. Também se faz necessário agradecer aos prezados membros do NEA/UERJ, entre os quais destaco a atuante amizade de Anderson Martins Esteves, Maria do Carmo Parente Santos, Alair Figueiredo Duarte, Luis Filipe B. Assumpção e José Roberto de Paiva Gomes. Em suma, agradeço à CAPES pelo financiamento da pesquisa e à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que, por meio do seu Programa de Pós-Graduação em História, possibilitou o

meu aperfeiçoamento teórico-metodológico e, consequentemente, o desenvolvimento deste trabalho.

A invocação do passado constitui uma das estratégias mais comuns nas interpretações do presente. O que inspira tais apelos não é apenas a divergência quanto ao que ocorreu no passado e o que teria sido esse passado, mas também a incerteza se o passado é de fato passado, morto e enterrado, ou se persiste, mesmo que talvez, sobre outras formas. Edward Said

RESUMO

CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa. A estrutura de atitudes e referências do imperialismo romano em Sagunto (II a.C.- I d.C.). 2013. 265 f. Dissertação (Mestrado em História) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2012.

O eixo temático se desenvolveu a partir do questionamento sobre como foi o processo de reconstrução de Sagunto, que foi promovido por Roma. A região de Sagunto configura como o motivo central para o embate entre romanos e cartagineses. Todavia, com o término da Segunda Guerra Púnica (218-202 a.C.), a cidade estava destruída e uma embaixada saguntina foi enviada para Roma, a fim de solicitar ao Senado sua reorganização. O pedido aparece como sendo bem aceito pelos senadores romanos. Contudo, a partir desse momento, começa o silenciamento. A escassez de informações sobre a temática foi o primeiro problema encontrado ao longo da pesquisa. Sendo assim, foi necessário recorrer à documentação arqueológica da cidade, à numismática e à epigrafia para conseguir preencher as lacunas referentes ao tema de pesquisa. Os indícios possibilitaram não somente compreender a cidade de Sagunto e seus vários estatutos jurídicos perante Roma, como também lançar outro olhar sobre as práticas imperialistas. Ao evocar Edward Said como teórico deste trabalho, elemento de inovação da pesquisa, é possível construir a estrutura de atitudes e referências que os romanos, entre os séculos II a.C. e I d.C., aplicaram na região saguntina para consolidar o seu poder. Assim, por meio do estudo das entidades geográficas, compreende-se o espaço físico da cidade e, pelo conceito de entidades culturais, analisam-se o sistema administrativo e os colégios sacerdotais atuantes em Sagunto, no século I d.C. Logo, o imperialismo romano pode ser visto como um mecanismo que se vale de diversos elementos, os quais não se limitam à força no processo de ocupação. Em suma, política e cultura são peças centrais no processo de preservação do poder romano no espaço provincial. Palavras-chave: Imperialismo Romano. Sagunto. Magistratura. Sacerdócio. Antiguidade Clássica.

ABSTRACT The main theme of this paper evolved from questioning how was the process of reconstruction of Sagunt, which was promoted by Rome. The region of Sagunt configured as the central reason for the clash between the Romans and Carthaginians. However, with the end of the Second Punic War (218-201 B.C.), the city was destroyed and a Saguntine embassy was sent to Rome in order to ask the Senate for its reorganization. The request seemed to be well accepted by Roman senators. From that moment, silence began. The shortage of information about the subject was the first problem found during the research. Therefore, it was necessary to resort to archaeological documentation of the city, as well as to numismatics and epigraphy, in order to fill in the gaps regarding the research topic. The evidence enabled us to not understand the city of Sagunt and its various juridical statutes faced to Rome, but also look afresh at the imperialist practices. When Edward Said is evoked as theoretical reference, the aspect of innovation of this research, it is possible to build the structure of attitudes and references that Romans implemented in the Saguntine region, between the centuries II B.C. and I A.D., to consolidate their power. So, the study of geographic entities allows the understanding of the city’s physical space . The concept of cultural entities enables an analyses of the administrative system and the priestly colleges operating in Sagunt in the first century A.D. Roman imperialism can be seen as a mechanism that draws on several elements, which are not limited to force in the occupation process. In short, politics and culture are central in the process of preservation of Roman power in the provincial area. Keywords: Roman Imperialism. Sagunt. Magistracy. Priesthood. Classical Antiquity.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 -

Vista aérea do complexo monumental de Sagunto........................

74

Figura 2 -

Plano arqueológico saguntino com detalhes da área romana.........

82

Figura 3 -

Planta do Fórum Romano de Sagunto...........................................

86

Figura 4-

Fórum Romano de Sagunto............................................................

87

Figura 5-

Espacialização do Teatro de Sagunto............................................

88

Figura 6-

Foto aérea do Teatro de Sagunto....................................................

89

Figura 7-

Foto do Teatro na Encosta da Montanha do Castelo.....................

89

Figura 8-

Planta do Fórum com a área do templo..........................................

95

Figura 9-

Foto do Fórum e do templo............................................................

96

Figura 10- Defixios número um......................................................................

102

Figura 11- Defixios número dois....................................................................

105

Figura 12- Defixios número três.....................................................................

106

Figura 13- Defixios número cinco..................................................................

108

Figura 14- Defixios número seis.....................................................................

109

Figura 15- Epígrafe com a menção de Sagunto como município...................

121

Figura 16-

132

Inscrição monumental do Fórum de Sagunto...............................

LISTA DE MAPAS

Mapa1 Mapa 2 Mapa 3 Mapa 4 -

Península Ibérica Pré-Romana.................................................... 183 Hispania Romana I a.C............................................................... 184 A expansão romana no Principado de Otávio Augusto.............. 185 Hispania e Lusitânia I e II d.C....................................................

186

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................

13

1 A SEGUNDA GUERRA PÚNICA E O INÍCIO DO PROCESSO IMPERIALISTA ROMANO EM SAGUNTO.....................................................................................................

24

1.1 Em prol de Sagunto - a motivação romana para a Segunda Guerra Púnica (218-202 a.C.)............................................................................................................................................. 24 1.2 As múltiplas faces do imperialismo romano..........................................................................

40

1.2.1 Império e imperialismo em debate.............................................................................................

41

1.3 Anexação territorial de Sagunto..............................................................................................

55

2 EDIFICANDO CIDADES E CONSOLIDANDO PODERES: SAGUNTO E A ELABORAÇÃO ROMANA DAS ENTIDADES GEOGRÁFICAS (II A.C. – I D.C.)................................................................................................................................ 63 2.1 As cidades romanas: centros de difusão da “romanidade”..................................................

63

2.2 Sagunto: uma entidade geográfica do poder romano (II a.C. – I d.C.)................................

77

2.3 Análises históricas sobre a cultura material de Sagunto (II a.C. – I d.C.) ..........................

81

3 ENTIDADES CULTURAIS: A CONSOLIDAÇÃO DO PODER ROMANO EM SAGUNTO (I A.C. – I D.C.)..................................................................................................... 112 3.1 Os estatutos jurídicos das comunidades das áreas provinciais: Privilégios e Configurações de Poderes........................................................................................................ 112 3.2 Os estatutos de ciuitas foederata e colonia de Sagunto (I a.C.)............................................ 115 3.3 O estatuto municipal de Sagunto e a inserção de seus munícipes na dinâmica imperialista romana – um estudo de caso sobre o século I d.C. ......................................... 118 3.2.1 Revisitando a magistratura local saguntina do século I d.C...................................................... 137 3.2.2 Os colégios sacerdotais romanos no municipium de Sagunto (século I d.C)............................

143

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 156 REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 162 APÊNDICE A – Metodologia de análise epigráfica.................................................................. 188 APÊNDICE B – Metodologia de análise numismática............................................................ 208 APÊNDICE C – Metodologia de análise das defixiones........................................................

218

APÊNDICE D – Metodologia de análise do conteúdo Histórias.............................................. 232 APÊNDICE E – Metodologia de análise do conteúdo História de Roma................................. 239 APÊNDICE F – Metodologia de análise do conteúdo História Natural ................................... 249

13

INTRODUÇÃO

O legado romano foi um elemento de intensa pesquisa no cenário intelectual europeu entre os séculos XVIII e XIX. Ilustres pensadores, como Jacques-Bénigne Bossuet, Montesquieu, Theodor Mommsen e Maurice Holleaux dialogaram com as obras clássicas da Antiga Roma, para elaborar as suas concepções humanistas pós-clássicas1. Entretanto, na atualidade, podemos perceber que o estudo acerca do Império Romano continua despertando um vasto interesse nas investigações históricas, principalmente no que tange às práticas imperialistas adotadas por Roma2. As ações expansionistas romanas deixaram inúmeros vestígios arqueológicos e culturais nas áreas que circundam o Mar Mediterrâneo. Uma das antigas regiões provinciais que podemos evidenciar com fortes marcas do imperialismo romano é Sagunto3, território este que fez parte da Hispania Citerior e, posteriormente, Hispania Tarraconense (atualmente integra Valência, na Espanha). Todavia, notamos que há certa escassez de análises sobre o tema de sua reconstrução pelos romanos, havendo um maior foco historiográfico para a destruição da cidade, por Cartago, no período da Segunda Guerra Púnica (218 a.C.- 202 a.C.). O nosso objetivo principal nesta dissertação é levantar novas possibilidades de leituras sobre Sagunto no período posterior à Guerra Púnica, para assim compreendermos o processo de revitalização orquestrado pelos romanos e identificarmos os possíveis resultados na localidade. Em seguida, por meio de um mapeamento no campo documental e historiográfico pretendemos expor as referidas ausências sobre a reconstrução saguntina nos escritos que foram efetuados sobre Sagunto desde o século II a.C.

1

BUSTAMANTE, Regina M. da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. In: SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.109. 2

Podemos notar uma diversidade de livros e artigos abordando os estudos sobre as práticas imperialistas romanas como: NORTH, John A. The Development of Roman Imperialism. The Journal of Roman Studies, vol. 71, 1981, p.19;RICHARDSON, John S. Hispaniae: Spain and the development of Roman Imperialism, 218-82 BC. Cambridge: Cambridge University Press, 2004; REVELL, Louise. Roman Imperialism and Local Identities. New York: Cambridge University Press, 2008; GUARINELLO, Norberto Luis. Império Romano e Identidade Grega. In: SILVA, Maria Aparecida de Oliveira(orgs). Política e Identidade no Mundo Antigo. São Paulo: Annablume, 2009; HINGLEY, Richard [et al] . O imperialismo romano: novas perspectivas a partir da Bretanha. Tradução: Luciano Garcia Pinto. São Paulo: Annablume, 2010. 3

De tal forma, o nosso recorte espaço-temporal se concentra na antiga região de Sagunto (Saguntum), entre os séculos II a.C. e I d.C. A área citada integrava, no passado, o território da Hispania Antiga, situada geograficamente na costa mediterrânea da Espanha, convencionalmente denominada como região do Levante. Sagunto ocupava uma posição privilegiada no espaço ibérico, pois se vinculava à via Heráklea, o que possibilitava sua comunicação com outros territórios, bem como se situava próxima ao rio Palancia, além de possuir uma área portuária em constante interação com os navegantes de outras sociedades. Logo, percebemos que a região nos possibilita uma amplitude de estudos. Vide mapas um, dois, três e quatro, .p 183-86.

14

Sagunto aparece como alvo de análises históricas no século II a.C., através do autor clássico Políbio de Megalópole4. O referido grego, em sua obra Histórias, no livro III, nos apresenta a região saguntina como um dos principais motivos para a disputa entre Roma e Cartago durante a Segunda Guerra Púnica. Políbio, em História, III, 15 se refere à Sagunto usando o termo Zacântha, em grego (Ζάκανθα), e apontando que a região foi, em seus primórdios, uma apoikia5 helênica oriunda de Zakinthos (Ζάκυνθος). Tal região fazia parte das ilhas Jônicas e está atualmente situada no território grego de Zante. O historiador Morgen Hansen nos fornece mais dados ao indicar que Zakinthos pertenceu miticamente aos domínios de Odisseus6. Além de Políbio, podemos indicar, entre os séculos I a.C. e I d.C., os trabalhos de Tito Lívio7, em História de Roma, livro XXI. O autor latino, assim como Políbio, centra-se nas relações políticas entre Roma e Cartago, pelo território saguntino, fornecendo elementos históricos sobre a sociedade de Sagunto. Tito Livio foi um dos primeiros escritores romanos que denominaram o território em latim de Saguntum e aos seus habitantes como saguntini. Quanto ao processo de reconstrução saguntino, Tito Livio apenas menciona que Roma teria assumido a missão de reconstruir a cidade pela destruição ocasionada, como vemos em História de Roma, XXI, 16. Ao prosseguirmos em nossas análises sobre as menções a Sagunto pelos gregos, recorremos ao autor latino Plínio, o Velho, em sua obra História Natural, para aprofundar os nossos estudos. De acordo com o referido romano, a cidade de Sagunto foi fundada 200 anos antes da queda de Tróia, pelos helenos, em meados do século XIII ou XII a.C. (História Natural, XVI, 79, 246). Sobre a reconstrução, verificamos que há um silenciamento nos textos escritos por Plínio. 4

O referido autor clássico grego é contextualizado como pertencente ao século II a.C. e nascido em Megalópole, na região da antiga Arcádia. Políbio é considerado o primeiro autor a organizar uma obra historiográfica em nível universal, a qual foi intitulada de Histórias. KIBUUKA, Brian Gordon Lutalo. Políbio Sobre Roma: Teorias gregas na descrição polibiana da Constituição Mista de Roma. In: Philía – Jornal Informativo de História Antiga. Rio de Janeiro, Ano XIII, Nº39, jul./ago./set. de 2011, p.03. 5

Sob a ótica dos autores Sophie Montel e Airton Polinni, a apoikia possuiria, como característica, o fato de não ser dependente da sua metrópole, de apresentar cultura similare a esta, e a possibilidade de manterem relações econômicas ou não. MONTEL, Sophie; POLINNI, Airtor. Colonização grega no Ocidente através do exemplo de Poseidonia. Revista historiaehistoria, 2005. Disponível no Site: http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=historiadores&id=29. Acessado em: 10/08/2009. 6

HANSEN, Morgens H; NIELSEN, Thomas. An Inventory of Archaic and Classical Poleis. Oxford: Oxford University Press, 2004, p.374-5. 7

No que tange a Tito Lívio, podemos frisar que o citado autor latino nasceu em Pádua, na Península Itálica, e viveu entre os séculos I a.C. e I d.C.. ALONSO, Ana Carolina Caldeira.Tito Lívio: Sua biografia e obra. In: Philía – Jornal Informativo de História Antiga. Rio de Janeiro, Ano XIII, Nº 40, out./nov./dez. de 2011, p.6. Lívio apresentava, em seus escritos, uma forte inclinação para o sistema republicano. Ainda assim, foi um literato próximo do princeps Augustus, por reconhecer a reorganização social pela qual Roma estava passando em seu período, devido às ações do referido governante.

15

Outro autor clássico que nos possibilita estabelecer análises sobre a ciuitas de Sagunto é Apiano de Alexandria. O escritor nasceu em Alexandria, no Egito, e era de matriz cultural grega. Viveu, possivelmente, entre o século I d.C. e o século II d.C.8. Apiano ressalta que os Saguntinos são oriundos da região de Zacinthos (Ζακυνθων), região essa que se vincula a Hélade (Ibéria, 7). Além disso, Apiano concorda com Políbio e Tito Lívio, ao indicar que um dos principais elementos para a Segunda Guerra Púnica foi a devastação cartaginesa no território saguntino, o qual era aliado de Roma (Ibéria, 12;13;14). Na Era Moderna, mais precisamente no século XVI, podemos frisar a existência de novas menções a Sagunto. Logo, através da obra Cronica generale d’ Hispagna, et del Regno di Valenza, de Antoni Beuter, produzida em 15569, vemos citações sobre o infortúnio de tal cidade ibera. O autor10, ao descrever o oppidum11 saguntino, cita o processo mítico de sua fundação como sendo de matriz grega e o remetendo ao herói mítico Zacinthos, que deu nome à ilha jônica de Zacinthos, na Grécia (Ζακυνθων), o que nos possibilita indicar uma presença de polifonia em seu texto (mesmo que omitida) no que tange ao diálogo com autores clássicos como Políbio, Tito Lívio e Apiano. Entre os capítulos XIII e XX, Antoni Beuter12 descreve o processo de conflito entre romanos e cartagineses, apresentando-nos o contexto de destruição da cidade saguntina, mas não demonstrando o processo de reconstrução organizado pelos romanos em Sagunto. Em nossas pesquisas, podemos detectar outros trabalhos sobre Sagunto, como a tragédia que foi desenvolvida pelo escritor inglês Philip Frowde13, no século XVIII. Na sua 8

A informação foi extraída da dissertação de mestrado de Alice Maria de Souza. Ver SOUZA, Alice Maria de. As interpretações de Veléio Patérculo e Apiano de Alexandria sobre Caio Graco e os Eqüestres: Reconstruindo memórias republicanas e Alto Imperiais (II a.C./ II d.C.). Dissertação apresentada e aprovada, no PPGH, da Universidade Federal de Goiás, para obtenção do título de Mestre em História, no ano de 2010, p.64-7. Disponível no site: http://extras.ufg.br/uploads/113/original_DISSERTA____O_ALICE_M._DE_SOUZA.pdf 9

Obra produzida na Baviera francesa e com nome traduzido para o português como Crônica Geral de Espanha e do Reino de Valência. BEUTER, Antoni. Cronica generale d’ Hispagna, et del Regno di Valenza. Baviera, 1556, p.106-7. Acessado em: 15/11/2011. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=Bu87AAAAcAAJ&dq=cronica+generale+d'+Hispagna&hl=ptBR&source=gbs_navlinks_s 10

11

O Oppidum, sing./ Oppida,pl. configura-se como habitat, proteção e identidade dos indivíduos que ali vivem e do seu entorno. Logo, são centros de poder e controle do território, os quais possuem uma organização social em forma de chefatura ou aristocracia local. O oppidum é o termo utilizado para o equivalente, no mundo ibérico, à ciuitas romana, às poleis gregas e às nossas cidades atuais. MOENO, Eduardo Sánchez; PANTOJA, Joaquín Gómez. Protohistoria y Antiguedad de la Península Ibérica: La Iberia prerromana y la romanidad. Madrid: Sílex Ediciones, 2008, p.39-40. BEUTER, Antoni. Cronica generale d’ Hispagna, et del Regno di Valenza. Baviera, 1556, p.149-299. Acessado em: 15/11/2011. Disponibilizado em: http://books.google.com.br/books?id=Bu87AAAAcAAJ&dq=cronica+generale+d'+Hispagna&hl=ptBR&source=gbs_navlinks_s 12

16

peça teatral intitulada The Fall of Saguntum. A Tragedy As it is acted at the theatre-Royal in Lincoln's-Inn-Fields, que foi editada em 1727, podemos verificar uma escrita que exalta a ação romana, no processo de ataque cartaginês a Sagunto. Ao dialogarmos com a peça teatral, estamos munidos da consciência de que a proposta perpassa pelo campo ficcional, mas nos possibilita compreender parte do pensamento dos sujeitos e das visões de quem escreve o texto. Para endossarmos nossas perspectivas, recorremos aos escritos de Edward Said14, no livro Orientalismo. Nessa obra, o acadêmico pontua que os textos produzidos precisam ser lidos com muita atenção pelos pesquisadores, pois se encontram inseridos em um domínio histórico e nele podemos verificar uma variedade de modos de pensar, os quais agem e se relacionam com a sua produção. Aplicando a visão de Said aos trabalhos de Philip Frowde, notamos que Frowde, ao necessitar de dados e informações de cunho histórico para a sua produção, manteve o diálogo com a tradição documental e historiográfica que se fixava na destruição de Sagunto. Além disso, o autor preservou um modelo historiográfico de valorização da ação de Roma na proteção de Sagunto. Na primeira metade do século XIX, houve o desenvolvimento da História enquanto uma ciência, sendo a mesma amplamente influenciada pelo pensamento iluminista de racionalização humana e pela atuação do positivismo em sua construção como disciplina. Tais formulações foram realizadas contra as visões eclesiásticas que eram recorrentes nos espaços científicos. Em meio ao contexto citado, podemos destacar a produção do escritor inglês Charles Bucke sobre as ruínas das antigas cidades. O livro Ruins of Ancient Cities: with general and particular accounts of their rise, fall and present condition. Vol. II, produzido em 1840, nos possibilita extrair apontamentos sobre a cidade de Sagunto. A região saguntina aparece nas análises de Charles Bucke15 como uma cidade fundada pelos gregos, fato que também foi ressaltado por Antoni Beuter. Todavia, Bucke abre a possibilidade de outra fundação, que seria oriunda da Península Itálica, mais precisamente de uma localidade do Lácio, denominada Ardea. Segundo Bucke, tal população teria migrado no período arcaico romano para a Península Ibérica. O autor16 deixa transparecer, em seu texto, que a ação romana contra os cartagineses ocorreu pela invasão destes últimos a Sagunto. 13

FROWDE, Philip. The Fall of Saguntum. A Tragedy As it is acted at the theatre-Royal in Lincoln's-Inn-Fields. Londres: Golden Key; Little-Britain; Warwirck-Lane, 1727. 14

SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como uma invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 27. 15

BUCKE, Charles. Ruins of Ancient Cities: with general and particular accounts of their rise, fall and present condition.Vol. II. Londres: Thomas Tegg, 1840, p. 304. 16

Ibidem, p.306-7.

17

Além disso, Bucke também cita que, devido à fidelidade dos saguntinos a Roma, os mesmos foram vistos como uma sociedade distinta por seus valores sociais. Entretanto, salientamos que não houve um aprofundamento do autor no processo de reconstrução e na ação da religiosidade romana no solo saguntino. Na metade do século XIX, um trabalho que chamou a nossa atenção foi a dissertação intitulada Memória de Sagunto, a qual era endereçada ao Duque de Alcudia na Espanha, sendo produzida pelo escritor e historiador Vicente Boix, em 1865. Boix, advogado do Conselho Real e também Conservador de Antiguidades de Valência nos apresenta, em seu discurso, o valor do passado de Sagunto, como um patrimônio histórico e formador de identidade cultural para os espanhóis. Para o autor, a matriz grega dos saguntinos e o relacionamento cordial com os romanos são exemplos da grandiosidade de tal sociedade. Assim, para Boix17, o fato de os vândalos, os godos, os suevos e os alanos não terem preservado as ruínas da cidade se deu pela falta de compreendimento destes povos sobre o valor cultural de Sagunto. Vicente Boix18 apresenta o processo de resgate de Sagunto pelo jovem Publio Cornelio Cipião e o incentivo do Senado romano para a reconstrução da cidade. Entretanto, não há uma ênfase do autor em como esse processo de reconstrução saguntino veio a ser desenvolvido por Roma. Outra pesquisa que podemos demarcar em nosso estudo é a do historiador alemão Christian Matthias Theodor Mommsen, na segunda metade do século XIX, com livros intitulados História de Roma. A influência do pensamento positivista se faz presente nos escritos de Mommsen, de maneira acentuada, e que denota a missão civilizadora romana para com as outras sociedades mediterrâneas. Podemos exemplificar esta assertiva produzida ao pontuarmos que o autor19, quando aborda as relações entre Roma e Sagunto, situa a cidade em posição passiva diante do ataque cartaginês, estando à espera da salvação romana. Em tal escrita historiográfica, o que verificamos é o papel de Sagunto como dependente do “poder” e da “supremacia” romana para a sua liberdade e reorganização. Ao prosseguirmos em nossas análises, deparamos-nos com os apontamentos do historiador inglês Howard Hayes Scullard, no livro Scipio Africanus in the Second Punic War20, de 1930, que deixa evidente a tradição historiográfica centrada nas grandes guerras e 17

BOIX, Vicente. Memória de Sagunto. Valencia: Imprenta de José Rius, 1865, p.1

18

Ibidem, p. 45-52.

19

MOMMSEN, Theodor. História de Roma (Excertos). Rio de Janeiro: Ed. Delta, 1962, p. 139-40.

20

Livro com título em português “Cipião, o Africano na Segunda Guerra Púnica”.

18

personagens históricos, tradição tão propagada pela História Política Tradicional. O autor enfoca o tratado estipulado entre romanos e cartagineses, que delimitava o rio Ebro como um espaço limite para a expansão de Cartago. Tal tratado foi rompido e a cidade saguntina foi invadida pelos cartagineses. Contudo, Scullard21 relega a Sagunto um papel de estopim e cenário das ações cartaginesas e romanas nas disputas de poder no Mediterrâneo Antigo. Não notamos um debate sobre a resistência saguntina ou uma historicização sobre o atraso romano em seu apoio militar à cidade. Ademais, há uma falta de informações sobre o processo de reconstrução do oppidum saguntino pelos romanos e dos instrumentos de controle territorial na região. No campo historiográfico francês da segunda metade do século XX, podemos frisar os apontamentos de Jérôme Carcopino sobre Sagunto, em seu livro Les étapes de l’ impérialism romain22, foi publicado originalmente em 1961. As concepções do autor nos proporcionam perceber os romanos como uma sociedade estratégica e mantenedora de seus tratados diplomáticos. Deste modo, Carcopino23 ressalta que a demora de oito a nove meses para o envio de tropas romanas direcionadas ao apoio para os saguntinos ocorreu estratégicamente, perante o cumprimento dos acordos políticos romanos estabelecidos anteriormente ao ataque. O discurso de Jérôme Carcopino24 apresenta Sagunto como uma cidade protegida por Roma e, no contexto da Segunda Guerra Púnica, um exemplo de fidelidade à aliança realizada com os romanos. Contudo, não há uma menção do autor sobre o processo de reconstrução de Sagunto e os instrumentos romanos para a manutenção de poder na região. O historiador húngaro Géza Alföldy, em sua obra Römische Sozialgeschichte25, editada em 1975, nos possibilita extrair fragmentos sobre a relação de Roma com as suas províncias na Hispania. O autor26 demonstra, em seus escritos, como o processo de contato entre romanos e nativos era unidirecional, e coloca as sociedades subjugadas em função passiva diante do poder romano. As províncias aparecem na obra somente para endossar a perspectiva de transformações que ocorreram na sociedade romana com a sua expansão.

21

SCULLARD, Howard Hayes. Scipio Africanus in the Second Punic War. Cambridge: Cambridge University Press, 1930, p.44-8. 22

Livro com título em português As etapas do imperialismo romano.

23

CARCOPINO, Jérôme. Las Etapas del Imperialismo Romano. Buenos Aires: Paidós, 1961, p.30-1.

24

Ibidem, p.32-3; 70-6.

25

Nome traduzido para o português como História Social de Roma.

26

ALFOLDY, Géza. A História Social de Roma. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p.70-1.

19

Sendo assim, não se verifica, dentro da produção de Alföldy, uma menção a Sagunto e à sua reformulação, no pós-Segunda Guerra Púnica. O romanista John S. Richardson, em sua produção denominada The Romans in Spain, de 1996, nos permite analisar a expansão dos romanos em solo ibérico, no contexto de disputa com os cartagineses. O autor27 apresenta Sagunto como um local estratégico para os romanos controlarem o movimento de expansão cartaginês, assim como um importante ponto para adentrar a Península Ibérica, através do rio Ebro. Os saguntinos aparecem em tal perspectiva como sujeitos ativos nas negociações com Roma. Todavia, o estudo28 se concentra no desenvolvimento das estratégias romanas para lutar contra Cartago e conquistar o controle da Hispania. Em tais concepções de Richardson29, fica perceptível o jogo de interesse dos saguntinos para conseguirem possíveis benefícios de Roma, e dos romanos que buscavam ampliar os seus domínios territoriais. A arqueóloga Carmen Aranegui Gascó30 nos apresenta, em seu artigo Sagunto y Roma (2004), um mapeamento dos conjuntos arqueológicos de Sagunto. O texto expõe os interesses romanos e saguntinos na formação da aliança contra Cartago e demonstra como, gradualmente, houve uma reformulação na geografia saguntina, por meio da implantação do modelo de organização social romana no período republicano e imperial. Todavia, apesar de a autora focar nos aspectos arqueológicos, a sua proposta não se aprofunda na contextualização que se faz necessária para compreendermos as reformulações arquitetônicas da cidade. Ao realizarmos um balanço historiográfico sobre Sagunto, o que percebemos é uma longa historicidade de estudos, dos quais diversos saberes – como a Literatura, a História, o Teatro e Arqueologia – vieram centrando-se em suas respectivas reflexões. Entretanto, o que ficou evidente foi uma concentração das análises nos aspectos político-militares, os quais levaram à destruição saguntina e ao estopim da Segunda Guerra Púnica. Logo, em nossa proposta, almejamos lançar outro olhar, que problematize o contexto político-cultural das relações entre Roma e Sagunto, com atenção nas estruturas de atitudes e referências dos quais o imperialismo romano se utilizou para a reconstrução e consolidação de seu poder no território saguntino, entre os séculos II a.C. e I .d.C. A motivação para o desenvolvimento da 27

RICHARDSON, John S. The Romans in Spain: History of Spain. Oxford/Inglaterra; Massachussets / EUA: Blackwell Publishing, 1998, p. 23-4. 28

Ibidem, p. 29-35.

29

Ibidem, p. 44.

30

GASCÓ, Carmen Aranegui. Sagunto y Roma. Alicante: Publicações Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2004-B, p. 01-30.

20

pesquisa reside no silenciamento sobre este tema. No que tange ao recorte temporal, o mesmo é decorrente dos indícios históricos de que dispomos via cultura material e textual escrita. Said31 destacou que a ampliação do campo de debates, com novas investigações e estudos, é ponto essencial para o aprimoramento das pesquisas acadêmicas. Assim, o cotejamento entre cultura material e documentação textual escrita amplia nossos horizontes de análises. Mediante análises sobre as modificações geográficas ocorridas em Sagunto, devidas ao contato com os romanos entre os séculos II a.C e I d.C., conseguimos visualizar as transformações físicas da área saguntina. Além disso, foi necessário recorrermos ao estudo numismático32, pois o mesmo se mostrou como crucial para desvelar os estatutos jurídicos pelos quais que a cidade perpassou ao longo do século I a.C. Somamos, ao nosso conjunto documental, as preciosas informações epigráficas, que foram catalogadas por Josep Corell na obra Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territorio), de 2002. Quanto à documentação textual escrita, selecionamos como base os escritos de Políbio de Megalópole, no livro Histórias; o romano Tito Lívio, em História de Roma; e Plínio o Velho, em História Natural. Os três autores foram os que ofereceram maiores indícios sobre as relações entre Roma e Sagunto33. O referido aparato documental, por meio da aplicação de metodologias históricas específicas34, possibilitou-nos construir um estudo sobre a consolidação e manutenção do poder romano, pelos vieses administrativo e religioso, em Sagunto. Quanto à temporalidade do trabalho, o historiador francês Jacques Julliard35 argumenta que há uma necessidade de se pesquisar o longo prazo nos trabalhos produzidos pelo historiador que lida com a esfera política de forma renovada. A temporalidade, quando expandida, possibilita compreender não somente as modificações históricas, como também as permanências que ocorrem com o passar dos tempos nas sociedades. Logo, tais análises nos propiciam pensar que a temporalidade não é algo que deve ser analisado de forma

31

SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como uma invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.20.

32

Recorremos aos catálogos de moedas HEISS, A. Description Generale des Monnaies Antiques de l'Espagne, Paris, 1870; RIPOLLÈS, P. P.; VELAZA, J. Saguntum, colonia Latina. In: Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik, Bd. 141 (2002), p. 285-291.Vide apêndice II. 33

Contudo, reafirmamos que outros autores, como Cícero e Vitrúvio, foram utilizados para complementar as possíveis lacunas históricas, que emergiram no decorrer da dissertação. 34

35

As metodologias se encontram destacadas nos apêndices desta dissertação.

JULLIARD, Jacques. A Política. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (orgs.) História Novas Abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1995, p. 180-195.

21

homogênea, pois as ações humanas provocam, em cada período, singularidades que podem apresentar tanto mudanças quanto continuidades de determinadas práticas socioculturais. Ao recorrermos aos escritos de René Rémond36 para endossar nossos apontamentos, verificamos, em suas concepções, que a História Política Renovada necessita lidar com a longa duração em seus trabalhos para, desta forma, desenvolver uma compreensão mais aprofundada das ações humanas. Tal argumentação pode ser confirmada porque a análise, em longo prazo, propicia uma reflexão maior sobre as modificações e permanências nas práticas socioculturais, encontrando especificidades em cada temporalidade37. Rémond frisa que “[...] só a história, e a mais longa, explica os comportamentos das micro-sociedades [sic] que se fundem na sociedade global38”. Logo, tal vertente remodelada rompe com as críticas que sofrera devido a seu víeis tradicionalista ser considerado efêmero e superficial, em seu recorte temporal. A teoria foi um elemento importante nesta pesquisa, para analisarmos as informações presentes na documentação, que inserem o imperialismo39 na perspectiva político-cultural. Para tanto, evocamos o aspecto teórico do literato de matriz árabe Edward Said40. O autor deixa transparecer que não devemos estudar a história e a cultura do imperialismo como algo estático. A cultura e as práticas imperialistas são analisadas por Said como dinâmicas e produtoras de inúmeras relações de poder. Said nos possibilita observar que os contatos culturais são compostos pela coexistência, cooperação e/ou combate ao longo das interações socioculturais produzidas entre as sociedades41. Imersos nesta perspectiva, verificamos que a nova vertente de estudos sobre as práticas imperialistas romanas nos propicia o estabelecimento de diversas leituras acerca das relações entre as sociedades antigas, em vez de focarmos em análises unidirecionais e criarmos julgamentos referentes às ações do Império de Roma frente aos outros grupos mediterrâneos. Sendo assim, para a construção da análise sobre o imperialismo romano, utilizamos, como arcabouço teórico, os conceitos de Edward Said. O autor foi selecionado por 36

RÉMOND, René. Por Uma História Política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p.35.

37

Ibidem, p.30.

38

Ibidem, p.35.

39

O conceito de imperialismo será debatido no capítulo um desta produção.

40

Temos ciência de que os questionamentos de Said foram direcionados para o mundo contemporâneo. Todavia, os conceitos são fluídos e aplicáveis em outras temporalidades, desde que haja uma análise sócio-histórica sobre o que será empregado na pesquisa histórica. 41

SAID, Edward.Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 22-3.

22

ser um dos principais referenciais das práticas do imperialismo, o que nos possibilita traçar um estudo sistemático sobre estruturas das quais os impérios se utilizaram no processo de conquista e preservação do poder nos territórios conquistados. Não podemos deixar de mencionar que Said é um expoente na vertente da teoria pós-colonial, principalmente no que tange às relações entre as metrópoles e os nativos. A professora Norma Mendes42 frisa que, a partir de 1970, ampliaram-se as revisões referentes à relação dos romanos com as outras sociedades, em virtude do desenvolvimento dos movimentos nativistas e das produções de Edward W. Said43. Logo, o que percebemos é uma desconstrução dos estudos pautados em relações binárias de oposição, em função de um novo olhar, que privilegie as interações culturais, as experiências humanas e os diálogos existentes entre as sociedades, assim como os processos de conquista e preservação do poder pela cultura. Os referidos apontamentos podem ser verificados no livro Cultura e Imperialismo, no qual Said demonstra como as ações político-culturais são vitais na tomada e consolidação do poder imperialista nas áreas provinciais44. Através das assertivas de Said, torna-se possível adaptarmos o arcabouço conceitual para a Antiguidade e, com isso, formular um estudo sobre como os romanos, em Sagunto, se valeram de uma estrutura de atitudes e referências, as quais podem ser pensadas como um dispositivo elaborado pelo processo imperialista para assegurar a dominação política, cultural, social e econômica, por meio de elementos literários, arquitetônicos e religiosos45. Tal mecanismo seria voltado para ensinar como o sujeito deveria ser e agir no mundo provincial, para integrar-se aos jogos de interesses metropolitanos46. Com as referências47 criadas pelo centro de poder romano, as atitudes provinciais eram organizadas nas áreas subjugadas. Um

42

MENDES, Norma Musco. Prefácio. In: HINGLEY, Richard; GARRAFONE, Renata Sena; FUNARI, Pedro Paulo de Abreu; PINTO, Renato (orgs). O imperialismo romano: novas perspectivas a partir da Bretanha. São Paulo: Annablume, 2010, p.07. 43

Sobre as produções de Said, podemos citar: Orientalismo (1978), Nacionalism, Colonialism, e Literature: Yeats and Descolonization (1988), Cultura e Imperialismo (1993), Paralelos e paradoxos (2003-a), Reflexões sobre o exílio (2003-b) e Representações do intelectual (2005). 44

SAID, Edward.Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

45

O conceito de romanização apresentou nas últimas décadas novas leituras e aplicações. No Brasil podemos ressaltar as publicações realizadas pela Prof.ª Dr.ª Norma Musco Mendes- UFRJ e Bruno dos Santos Silva-USP, as quais nos apresentam a historicidade do conceito e os possíveis empregos nas relações entre Roma e a área provincial – vide bibliografia. Contudo, neste projeto vamos lançar mão de outra abordagem, a qual foi elaborada a partir do arcabouço teórico de Edward Said e adaptada para as especificidades antigas. 46

SAID, Edward.Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.17-24.

47

Ibidem, p. 88.

23

exemplo foi a implantação da magistratura e do sacerdócio como instrumentos de anexação de Sagunto. Mediante os escritos de Said, percebemos que o homem é capaz de realizar construções históricas através do delineamento do espaço, tanto de forma concreta, quanto abstrata. O processo citado atua segundo os interesses políticos, econômicos e culturais que se encontram em pauta na sociedade que está sendo analisada. Assim, notamos que os romanos, através de suas estruturas de atitudes e referências, produziram aquilo que Said48 denominou de entidades geográficas - as quais podem ser concebidas enquanto resultados da ação humana que modela o espaço físico, transformando-o em lugares demarcados. Outra entidade produzida é a cultural, que demarca as fronteiras através das práticas culturais, as quais atuam no processo de elaboração da identidade e alteridade. Sendo assim, o arcabouço teórico nos permite refletir sobre as transformações de cunho geográfico e cultural pelas quais a ciuitas de Sagunto perpassou ao longo dos séculos II a.C. a I d.C. Said49 nos adverte que os pesquisadores devem estar atentos na construção de suas análises e na correlação que deve haver nos estudos entre as culturas e os jogos de poder da esfera política. Imersos nesta lógica, vamos problematizar as múltiplas faces do imperialismo romano (no capítulo 1) e a formulação e consolidação das estruturas de atitudes e referências na região de Sagunto, que se deram pela construção das entidades geográficas (capítulo 2) e das entidades culturais (capítulo 3), como uma forma intencional romana de obter e assegurar sua preponderância político-cultural na região.

48

SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como uma invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.32. 49

Ibidem, p.32-4.

24

1 A SEGUNDA GUERRA PÚNICA E O INÍCIO DO PROCESSO IMPERIALISTA ROMANO EM SAGUNTO

As temáticas sobre as ações imperialistas romanas são intensamente abordadas em livros, artigos, nos cursos de graduação ou de extensão, tanto no Brasil, quanto no exterior50. Todavia, o tema não se esgota em única perspectiva de estudo, mas apresenta uma vasta possibilidade de análises pelos vieses do embate, da negociação e da interação cultural, por exemplo. Imbuídos de tal perspectiva, lançamos, nesta pesquisa, uma análise sobre a colaboração política51 de Sagunto com Roma, para, posteriormente, expor a inserção dos saguntinos na dinâmica imperialista romana. Em nossos escritos, vamos aplicar o arcabouço teórico referente às práticas do imperialismo que foram propostas pelo intelectual Edward Said.

1.1 Em prol de Sagunto - a motivação romana para a Segunda Guerra Púnica (218-202 a.C)

Ao iniciarmos nossas análises, nos indagamos se existe uma guerra que possa ser considerada como justa. A resposta para tal questionamento é complexa, pois o que se considera correto para um sujeito ou uma sociedade não necessariamente será para os demais - e assim percebemos que o termo implica uma pluralidade de juízos de valor. Logo, as especificidades culturais – e, através dessa perspectiva, os motivos para se promover e organizar uma batalha – variam de acordo com o jogo de interesses de cada grupo. Entretanto, como historiadores, devemos estabelecer parâmetros de estudo e delimitar os recortes documentais, temporais e espaciais que são voltados para o estabelecimento da operação historiográfica, como preconizava Michel de Certeau, em sua obra a Escrita da História52. Sendo assim, nesta primeira parte do capítulo, analisaremos os indícios históricos sobre o

50

Para materializar nosso apontamento, podemos mencionar alguns trabalhos sobre o imperialismo romano, tais como os estudos de Moses Finley, em Empire in the Greco-Roman World (1978), Regina Bustamante, Norma Mendes e Jorge Davidson no Artigo A experiência imperialista romana: teorias e práticas (2005); Craige B. Champion e Arthur Eckstein, no livro Roman Imperialism Readings and Sources (2008). Outras abordagens foram expostas ao longo de nossa análise historiográfica. 51

Como colaboração política, compreendemos o processo de estabelecimento de alianças e a consequente cooptação política efetuada entre dois grupos, onde geralmente um dos envolvidos - ou até mesmo uma coligação – apresenta uma preponderância política, econômica, bélica e/ou cultural sobre o outro ou outros. SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.40. 52

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 66-73; 81.

25

confronto de Roma e Cartago pelo aspecto denominado de Bellum Iustum (Guerra Justa) 53. O envolvimento romano nesse conflito foi descrito como em prol de seu aliado Sagunto (latim – Saguntum), no histórico evento que ficou conhecido como Segunda Guerra Púnica (218 a.C. – 202 a.C.). Mediante os escritos da arqueóloga María Angeles Alonso Sánchez, podemos analisar a guerra como um combate armado entre grupos humanos que constituem agrupamentos territoriais ou comunidades políticas diferentes ou não, envolvendo uma luta entre tais combatentes, geralmente preparada estratégicamente54. Nesta perspectiva, a guerra na Antiguidade pode ser vista enquanto uma atividade fundamental para a organização das sociedades e manutenção de sua autonomia. Na sociedade romana, a guerra emerge como um mecanismo vital para assegurar a expansão. Vegécio55, no século IV d.C., apontava, em seus escritos, que a vocação para a dominação romana era algo admirável, devido ao seu pleno manejo do exercício das armas, à disciplina nos acampamentos e ao modo de utilizar o seu exército (Epitoma Rei Militaris, I). A obra de Vegécio apresenta a imagem do romano como um guerreiro destemido e superior a qualquer outro ser humano, como havia nos apontado o historiador italiano André Giardina56. Outros escritos anteriores a Vegécio, por exemplo, nos indicam que os próprios romanos se concebiam como uma sociedade poderosa, como vemos nos escritos de Tito Lívio: “é do meu interesse, através dos meus recursos analisar a memória dos principais 53

A vertente a ser abordada foi selecionada por sua relevância tanto na documentação clássica (Cícero, De Legibus e De Haruspicium Responso, Políbio, Histórias; Tito Lívio, História de Roma) quanto no campo contemporâneo. MOMMSEN, Theodor. História de Roma. Rio de Janeiro: Ed. Delta, 1962.Publicado originalmente entre 1854-55; CARCOPINO, Jérome. Las Etapas del Imperialismo Romano. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1961; SINI, Fracesco. Bellum Nefandum. Virgilio e il problema del “diritto internazionale antico”. Sassari-Itália: Libreria Dessì Editrice, 1991; SANTANGELO, Federico. The Fetials and their Ius. Bulletin of the Institute of Classical Studies, nº 51- 1, 2008, p.63-93; BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Bellum Iustum e a Revolta de Tacfarinas. In: CARVALHO, Maria Margarida de. [et al.]. História Militar do Mundo Antigo – Guerras e Representações. Vol. 2. São Paulo: Annablume; Fapesp; Campinas: UNICAMP, 2012; ROSA, Claudia Beltrão da. Guerra, direito e religião na Roma Tardo-Republicana: O ius fetiale. In: CARVALHO, Maria Margarida de. [et al.]. História Militar do Mundo Antigo – Guerras e Representações. Vol. 2. São Paulo: Annablume; Fapesp; Campinas: UNICAMP, 2012 - a. Apesar de, atualmente, haver diversas visões sobre os motivos para as guerras em Roma, como pela economia e política, ainda assim o aspecto moral e o religioso não deixam de ser considerados – mesmo que em menor escala – pelos autores HARRIS. Willian Vernon. On War and Greed in the Second Century B.C. The American Historical Review, Vol. 76, N.º 5, dec., 1971, p. 1371-1385; GUARINELLO, Norberto Luiz. Imperialismo Greco-Romano. São Paulo: Ed. Ática, 1994; ECKSTEIN, Arthur M. Mediterranean anarchy, interstate war, and the rise of Rome. Berkley; Los Angeles; London: University of California Press, 2006. 54

SÁNCHEZ, María Angeles Alonso. Guerra y territorio: el caso romano. Norba: revista de historia/geografía / Facultad de Filosofia y Letras. Cáceres: Servicio de Publicaciones de la Universidad de Extremadura, número 07, 1986, p. 177. 55

Públio Flávio Vegécio Renato foi um estrategista militar do Ocidente romano, que viveu no século IV d.C. e de matriz religiosa cristã. Segundo Raphael L. Teixeira, o autor possuía relações político-sociais próximas com Teodósio, com possibilidades históricas de ter sido ministro de tal imperador. TEIXEIRA, Raphael Leite. A guerra no Epitoma rei militaris de Flávio Vegécio (séc. IV d.C.) entre a fé cristã e a pressão bárbara. Mirabilia: Revista Eletrônica de História Antiga e Medieval, Nº. 8, 2008, p.05. 56

GIARDINA, André. O homem romano. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992, p.07.

26

feitos do povo mais poderoso do mundo” (Hist. de Roma, Praefatio, § 1). Tal pensamento ecoa em Virgílio, que pontua que os romanos foram predestinados pelos deuses a impor a ordem no mundo então conhecido. No que tange aos conflitos bélicos, verificamos que estes são apresentados como uma forma de Roma retaliar os grupos contrários às suas investidas, como vemos a seguir: “Tu, romano, recorde a tua missão; ir regendo aos povos com teu mando. Estas serão tuas artes: Impor leis de paz, conceder teu favor aos humildes e abater combatendo aos soberbos” (Eneida,VI, 850-853). Para Marcos Túlio Cícero, a supremacia romana estava para além de um fator estritamente bélico. Em De haruspicium responso, o jurista aponta a escrupulosa observância da pietas e da religio como o ponto central para as conquistas romanas, em virtude da proteção dos deuses (De harusp. Resp., 09,10). Logo, a documentação deixa transparecer uma intrínseca relação entre a formação para a guerra e as práticas religiosas na construção da identidade romana. Percebemos que, devido à disciplina no campo de batalha e ao zelo para com os seus deuses, os romanos foram capazes de realizar um processo de expansão e preservar durante diversos séculos seu império pelo Mediterrâneo Antigo. Segundo Norberto L. Guarinello, na Atenas do período Clássico e na República Média e Tardia, os confrontos bélicos influenciavam o cotidiano de todos os seus cidadãos, organizados hierarquicamente de acordo com os seus recursos econômicos57. A partir da referência anterior, verificamos o raio de atuação que a guerra possuía na Antiguidade. No que tange aos enfrentamentos bélicos no âmbito político, nos valemos dos pressupostos teóricos do general prussiano Clausewitz e do historiador italiano Francesco Sini, nas respectivas obras On War e Ut iustum conciperetur bellum: guerra “giusta” e sistema giuridico-religioso romano. Como Carl Phillip Gottlieb Clausewitz declarou no século XIX, a guerra pode ser analisada como um “[...] ato de violência destinado a compelir o nosso inimigo a fazer a nossa vontade”58. Francesco Sini possui uma reflexão que converge com Sánchez e a teoria de Clausewitz, ao pontuar que as guerras romanas podem ser estudadas como um instrumento aos quais, em diversos momentos, era necessário recorrer, com o objetivo de sanar os impasses político-sociais59. Os romanistas Craige B. Champion e Arthur Eckstein, na obra Roman Imperialism (2008), complementam Sini ao frisar que a guerra foi um instrumento 57

GUARINELLO, Norberto Luiz. Imperialismo Greco-Romano. São Paulo: Ed. Ática, 1994, p.10-1.

58

CLAUSEWITZ, Carl Von. On War. Princeton: Princeton University Press, 1984, p.74. Publicado originalmente em 1832.

SINI, Fracesco. Ut iustum conciperetur bellum: guerra “giusta” e sistema giuridico-religioso romano. Diritto @ storia, n° 2 - Março 2003 – Tradizione Romana, p. 02. 59

27

essencial para os dirigentes de Roma, pois as investidas militares são analisadas como uma forma de manutenção do poder aristocrático e apaziguamento da ordem social interna, com o redirecionamento das atenções da sociedade60. Patrick Le-Roux aproxima-se das análises de Champion e Eckstein ao ressaltar que a guerra ocupa um papel central na história de Roma, seja na República ou no Império. Sendo assim, o império foi elaborado, ao longo do tempo, com a argamassa da carne e do sangue, da coragem e das armas da população romana e dos seus diversos adversários61. Ao cotejarmos o que foi exposto com as leituras realizadas sobre a obra Guerra e Imperialismo en la Roma Republicana 327 – 70 a.C., de William V. Harris62, conjeturamos que as sociedades antigas promoviam as batalhas como um meio de satisfazer os seus desejos. Tais batalhas, mesmo não se encontrando diretamente destacadas na documentação de época, não deveriam ser pensadas como meramente acidentais. Outro ponto a ser mencionado é o fato de a guerra ser ratificada por meio de motivações tidas como justas para a sua realização, o que, em muitos casos, oculta a real intenção para a sua promoção. Ao prosseguirmos o debate anterior, agregamos a tais informações as reflexões teóricas do filósofo italiano Norberto Bobbio. O pensador demarca que os embates em distintas temporalidades confirmam sua legitimidade por meio de pretensões tidas como justas e que procuram “[...] a reparação de uma ofensa sofrida e da punição de um culpado”63. Corroborando com tal vertente, notamos que o filósofo Alair Figueiredo Duarte argumenta que as sociedades, em grande parte, apresentam a concepção de que a guerra tornase justa quando é estabelecida por uma suposta defesa. Dessa forma, os homens no contexto de um conflito bélico almejam ratificar a sua ação, por meio do que consideram como Justiça. Para Alair Duarte, na vertente teórica sobre as Guerras de Defesa e de Reparação, pode ser visto como correto “[...] um Estado que tenha sofrido algum tipo de injúria retalie seus agressores”64. Duarte destaca que o vencedor de um confronto revela-se nas narrativas históricas, muitas vezes, como o detentor da justiça, devido a sua vitória. O pesquisador 60

CHAMPION, Craige B.; ECKSTEIN, Arthur. Introduction: The Study of Roman Imperialism. In: CHAMPION, Craige B [et. al.]. Roman Imperialism Readings and Sources. Massachussets - USA; Oxford- Inglaterra; Victoria – Austrália, 2008, p.02-3. 61

LE-ROUX, Patrick. Império Romano. Porto Alegre: L&PM, 2009, p.12.

62

HARRIS, William V. Guerra e Imperialismo en la Roma Republicana ( 327/70 a.C.). Madrid: Siglo Veintiuno Editores S. A., 1979,p.02-3. 63

64

BOBBIO, Norberto. O Problema da Guerra e as vias da Paz. Editora UNESP 2003, p.77.

DUARTE, Alair Figueiredo. Paz negativa na Atenas Clássica: Guerras, discursos e interesse de Estado. Monografia apresentada no Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Estado do Estado do Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia, no ano de 2008, p.74-5.

28

argumenta que na guerra “nem sempre vence quem tem razão, mas tem sempre razão aquele que vence; e, por isso, guerras revolucionárias somente são consideradas justas, quando são vitoriosas”65. Assim o justo, muitas vezes, é descrito nas narrativas históricas como quem possui o poder de responder a uma ação sofrida e, com isto, obtém a vitória na batalha. Ao cotejarmos os estudos teóricos de Norberto Bobbio e Alair Figueiredo Duarte sobre a guerra com os escritos de María Angeles A. Sánchez e da historiadora Regina M. Bustamante, pontuamos que, na Antiguidade, a teoria da guerra justa envolvia o reconhecimento de que é legítimo formular um ataque contra um grupo, quando anteriormente houve uma agressão66. No caso da Antiga Roma, por exemplo, o historiador Breno Sebastiani argumenta que a procura pela legitimidade das ações militares e os resultados decorrentes delas eram objeto de preocupação para os romanos antes da deflagração de um conflito67. Na cultura latina, o viés que corresponde à deflagração de uma guerra com bases legítimas para tal ação foi intitulado de Bellum Iustum (Guerra Justa)68 e, para o romanista italiano Fernando Santangelo, o referido conceito possui um papel central nas justificativas romanas para a promoção das guerras69. Os relatos e estudos envolvendo os confrontos romanos sob a concepção exposta encontram-se presentes na documentação clássica de matriz grega e latina, atravessando o tempo e sendo retomados na era moderna e contemporânea, como fora salientado por Bustamante70. Na obra clássica intitulada Das Leis III, 8, podemos notar que Marco Túlio Cícero descreve que uma guerra empreendida pelos comandantes romanos deve ser justa, sendo baseada em sua legítima defesa. A historiadora Regina Maria C. Bustamante possibilita-nos 65

Ibidem, p.75.

66

BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Bellum Iustum e a Revolta de Tacfarinas. In: CARVALHO, Maria Margarida de. [et al.]. História Militar do Mundo Antigo – Guerras e Representações. Vol. 2. São Paulo: Annablume; Fapesp; Campinas: UNICAMP, 2012, p.209; SÁNCHEZ, María Angeles Alonso. Guerra y territorio: el caso romano. Norba: revista de historia/geografía / Facultad de Filosofia y Letras. Cáceres: Servicio de Publicaciones de la Universidad de Extremadura, número 07, 1986, p. 178. 67

SEBASTIANI, Breno Battistin. Guerra justa e imperialismo na Roma Republicana. Revista de História, nº 148 -1º, 2003, p.45. 68

Varrão, em De lingua Latina (I, VII, 49), nos possibilita compreender que, no período arcaico romano e nos primórdios da República, o termo para a guerra era duellum. Entretanto, com as transformações culturais e linguísticas inerentes a uma sociedade, e com o passar dos tempos, nota-se que o emprego da palavra Bellum, em Roma, ganhou maior vigor. O estudioso Francesco Sini frisa que, apesar da intensa utilização do termo citado, o duellum continuou a ser aplicado por sacerdotes e magistrados para designar a guerra em momentos de solenidade. SINI, Fracesco. Bellum Nefandum. Virgilio e il problema del “diritto internazionale antico”.Sassari-Itália: Libreria Dessì Editrice, 1991, p.191. 69

70

SANTANGELO, Federico. The Fetials and their Ius. Bulletin of the Institute of Classical Studies, nº 51- 1, 2008, p.63.

BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Bellum Iustum e a Revolta de Tacfarinas. In: CARVALHO, Maria Margarida de. [et al.]. História Militar do Mundo Antigo – Guerras e Representações. Vol. 2. São Paulo: Annablume; Fapesp; Campinas: UNICAMP, 2012, p.213.

29

compreender os procedimentos para os romanos declararem uma guerra, como buscar obter a proteção dos deuses e evitar a sua ira através da legitimação do Bellum Iustum: “[...] ou seja, pautado por motivos considerados justos: expulsão do inimigo, vingança por uma injustiça sofrida ou reivindicação de um direito legítimo”71. O pesquisador Breno Sebastiani72 frisa que, na cultura romana, o sucesso na batalha deveria estar ao lado daquele que foi agredido, pois a sua retaliação converter-se-ia em justa; caso contrário, o embate não conseguiria a proteção dos deuses, cabendo-lhe, assim, o insucesso. Logo, a guerra era um evento que, para ser produzido, necessitava dos benefícios dos deuses para o seu êxito. Em virtude de sua sacralidade, os confrontos não deveriam ser ímpios, pois poderiam gerar um descompasso com os desígnios divinos e, com isso, tornarem-se malogrados. Em nossa perspectiva, entendemos que o termo Bellum Iustum demarcava que o embate estava sendo organizado sob as esferas das leis e da religião, para ratificar oficialmente a sua importância e sacralidade. Imbuídos de tal perspectiva, ressaltamos que a religião encontrava-se amplamente inserida no cotidiano e no funcionamento das instituições políticas de Roma, pois os atos públicos, como a guerra, eram precedidos de rituais e tentativas de obtenção de apoio dos deuses73. A religiosidade romana e o seu respeito aos deuses – pietas – foram salientados por Pierre Boyance como os principais pontos para o sucesso obtido por Roma na expansão pela Península Itálica e nas conquistas territoriais ao longo do Mediterrâneo74. Apesar de focar-se intensamente nos aspectos político-econômicos da guerra, o romanista inglês William V. Harris, em seu artigo On War and Greed in the Second Century B.C., nos adverte que não devemos ignorar as crenças religiosas e morais dos romanos pelo papel que estas desempenhavam nas sociedades antigas75. Mediante o debate estabelecido, torna-se perceptível que a religiosidade romana foi instrumento essencial na legitimação dos conflitos bélicos desde a sua declaração, perpassando pelas tréguas e a finalização do

71

Ibidem, p.210.

72

SEBASTIANI, Breno Battistin. Guerra justa e imperialismo na Roma Republicana. Revista de História, nº 148 -1º, 2003, p.39. 73

BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Bellum Iustum e a Revolta de Tacfarinas.In: CARVALHO, Maria Margarida de. [et al.]. História Militar do Mundo Antigo – Guerras e Representações. Vol. 2. São Paulo: Annablume; Fapesp; Campinas: UNICAMP, 2012, p.210; MENDES, Norma Musco. Roma Republicana. São Paulo: Ed. Ática, 1988, p.13. 74

BOYANCÉ, Pierre. Les Romains, peuple de la « fides ». In: Etudes sur la religion romaine. Rome: École Française de Rome, nº:11, 1972 - b, p.135. 75

HARRIS. Willian Vernon. On War and Greed in the Second Century B.C. The American Historical Review, Vol. 76, N.º 5, dec., 1971, p. 1372.

30

combate. Não podemos deixar de assinalar que podem ter ocorrido algumas distorções dos desígnios dos deuses para que fosse possível promover uma guerra legitimamente. O investigador italiano Fernando Santangelo deixa transparecer que Tito Lívio atribui ao período monárquico romano o momento em que se procurou fornecer uma sacralização para a guerra, normatizando e estabelecendo uma justificativa para a empreitada. O autor – valendo-se da documentação clássica escrita – evoca a figura do mítico rei Anco Marcio (lat. Ancus Marcius) como sendo o governante que ratificou a guerra pelo viés religioso 76. A partir de então, “[...] as guerras só poderiam ser travadas, mas também declaradas por meio de algum tipo de ritual” (Tito Lívio, História de Roma, I, 32,5). Convergindo com a citação anterior, os classicistas Jean-Paul Brisson e Francesco Sini pontuam que a regulamentação da guerra foi uma forma de evitar os excessos de violência de que os romanos poderiam vir a se utilizar nos confrontos77. A exacerbação no campo de batalha era o motivo da cólera dos deuses pelo derramamento de sangue desmedido. Sendo assim, era preciso delimitar as ações dos guerreiros romanos para que não atraíssem, para si, a ira do plano divino. No que tange às normatizações, a autora Regina Bustamante nos oferece alguns indícios sobre os limites que uma guerra deveria possuir em respeito aos beligerantes. A autora frisa que os combatentes deviam estar subordinados aos iura belli ou ao ius in bello78. Bustamante prossegue nos advertindo sobre quais seriam as atitudes consideradas como indignas e “bárbaras” nos confrontos bélicos. De tal maneira, percebemos que a profanação dos locais de enterramento e dos monumentos funerários, assim como o desmantelamento dos templos, eram práticas indignas para os romanos79. Tais ações violavam o sagrado e conspurcavam as determinações dos deuses e dos homens. Retomando as concepções de Cícero expostas na obra Das Leis (II, 9), o autor considera que a guerra somente possuía legitimidade ao ser aprovada mediante a consulta da população e a realização dos rituais dos fetiales. Tais sacerdotes formavam um dos principais colégios sacerdotais romanos - cada colégio era constituído por vinte integrantes que tinham na figura do pater patratus o seu “sumo sacerdote”. A historiadora Claudia Beltrão da Rosa, ao debater sobre os sacerdotes citados, frisou que o referido segmento religioso era o 76

SANTANGELO, Federico. The Fetials and their Ius. Bulletin of the Institute of Classical Studies, nº 51- 1, 2008, p.64.

77

BRISSON, J.P. Problèmes de la guerre à Rome. Paris: La Haye, 1969, p.17; SINI, Fracesco. Bellum Nefandum. Virgilio e il problema del “diritto internazionale antico”. Sassari-Itália: Libreria Dessì Editrice, 1991,p.193. 78

BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Bellum Iustum e a Revolta de Tacfarinas.In: CARVALHO, Maria Margarida de. [et al.]. História Militar do Mundo Antigo – Guerras e Representações. Vol. 2. São Paulo: Annablume; Fapesp; Campinas: UNICAMP, 2012, p.210. 79

Ibidem, p. 211.

31

responsável pelos ritos do ius fetiale, que impunha uma rigorosa organização da guerra, tanto no período de declaração quanto no encerramento das atividades bélicas80. Ao analisarmos o período de elaboração do colégio sacerdotal dos fetiales, foi perceptível que não há um consenso sobre o momento de sua formulação. Segundo Beltrão da Rosa81, esses sacerdotes retrocedem à monarquia romana, podendo ser situados no contexto da sacralização da guerra por Anco Márcio, como apontamos anteriormente. A argumentação da historiadora pode ser fundamentada por meio dos escritos de Tito Lívio, que atribui a consolidação do referido ritual a Anco Márcio (Hist. de Roma, I, 32). Entretanto, assim como Claudia Beltrão da Rosa, notamos outras possibilidades sobre a construção do colégio sacerdotal em questão. Ao analisarmos a obra de Dionísio de Halicarnasso, denominada de Antiguidades Romanas (II,71), e cotejando os escritos de Plutarco intitulados “Vida de Numa” (12, 3-5), notamos que ambas documentações convergem ao apresentar Numa como o monarca que institui o ritual dos fetiales. Beltrão da Rosa nos chama à atenção para outra passagem de Lívio (Hist. de Roma, I, 24), na qual podemos levantar a possibilidade de que o colégio sacerdotal poderia já existir no tempo de Túlio Hostílio. Sendo assim, o ponto em comum evidenciado pela documentação situa-se na fundação do colégio sacerdotal durante a monarquia romana. Além disto, Claudia B. da Rosa nos possibilita compreender, através das obras de Lívio e de Dionísio, que os fetiales possuíam sua matriz em outro povo da Península Itálica, ao frisar que “[...] o colégio era proveniente dos aequicolae, um ramo dos équos, um povo que vivia no Nordeste do Lácio, e havia instituições semelhantes entre outros povos latinos”82, o que evidencia não ser um culto exclusivo de Roma, porém disseminado pela Península Itálica. O historiador Santangelo endossa nossa visão de uma conexão entre o Bellum Iustum e os fetiales no mundo romano83. Com visão aproximada à de Santangelo, evocamos os estudos de Mary Beard, J. North e Price, pois os mesmos compreendem que os rituais desenvolvidos pelos sacerdotes fetiales possuem uma profunda relação com a construção e a consolidação dos tratados e as declarações de guerra - tais rituais são mencionados desde a época da

80

ROSA, Claudia Beltrão da. Guerra, direito e religião na Roma Tardo-Republicana: O ius fetiale. In: CARVALHO, Maria Margarida de. [et al.]. História Militar do Mundo Antigo – Guerras e Representações. Vol. 2. São Paulo: Annablume; Fapesp; Campinas: UNICAMP, 2012 – a, p. 120-1. 81

Ibidem, p. 121.

82

Ibidem, p. 120-1.

83

SANTANGELO, Federico. The Fetials and their Ius. Bulletin of the Institute of Classical Studies, nº 51- 1, 2008, p.63.

32

monarquia84. John Scheid alude sobre a atividade dos fetiales em seus escritos, apontando os sacerdotes como os responsáveis pelas solenidades e negociações diplomáticas que envolviam a guerra e os tratados político-militares85. Ao cotejarmos o que foi descrito pela historiografia acima com a documentação escrita de Varrão, De lingua Latina V, 86 e de Lívio em História de Roma (IX, 5), percebemos que há uma consonância em atribuir aos fetiales a execução religiosa dos tratados (foedus). Podemos endossar a nossa assertiva ao analisarmos Cícero em Das Leis, II, 9. O autor salienta que os votos feitos deviam ser escrupulosamente cumpridos e que a violação destes acarretava em uma pena. Na visão de Pierre Boyancé, para os romanos, se fazia necessário colocar sob a garantia dos deuses o compromisso de que as partes envolvidas em algum tratado efetivassem o que foi acordado. Logo, a fides emerge como a relação de fidelidade e lealdade entre os sujeitos que estabelecem um acordo e também como uma divindade que é responsável por tal ação86. A deusa Fides (a Boa Fé) possuía a função de proteger os envolvidos no acordo efetuado e, assim, permitir o castigo para quem viesse a romper com o que fora negociado. A divindade mencionada teve o seu culto e santuários instituídos pelo antigo rei Numa (Tito Livio, Hist. de Roma, I, XI). Mediante as leituras dos escritos de Pierre Boyancé87 e cotejando as informações contidas em Tito Lívio (Hist. de Roma, I; XI), notamos que o culto da deusa Fides extrapolaria a questão da boa fé entre as partes de um juramento, podendo ser pensada também como um poder divino que garantiria, por meio da força e da virtude dos homens, os acordos que foram realizados entre os romanos e outras sociedades, por exemplo. Ao traçarmos um paralelo entre a fides, o Bellum Iustum e as ações dos fetiales, notamos que os três apresentam uma relação com o processo de legitimação da guerra, e suas formulações remetem a um período recuado da sociedade romana: a monarquia. Boyancé pontua que a intensificação do uso da fides no âmbito das relações diplomáticas mantidas por Roma com as demais sociedades pode ser principalmente evidenciada a partir do século III a.C.88. Para o autor, a conduta romana para com as cidades 84

BEARD, M.; NORTH, J.A.; PRICE, S.R.F. Religions of Rome. V. 1 (A History). Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p.03. 85

SCHEID, J. La religion des Romains. Paris: Armand Colin, 1998, p. 114-5.

86

BOYANCÉ, Pierre. Les Romains, peuple de la « fides ». In: Etudes sur la religion romaine. Rome: École Française de Rome, nº:11, 1972 - b, p.135. 87

BOYANCÉ, Pierre. «Fides Romana» et la vie internationale. In: Etudes sur la religion romaine. Rome: École Française de Rome, nº:11, 1972 - a. p. 106-7. 88

Ibidem, p.108-9.

33

sob sua proteção, e destas para com Roma, foi nomeada de fides romana. Tal concepção foi ressaltada, em diversos documentos clássicos, como os de Tito Lívio e Políbio, como um exemplo de valor moral. Seu contraponto, a fides Punica, representa a falta de comprometimento dos cartagineses com os juramentos prestados, pela quebra do foedus (acordos, alianças ou tratados). A documentação escrita latina deixa evidente que a ruptura de um acordo, juramento, ou até mesmo de um tratado com os romanos, era passível de represália. Uma das recorrentes medidas utilizadas para punir a quebra de acordo entre duas sociedades era a produção de um conflito bélico com a unção dos deuses em prol do que foi injustiçado. Sendo assim, ao relacionarmos o fragmento anterior com a ação de Sagunto ao ser invadida por Aníbal e a resposta romana aos cartagineses durante as últimas duas décadas do século III a.C – no evento conhecido como Segunda Guerra Púnica –, podemos materializar o valor da fides entre Roma e Sagunto e a punição aos cartagineses que quebraram o tratado. Em Lívio e Plínio, o Velho, verificamos que ambos convergem em seus apontamentos no que se refere à conduta dos saguntinos como detentores de altos valores morais devido a sua fides para com Roma, não se entregando ao inimigo e resistindo heroicamente. De tal forma, apesar de ser destruída, Sagunto manteve o seu sagrado acordo com Roma, sendo vista como um exemplo a ser seguido por outros aliados do povo romano (História de Roma, XXI,7; História Natural, III, 3; 20). Visando a elaborar uma contextualização sobre as Guerras Púnicas, faz-se necessário indicar que a derrota dos cartagineses na Primeira Guerra Púnica (264 – 241 a.C.) foi apresentada em Tito Lívio como a principal produtora dos ressentimentos nos vencidos. Os habitantes de Cartago viam as imposições como arrogantes e predatórias (Lívio, Hist. de Roma, XXI, 1). Notamos em Tito Lívio (Hist. de Roma, XXI, 2;3;4) que os cartagineses, para sanarem o pagamento dos pesados espólios de guerra, começam um processo de expansão territorial na Antiga Hispania. Arthur Eckstein argumenta que Amílcar Barca teria revitalizado Cartago e, através de Asdrúbal e , posteriormente, de Aníbal, garantiu uma nova área de influência na Península Ibérica, local onde adquiriu o controle sobre as minas de prata89. John Richardson argumenta que a primeira intervenção romana na Ibéria Antiga ocorreu no ano de 231 a.C., quando uma embaixada foi enviada à região para investigar os

89

ECKSTEIN, Arthur M. Mediterranean anarchy, interstate war, and the rise of Rome. Berkley; Los Angeles; London: University of California Press, 2006, p.169.

34

avanços cartagineses em tal território90. Após as análises dos emissários romanos sobre os progressos dos cartagineses no nordeste da Península Ibérica, notamos que os mesmos recorreram a um novo tratado (228/226 a.C), tendo o rio Ebro como um limite para o avanço cartaginês. Tito Lívio argumenta que “a base do acordo era que o limite da autoridade de cada um seria o rio Ebro, e que Sagunto, situada entre os domínios dos dois povos, manteria a sua autonomia” (Hist. de Roma, XXI, 2). Assim, o tratado do Ebro foi uma forma de evitar uma possível reorganização de Cartago contra Roma e a tomada de pontos que eram de interesse romano, como Sagunto (Políbio, Hist., II, 13). A documentação aduzida atribuiu ao período anterior a 220 a.C. a realização de um tratado entre Roma e Sagunto, colocando a região sob a proteção romana por meio da fides, o que os impedia de receber ataques dos cartagineses (Políbio, Hist., XX, 9; 12 / XXXVI,4). A relação entre os grupos dirigentes de Sagunto e Roma torna-se evidente próximo a 220 a.C., devido aos dados fornecidos pelos escritos de Políbio (Hist., III,15; XXX, 2), que mencionam a atitude dos romanos de executarem alguns líderes revoltosos de Sagunto. Possivelmente, na época, haveria ao menos uma facção contrária à aliança com os romanos ou a favor dos cartagineses na cidade saguntina. Ademais, Políbio narra que os grupos dissidentes que não foram punidos com a morte sofreram o processo de banimento da região91 (Hist.,III,15; 30). O classicista alemão Stephan Wicha complementa a informação anterior, ao expor que a ação romana nos problemas locais saguntinos denotaria uma estreita relação, que poderia existir de longa data, entre as aristocracias saguntinas e romanas92. Em meio às reflexões anteriores e agregando a essas os conceitos teóricos de Edward Said, supomos que, nas configurações de poder93 entre Roma e Sagunto, a aristocracia local colocou-se sob tutela romana, como uma forma de atender aos seus interesses políticos e sociais, além de preservar sua proeminência na região. No que tange às finalidades romanas em torno de Sagunto, concordamos com Michael Rostovtzeff em que a região saguntina emergia como ponto vital para que Roma garantisse uma zona de influência político-militar na Península Ibérica, para uma possível 90

RICHARDSON, John S. Hispaniae: Spain and the development of Roman Imperialism, 218-82 BC. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p.21. 91

ECKSTEIN, Arthur M. Mediterranean anarchy, interstate war, and the rise of Rome. Berkley; Los Angeles; London: University of California Press, 2006, p.171. 92

WICHA, Stephan. Urbs fide atque aerumnis incluta- zum Saguntmythos in Augusteischer zeit. In: Revista Lvcentvm, nº XXI-XXII, 2002-2003, p. 180 93

Mediante os escritos de Edward Said, podemos perceber as configurações de poder como o conjunto de relações que podem ser estabelecidas entre uma sociedade imperial e seus territórios subjugados, assim como entre os representantes do governo imperial e a elite local ou demais segmentos nativos da área conquistada. SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.42-3.

35

contenção cartaginesa94. Correlacionando os escritos de Rostovtzeff aos de Edward Said95, percebemos que os impérios eram capazes de integrar territórios que se encontram distantes geograficamente como uma forma de disseminar e preservar o seu poder. Arthur Eckstein nos permite ampliar a visão anterior das vinculações entre os grupos dirigentes provinciais e da Urbs, ao frisar que, em vários pontos dos domínios romanos, as elites locais eram cooptadas por Roma. Assim, as mesmas se adequavam à lógica de poder no intuito de obter proteção romana e evitar possíveis ataques de outros povos concorrentes. Além disto, também eram uma forma de conquistar benefícios96. Complementando as afirmações de Eckstein, evocamos Clifford Ando, pois o autor pontua que a cooptação dos governantes locais e a inserção destes na dinâmica de controle do território era útil para Roma, já que gerava uma gradual concessão e ampliação dos poderes da administração romana nos lugares que foram submetidos97. Os argumentos apresentados sobre as relações políticas de Roma e outras sociedades sob sua proteção nos possibilitam partilhar da visão de Said, de que o controle realizado por um império nas regiões conquistadas pode ser obtido pelo emprego da força, pela colaboração política ou pela dependência econômica, social ou cultural98. Tal processo pode ser identificado em Sagunto, onde os processos de cooptação e colaboração política tornaram-se passíveis de materialidade histórica fornecida pela documentação textual escrita de Políbio e Tito Lívio e pelos vestígios arqueológicos saguntinos. A colaboração política entre romanos e Sagunto torna-se intensa a partir do avanço de Aníbal Barca nos territórios ibéricos, no ano de 220 a.C. O comandante cartaginês desencadeou uma empreitada militar à região do rio Ebro, expandindo seu território em direção a Sagunto. Os últimos, clamando por sua condição de aliada de Roma, enviaram uma embaixada com seus representantes, para solicitar apoio de Roma (Políbio Hist., III, 15). A partir de Políbio e da abordagem desenvolvida pelo pesquisador Alair Duarte, percebemos que a medida tomada pelos saguntinos foi um instrumento recorrente entre os grupos sociais, tanto na Antiguidade quanto na Modernidade. Duarte evidencia que qualquer sociedade, diante de um confronto bélico, tende a recorrer politicamente a outros governos, visando a 94

ROSTOVTZEFF, M. Historia de Roma. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1983, p.62. Publicado originalmente em 1960.

95

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.37-8.

96

ECKSTEIN, Arthur M. Mediterranean anarchy, interstate war, and the rise of Rome. Berkley; Los Angeles; London: University of California Press, 2006, p.118-9. 97

ANDO, Clifford. The Administration of the Provinces. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 182. 98

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.40.

36

formar alianças e/ou combinar forças: ora para reparar, ora para evitar que sofram danos 99. A perspectiva ressaltada por Alair Duarte aplica-se ao caso de Sagunto ao evocar seu tratado com os romanos e, por meio disto, a fides romana como uma forma de proteção contra os cartagineses. Tito Lívio nos possibilita complementar os apontamentos sobre a inserção de tal embaixada saguntina descrita por Políbio. Lívio narra que: Eram então cônsules Públio Cornélio Cipião e Tibério Semprônio Longo. Após serem introduzidos os embaixadores de Sagunto no Senado, os cônsules consultaram os senadores sobre a política a adotar, decidindo-se que partiriam legados à Hispania a fim de examinar a situação dos aliados [...] (Hist. de Roma, XXI, 6)

Segundo Lívio, ficou decidido que uma advertência formal deveria ser enviada pelo Senado Romano, por meio de uma embaixada, pedindo justificativas para que Anibal viesse a deixar em paz o povo de Sagunto, pois eram aliados dos romanos. Eles também enviaram para Cartago outro grupo para entregar as queixas aos dirigentes locais (Hist. de Roma, XXI, 6). Neste ponto, verificamos o cumprimento romano da negociação antes de um possível impasse bélico. Apesar de não haver uma citação direta aos fetiales, em meio a reflexões que estabelecemos anteriormente sobre os mesmos, somos capazes de conjecturar que eles se encontravam inseridos no corpo diplomático romano para preservar a sacralidade do tratado. Arthur Eckstein pontua sobre a ação político-militar acionada pelos cartagineses para manter sua aparente integridade perante os acordos políticos com os romanos.100 A medida realizada pelos militares cartagineses foi a de promover um confronto entre Sagunto e um grupo ibero denominado de Torboletae, que era aliado dos cartagineses e apresentava históricas desavenças com os governantes de Sagunto, conforme destacado por Lívio (Hist. de Roma, XXI, 6; XXVIII, 39). O conflito promovido entre os grupos na Hispania por parte de Aníbal era o pretexto para efetuar um ataque cartaginês aos saguntinos, como uma forma de reparar os danos ao grupo que era seu aliado nas disputas. Aníbal, apesar de ser advertido, por embaixadores romanos, de que não deveria invadir Sagunto, promoveu um cerco que devastou todo o território cultivável da planície da região (Tito Lívio, Hist. de Roma, XXI,7). O general cartaginês sitiou a cidade-estado

99

DUARTE, Alair Figueiredo. Paz negativa na Atenas Clássica: Guerras, discursos e interesse de Estado. Monografia apresentada no Departamento de Filosofia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade do Estado do Estado do Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia, no ano de 2008, p. 75. 100

ECKSTEIN, Arthur M. Mediterranean anarchy, interstate war, and the rise of Rome. Berkley; Los Angeles; London: University of California Press, 2006, p.172.

37

hispânica por oito meses. Sagunto, sem um eficaz apoio romano, foi aniquilada em 219 a.C. Quanto aos cidadãos saguntinos, apenas restam indícios de que os mesmos foram massacrados; os que sobreviveram ao cerco foram reduzidos à condição de escravos. Quando as notícias foram enviadas para Roma, uma crise se abateu sobre o Senado, por sua negligência com os aliados. A proteção militar solicitada pelos saguntinos anteriormente não fora enviada pelos romanos em tempo hábil. Como Lívio menciona sobre o assunto, “[...] entretanto a delegação nem havia partido quando chegou a notícia de que Sagunto estava sob ataque” (Hist. de Roma, XXI, 6). O romanista francês Jérome Carcopino argumenta que a falta de uma frota de navios e de legiões disponíveis para serem enviadas a Hispania foram, possivelmente, pontos cruciais para a demora romana em auxiliar a sua aliada ibérica101. O acontecimento da tomada de Sagunto é evidenciado, na documentação latina, com um pesar sobre os romanos. Segundo Lívio:

Foram profundos, entre os patres, os sentimentos de tristeza e piedade para com aliados massacrados de uma maneira tão indigna, o pudor por não lhes ter levado socorro, a ira aos cartagineses e o receio pelo interesse supremo de todos, como se o inimigo já estivesse às próprias portas, ao qual os espíritos, encontrados de tantas emoções se agitavam mais do que podiam (Hist. de Roma, XXI, 16)

Assim, em 218 a.C., uma embaixada foi enviada a Cartago para informar sobre a legitimidade da ação de Aníbal pelo Senado cartaginês. Políbio declara que a finalidade era “entregar Aníbal e os membros de seu conselho ou a guerra seria declarada”, além da recuperação dos sobreviventes que foram escravizados (Hist. III, 20). Os senadores cartagineses não atenderam às solicitações dos romanos, pois alegavam que, em 241 a.C., Sagunto não configurava como aliada no tratado com Roma - então, o ataque era legítimo, pois não representava uma quebra de acordos e desconsiderava os tratados posteriores (Hist. III, 20; 21). Os romanos não aceitaram os argumentos cartagineses, o que produziu uma declaração de guerra que atingiu diversos pontos no antigo Mediterrâneo Ocidental. Com o ataque de Aníbal, estava em jogo a autoridade política romana e as alianças que Roma havia formulado com as outras sociedades, pois a mesma não foi capaz de conter a invasão cartaginesa em um dos seus protetorados. Logo, era essencial a ostentação pública de uma resposta como alicerce para a manutenção de sua reputação, pois uma punição organizada de forma exemplar tornava-se um excelente instrumento para o exercício de poder. De tal forma, a guerra romana contra Cartago era legítima devido à desmedida deste último

101

CARCOPINO, Jérome. Las Etapas del Imperialismo Romano. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1961, p.29-30

38

contra Sagunto, que era sua aliada. Ademais, verificamos que o conflito também assumia a característica de conquistar a liderança do Antigo Mediterrâneo Ocidental, o qual Arthur Eckstein frisa que estaria vivenciando um longo processo de anarquia de poder, com duas sociedades concorrentes no século III a.C.: em outras palavras, Cartago e Roma102. Logo, o autor ressalta que se notava, nesse contexto, uma bipolaridade de poderes103que se encontravam em conflito aberto. Sobre as três etapas que constituíram a Segunda Guerra Púnica, convergimos com os escritos históricos de Henrique Modanez Sant’Anna104. O primeiro ponto do embate inicia-se com o cerco a Sagunto, no qual Aníbal obteve sucesso destruindo a aliada romana. Após a invasão, o general cartaginês partiu com as suas tropas para a Península Itálica, adentrando pela região dos Alpes em 218 a.C. Sob o comandado de Aníbal, Cartago galgou diversas vitórias – nas batalhas de Ticino e Trébia, em 218 a.C., e no decisivo confronto do lago Trasimeno, que pode ser situado entre 217 a.C. e 216 a.C., vista como uma das maiores derrotas sofridas pela sociedade romana105. O classicista Peter Jones menciona que os dirigentes romanos esperavam que as batalhas ocorressem na Hispania e na África, porém Aníbal valeu-se de outra tática militar106 em seu ataque, promovendo a batalha na Itália e surpreendendo-os107. O historiador Henrique Modanez Sant’Anna nos informa que a invasão da Itália pelos cartagineses poderia representar um artifício bélico para desestruturar Roma, atingindo e capturando a sede de poder108. Todavia, demarcamos que houve um segundo momento dos confrontos militares, com o começo do consulado de Cipião e a sua investida direta a Cartago, para desestabilizar o rival 102

ECKSTEIN, Arthur M. Mediterranean anarchy, interstate war, and the rise of Rome. Berkley; Los Angeles; London: University of California Press, 2006, p.1-12. 103

Bipolaridade de poder seria o sistema em que se verifica a existência de duas potências com poder aproximado, que buscam construir zonas de influência para a atuação dos seus interesses. Contudo, devido ao constante processo de expansão, tendem a se chocar em algum momento, o que pode levar ao conflito armado. Ibidem, p.23-4. SANT’ANNA, Henrique Modanez de. A segunda guerra púnica e a construção da “armadilha cívica” nas Histórias, de Políbio. Revista Praesentia n º 09, 2008, p. 5-6. 104

105

DALY, Gregory. Cannae: the experience of battle in the Second Punic War. Londres: Routledge, 2002,p. 1-48; GOLDSWORTHY, Adrian. The Punic wars. Londres: Cassell & Co, 2001, pp.198-214; SANT’ANNA, Henrique Modanez de. A segunda guerra púnica e a construção da “armadilha cívica” nas Histórias, de Políbio. Revista Praesentia n º 09, 2008, p. 4-5. 106

Mediante os escritos de Arther Ferrill, podemos definir as táticas militares em guerra como possibilidades de uma ação estratégica, que se encontram mais vinculadas à capacidade de atuação de uma ou outra tropa diante de um contexto específico, seja de oponente ou de terreno, do que propriamente às escolhas de movimentação do comandante maior do exército. FERRIL, Arther. A Queda do Império Romano: a explicação militar. Rio de Janeiro, Zahar, 1989, p. 7. 107

JONES, Peter. The World of Rome.Cambridge: University of Cambridge Press, 1997, p.17.

SANT’ANNA, Henrique Modanez de. A segunda guerra púnica e a construção da “armadilha cívica” nas Histórias, de Políbio. Revista Praesentia n º 09, 2008, p. 6-7. 108

39

e reverter a estratégia bélica do inimigo (216-205 a.C.). Entre os anos de 205 e 202 a.C., os enfrentamentos entre romanos e cartagineses foram assumindo uma nova conjuntura, que era favorável a Roma. Segundo Sant’Anna, o avanço de Roma se deve, em muito, aos estudos de Cipião sobre as estratégias militares de Aníbal, as quais passaram a ser empregadas contra o próprio cartaginês, que também se encontrava em um contexto de várias baixas em suas tropas109. A vitória romana foi obtida em Zama (Norte da África), no ano de 202 a.C., após um período de grande prejuízo econômico e militar para os romanos, que impuseram um tratado moderado contra Cartago e preservaram, no final da Segunda Guerra Púnica, a vida de Aníbal 110. Políbio nos relata sobre o confronto e o poderio militar romano, ao indicar que em Zama: [...] os cartagineses lutando por sua própria segurança e pelo domínio da Líbia, e os romanos pelo império do mundo. [...] Pois seria impossível encontrar soldados mais valentes, ou generais que haviam sido mais vitoriosos e fossem mais completamente exercitados na arte da guerra, nem, realmente, havia Tykhé oferecido a exércitos em luta, em nenhuma ocasião, um prêmio mais esplêndido de vitória, uma vez que os conquistadores não seriam os mestres da Líbia e da Europa apenas, mas de todas as partes do mundo que hoje têm um lugar na história [...] (Hist.,XV,9.1-9.5).

Políbio aponta ainda que a vitória obtida por Roma na Segunda Guerra Púnica foi um elemento crucial para o processo de expansão, a partir de finais do século III a.C., na região do Mar Mediterrâneo (Hist. I, 3;6). Arthur Eckstein nos possibilita compreender que a expansão romana foi decorrente da necessidade de construir uma área de proteção em torno do seu centro político, o que a resguardava de ataques111. A menção do autor relaciona-se com o caso de Roma, que conseguiu desarticular a sua principal concorrente no Mediterrâneo Ocidental – Cartago –, com a vitória nas Guerras Púnicas, e estabelecer um conjunto de alianças políticas sob sua liderança. A arqueóloga María Angeles Sánchez corrobora com os escritos de Políbio e do historiador Arthur Eckstein, ao compreender que a Segunda Guerra Púnica demarca o período de formação do imperialismo romano pelos resultados que a vitória desencadeou para Roma112. De acordo com os escritos de Sánchez, e cotejando com os estudos de Breno

SANT’ANNA, Henrique Modanez de. Tradição militar ocidental clássica: a manobra envolvente nas batalhas de Gaugamela e Zama. In: Cadernos de Estudos Estratégicos - Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra (Brasil), nº. 04. Rio de Janeiro: CEE – ESG, 2006, p.19. 109

110

ECKSTEIN, Arthur M. Mediterranean anarchy, interstate war, and the rise of Rome. Berkley; Los Angeles; London: University of California Press, 2006, p.176. 111

112

Ibidem, p.18.

SÁNCHEZ, María Angeles Alonso. Guerra y territorio: el caso romano. Norba: revista de historia/geografía / Facultad de Filosofia y Letras. Cáceres: Servicio de Publicaciones de la Universidad de Extremadura, número 07, 1986, p. 183.

40

Sebastiani, percebemos que, a partir do século III a.C., em Roma, a guerra ampliou o seu significado de obtenção de segurança e prosperidade para simbolizar a conquista e a manutenção da hegemonia política sob diversos povos contidos no Mediterrâneo Antigo. Assim, as finalidades do embate bélico poderiam perpassar pelo campo da obtenção de benefícios políticos e/ou econômicos113. Complementando, verificamos que o historiador Eckstein ressalta a intensificação do imperialismo romano, no caso do Mediterrâneo Ocidental, como um resultado da derrota de Cartago, que assegurou para Roma uma posição de liderança unipolar114 das sociedades mediterrâneas115. Em suma, a justificativa para a guerra é um elemento essencial para a obtenção da legitimidade em um confronto bélico, tanto no interior das sociedades em embate quanto no âmbito de obtenção de apoio dos aliados. No que tangencia a motivação para a Segunda Guerra Púnica, podemos pontuar que a intervenção romana foi conferida mediante o viés do Bellum Iustum, devido ao ataque cartaginês ao seu protetorado na Península Ibérica. Com a vitória de Roma, em 202 a.C., podemos frisar que, a partir de finais do século III a.C., tal sociedade teria modificado o sentido de sua movimentação expansionista de defensiva, na Península Itálica, para ofensiva, no Mediterrâneo Antigo116. Sendo assim, as medidas externas romanas passaram a incluir práticas de intervenção, cooptação, negociação e aliança, que podem ser consideradas como imperialistas.

1.2

As múltiplas faces do imperialismo romano As práticas imperialistas romanas foram, ao longo do tempo, alvo de análises, de

várias apropriações e reformulações pelas sociedades contemporâneas. Do século XIX ao XXI, tal eixo teórico sofreu uma variedade de modificações em suas formas de estudo, devido às transformações no campo histórico. Através do debate historiográfico de cunho cronológico, temos como objetivo refletir sobre os discursos formulados pelo imperialismo

113

Ibidem, p. 183; SEBASTIANI, Breno Battistin. Guerra justa e imperialismo na Roma Republicana. Revista de História, nº 148 -1º, 2003, p.37. 114

O conceito de liderança do sistema unipolar pode ser compreendido como a obtenção do poder para organizar as relações políticas e econômicas entre um grupo de sociedades submetidas, mediante o gerenciamento de uma cidade-estado considerada como hegemônica sobre as outras, devido ao seu poder político e militar. ECKSTEIN, Arthur M. Mediterranean anarchy, interstate war, and the rise of Rome. Berkley; Los Angeles; London: University of California Press, 2006, p.16;185. 115

Ibidem, p.312-4.

116

GUARINELLO, Norberto Luiz. Imperialismo Greco-Romano. São Paulo: Ed. Ática, 1994, p.45-6.

41

romano na sua vertente defensiva e ofensiva. Discutiremos as propostas anexionistas que delimitam o viés da colaboração política entre Sagunto e Roma.

1.2.1

Império e Imperialismo em debate O renomado classicista Moses I. Finley evidenciou que, no campo historiográfico, em

diversos momentos, utilizamos conceitos sem refletirmos sobre eles de forma prudente 117. Os resultados de tal descuido são as generalizações históricas, que não levam em conta as particularidades do tempo e do espaço analisadas pelo historiador. No que tange ao aporte teórico referente ao império e ao imperialismo, percebe-se que muitas pesquisas são desenvolvidas sem as ressalvas necessárias para tal. A partir de Finley, verificamos que muitas palavras que empregamos no cotidiano acadêmico são advindas da Antiguidade. Entretanto, com o passar dos tempos, os termos adquiriram novos sentidos, tornando-se, por vezes, ambíguos. Podemos exemplificar o caso apontado por Finley mediante os estudos de Andrew Erskine, Arthur Eckstein e Craige B. Champion. Os autores argumentam que o termo latino imperium possivelmente foi a matriz das palavras inglesas "império" e "imperialismo"118 . Champion e Eckstein frisam que, em latim, havia o verbo imperare para designar a ação de comandar (verbo) e que o imperium era o poder de comando concedido a um magistrado119. Erskine corrobora com Champion e Eckstein ao pontuar que a palavra imperium representava – em seu primórdio republicano – a emissão de ordens ou comando que determinados magistrados, como os cônsules120, detinham sobre Roma, ou que determinados magistrados assumiam nas províncias121. 117

FINLEY, Moses. Empire in the Greco-Roman World. Greece & Rome, Second Series, Vol. 25, nº.: 1, Apr. 1978, p.1.

118

CHAMPION, Craige B.; ECKSTEIN, Arthur. Introduction: The Study of Roman Imperialism. In: CHAMPION, Craige B [et. al.]. Roman Imperialism Readings and Sources. Massachussets - USA; Oxford- Inglaterra; Victoria – Austrália, 2008, p.01; ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010, p.5. 119

CHAMPION, Craige B.; ECKSTEIN, Arthur. Introduction: The Study of Roman Imperialism. In: CHAMPION, Craige B [et. al.]. Roman Imperialism Readings and Sources. Massachussets - USA; Oxford- Inglaterra; Victoria – Austrália, 2008, p.1-2. 120

Os consules eram magistrados romanos eleitos anualmente, em par, e com igualdade de direitos e poderes. O cargo de consul era de grande prestígio e poder político dentro do cursus honorum, ocupando o ápice da hierarquia das magistraturas. As suas atribuições variaram de acordo com cada contexto histórico. Entretanto, podemos pontuar um consenso acadêmico de que, durante as diversas fases da Res Publica, aos consules foi atribuído o poder de controle político-militar de Roma, sendo os mesmos os detentores do poder de imperium sobre os cidadãos romanos. HUMBERT, G. Consul. In: Daremberg & Saglio's (org.) Dictionnaire des antiquités grecques et romaines. Tomo I - Vol.: 2. Paris: Librairie Hachette et Cie., 1877-1919, p.1455-1466. 121

ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010, p.5.

42

O historiador francês Pierre Grimal argumenta que o imperium na Antiguidade romana fornecia a seu detentor um poder considerado como absoluto, o que inclui, nesta esfera, a decisão do direito de vida e morte sobre os demais cidadãos romanos122. Entretanto, podemos pontuar que, com o passar dos tempos, o sentido foi se ampliando e, no século I a.C., o termo passou a designar o próprio poder e a autoridade romana sobre os outros povos, como vemos na expressão latina Imperium Populi Romani. Segundo Erskine, esta sentença denota que o poder romano estava relacionado com a ordem que Roma exercia sobre outras sociedades, em vez de possuir uma conotação estritamente territorial123. De acordo com Andrew Erskine, somente no século I d.C. o termo imperium agregou o sentido de extensão territorial124. A partir dos pensamentos do autor, percebemos que o novo significado atribuído à terminologia imperium estava relacionado com a concepção de que havia uma área na qual os desígnios e autoridade romana eram influentes sobre os demais povos, possibilitando integrá-los à sua dinâmica de poder. Outra evidência do poder romano atrelado aos espaços geográficos pode ser apontada nos escritos de Tácito (ca. 55-117 d.C.). Na obra Histórias, o autor clássico evidencia que o princeps no sistema do principado125 acabou por deter o poder de imperium sobre o immensum imperii corpus (imenso corpo imperial), em nome da sociedade romana (Histórias I, 16). A vinculação império e imperador não é diretamente válida para a história de Roma. A nossa proposição baseia-se no fato de a sociedade romana ter sido capaz de formular um império durante a fase da Res Publica (República), mesmo sendo dirigida por dois consules, por um longo tempo. Finley aponta que há outras sociedades que formularam extensos impérios sem possuir, necessariamente, um imperador em seu comando. Entretanto, com o avanço das conquistas romanas, emergiu a necessidade da figura de um imperador, propriamente dito, para a organização dos conflitos sociais internos e os confrontos

122

GRIMAL, Pierre. Os Erros da Liberdade. São Paulo: Papirus, 1990,p.29.

123

ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010, p.5-6. 124

125

Ibidem, p. 6.

O principado elaborado por Augustus pode ser visto como um sistema político em que a figura do princeps (primeiro dos cidadãos) concentra os poderes políticos em si. Fora implantado para apaziguar a competição aristocrática pelos altos postos de comando, em um contexto onde a guerra por expansão ficou cada vez mais esporádica. ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010, p.42. Possivelmente, tal mecanismo foi engendrado para evitar a retomada de um forte conflito político no interior da própria Roma, visto que tal processo vinha se desenrolando no I séc. a.C., com os confrontos entre César e Pompeu e, posteriormente, entre Caio Otávio e Marco Antonio.

43

externos126. Como mencionamos, as próprias estruturas políticas de Roma se revelaram como obsoletas e incapazes de gerir e distribuir os recursos do império entre a população cidadã. O resultado foi uma prosperidade econômica para Roma e, em virtude disto, uma profunda crise política pela gestão dos recursos. O preço para o estabelecimento do apaziguamento social foi a perda da liberdade política para os cidadãos, com o aumento da concentração de poder e da diferenciação de riquezas entre os portadores da cidadania romana127. Notamos que o século I a.C. foi o palco para o processo de centralização do poder em Roma, através de personalidades como o dictator128 Julio César e da elaboração do sistema de governo denominado de principado, iniciado por Augusto. Ao nos centrarmos no conceito de imperialismo, percebemos que o termo está fortemente vinculado aos estudos sobre as práticas de expansão política e econômica que as potências europeias e os EUA desenvolveram no século XIX e no começo do século XX. Edward Said complementa o que foi exposto ao argumentar que as ações norte-americanas do final do século XX foram cruciais para se manter vivo o debate sobre as práticas imperialistas no cenário acadêmico129. Segundo Craige B. Champion e Arthur Eckstein, desde 1870 se nota o emprego frequente da palavra “imperialismo” com a conotação de expansionista europeia130. Entretanto, as aplicações conceituais ganham projeção a partir de 1902, com o economista inglês John Atkinson Hobson, pois o mesmo elaborou a obra Imperialism: A Study, na qual notamos diversas críticas às práticas imperialistas, devido às suas implicações econômicas. Mediante a leitura dos estudos de Hobson, fica evidente que o imperialismo moderno foi o resultado da busca de mercados e ampliação das riquezas de um grupo industrial que, por sua influência, poderia levar um Estado a interferir em outras regiões131. Vladimir I. Lênin (c. 1916), seguia a visão de que as práticas político-econômicas europeias do século XIX, possuíam um caráter imperialista e que as mesmas eram um 126

FINLEY, Moses. Empire in the Greco-Roman World. Greece & Rome, Second Series, Vol. 25, nº.: 1, Apr. 1978, p.1-2.

127

GUARINELLO, Norberto Luiz. O Império Romano e Nós. In: SILVA, Gilvan Ventura & MENDES, Norma Musco. Repensando o Império Romano: Perspectiva Socieconomica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória: EDUFES, 2006, p.15. 128

A partir dos escritos de Peter Jones, percebemos que a ditadura seria uma função atribuída a um cidadão romano proeminente na magistratura, no contexto de uma crise política, para regularização da ordem social e posterior devolução do poder às instituições. JONES, Peter. The World of Rome. Cambridge: University of Cambridge Press, 1997, p.9-10. 129

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.135.

130

CHAMPION, Craige B.; ECKSTEIN, Arthur. Introduction: The Study of Roman Imperialism. In: CHAMPION, Craige B [et. al.]. Roman Imperialism Readings and Sources. Massachussets - USA; Oxford- Inglaterra; Victoria – Austrália, 2008, p.02. 131

HOBSON, John Atkinson. Estúdio del imperialismo. Madrid: Alianza, 1981, p.92-100. Publicado originalmente em 1902.

44

resultado da Revolução Industrial e por isso poderiam ser consideradas como um fenômeno de nível internacional. Para o autor, o imperialismo era um estágio superior ao capitalismo por seu potencial de influência, intervenção e exploração, além da possibilidade de existirem vários impérios disputando pela formação de um monopólio comercial - o que os difere da fase considerada “pré-capitalista”132. Logo, verifica-se em Hobson e Lênin uma inclinação para se compreender o termo imperialismo de forma estritamente ligada às sociedades modernas. Entretanto, a terminologia não se limita à Era Contemporânea, podendo ser empregada à Antiguidade, desde que respeitadas suas especificidades. Para endossarmos nossa assertiva, recorremos aos estudos de Joseph Schumpeter (1919), que, apesar de tecer críticas às práticas imperialistas econômicas modernas, pontua que o militarismo e a política intervencionista poderiam ser percebidos como elementos constituintes do imperialismo desde a Antiguidade. Logo, torna-se perceptível, na escrita do autor, que a adoção das práticas imperialistas pautadas na agressão e na interferência em territórios estrangeiros foi um retrocesso para o capitalismo moderno. Por meio dos estudos sobre Schumpeter, verificamos que o imperialismo pode ser visto como a disposição de um Estado em expandir-se territorialmente de forma ilimitada - em muitos casos, com o uso da força para alcançar tal finalidade133. Complementando Schumpeter, podemos frisar os argumentos do francês Henri Berr (1926) sobre o imperialismo antigo e moderno. Para o autor, o sentimento expansionista que está contido no imperialismo integra as características humanas pela busca da soberania. Segundo Berr, as práticas imperialistas emergem de um esforço não somente dos dirigentes de uma Cidade-Estado, pois a força e o poder da ação expansionista necessitariam de uma ação coletiva para sua concretização. Na visão do autor, nenhum império foi tão eficiente quanto Roma em organizar uma sociedade para a sua expansão e buscar a manutenção dos territórios submetidos134. Através das leituras de Moses Finley no artigo Empire in the Greco-Roman World (1978), pontuamos que há convergências com os escritos de Schumpeter e Henri Berr, pois Finley argumenta que as práticas imperialistas são mencionadas como um processo pelo qual uma nação ou Cidade-Estado submete outros povos através do uso da força ou de LÊNIN, Vladimir Ilich. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo. Tradução Olinto Beckerman, 4ª Edição – São Paulo: Global, 1987, p.86-90. Publicado originalmente em 1916. 132

133

SCHUMPETER, Joseph. Imperialism & Social Classes. Auburn, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 2007, p. 2354;107. Publicado originalmente em 1919. 134

BERR, Henri. Prefácio. In: HOMO, Léon. Primitive Italy and the Beginnings of Roman Imperialism. New York: Alfred A. Knopf, 1926, p.X.

45

qualquer outro tipo de coação – além da cooptação – e, devido a isso, aproveita-se da parte submetida de acordo com os seus próprios interesses135. Um elemento em comum entre os autores é a aplicabilidade do conceito de imperialismo para a Antiguidade. Todavia, Finley nos possibilita pensar que o imperialismo é um conjunto de medidas tomadas, por uma dita “potência”, que não se esgota no uso da violência. De acordo com Schumpeter e Finley, podemos frisar os estudos do classicista Erich S. Gruen (1984). O autor evidencia que o conceito de imperialismo advém das práticas políticas das quais as sociedades, em diversas temporalidades, se utilizaram para ampliação dos seus territórios - com isso, tal conceito foi englobado nos debates acadêmicos136. O historiador espanhol José Roldan possui uma análise histórica aproximada à de Finley e Gruen no que tange às práticas imperialistas. Para o autor, o imperialismo era/é uma disposição consciente e programada de uma Cidade-Estado ou Estado para uma política expansionista. A ação era baseada em causas complexas, que envolviam metas de expansão e estabilização do império adquirido e, por conseguinte, a dominação de grupos, povos e territórios submetidos, ou seja, havia a tendência de uma dominação universal137. Contudo, pontuamos a necessidade de resguardar-nos das modificações espaço-temporais inerentes ao imperialismo. Ao cotejarmos os estudos referentes ao conceito de imperialismo pelo viés teórico de Edward Said e Émile Perreau-Saussine, fica perceptível que toda unidade política, seja uma Cidade-Estado ou um Estado-Nação, almeja manter sua soberania territorial mediante práticas que podem ser consideradas imperialistas138. Tanto Said quanto Perreau-Saussine complementam nosso debate historiográfico ao ressaltar que o imperialismo apresenta múltiplas faces, devido às singularidades de cada período e região139. Logo, podemos frisar que, quando a procura pela soberania sai da esfera local e da preservação da segurança nas fronteiras, para o âmbito universal, desenvolvendo práticas de conquista e manutenção de domínios de outras regiões, ali se encontra um império constituído por meio de ações imperialistas. Nesse sentido, o imperialismo está relacionado à tendência expansionista das 135

FINLEY, Moses. Empire in the Greco-Roman World. Greece & Rome, Second Series, Vol. 25, nº.: 1, Apr. 1978, p. 1.

136

GRUEN, Erich S.Gruen, The Hellenistic World and the Coming of Rome. Berkeley; Los Angeles and London: University of California Press, 1984, p.7. 137

ROLDÁN, José Manuel. História de Roma. Tomo II – La República Romana. Madrid: Cátedra, 1987, p.266.

138

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.46; PERREAU-SAUSSINE, Émile. Imperialism. In: TURNER, Bryan S.(org.). The Cambridge Dictionary of Sociology. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p.280-1. 139

Idem.

46

sociedades, seja ela de forma ativa ou potencial, na busca por englobar novos territórios aos seus domínios. No campo historiográfico, é possível verificar o uso da conceituação de imperialismo defensivo e ofensivo com certa frequência. Os termos apresentam uma historicidade em suas aplicações, que almejamos salientar antes de centrarmo-nos no viés da anexação e integração político-social de Sagunto a Roma. Autores como Andrew Erskine e Claude Nicolet salientaram que o imperialismo defensivo foi uma ação romana pautada na conquista e manutenção da segurança nos primórdios da República, configurando-se como o ponto de partida para a expansão140. Entretanto, é necessário frisar que tais ameaças destacadas pelos romanos poderiam ser tanto reais quanto imaginárias, devido ao crescimento ou ao papel de outras sociedades que se colocavam como ameaçadoras para Roma141. Podemos apontar, na historiografia, como um dos pioneiros de tal abordagem defensiva romana, o inglês Tenney Frank, em Roman Imperialism (1914). Para o historiador, o imperialismo romano teria ocorrido inconscientemente, devido às necessidades de preservação territorial dos romanos e de possíveis ataques externos142, configurando-se por uma questão de defesa da região. Maurice Holleaux, no livro Rome, La Grece et les monarchies hellenistiques (1921), apresenta uma visão aproximada à de Frank. O autor calcase nas relações de poder estabelecidas por Roma no Mediterrâneo Antigo para validar a sua tese. Devido ao processo de não intervenção direta em algumas regiões, estabelecendo assim relações políticas com os governantes locais, o autor refuta a possibilidade de uma ação romana baseada essencialmente nos interesses econômicos143. O inglês R. H. Barrow, em sua produção intitulada The Romans (1949), segue a linha defensiva romana já apontada por Frank e Holleaux. O interessante nos estudos de Barrow são os seus apontamentos de que Roma foi levada indiretamente à expansão devido à necessidade de lutar por sua sobrevivência. O autor menciona que tal hegemonia de poder ocorreu contra o 140

ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010; NICOLET, Claude. O cidadão e o político. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1991, p.21-48. 141

ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. University Press, 2010, p.36.

Edinburgh: Edinburgh

FRANK, Tenney. Roman Imperialism. Kitchener – Canadá: Batoche Books, 2003, Passim. Publicado originalmente em 1914. 142

143

HOLLEAUX, Maurice. Rome, La Grèce et les monarchies hellénistiques au III siecle avant J.-C. (273-205). Paris: Ancienne Librairie Fontemoing et Cie, 1935, Passim. Publicado originalmente em 1921.

47

seu próprio desejo144. Entre os teóricos do imperialismo defensivo, podemos evocar os estudos do inglês Ernest Badian, no livro Roman Imperialism in the Late Republic (1967). Na obra, o autor procura explicitar os cuidados com as análises econômicas que possamos vir a desenvolver sobre o imperialismo romano. Os escritos de E. Badian nos possibilitam perceber que as medidas imperialistas romanas poderiam ocorrer das mais variadas formas, como por meio de alianças e do exercício de uma hegemonia de poder de maneira indireta nas regiões conquistadas, para assegurar os interesses romanos e os seus territórios145. Paul Veyne, no livro L'Inventaire des Différences (1976), apresenta uma visão mais radical e considerada controversa referente ao caso da expansão romana defensiva. Na ótica do autor, no período arcaico de Roma, o que se nota é uma tendência ao isolacionismo. Veyne apresenta o pressuposto de que Roma negava a autonomia de outros grupos, atuando como a única Cidade-Estado organizada na região do Lácio. A partir de tais apontamentos, para o classicista, Roma iniciou um processo de expansão visando a alcançar a segurança definitiva para seu território. O desejo desmedido de segurança total teria levado Roma a iniciar um processo ininterrupto de conquistas que, no primeiro momento, ateve-se à Península Itálica, passando para o Mediterrâneo Ocidental e, posteriormente, o Oriental, além da África, Ásia, Gálias e Britania146. O historiador inglês William V. Harris, em War and Imperialism in Republican Rome (1979), retoma a discussão sobre o tema do imperialismo defensivo romano como sendo uma prática de Roma até o século III a.C. Para Harris, a tese exposta foi amplamente difundida entre a historiografia do século XX. Todavia, mesmo que Harris não exclua a questão da segurança territorial, chama a atenção para a necessidade de ampliarmos as reflexões sobre tal pressuposto, que não deve ser visto de forma tão simplista devido aos fatores econômicos e sociais147. Harris se vale, documentalmente, dos escritos de Políbio para materializar as ambições econômicas romanas. Expomos aqui a nossa interpretação sobre os escritos polibianos referentes à expansão romana:

BARROW, R. H. Los Romanos. Buenos Aires – México: Fondo de Cultura Economica, 1950, p.30-4. Publicado Originalmente, em 1949. 144

145

BADIAN, Ernest. Roman Imperialism in the Late Republic. Oxford: Basil Blackwell, 1968, p.16-60. Publicado originalmente em 1967. 146

147

VEYNE, Paul. O Inventário das Diferenças. Lisboa: Gradiva, 1989,p. 12-3.

HARRIS, William V. Guerra e Imperialismo en la Roma Republicana ( 327/70 a.C.). Madrid: Siglo Veintiuno Editores S. A., 1989, p.4; 160-250. Publicado originalmente, em 1979.

48

Nenhum homem que esteja dominado pela razão faz guerra aos seus vizinhos somente para derrotar a estes por o compreenderem enquanto oponentes, da mesma forma que nenhum homem que esteja lúcido se lança ao mar simplesmente para chegar a outro ponto, ou desenvolve técnicas pelo prazer do conhecimento. Todos os atos são empreendidos pela busca de benefício. (Histórias, III, 4,10-11)

Andrew Erskine ressalta que, além da vertente defensiva, havia no meio acadêmico o viés ofensivo, que se relacionava com o âmbito do econômico, o qual Badian e Holleaux vieram a criticar, como pontuamos anteriormente. O autor salienta que, devido às ações imperialistas modernas com base mercantil, historiadores da Antiguidade dos séculos XIX e XX muitas vezes empreenderam, no campo historiográfico, um olhar baseado neste sistema para Roma. A linha ofensiva destaca que a expansão foi o resultado do desejo aristocrático por glória, honra, riqueza e, até mesmo, segurança, e pela conquista/manutenção das áreas de influência. Nessa linha, se colocarmos os fatores econômicos como mola propulsora, devemos fazer a ressalva de que eles eram dos mais variados interesses que integravam a prática imperialista. Andrew Erskine menciona que as ações romanas não devem ser enquadradas no perfil “mercantilista” moderno. Todavia, não podemos deixar de perceber que o desenvolvimento da expansão produziu uma parcela de oportunidades para elementos como os mercadores e o estabelecimento do comércio entre o centro de poder e as terras subjugadas148. Possivelmente, a matriz do pensamento ofensivo romano e economicista se encontra nos escritos de Caio Salústio Crispo, em especial na obra Conspiração Catilina (I a.C.). O autor indica que, após a vitória romana sobre Cartago, Roma teria ampliado o seu poder no Antigo Mediterrâneo. Todavia, para além do crescimento da área de influência, Roma passou a enfrentar os problemas sociais oriundos da constante entrada de riquezas, que levou à corrupção e à busca pelo enriquecimento ilícito, além das desmedidas dos magistrados (Conspiração Catilina, 10). Logo, o discurso salustiano se inclina para uma denúncia sobre as competições políticas devido à ambição pelo poder, assim como a falta de respeito ao mos maiorum por seus contemporâneos. No bojo do pensamento imperialista ofensivo, podemos retomar os estudos de Joseph Schumpeter (1919) em nossa pesquisa. Ao longo de suas análises, Schumpeter destaca como característica dos Antigos Impérios a belicosidade. O objetivo do militarismo antigo era 148

ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010, p.46-7.

49

promover a expansão e conquistar privilégios e riquezas e, por isso, Schumpeter os denominou “máquinas de guerra”149. A linha intervencionista romana sobre a qual o autor partilha sua visão pode ser evidenciada através da assertiva de que:

Não havia em nenhum canto do mundo conhecido, algum local que pudesse estar livre de perigo ou de um ataque real, a ser estabelecido por Roma. Se os interesses não eram romanos, os mesmos eram dos aliados de Roma, e se Roma não tinha aliados em alguma parte, então o poder romano ali criaria os seus colaboradores150.

Craige B. Champion e Arthur Eckstein pontuam que os trabalhos de Schumpeter foram vitais para as análises da sociedade romana. Para os autores, a perspectiva shumpeteriana influenciou diversos historiadores sobre Roma, como o próprio William Harris, na obra War and Imperialism in Republican Rome, 327-70 B.C.151. Ao prosseguirmos no viés ofensivo, podemos frisar os estudos de Michael Rostovtzeff. No livro The Social and Economic History of the Roman Empire - Tomo I (1926) e na obra Rome (1960), percebemos que Rostovtzeff não descartou a guerra defensiva que foi empreendida por Roma na Península Itálica. Contudo, o autor apresenta o processo de expansão e conquista do território através dos interesses belicistas e econômicos dos grupos “dominantes” para a legitimação do seu poder. Rostovtzeff nos fornece interpretações, por exemplo, sobre as cidades antigas como centros produtores de manufaturas, não se limitando apenas à obtenção dos produtos rurais. Em tal perspectiva, calcada no viés marxista, o núcleo urbano direciona-se para a obtenção do lucro152. Nos trabalhos de Gaetano de Sanctis (1932) em Problemi di Storia Ântica, através de sua perspectiva militar e econômica, o autor acabou por produzir um olhar “mercantilista” sobre as etapas do imperialismo romano e seu militarismo153. Tal vertente analisa Roma a

149

SCHUMPETER, Joseph. Imperialism & Social Classes. Auburn, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 2007, p. 23-54. Publicado originalmente em 1919. 150

Ibidem, p.51.

151

CHAMPION, Craige B.; ECKSTEIN, Arthur. Introduction: The Study of Roman Imperialism. In: CHAMPION, Craige B [et. al.]. Roman Imperialism Readings and Sources. Massachussets - USA; Oxford- Inglaterra; Victoria – Austrália, 2008, p.5. 152

ROSTOVTZEFF, M. Historia de Roma. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1983, pp. 11-42. Publicado originalmente em 1960 e na obra História Social y Economica del Imperio Romano. Tomo I. Madrid: Espasa-Calpes S.A., 1937, passim. Publicado originalmente em 1926. 153

DE SANCTIS, Gaetano. Problemi di Storia Antica. Bari: Ed. Laterza, 1932, passim.

50

partir das teorias imperialistas de cunho econômico do século XIX154. Um crítico sobre a referida perspectiva imperialista foi o húngaro Karl Paul Polanyi. Polanyi ficou conhecido por suas produções sobre a economia na Antiguidade e na Contemporaneidade. Nas produções intituladas The Great Transformation (1944) e Trade and Market in the Early Empires (1957), o autor chamou a atenção para o emprego da visão sobre os mercados nos estudos sobre a economia antiga. Para Polanyi, o sistema citado não deveria ser visto como a principal fonte da organização econômica romana155. Imbuídos da perspectiva levantada, ressaltamos que o pensamento “mercantilista” para o imperialismo de Roma – pela proposta do autor – não seria apropriado para o período, assim como a economia na sociedade romana estava submetida às relações sociais, não se constituindo como um campo autônomo. Nos escritos de Moses I. Finley (1973), A Economia Antiga, notamos um profundo diálogo com as ideias polanyianas acerca da economia substantiva, quando o mesmo destaca que “[...] é óbvio que estou de acordo em que temos o direito de estudar tais economias, de colocar questões sobre essas sociedades que os próprios antigos nunca colocaram. [...]”. Contudo, Finley prossegue frisando que “[...]a linguagem e os conceitos econômicos a que todos nós, mesmo os leigos, estamos acostumados, [...] tendem a arrastar-nos para uma falsa perspectiva”156. Em tal apontamento de Finley, percebemos que o mesmo rebate a vertente modernizante que ganhou intensidade no campo historiográfico durante a primeira metade do século XX. Para Finley, os historiadores não deveriam enquadrar o modo de funcionamento da economia antiga nos parâmetros da economia moderna devido às singularidades de cada uma157.

154

ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010, p.46. 155

POLANYI, Karl Paul. The Great Transformation: the political and economic origins of our time. Boston: Beacon Press,2001, p.45-59. Publicado Originalmente em 1944. 156

157

FINLEY, Moses I. A Economia Antiga. Porto: Afrontamento, 1980, p.27. Publicado originalmente em 1973.

Em 1986, podemos notar os estudos de Kevin Greene, em The archaology of the Roman economy, em que, através do uso da arqueologia, o autor criticou a perspectiva de Finley de um desenvolvimento ou avanço econômico nos dois primeiros anos que tangenciam o Alto Império. Para Greene, o que houve foi uma intensificação do processo comercial já existente como um produto da expansão imperial. GREENE, K. The archaology of the Roman economy. London: Batsford, 1986, p.170-1. Quanto à aplicação do termo economia para a sociedade romana, notamos que houve um debate recente no Brasil, proferido pelo prof. Dr. Ciro Flamarion Cardoso no artigo Existiu uma “Economia Romana”? (2011), como uma nova possibilidade de análise ao que fora postulado, em 2006, no artigo Economia Romana no início do Principado, dos romanistas Dr. Pedro Paulo Abreu Funari e Dr.ª Renata Senna Garraffoni. No texto, Cardoso aponta que o emprego da arqueologia não deve ser considerado um elemento crucial para compreendermos as trocas comerciais realizadas pela sociedade romana, pois, na perspectiva do autor, ela poderia gerar alguns equívocos, como diversos outros mecanismos de análises. O referido historiador parte do pressuposto de que, devido à extensão do império romano, as trocas comerciais se intensificaram, entretanto, sem ter o grande volume que lhe é atribuído. Sendo assim, a economia continuou basicamente agrária. Logo, Cardoso frisa que o estudo da economia romana é possível, mas através de diversos instrumentos que não somente os dados arqueológicos. CARDOSO, Ciro Flamarion. Existiu uma “Economia Romana”? In: Phoînix, Rio de

51

Verificamos que o campo do imperialismo ofensivo, apesar das críticas, continuou em plena atividade, como na obra de Richard Duncan Jones, que, em 1974, publicou o seu livro intitulado Economy of the Roman Empire. Na obra, o autor traz problematizações em torno da expansão e dos benefícios financeiros obtidos por ela para os senadores e magistrados romanos. Jones fornece a visão das negociações e taxações de Roma com as suas províncias, como o caso da África. A sua abordagem é pautada nas questões financeiras como um elemento motriz da sociedade romana158. Com uma abordagem aproximada à de Richard D. Jones, podemos citar a vertente imperialista de Arnold Hugh Martin Jones, em The Roman Economy: Studies in Ancient Economic and Administrative History159. Nesta obra, o autor analisa a relação da sede de poder romana com as cidades, na perspectiva de que Roma veio a enriquecer a partir da entrada dos recursos oriundos de sua expansão. Logo, Jones reitera a visão de relações desiguais entre centro de poder e áreas submetidas. Na vertente historiográfica de Erich S. Gruen (1973), os antigos romanos não deveriam ser concebidos enquanto totalmente imperialistas, nos termos de um expansionismo ofensivo. Para Gruen, os romanos perderam, ao longo de sua expansão, algumas oportunidades de explorar economicamente as sociedades conquistadas160. Entretanto, Moses Finley nos possibilita pensar que nem sempre a política imperialista romana visava à intervenção direta, e que a formação de uma área de influência romana poderia ocorrer com a cooptação da elite nativa161. Com novos postulados sobre a expansão romana, Moses Finley, em Empire in the Greco-Roman World (1978), foi considerado como o autor que inovou o campo teórico envolvendo a economia e o imperialismo. Para Finley, tal empreitada de Roma pode ser dividida em fases que se pautam na organização das conquistas e no tipo de vantagens advindas da ação imperialista.

Janeiro, nº 17-1, 2011, p.15-36. Entretanto, a partir do cotejamento de informações entre ambos escritos, verificamos que já constava na perspectiva de Funari e Garraffoni que a arqueologia não era um único instrumento de estudo da economia romana, mas sim um aparato que deve ser levado em consideração nas pesquisas históricas para compreendermos as relações econômicas entre as sociedades. FUNARI &GARRAFFONI, R. S. Economia romana no início do Principado. In: MENDES, N. M.; SILVA, G. V. (org.) Repensando o Império Romano; perspectiva socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad X; Vitória: Edufes, 2006, p.53-63. 158

JONES, R. Duncan. Economy of the Roman Empire. Cambridge: Cambridge University Press, 1982, passim. Publicado originalmente em 1974. 159JONES,

A. H. M. The Roman Economy: Studies in Ancient Economic and Administrative History. Oxford: Basil Blackwell, 1974, passim. 160

GRUEN, Erich S. Roman Imperialism and the Greek Resistance. The Journal of Interdisciplinary History, vol. 04, n º 02, Autumn. 1973, p. 273-5. 161

FINLEY, Moses. Empire in the Greco-Roman World. Greece & Rome, Second Series, Vol. 25, nº.: 1, Apr. 1978, p. 2-4.

52

O primeiro fluxo seria delimitado pela conquista da Península Itálica central e meridional, o que assegurou o território de Roma e produziu presas de guerra, além da aquisição de grandes extensões de terra confiscadas. O segundo ocorre desde a guerra com Cartago até o fim da República. Neste contexto, deu-se a formação do sistema provincial, gerando um grande aumento das presas de guerra e implantação de taxas regulares das províncias. Na terceira fase, durante o principado, a pax romana reduziu enormemente as presas de guerra, mas as taxas e requisições provinciais aumentaram constantemente e houve o processo de manutenção do controle dos territórios conquistados162. Ao cotejarmos a perspectiva de Finley com os escritos de Diodoro da Sicília, em sua obra Biblioteca Histórica, podemos notar uma das possíveis matrizes dos estudos sobre a diferenciação da ação romana ao longo do tempo com os povos submetidos. Os romanos, quando decidiram aspirar ao domínio do mundo, conquistaram o império com o valor de suas armas, mas, para seu próprio benefício, trataram com benignidade os povos vencidos. Afastaram-se tanto da crueldade e do espírito de vingança contra os vencidos que pareciam comportar-se não como inimigos, mas como benfeitores e amigos (...) a uns cederam a cidadania, a outros o direito de matrimônio, a alguns deixaram a autonomia, e a ninguém mostraram mais rancor do que era necessário(...). Contudo, tendo assegurado o domínio de todo o mundo, quiseram torná-lo mais estável por meio do terror e da destruição das cidades mais eminentes. Com efeito, destruíram completamente Corinto (em 146 a.C), erradicaram a potência macedônica, arrasaram Cartago (em 146 a.C) e, na Celtibéria, Numâmcia(em 133 a.C), aterrorizando muitos povos (Biblioteca histórica, XXXII, 4).

O húngaro Géza Alföldy, em Römische Sozialgeschichte – História Social de Roma – (1984), problematizou a questão da expansão romana apresentando-a em duas etapas. Até meados do século V a.C., Roma teria estabelecido uma ação defensiva em suas guerras. A medida buscava manter a integridade da região contra possíveis ataques dos etruscos e como uma forma de assegurar seu poder nos territórios vizinhos. Entretanto, a partir da segunda metade do século V a.C., com a subjugação de Fidena e de Veios, Roma veio a desenvolver uma característica expansionista – que podemos considerar como ofensiva –, com objetivo de sanar conflitos sociais internos entre a aristocracia e a plebe, além de obter ganhos econômicos163. Para os historiadores Mary Beard e Michael Crawford (1985), o tema da expansão perpassa por um emaranhado de fatores de cunho econômico, político, militar e social. Segundo os autores, dois eram os elementos fundamentais para a construção do processo expansionista romano: o primeiro seria a disputa política entre a elite ávida pela obtenção de 162

FINLEY, Moses. Empire in the Greco-Roman World. Greece & Rome, Second Series, Vol. 25, nº.: 1, Apr. 1978, p.8-10.

163

ALFÖLDY, Géza. História Social de Roma. Lisboa: Editora Presença, 1989, p.36-7; 42.

53

prestígio e riquezas, com as suas ações frente aos postos de comando; o segundo fator reside nas alianças realizadas na Península Itálica, onde, em troca de não impor uma tributação, Roma havia solicitado contingente humano para integrar as suas legiões164. De acordo com Norberto L. Guarinello, os elementos políticos e econômicos são indissociáveis para pensarmos o imperialismo na Antiguidade. Logo, o autor nos ressalta que:

[...] se a expansão militar ocasiona um diferencial de poder entre Estado ou povos, esse poder não é uma categoria abstrata (como uma “vontade de poder”, visto como poder em si), mas se define sempre para alguma coisa, ou seja, tendo em vista objetivos delimitados. Além disso, implica uma dupla relação de poder. Uma primeira, que define um centro (expansionista) e uma periferia (submetida) e que permite um fluxo centrípeto de bens, materiais ou não, necessários à metrópole. E uma segunda, igualmente fundamental, que se estabelece internamente, a partir da própria estrutura de poder da cidade imperialista, tendo em vista a delimitação dos objetivos da expansão (o que se visa obter) e de sua distribuição (como distribuir seus frutos)165.

Norberto Guarinello (1987) pontua que, nos estudos sobre o imperialismo, devemos nos centrar sobre os elementos estruturais internos, a organização da economia e do sistema político, para que se possam compreender as causas da expansão e as formas de sua organização166. Logo, para Guarinello, podemos notar as modificações do imperialismo romano em dois períodos, a saber:

Tabela comparativa sobre as transformações sociais em Roma 167 Período monárquico e republicano até o século

Período republicano e imperial posterior ao

III a.C.

século III a.C.



Sociedade eminentemente camponesa, na



“mercantil”;

qual a cidadania se dava através da posse de terras; 

Mão

de

obra

familiar

nas

pequenas

propriedades, e por clientes nas terras dos aristocratas;

Sociedade relacionada com a produção



Ampla utilização da mão de obra escrava;



Produção de bens agrícolas voltada para o mercado;

164

BEARD, M.; CRAWFORD, Michael. Rome in the Late Republic, London: Duckworth, 1985, p.74-6.

165

GUARINELLO, Norberto Luiz. Imperialismo Greco-Romano. São Paulo: Ed. Ática, 1994, p.43-4.

166

Ibidem, p.46.

167

Tabela produzida a partir de leituras da obra Imperialismo Greco-Romano,1994, do Prof. Dr. Norberto L. Guarinello. Ibidem, p.46-7.

54



Produção voltada para o consumo do



produtor e seus clientes; 

Economia voltada para a produção de valores de uso;



Economia relacionada com a compra e venda de produtos para o mercado;



Conflitos relacionados com a busca de privilégios advindos da expansão.

Conflitos internos relacionados à posse de terras entre a aristocracia e os pequenos proprietários.

Prosseguindo, ressaltamos a abordagem da romanista Norma Musco Mendes (1988), publicada em seu livro Roma Republicana, que, apesar de não descartar as pressuposições defensivas do imperialismo romano em sua fase inicial, amplia os debates sobre a fase ofensiva, relacionando-a com o contexto político e econômico. A autora menciona que a Cidade-Estado em questão foi impulsionada, em seus primórdios republicanos, a expandir-se para a obtenção de necessidades consideradas vitais. Entre elas, podemos destacar a defesa do próprio território, a aquisição de terras e a preservação de lugares estratégicos e comerciais 168. Além do que fora apontado pela busca de segurança e sobre as questões político-econômicas, podemos acrescentar ainda as ambições da aristocracia como um elemento propulsionador para a expansão romana na República Média. Norma Musco Mendes prossegue advertindo-nos de que a expansão também estava relacionada com instrumentos ideológicos romanos, como o desenvolvimento de um patriotismo exacerbado e a procura pela glória militar169. Tal aparato fazia parte da formação do jovem aristocrata romano, como pontuado por William Harris, até o século I a.C. Para o autor, a gloria e a laus eram dois preceitos essenciais para a aquisição da dignidade e da autoridade como meios para ascender-se ao cursus honorum170 no período da República. Logo, um dos elementos constituintes da expansão estava atrelado à competição aristocrática

168

MENDES, Norma Musco. Roma Republicana. São Paulo: Ed. Ática, 1988, p.42.

169

Idem.

170

A terminologia latina pode ser entendida como uma espécie de carreira das honras, pela qual um cidadão romano deveria perpassar gradualmente na sociedade. A cada cargo exercido, o ocupante obtinha prestígio e poder político, seja na Urbs ou nas áreas provinciais. É importante frisar que, nas províncias romanas, se nota a existência de uma magistratura local.

55

pela obtenção de cargos e prestígio públicos, sem deixar de lado seu enriquecimento próprio171. Imersos nas respectivas vertentes sobre a expansão romana, corroboramos os pressupostos de Norberto Guarinello sobre a complexidade que envolve o tema do imperialismo romano. A constituição do império pode ser vista como o resultado de um lento processo de conquista militar e centralização política, primeiramente da cidade de Roma sobre a Itália; depois, da própria península sobre o Mediterrâneo Antigo172. A partir do que foi debatido, podemos compreender a expansão como um objeto complexo no qual as ações variavam de acordo com o contexto histórico. Assim, a economia, a política e determinadas práticas aristocráticas para a legitimação do seu status social devem ser problematizadas em conjunto, ampliando a visão na elaboração das análises sobre o imperialismo romano, principalmente no que concerne ao nosso recorte temporal compreendido entre II a.C e I d.C. As visões sobre o imperialismo, no que tange à defesa territorial e ao fluxo ofensivo para conquista de territórios e benefícios econômicos, não devem ser analisadas de forma antagônicas, como em muitos casos pode parecer para os pesquisadores da cultura romana. As ações denfesivas e ofensivas eram práticas em algumas ocasiões complementares e seu emprego variava de acordo com o contexto político-cultural de Roma. Passamos para os estudos da integração romana via anexação, que será o nosso viés de análise no que diz respeito à sociedade saguntina.

1.3

Anexação territorial de Sagunto Um aspecto recorrente nas pesquisas173 sobre o imperialismo europeu no século XIX

foi o tema da conquista e da anexação territorial. As expansões colonialistas sobre a Índia e os diversos países do continente africano foram e são apresentados sob a ótica da incorporação destes pelos impérios britânico, francês e germânico, por exemplo. O inglês Andrew Erskine 171

HARRIS, William V. Guerra e Imperialismo en la Roma Republicana (327/70 a.C.). Madrid: Siglo Veintiuno Editores S. A., 1989, p.9-34. Publicado originalmente em 1979. 172

GUARINELLO, Norberto Luiz. O Império Romano e Nós. In: SILVA, Gilvan Ventura & MENDES, Norma Musco. Repensando o Império Romano: Perspectiva Socieconomica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória: EDUFES, 2006, p.14-6. 173

Podemos evidenciar a assertiva em produções como as de Edward Said, em Orientalismo (1978) ou Cultura e Imperialismo (1993); Ania Loomba, na obra Colonialism / Poscolonialism (1998); e Robert J. C. Young, em Postcolonialism: an historical introduction (2001).

56

salienta que essa vertente de análise imperialista influenciou vigorosamente os estudos romanos, tanto na perspectiva do imperialismo defensivo como no ofensivo, ao longo dos séculos XX e XXI174. Percebemos, nos escritos históricos de Theodor Mommsen em Römische Geschichte (1902), Tenney Frank (1914) no livro Roman Imperialism e Ernest Badian na produção intitulada Foreing Clientelae / 264-70 B.C (1958) e na obra Roman Imperialism in the Late Republic (1968), que havia uma tendência do campo histórico em rejeitar a abordagem sobre o processo de anexação territorial romano, devido às possibilidades de intervenções indiretas. Para os autores supracitados, Roma teve diversas oportunidades para empreender a anexação e nem sempre a realizou. Michael Rostovtzeff, em Rome (1960), ressalta que, até o século III a.C., Roma desempenhou uma política que evitava a anexação. Contudo, a partir do século II a.C., o Senado passou a desempenhar ações imperialistas consideradas como agressivas e que incluíam a incorporação de territórios para promover a entrada de riquezas175. O historiador Moses I. Finley (1978) analisou a anexação como um tema controverso na área da historiografia. Na visão do autor, o movimento anexador foi uma prática realizada na Antiguidade e na Era Moderna; todavia, sua aplicação variou ao longo do tempo e da região176. Pontuamos que tal vertente imperialista foi utilizado por Roma com maior ênfase nos territórios ocidentais. Entretanto, também ocorreram naqueles que representavam um ponto estratégico ou possuíam recursos materiais interessantes para o segmento dirigente de Roma, como foi o caso de Sagunto. Mediante análises sobre as produções do romanista inglês C. R. Whittaker, notamos que as relações de Roma com as áreas conquistadas foram politicamente dirigidas para o controle de pessoas, em vez de serem centradas na intervenção da dinâmica local. Sendo assim, na perspectiva do autor, estabeleceu-se no império um tipo de relacionamento fundado na troca de poder e riqueza, estruturado pela rede de alianças políticas sociais que conectava o centro político e as áreas periféricas, proporcionando assim uma integração socioeconômica no Mediterrâneo Antigo177. Seguindo uma linha aproximada à de Whittaker e Finley, há o 174

ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010, p.04. 175

ROSTOVTZEFF, M. Historia de Roma. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1983, p. 149-50. Publicado originalmente em 1960. 176

FINLEY, Moses. Empire in the Greco-Roman World. Greece & Rome, Second Series, Vol. 25, nº.: 1, Apr. 1978, p. 05.

177

WHITTAKER, C. R. Frontier of the Roman Empire. London: Hopkins University Press, 1994, Passim.

57

historiador Andrew Erskine, que chama a atenção para o fato de ser uma medida romana o emprego de seu poder sobre os povos, não necessariamente interferindo no cotidiano do território. Segundo Erskine, as relações interestatais (ou podemos denominar de interprovinciais) dos romanos com os demais povos se faziam presentes em tais sociedades mesmo sem a anexação territorial das mesmas178. Até o século III a.C, por exemplo, o que contava era a obediência às ordens romanas, e isso poderia funcionar tanto fora de uma estrutura provincial quanto dentro dela, como apontado por Finley, Whittaker e Erskine. Porém, no século II a.C., essa concepção de poder provavelmente foi se transformando e o império dos romanos passou a ser, com maior frequência, dividido em províncias, o que sinalizou uma mudança gradual na forma como o poder era representado a partir de ordens das estruturas institucionais179. Complementando os apontamentos de Erskine, recorremos aos escritos de Arthur Eckstein, pois este frisa que, devido às conquistas da República Romana no Mediterrâneo Antigo, a anarquia de poder foi perdendo espaço para o que podemos denominar de sistema de unipolaridade (a partir do século II a.C. até a queda do Império Romano do Ocidente). A conceituação oriunda da Ciência Política nos possibilita compreender que Roma passou a configurar-se como ator predominante nas interações políticas, militares e econômicas que eram estabelecidas pelas Cidades-Estado180 que permeavam o Mar Mediterrâneo181. Faz-se necessário ressaltar que temos noção que cada cidade-estado governada ou aliada ao poder romano obteve um processo de contato cultural182 específico. Por isso, não partilhamos de uma perspectiva homogeneizante. Ao retomarmos nossas reflexões sobre Andrew Erskine, podemos destacar o pressuposto de que Roma formulou um espaço geográfico amplo através de um processo

178

ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010, p.6. 179

Ibidem, p.39.

180

ECKSTEIN, Arthur M. Mediterranean anarchy, interstate war, and the rise of Rome. Berkley; Los Angeles; London: University of California Press, 2006, p.7-8. O autor utiliza o termo interações estatais para definir o processo de relação através do comércio, da política, do militarismo, entre outros, produzido pelas Cidades-EstadoCidades-Estado na Antiguidade. Contudo, por ser um consenso acadêmico, vamos adotar interações entre Cidades-EstadoCidades-Estado como uma única conceituação. 181

ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010, p.2. 182

Na visão do antropólogo Roque de Barros Laraia, o contato cultural seria um encontro entre dois ou mais grupos culturais, que poderia ocorrer de forma traumática ou não no que tange às trocas culturais. Conforme LARAIA, Roque De Barros. Cultura um conceito Antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1986, p.99 -100.

58

gradual de expansão e de produção de zonas de ação 183. Erskine demarca que o sistema de poder romano foi vivenciado de distintas formas pelos povos que foram subjugados, desde a sua expansão na Península Itálica no século IV a.C. e após a conquista do Mediterrâneo com a Segunda Guerra Púnica, no século III a.C. Logo, Erskine explica-nos que não há como agirmos de forma reducionista e homogeneizante ao tecermos estudos sobre tal empreitada romana184. O autor prossegue nos advertindo de que devemos ter rigores acadêmicos ao aplicar à Antiguidade tal concepção anexadora , pois o Império Romano apresentou diversos contrastes em sua construção185. Com uma vertente aproximada, podemos mencionar as análises de Norberto Guarinello. Ele nos alude que, ao problematizarmos a historicidade do Império Romano, percebemos que o mesmo foi o ponto culminante de uma longa História expansionista e que representou um fenômeno de integração no Mediterrâneo Antigo, pois Roma se sobrepôs às Cidades–Estados, tribos e Impérios186. Imersos em tal perspectiva de expansão romana, concordamos com a tese de Moses Finley. Para ele, os romanos agiram como imperialistas sempre que as oportunidades se colocavam diante deles ou lhes era interessante em dado contexto187. Ao nos apropriarmos dos escritos de Edward Said e aplicarmos seu arcabouço teórico a Roma, percebemos que o ponto central do conceito de imperialismo é a forma de se “pensar, colonizar, controlar terras que não são nossas, as quais estão distantes e que são possuídas e habitadas por outros”188. Logo, o que se nota no caso romano, principalmente a partir do século II a.C., foi uma preocupação com a aquisição e manutenção das terras subjugadas como um símbolo de poder e de glória romana. Todavia, em muitos casos elas se encontram já habitadas, o que tornava necessário um aparato para o controle e preservação das áreas, como por meio da instalação de exércitos permanentes e/ou de uma administração, além de cooptar o elemento nativo. A partir do que foi frisado por Said e cotejando com as informações de Moses Finley, verificamos que ambos nos possibilitam pensar na 183

ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010, p.4. 184

Ibidem, p.50.

185

Ibidem, p.4.

186

GUARINELLO, Norberto Luiz. O Império Romano e Nós. In: SILVA, Gilvan Ventura & MENDES, Norma Musco. Repensando o Império Romano: Perspectiva Socieconomica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória: EDUFES, 2006, p.17-8. 187

FINLEY, Moses. Empire in the Greco-Roman World. Greece & Rome, Second Series, Vol. 25, nº.: 1, Apr. 1978, p. 4.

188

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.37.

59

complexidade da política imperialista romana, pois esta poderia ocorrer via intervenção anexadora ou através da formulação de áreas de influência, mediante a colaboração da elite nativa189. Ao nos remetermos às pesquisas de William Harris, o que verificamos é uma crítica ao viés historiográfico que rejeita as medidas de anexação que foram efetuadas por Roma. O historiador em questão menciona que poucos foram os casos em que o Senado romano, ao se deparar com uma conjuntura favorável para a anexação, renegou-a. Para Harris, as anexações fora da Itália foram um sistema complexo de controle, manutenção e exploração190. Deste modo, é possível pontuarmos que a anexação via implantação de um sistema de governo permanente nas áreas subjugadas floresceu a partir do século II a.C., como um instrumento romano de preservação do poder e extração de insumos, que podemos demarcar tanto em forma de bens materiais (como ouro, prata ou grãos), ou também através de recursos humanos para serem incorporados às legiões, com os revoltosos sendo reduzidos à condição de escravos. Decerto, podemos caracterizar a província191 como área anexada que estava subordinada a uma série de magistrados (proconsules ou propretores) que exerciam o seu poder de imperium por um período delimitado e sem hereditariedade. Além disso, em alguns casos, poderia haver uma tropa posicionada para conter eventuais revoltas

192

. Tais

magistrados seriam eleitos pela assembleia das centúrias (em latim: comitia centuriata)193 189

FINLEY, Moses. Empire in the Greco-Roman World. Greece & Rome, Second Series, Vol. 25, nº.: 1, Apr. 1978, p.2-4.

190

HARRIS, William V. Guerra e Imperialismo en la Roma Republicana ( 327/70 a.C.). Madrid: Siglo Veintiuno Editores S. A., 1989, p.131. Publicado originalmente, em 1979. 191

Chama-nos a atenção o fato de o termo provincia ter apresentado modificações em seu sentido ao longo do tempo. Logo, percebemos que tal conceito era utilizado tanto no período republicano, para designar a função ou comando de um magistrado, como para se referir a uma determinada área geográfica. A assertiva se fundamenta nas passagens de Tito Lívio (História de Roma, III, 25,9; VI,30,3; XXIV,9,5; XXVII, 22,2). Já no século I a.C., o romanista Richardson deixa transparecer que autores clássicos como Cicero nos levam à compreensão de província como uma designada área geográfica sob o controle romano e que possui, em sua organização social, as instituições de Roma estabelecidas. RICHARDSON, John S. Hispaniae: Spain and the development of Roman Imperialism, 218-82 BC. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p.5-6. Imbuído de tal ampliação do sentido de província, apontada por John Richardson, nos abrimos para a possibilidade de que, no período de Augusto, o sentido de extensão geográfica atribuído às provinciae foi um ponto importante para o projeto político dos envolvidos no sistema do principado, para a consolidação e a integração daquilo que ficou conhecido, nas palavras de Tácito, como immensum imperii corpus – Imenso Corpo Imperial (Tácito, Histórias, I, 16). 192

HARRIS, William V. Guerra e Imperialismo en la Roma Republicana (327/70 a.C.). Madrid: Siglo Veintiuno Editores S. A.,1989, p.131. Publicado originalmente, em 1979. 193

Sobre as assembleias existentes no mundo romano, as quais atuavam ao lado do Senado, são necessárias algumas observações históricas. De acordo com a romanista Renata Lopes Biazotto Venturini, havia em Roma os comitia curiata, que atuavam nas áreas que hoje vemos como relacionadas ao direito civil e que, além da competência citada, também conferia, na maior parte dos casos, o poder de imperium ao magistrado selecionado. Os comitia tributa eram as assembleias responsáveis por buscar benefícios para a população e que detinham funções consideradas atualmente como legislativas e eleitorais. O concilium plebs era o conselho responsável pela seleção dos tribunos e edis. Por último, podemos ressaltar Os comitia centuriata. Tal esfera de poder, em sua matriz, possuía um caráter militar e foi adquirindo, ao longo do período republicano, funções de nível jurídico e político, como notamos na Hispania. VENTURINI, Renata Lopes Biazotto. Amizade e política em Roma: o patronato na época imperial. In: Acta Scientiarum, Maringá, n.º: 23(1), 2001, p.219.

60

sobre o território que seria de sua competência194. Convergindo com os escritos de Harris e Richardson, temos os estudos de Claude Nicolet. O historiador evidencia que, com a anexação e a formulação das províncias, Roma conseguiu captar recursos tributários que eram consideráveis para o período. Os principais insumos enviados das províncias para Roma eram oriundos da exploração de metais preciosos e do cultivo de cereais. Podemos notar que, na perspectiva do autor195, a conquista romana estava atrelada aos fatores econômicos. Para Michael Kulikowski, as Hispanias, durante os séculos III e II a.C., foram incorporadas em tratados e posteriormente anexadas por representarem um ponto estratégico para a disseminação do controle romano no Mediterrâneo Antigo Ocidental, para além da simples obtenção de recursos. A localização das Hispanias permitia aos romanos adentrarem ao norte para as Gálias, assim como se dirigirem ao Norte da África em sua empreitada imperial. O autor citado e John Richardson estão de acordo ao demarcar o ano de 197 a.C. como a tomada da ocupação romana através do envio de praetores e a formulação da Hispania Citerior e Ulterior como mecanismo de atrelamento à dinâmica política romana196. Em Sagunto, notamos outra materialidade da atuação romana através da integração dos membros de sua elite, que foram reconduzidos ao poder por Roma, no final do século III a.C.. O pensador latino Tito Lívio (Hist. de Roma, XXVIII, 39, 1-9) nos fornece indícios de que os saguntinos enviaram uma embaixada contendo dez de seus representantes, que Lívio identifica com uma função similar à dos Senadores romanos, para o centro de poder romano. Os governantes de Sagunto, mediante o caos gerado pela destruição de seu núcleo urbano, são apresentados no discurso liviano como decididos a ampliarem as relações já existentes entre Sagunto e a área de influência romana, para conseguir maiores privilégios, como a reconstrução da região, devido à sua condição de aliada de Roma197. A medida romana é consonante com os estudos de Said198, que compreende o “imperialismo” como uma gama de atitudes que foram e/ou são empregadas por um centro de poder para manter o controle dos territórios, muitas vezes alocados em regiões distantes. Além disso, Said, em seus escritos 194

RICHARDSON, John S. Hispaniae: Spain and the development of Roman Imperialism, 218-82 BC. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p.5. 195

NICOLET, Claude. Roma y la conquista del mundo mediterráneo: 264-27 a. De J.C. Barcelona: Labor, 1982, p.100.

196

RICHARDSON, John S. Hispaniae: Spain and the development of Roman Imperialism, 218-82 BC. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p.01; KULIKOWSKI, Michael. Late Roman Spain and Its Cities. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2004, p.2-3. 197

Não é tarefa dos profissionais de História avaliar se as atitudes dos saguntinos e dos romanos foram corretas para eles ou não. O historiador francês Lucien Febvre já havia nos advertido de que não nos cabe, enquanto pesquisadores, julgar os acontecimentos e as ações dos personagens históricos, mas sim refletir sobre os processos que transcorrem ao longo da História; em nosso caso, Sagunto. FEBVRE, Lucien. Honra e Pátria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p.25-6. 198

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.40.

61

sobre as práticas imperialistas modernas, já nos advertiu sobre uma ação totalmente aplicável à Antiguidade, de que um império é sustentado por ambos os grupos dirigentes envolvidos na dinâmica imperialista199. Desta forma, notamos em Sagunto uma evidente colaboração política entre as elites locais e o centro de poder de Roma, o que evidencia um pacto conservador que manteve os dirigentes locais das áreas impériais unidas por séculos200. Apesar de estarmos trabalhando por meio dos escritos dos próprios romanos sobre uma sociedade ibérica, devemos frisar que os apontamentos sobre Sagunto em Tito Lívio (História de Roma, XXI), Plínio, o Velho (História Natural, III, 4, 20), Políbio (Histórias, III), Apiano (História Romana, VI, 07-13) e Pomponio Mela (Corografia, II, 06, 92), por exemplo, em diversas passagens, indicam que seus cidadãos foram exemplos de fides para com Roma, não mencionando possíveis revoltas dos habitantes do território contra seus dominadores. A resposta romana para a solicitação saguntina é exposta por Tito Lívio: “O senado respondeu aos legados de Sagunto que a recuperação de sua cidade seria, para todos os povos, um exemplo de fidelidade mutua entre os dois aliados” (Hist. de Roma, XXVIII, 39). O acordo foi ratificado religiosamente, possivelmente no templo da tríade capitolina Júpiter – Juno – Minerva, como vemos na narrativa liviana. De tal forma, Lívio pontua que “Os atos generosos por eles praticados foram aprovados pelo Senado que permitia que os enviados depusessem suas oferendas no Capitólio” (Hist. de Roma, XXVIII, 39). Para Arthur Eckstein, há uma tendência natural, por parte das Cidades-Estados, de buscar uma supremacia de poder e fazer alianças políticas quando se encontram em meio ao sistema anárquico201. A exemplo do que ocorreu com Sagunto, outras regiões das Hispanias foram aproximando-se da dinâmica de poder romano após o século III a.C.. John Richardson argumenta que a Hispania foi um cenário de práticas de clientelismo político realizadas por Pompeu Magno e Júlio César durante os finais do regime republicano em Roma, em I a.C.. Logo, fica perceptível que a Península Ibérica foi objeto de diversas formas de controle romano que visavam a assegurar os seus domínios sobre a região. Assim, podemos definir tais

199

Ibidem, p.42.

200

GUARINELLO, Norberto Luiz. O Império Romano e Nós. In: SILVA, Gilvan Ventura & MENDES, Norma Musco. Repensando o Império Romano: Perspectiva Socieconomica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória: EDUFES, 2006, p.16-7. 201

ECKSTEIN, Arthur M. Mediterranean anarchy, interstate war, and the rise of Rome. Berkley; Los Angeles; London: University of California Press, 2006, p.16.

62

práticas como imperialistas, já que, para manter sua preponderância, se utilizaram de redes de aliança nas Hispanias202. Por sua vez, Michael Kulikowski frisa que, com Augusto, o sistema administrativo romano se intensificou nas Hispanias, e o estreitamento das relações políticas se ampliou com a prática imperialista203. Para tal empreendimento, Augusto teria remodelado as províncias hispanas, redividindo o que era a Antiga Hispania Citerior, em província Tarraconensis e o que era conhecido como Hispania Ulterior foi desmembrado nas províncias da Baetica e da Lusitania. O autor pontua que tal diferenciação representava a diversidade de interesses romanos no território e a visão heterogênea que já havia, naquele período, para a política de administração das Hispanias204. Em suma, percebemos que a divisão em províncias foi um meio de manter o controle político externo romano nas áreas do Mediterrâneo Antigo e, assim, valer-se de mecanismos como a diplomacia ou a guerra para ter seus interesses obtidos. Para Andrew Erskine, o urbanismo romano e o processo de cooptação de uma elite local eram agentes facilitadores para o processo de estabelecimento do poder nas regiões provinciais205. Assim, podemos ver as províncias, e em consequência, a construção ou reconstrução de cidades, como a materialização do poder de Roma sobre o território que apresentam uma posição importante para os romanos, seja econômica, política ou militarmente. Em virtude do exposto, passaremos para o próximo capítulo, no qual iremos analisar a reedificação da cidade de Sagunto como uma forma da integração do local à dinâmica de poder romano.

202

RICHARDSON, John S. Hispaniae: Spain and the development of Roman Imperialism, 218-82 BC. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p.01; KULIKOWSKI, Michael. Late Roman Spain and Its Cities. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2004, p.1. 203

KULIKOWSKI, Michael. Late Roman Spain and Its Cities. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2004, p.3.

204

Ibidem, p.6.

205ERSKINE,

Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010, p.61.

63

2 EDIFICANDO CIDADES E CONSOLIDANDO PODERES: SAGUNTO E A ELABORAÇÃO ROMANA DAS ENTIDADES GEOGRÁFICAS (II A.C. – I D.C.)

Um viajante, ao estabelecer o seu mapa turístico perpassando pelas margens do Mediterrâneo, muitas vezes vai se deparar com ruínas que nos remetem à presença da Antiga Roma na região. Indagamo-nos, de imediato, sobre o significado político e cultural de tais construções em vastas localidades do litoral Mediterrâneo, assim como no interior dos respectivos continentes. Em virtude do exposto, almejamos, ao longo deste capítulo, refletir sobre as possibilidades históricas em torno da edificação das cidades romanas, focando, contudo, no processo de reconstrução romana da ciuitas de Sagunto, na Hispania (atual Espanha).

2.1

As cidades romanas: centros de difusão da “romanidade”

Ao analisarmos as pesquisas sobre as cidadesantigas, podemos pontuar que elas emergem, na Antiguidade Clássica, como o locus do ser civilizado, além de ser o espaço da ordem social, em oposição ao que era considerado como bárbaro, rústico, ou seja, o que era refletido como um modelo de organização político-social instável206. Imbuídos dessa perspectiva, verificamos que a cidade é o lugar de emanação do poder, cujos espaços tornaram-se coerentes com a imagem do próprio homem. Entretanto, também foi nas cidades que essas imagens se estilhaçaram, no contexto de agrupamentos de pessoas diferentes – fator de intensificação da complexidade social – e que se apresentam umas às outras como estranhas. Todos esses aspectos da experiência urbana – diferença, complexidade, estranheza – sustentam a resistência e a dominação207. É necessário frisar que, apesar de centrarmos nossa pesquisa no Ocidente romano, compartilhamos da visão do geógrafo Marcel Roncayolo, que indica que o fenômeno das 206

BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.109-116; COULANGES, Numa Denis Fustel de. A Cidade Antiga- estudo sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia Antiga e de Roma. Bauru - São Paulo: EDIPRO, 2009, p.14-5;GUARINELLO, Norberto Luiz. O Império Romano e Nós. In: SILVA, Gilvan Ventura & MENDES, Norma Musco. Repensando o Império Romano: Perspectiva Socieconomica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória: EDUFES, 2006, p.15-6; PEARSON, Michael Parker Pearson & RICHARDS,Colin. Ordering the world: perceptions of architecture, space and time. In: PEARSON, Michael Parker Pearson & RICHARDS, Colin (org). Architecture and order - Approaches to Social Space. New York- USA; London – UK: Routledge, 2005, p. 1-66; SENNETT, Richard. Carne e Pedra – O corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record, 1997,p.24. Vide, SENNETT, Richard. Carne e Pedra – O corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record, 1997, p. 24. 207

64

cidades208 não foi um produto exclusivo do Ocidente, pois também podemos verificá-los no Oriente209. Consonante ao que foi apontado, percebemos, pela investigação arqueológica, que o mundo oriental foi o lugar onde teriam nascido as primeiras formas do que consideramos cidades, como a Caldeia e a Babilônia210, de acordo com o arqueólogo Antonio Gonzáles Blanco. Entretanto, o aspecto jurídico e cultural atribuído às Cidades-Estado antigas foi uma inovação do mundo grego e romano, no pensamento de Blanco211. Ao analisarmos a configuração das cidades em nossa atualidade, ou das ciuitates e poleis que existiam na Antiguidade, notamos que elas são dotadas de expressões culturais, as quais nos ofertam uma materialidade histórica dos homens e mulheres que ali habitavam no passado, ou que residem em tais lugares nos dias de hoje. Em linhas gerais, como frisou o sociólogo Octavio Ianni212, é por meio do estudo das cidades que podemos conhecer parte da historicidade de uma determinada sociedade, pois elas estão para além de meras construções ou imagens, como demarcou C. R. Whittaker em Imperialism and culture the Roman Iniciative 213. Imbuídos da perspectiva apontada por Ianni e Whittaker, notamos que há uma profunda necessidade do diálogo entre os estudos históricos e outras áreas do saber, como a perspectiva geográfica. De acordo com o helenista Luis Filipe Bantim de Assumpção, as reflexões sobre o homem e o espaço não são uma exclusividade da modernidade, pois já são perceptíveis como objetos de análises desde a Antiguidade214. Os apontamentos de Assumpção podem ser endossados pelo geógrafo austríaco Hugo Hassinger. O pesquisador 208

O conceito de cidade está relacionado à visão de um aglomerado de uma população, ou seja, a concentração do habitat e o conjunto de comportamentos e atitudes que a população expressa neste espaço físico. Mediante os escritos de Roncayolo, fica perceptível que a cidade é o espaço da ação político-cultural. RONCAYOLO, Marcel. Cidade. In: ROMANO, Ruggiero & GIL, Fernando (orgs.) Enciclopédia Einaudi - Região. Vol.08. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1986, p.397422. 209

Ibidem, p.422.

210

A informação pode ser ampliada através dos estudos da assirióloga POZZER, Katia Maria Paim. Babel e a representação do sagrado na Cidade Antiga. In: CORNELLI, Gabriele (org.) Representações da Cidade Antiga. Categorias Históricas e Discursos Filosóficos. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos e Classica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis, 2010, p.13-16. 211

Ver, BLANCO, Antonio Gonzáles. Urbanismo romano en la región de Murcia. Murcia: Servicio de Publicaciones, Universidad, 1996, p.16-8. 212

IANNI, Octavio. Enigmas da Modernidade-Mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p.123.

213

WHITTAKER, C. R. Imperialism and culture: the Roman initiative. In: MATTINGLY, D. J. Dialogues in Roman Imperialism. Journal of Roman Archaeology, nº 23. Potsmouth: Oxbow Book, 1997, p.145. 214

ASSUMPÇÃO.Luis Filipe Bantim. Topografia da Lacedemônia: uma análise através da documentação Clássica. In: CANDIDO, Maria Regina(orgs). Estudos em CD do NEA- Enea do I Encontro Internacional e II Nacional de Estudos sobre o Mediterrâneo Antigo: Interações Culturais entre as Sociedades Mediterrâneas IX Jornada de História Antiga. UERJ - Rio de Janeiro, 26 -30 de abril de 2010, p. 230.

65

argumenta que “a estreita relação entre a Geografia e a História, é tão antiga como ambas as ciências e se manifesta já, de maneira viva, nas narrativas de Heródoto”215. Autores clássicos como Estrabão, Heródoto, Pausânias, Políbios, Pompônio Mela e Tucídides nos evidenciam, através dos seus textos, o papel do espaço, dentro dos processos humanos de interação cultural. Na visão de Hassinger, os conhecimentos científicos formulados pelo campo histórico e geográfico, aos quais estamos nos atendo nesta dissertação, são saberes vistos como complementares. O pressuposto do geógrafo se encontra ratificado pelo fato de a História centrar-se em analisar os acontecimentos humanos, vinculados ao espaço físico - assim como podemos perceber que todas as situações de cunho natural, cultural e político, abordados pela Geografia, estão inseridos dentro de um contexto temporal216. O geógrafo italiano Gaetano Ferro partilha de uma visão próxima à de Hassinger. O referido catedrático da Universidade de Gênova, ao dialogar com os pensamentos do clássico geógrafo Giovanni Marinelli217, expõe que: [...] se atribui a história o domínio do passado e à geografia o do espaço presente, não se nega que todo o passado é passado no espaço e que toda a história teve o seu teatro. Aquilo que hoje é a geografia amanhã será história. A matéria geográfica passa assim continuamente à história, como os restos do passado, embora remoto, entram nas formas da vida do presente e a geografia deve estudar a sua distribuição no espaço218.

Na modernidade, verificamos que a interação entre tais saberes acadêmicos realizou um impacto na própria “revolução historiográfica”, que foi propagada pelos intelectuais dos Annales, como Lucien Febvre na primeira geração dos Annales, e, posteriormente, com Fernand Braudel, em suas produções da década de 1950. Através das críticas elaboradas pelos integrantes dos Annales, a História, antes restrita aos grandes fatos e grandes personagens, passou a ganhar uma abordagem diferente com a inserção de conhecimentos advindos de outras áreas do saber humano, como da sociologia, da psicologia e da geografia 219, por exemplo. 215

HASSINGER, Hugo. Fundamentos Geográficos de la História. Barcelona: Ediciones Omega, 1958, p.13.

216

Idem.

217

A obra base de G. Marinelli utilizada por Gaetano Ferro foi Per la storia della distribuzione geografica della popolazione nel Mezzogiorno d’ Itali, datada de 1910. 218

FERRO, Gaetano. Sociedade Humana e Natural no Tempo: Temas e Problemas de Geografia Histórica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p.36; 219

A relação História e Geográfia dos Annales resultou na primeira metade do século XX em importantes obras, como O Reno, de Lucien Febvre, e O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na época de Filipe II, de Fernand Braudel.

66

O investigador Fernando Perlatto avalia a vinculação dos estudos geográficos com o movimento dos Annales, pontuando que há, nesta corrente historiográfica, três pontos centrais que foram desenvolvidos devido às suas possíveis relações com a Geografia. O primeiro seria a procura por formular uma história-problema que tivesse, como foco de análise, as questões do presente. A segunda questão seria a ênfase no desenvolvimento de um estudo regional. Por último, o estudo das permanências e da longa duração nas sociedades humanas220. As preocupações com a geografia, entretanto, só obtiveram um maior peso com as obras de Fernand Braudel, principalmente em “O Mediterrâneo”. A obra nos permite elucidar as questões que o historiador levanta em favor de uma aplicação do conhecimento geográfico no estudo da História. Na visão de Perlatto, o pensador francês Fernand Braudel, em Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na época de Filipe II, almejava expor que as características geográficas de uma determinada região integram a historicidade de um lugar. Logo, a História não pode ser compreendida sem abordar tais elementos. Braudel, ao elaborar a divisão do tempo histórico em “tempo geográfico, tempo social e econômico e o tempo individual”, teria inovado ao relacionar as análises sobre a longa duração “com uma complexa interação entre o meio, a economia, a sociedade, a cultura, a política e os acontecimentos”221. Podemos endossar tal assertiva de Perlatto através das seguintes palavras de Braudel: Durante séculos, o homem é prisioneiro de climas, de vegetações, de populações animais, de culturas, de um equilíbrio lentamente construído, do qual não pode desviar-se sem correr o risco de por tudo em jogo. Vede o lugar da transumância na vida montanhesa, a permanência de certos setores de vida marítima, enraizados em certos pontos privilegiados das articulações litorâneas, vede à durável implantação das cidades, a persistência das rotas e dos tráficos, a fixidez surpreendente do quadro geográfico das civilizações 222.

Mediante tal referência realizada a Braudel, fica evidente que este se posiciona em relação ao que considera como “durável” e “persistente” presença do “quadro geográfico” na configuração das “civilizações”. Em suma, compreendemos, através destes apontamentos, a motivação do autor vincular-se com o conhecimento advindo dos geógrafos. Perlatto nos adverte de que os estudos geográficos não devem ser negligenciados pelo historiador nas pesquisas sobre as relações sociais. Os elementos da natureza constituem parte do cotidiano dos sujeitos, o que acaba por levar as pessoas a se relacionarem com tais condições do espaço PERLATTO, Fernando. História e Geografia: um diálogo necessário. Revista Virtu – UFJF. Primeiro Semestre de 2005,

220

p.3. 221

222

Ibidem, p.5. BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 1978, p.50

67

físico e, assim, a organizarem sua vida de acordo com ele223. Tendo em vista o exposto, vamos passar para os estudos referentes à espacialização do poder romano por meio da cidade provincial, visando a perceber a configuração de poder contida nesta interação, desde sua edificação até sua manutenção para assegurar a conquista realizada por Roma. O pesquisador Norberto L. Guarinello ressalta que o Império Romano pode ser visto como o produto de um processo expansionista político-militar que ocorreu gradualmente. O primeiro foco da expansão foi a própria Península Itálica e, depois, a ação se direcionou para as sociedades que margeavam o Mediterrâneo Antigo. De acordo com Guarinello, tal ação foi centrada na margem mediterrânea, por ser um ponto de fácil acesso no primeiro momento da conquista. A anexação dos novos territórios produziu, na composição do Império Romano, uma diversidade social, política e cultural em seu interior224. Logo, a estrutura social do espaço imperial foi marcada por uma heterogeneidade de grupos. Convergindo com os escritos do romanista C. R. Whittaker, podemos refletir que as cidades romanas foram instrumentos de poder essenciais para que Roma viesse a instituir e manter o seu controle político sobre os diversos territórios que compunham o império e, assim, integrar a pluralidade cultural existente nele, sempre que fosse do seu interesse 225. Para Patrick Le-Roux, em meio à diversidade étnica, o que efetivamente unificava o Império era a crença incontestada à cidade, seja no seu modelo de ciuitas ou de polis226, como o arcabouço e modelo de toda vida civilizada227. Nesse ínterim, verificamos que os espaços urbanos – em nosso caso, as ciuitates romanas – são refletidos pela esfera acadêmica como importantes locais, por atuarem como polos disseminadores da cultura latina. O historiador Jonathan Edmondson argumenta que as cidades facilitavam a transformação cultural nos locais subjugados por meio de centros 223PERLATTO,

Fernando. História e Geografia: um diálogo necessário. Revista Virtu – UFJF. Primeiro Semestre de 2005,

p.12 224

GUARINELLO, Norberto Luiz. O Império Romano e Nós. In: SILVA, Gilvan Ventura & MENDES, Norma Musco. Repensando o Império Romano: Perspectiva Socieconomica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória: EDUFES, 2006, p. 14-5. 225WHITTAKER,

C. R. Imperialism and culture: the Roman initiative. In: MATTINGLY, D. J. Dialogues in Roman Imperialism. Journal of Roman Archaeology, nº 23. Potsmouth: Oxbow Book, 1997, p.143. Segundo o pesquisador Luis Filipe Bantim de Assumpção, “podemos conceber o conceito de pólis através do espaço físico (que envolve a área urbana – asty, e a rural – khora) ocupado por uma dita sociedade e pela interação de caráter político, econômico, cultural, religioso e militar que esses indivíduos desempenhavam nesse meio social”. ASSUMPÇÃO. Luis Filipe Bantim. O processo de formação do jovem em Esparta, no século V a.C.: A relevância político-social da Agôgé. In: OLIVEIRA, Terezinha (orgs). Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais. X Jornada de Estudos Antigos e Medievais & II Jornada Internacional de Estudos Antigos e Medievais. Maringá: UEM / Departamento de Fundamentos da Educação, 21-23 de setembro de 2011, p.1. 226

227

LE-ROUX, Patrick. Império Romano. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 62.

68

educacionais de estilo romano, como também possibilitaram a inserção do modelo jurídico e político romano em diversos lugares, levando áreas que não haviam experimentado um controle forte a se alinharem na dinâmica de poder romana. As cidades foram elementos relevantes para a história administrativa e cultural das províncias ocidentais romanas228. Inserimos no debate os escritos de Edward Said, que ressalta que as práticas imperialistas possuem, como foco, o domínio de territórios e a construção de possessões, relacionando assim a geografia e o poder. O que se percebe é que as terras adquiridas são símbolos de poder. No entanto, em muitos casos, elas se encontram distante da metrópole, necessitando de um aparato para o controle e manutenção das novas áreas que foram conquistadas229. Logo, as cidades eram mais do que apenas espaços físicos de cunho monumental, pois eram instrumentos essenciais para a difusão dos ideais políticos e culturais de Roma em áreas sob o seu controle. Segundo Jonathan Edmondson, as cidades permitiram aos romanos estabelecerem uma materialização do seu poder na região, além de inserir, em povos antes nômades, uma fixação e a inserção nas práticas agrícolas e/ou comerciais230. Em nossas investigações, não podemos deixar de mencionar as reflexões de Pierre Grimal sobre a cidade romana. Na visão do autor, os romanos são levados, através do processo expansionista, a construir cidades ou a desenvolver as já existentes aos seus moldes urbanísticos, como uma ação política de controle territorial, além de ser uma necessidade para atender o cotidiano dos enviados para viver na localidade, como os veteranos de guerra na Gália e na Península Ibérica231. Ademais, as cidades precisavam criar condições de subsistência nas novas áreas conquistadas, para assim preservar o seu controle, por meio da administração e transmissão do mos maiorum232. Mediante análises sobre Michael Parker Pearson e Colin Richards no livro Architecture e Order – Approaches to Social Space, frisamos que a ação do homem no espaço 228

EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 253. 229

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.37.

230

EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 253. 231

232

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.17-8.

O mos maiorum pode ser compreendido como o conjunto de costumes e valores tradicionais, passados pelos ancestrais, que devem ser mantidos para a manutenção da estabilidade social e identificação do ser romano. BUSTAMANTE, Regina M. da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. In: SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.112.

69

físico acaba por transformar este espaço e, com isso, demarca expressões culturais no local233, legitimando as práticas de subjugação. Tal vertente aproxima-se dos estudos de Richard Sennett, na obra Carne e Pedra, na qual o pesquisador ressalta que as experiências corporais das pessoas no cotidiano imprimem marcas preciosas no espaço, bem como na arquitetura e no urbanismo, que necessitam ser estudados pelos acadêmicos. Além disso, o próprio espaço atua como um elemento de ordenamento sensorial dos seres humanos, de acordo com a sua disposição234. As construções provinciais romanas assumem Roma como seu paradigma, o modelo ideal de urbs, como explicitado por Regina Bustamante235. Para Julio Mangas, de fato havia uma proximidade entre as formas de organização social romana e o modelo de cidades construídas nas áreas provinciais, como uma maneira de demarcar o poder de Roma, e também como uma forma de atender às necessidades do sistema administrativo236. O clássico arquiteto Vitruvius Pollio237 (I a.C.) elaborou um conjunto de procedimentos arquitetônicos para a organização das construções romanas, intitulado De Architectura (conhecido em português como Tratado da Arquitetura). Todavia, pontuamos que, apesar dos pontos em comum, o modelo de construção vai se adaptar às especificidades locais para a obtenção do seu sucesso. Assim, podemos encontrar traçados arquitetônicos que misturam elementos provinciais com os pertencentes à cultura romana238. A escassez de mão de obra especializada e de materiais é destacada como elemento que levou os sujeitos a aplicarem técnicas consideradas historiograficamente rudimentares239 nas primeiras fundações, alterando alguns pontos do traçado urbanístico romano. Tais modificações, como o uso de um corpo distinto de construtores, nos fornecem 233

PEARSON, Michael Parker Pearson & RICHARDS,Colin. Ordering the world: perceptions of architecture, space and time. In: PEARSON, Michael Parker Pearson & RICHARDS, Colin (org). Architecture and order - Approaches to Social Space. New York- USA; London – UK: Routledge, 2005, p. 3-4. SENNETT, Richard. Carne e Pedra – O corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record, 1997, p.15. 234

235

BUSTAMANTE, Regina M. da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. In: SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.117. 236

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.51-3.

237

Sobre Vitruvio, Júlio César Vitorino nos indica que há uma escassez de informações. O historiador aponta que o autor da obra De Architectura apresenta uma datação controversa sobre o seu período de vida, às vezes apontado como do século I ou III d.C. VITORINO, Júlio César. Sobre a História do texto de Vitrúvio. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, v. 11, n. 12, dez. 2004, p. 35. 238

239

Ao longo deste trabalho, vamos expor o caso do teatro romano de Sagunto como exemplo.

Como exemplo, há o intenso emprego do cimento, em vez de se esculpir em pedra de cantaria, muito utilizada para os acabamentos externos dos edifícios romanos. GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.17.

70

indícios de possíveis assimetrias nas edificações, que fogem do padrão idealizado e totalmente elaborado a partir de traços simétricos acordados pelos trabalhadores nos escritos de Vitruvio (Tratado da Arquitetura, I, 2, 4). Logo, fica evidente que não devemos ver um modelo único de construção das cidades romanas, pois, apesar de haver um padrão, este vai ser reconfigurado mediante as necessidades provinciais. Um exemplo fornecido por Pierre Grimal se encontra no modelo de organização de cidades a partir dos acampamentos militares. Em tais demarcações, os lotes são distribuídos em grande parte igualmente, satisfazendo a maior parte dos membros e facilitando também a defesa da região contra possíveis ataques de inimigos. Um caso que pode elucidar o que foi apontado ocorreu na África, em Timgad240. Mediante os escritos dos historiadores Leonard A. Curchin e Regina Maria da Cunha Bustamante, percebemos que a cidade romana era “a célula base” para o desenvolvimento de sua ação expansionista241. Ao relacionarmos os escritos de Norberto L. Guarinello com os de Regina M. C. Bustamante e Leonard Curchin, foi possível formular a visão de que as cidades litorâneas eram o ponto inicial dos romanos, para que eles viessem a estabelecer o poder, além de servir como um ponto que, posteriormente, era utilizado para a interiorização nas regiões agregadas. A medida visava a preservar sua conquista no litoral e promover uma expansão para o interior, a fim de melhor explorar os recursos territoriais e populacionais das áreas anexadas por Roma. Entretanto, é necessário ressaltar que tal entrada para o interior não é uma realidade para todas as áreas conquistadas, dependendo dos atrativos para tais empreitadas, como Leonard A. Curchin deixa transparecer na obra Roman Spain: conquest and assimilation242. Julio Mangas pontua que uma legião romana, ao dominar um território, estabelecia um conjunto de procedimentos de avaliação dos recursos econômicos da região e sua população, para assim iniciar o respectivo sistema de administração, tributação e exploração territorial. Logo, o que se nota é um eficaz processo de distinção de áreas para exploração agrícola e mineral, assim como de zonas para o estabelecimento das legiões romanas, ou de territórios para a formulação de cidades243.

240

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.19.

241

BUSTAMANTE, Regina M. da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. In: SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.113; CURCHIN, Leonard Andrew. Roman Spain: conquest and assimilation. London: Routledge, 1991, p.104. 242

CURCHIN, Leonard Andrew. Roman Spain: conquest and assimilation. London: Routledge, 1991, p.104.

243

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.11.

71

Regina Maria da Cunha Bustamante ressalta que a cidade atuava como o ponto central para difusão da “romanidade”, possibilitando suas ações de cunho econômico, político, cultural, social e religioso244. A partir de Bustamante, nota-se que o Império Romano promoveu o desenvolvimento e/ou reconstrução das cidades nas áreas provinciais como sendo um possível foco de disseminação do seu estilo de vida. Tal assertiva descrita compreende a elaboração e reelaboração das cidades conquistadas, como uma forma de integrar a diversidade étnica e cultural da qual era composto o Império Romano, devido ao seu processo de expansão territorial245. A construção de uma “superioridade” metropolitana no imaginário social é feita por meio de um discurso, o qual ressalta que os povos conquistados somente passaram a ter um sentido para o seu modo de vida após o contato estabelecido pelo agente conquistador246. A cidade romana representava a materialidade do poder romano nas áreas conquistadas do Mediterrâneo. Afinal, como vemos nas palavras de Richard Sennett e de Regina M. Cunha Bustamante, é através da elaboração de monumentos, templos e edifícios administrativos que os emissários romanos organizavam e consolidavam o seu poder de forma inteligível para os nativos247. Para os romanos, a arquitetura e a escultura são artefatos e estão para além de mero enfeite. Tais empreendimentos culturais possuem uma função de comunicar algo, tanto para as gerações atuais como para as posteriores. Sennett argumenta que a referida prática produzia, no imaginário social dos romanos, uma sensação de longevidade e força do poder romano, que se encontrou frente às diversas ameaças, mas que as superou devido à sua vitalidade248. Ao prosseguirmos com nossa reflexão, percebemos que não há como se instituir e manter um sistema de governo sem que este necessite de uma concretude, materializada na utilização do espaço, como no processo de edificação das cidades e elaboração dos edifícios e monumentos que são impregnados de valores simbólicos e intencionalidades. Em nossos 244

Vale reiterar que tais esferas, na Antiguidade, se encontravam em plena interação.

245

BUSTAMANTE, Regina M. da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. In: SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.113. 246

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.22-3.

247

BUSTAMANTE, Regina M. da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. In: SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.113; SENNETT, Richard. Carne e Pedra – O corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record, 1997, p.81. SENNETT, Richard. Carne e Pedra – O corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record, 1997, p.83. 248

72

estudos, partilhamos da premissa de que houve um uso estratégico dos espaços urbanos para promover a atração e integração da população local pelo novo sistema de poder implantado em nosso caso, na região de Sagunto. As construções romanas eram elaboradas de maneira a chamar a atenção dos sujeitos, atraindo-os, como no caso dos templos, teatros e termas. Ao apresentarem tais estruturas, as cidades despontavam como a expressão da vida civilizada, como nos indicou Leonard A. Curchin249, além de ser o centro de atração por benefícios para as populações locais. Ao vincularmos o que foi descrito aos pressupostos de Richard Sennett, percebemos que a esfera visual e o poder imperialista de Roma se encontravam intensamente atrelados ao longo de suas práticas culturais pelo Mediterrâneo Antigo. Os governantes procuravam evidenciar seu poder por meio de monumentos e obras públicas, como uma forma de legitimação do seu governo perante os súditos. Imersos em tal perspectiva, parafraseamos o autor Sennett a:“O governo não existia sem pedra”250. Os escritos do romanista Norberto Luis Guarinello e os debates promovidos por Bustamante complementam nossa assertiva no que tange à elaboração das cidades por Roma. Guarinello evidencia que a vitória sobre as sociedades subjugadas e a atração dos elementos locais pelas construções urbanas fomentadas por Roma eram um resultado das deficiências estruturais de tais cidades nativas, em vez de ser somente a fabulosa história de uma supremacia do povo romano251. Entretanto, não devemos compreender o sistema imperial como um agente unilateral e impositivo que não tentava relacionar-se com os provinciais. Afinal, um império é mantido por meio de uma relação recíproca entre grupos metropolitanos e locais que combatem, negociam e partilham dos benefícios e prejuízos, mesmo que em escala desigual. Aos acadêmicos, cabe o papel de reconhecer que a vida humana e as suas relações não são algo monolítico e subserviente. A história da humanidade é repleta de vários pontos de interação, pois as culturas são dinâmicas e interagem o tempo todo252. Como Clifford Ando ressaltou, os romanos necessitavam da assistência dos governos locais para manter a ordem, e da facilitação para a extração de riquezas e manutenção de seu

249

CURCHIN, Leonard Andrew. Roman Spain: conquest and assimilation. London: Routledge, 1991, p.104.

SENNETT, Richard. Carne e Pedra – O corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record, 1997, p.81. 250

251

GUARINELLO, Norberto Luiz. O Império Romano e Nós. In: SILVA, Gilvan Ventura & MENDES, Norma Musco. Repensando o Império Romano: Perspectiva Socieconomica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória: EDUFES, 2006, p.15. 252

SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como uma invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.23.

73

poder253. Dessa maneira, os habitantes das áreas provinciais poderiam se inserir na ordem romana das mais variadas formas, sejam elas “voluntária, negociada, consensual, imposta e outras”254. Assim, o Império Romano pode ser analisado como um conjunto complexo de alianças e embates entre as cidades mediterrâneas, sob o poder da considerada mais “poderosa” (Roma), a qual exercia sua centralidade sobre um mundo urbano enfraquecido pelos problemas de ordem interna e externa. Em linhas gerais, o que havia era a articulação dos interesses provinciais com os desígnios dos dirigentes de Roma. Logo, nos dizeres de Guarinello, “O Império Romano era um Império de cidades e, ao mesmo tempo, o Império de uma Cidade”255, mas vale ressaltar que, assim como Guarinello, compreendemos esse Império como uma junção de diversas culturas e não como uma homogeneização sóciocultural. Corroborando a perspectiva anterior de um Império Romano heterogêneo, notamos o discurso de Regina Bustamante, ao dizer que “[...] o Império interagia com novos elementos, procurando não comprometer a sua própria existência e buscando a consolidação de uma identidade coletiva [...]”256. Logo, havia espaço para as práticas culturais do nativo, desde que estas não viessem a questionar ou ameaçar os interesses de Roma na região. Por meio do diálogo que foi estabelecido ao longo deste estudo, e retomando os apontamentos de Bustamante, frisamos que a cidade romana era o palco da interação cultural, pois nela se desenvolviam os encontros, as negociações e, em alguns casos, os enfrentamentos culturais ao poder de Roma. Contudo, Roma buscava, na construção dos espaços urbanos, a formulação de um ponto integrador voltado para gerar um consenso social e facilitar a ação imperialista. Assim, convergimos com as reflexões de Bustamante ao pontuar que havia uma busca romana pela elaboração de uma identidade parcial com as áreas provinciais257, pois percebemos que a cooperação era vital para a preservação do poder romano nas áreas conquistadas.

253

ANDO, Clifford. The Administration of the Provinces. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p.182. 254

BUSTAMANTE, Regina M. da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. In: SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.113. 255

GUARINELLO, Norberto Luiz. O Império Romano e Nós. In: SILVA, Gilvan Ventura & MENDES, Norma Musco. Repensando o Império Romano: Perspectiva Socieconomica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória: EDUFES, 2006, p.15. 256

BUSTAMANTE, Regina M. da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. In: SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.113. 257

Idem.

74

Ao retomarmos os escritos do renomado arquiteto clássico Vitruvio Pollio, em sua obra Tratado da Arquitetura, notamos a menção aos cuidados que um construtor precisava ter em suas produções, para que as mesmas chamassem a atenção dos sujeitos. Vitruvio descreve: Com efeito, o olhar procura a beleza e, se não formos ao encontro do seu agrado através da proporção e da aplicação de módulos, [...] resultará um aspecto desmedido e sem graça para os observadores (Tratado da Arquitetura, III,3,13).

A formulação de uma cidade não envolve apenas o ato da edificação. A ornamentação e o fornecimento de recursos para o conforto dos citadinos é um diferencial que deveria estar contido nos centros urbanos. Tal aspecto de embelezamento e a suposta concessão de benefícios também são fatores cruciais para a atração daqueles que não partilhavam de uma vida urbana. Figura 1- Vista aérea do complexo monumental de Sagunto 258

Os apontamentos de Vitruvio e a figura de número 1 nos permitem constatar a grandiosidade das construções romanas como um fator de imponência e poder nos territórios adquiridos. HERNANDEZ, Emilia (org). Sagunto Museum of Archaelogy – Arse Saguntum and The Castle of Murviedro. Sagunto: Pentagraf Impresores S.L., 2009, p.18. 258

75

A cidade romana deveria ser elaborada em locais salubres e altos, que possuíam uma boa qualidade do solo para a produção agrícola e manutenção da comunidade. A mesma deveria estar situada em locais de fácil acesso e transporte, possuindo estradas e rios para escoamento e entrada de produtos, além de portos marítimos, o que possivelmente facilitava a saída de produção para as trocas comerciais e os pagamentos de tributos para Roma, como vemos em Vitrúvio: Depois de assegurar a estes princípios sobre a salubridade da futura cidade, e selecionar um local que pode fornecer muitos tipos de produtos alimentícios para manter a comunidade, além de ter boas estradas ou rios para a comunicação ou portos marítimos a fim de proporcionar meios fáceis de transportar para a cidade, a próxima coisa a fazer é lançar as bases para as torres e muralhas. Cavar a base sólida, se ela pode ser encontrada, e colocálas nela, indo tão fundo quanto a magnitude da proposta de trabalho parece exigir. Elas devem ser muito mais espessa do que a parte das paredes que irão aparecer acima do solo, e a sua estrutura deve ser tão sólida como pode possivelmente ser estabelecidas (Tratado da Arquitetura, I, 5,1).

Diante do exposto, Sagunto se inseria no modelo idealizado pelos romanos para a construção de uma urbs, tendo como facilitador para a sua implantação o fato de que tal sociedade já possuía a forma políade de organização. Além do que foi explicitado, soma-se a proximidade de Sagunto com o rio Palância, que servia de entrada para o interior da Hispania Tarraconense (antiga Citerior), como também serviu primordialmente de “célula base” para a consolidação do poder romano após a Segunda Guerra Púnica, no século III a.C. O historiador Pierre Grimal nos adverte de que, nas regiões do extremo Ocidente, como a Gália e a Península Ibérica, os romanos foram os pioneiros em introduzir e/ou reconfigurar a organização sócioespacial dos territórios conquistados259. No caso da Hispania, o processo de fundação de cidades romanas, iniciado no século II a.C.,260 é apontado, por estudiosos como Leonard Andrew Curchin, como uma

junção

do

“ideal

civilizatório”

romano e de um processo local de desenvolvimento urbano, que se encontrava em andamento desde o século IV a.C.(ex.: Massalia), devido aos contatos com os gregos e os púnicos261. Cotejando as informações de Curchin com os escritos de Eduardo Sánchez Moeno, observamos que as formações urbanas ibéricas que se alinham ao modelo citado por Curchin podem ser chamadas de Oppidum (Oppida, no plural). O autor argumenta que seria uma forma de organização populacional bem desenvolvida, com uma preponderância de poder 259

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.09.

260

Utilizamos a datação referente ao século II a.C., por ser o período no qual possuímos evidências do começo da reconstrução de Sagunto, primeira cidade ibera que, documentalmente, podemos apontar como reformulada pelos moldes de Roma. 261

CURCHIN, Leonard Andrew. Roman Spain: conquest and assimilation. London: Routledge, 1991, p.103-4.

76

político sobre o território. São centros urbanos altamente fortificados, que apresentam uma estrutura interna muito complexa e ficam localizados em pontos que se sobressaem na paisagem. Sua estrutura remete ao período final do Bronze ou do Antigo Ferro e resultou da concentração da população ou da fusão de aldeias262. Tal estrutura urbana configura-se como um habitat, proteção e identidade dos sujeitos que ali vivem e do seu entorno. São centros de poder e controle do território que possuem uma organização social em forma de chefatura263 ou aristocracia local. Assim, o oppidum, apesar das características rudimentares, é o termo utilizado para o equivalente, no mundo ibérico, à ciuitas romana, à pólis grega e às nossas cidades atuais. Ocupava ladeiras, serras e planaltos de altura média e que dispunham de rios e recursos naturais em fartura. De acordo com Moeno, encontramos, nos oppida,regiões de pasto, campos de cultivo e portos. Além disso, eles possuíam, no âmbito religioso, a construção de santuários e necrópoles264. Em suma, Leonard Curchin sinaliza o caso de Sagunto, que possuía uma estrutura urbana formulada pelo sistema de oppidum, mas com forte influência grega devido à sua antiga fundação – o que denotava seu diferencial na região do Levante das Hispanias, tanto para o século III a.C. como para sua posição geográfica estratégica no Mediterrâneo. Pontuamos que Sagunto foi um elemento de disputa entre Roma e Cartago por seu controle265 e, por isso, Roma a revitalizou ao término da Segunda Guerra Púnica, no século III a.C.

262

MOENO, Eduardo Sánchez; PANTOJA, Joaquín Gómez. Protohistoria y Antiguedad de la Península Ibérica: La Iberia prerromana y la romanidad. Madrid: Sílex Ediciones, 2008, p.39-40. 263

O arqueólogo e historiador espanhol Francisco Burillo Mozoto argumenta que, na Península Ibérica Antiga, havia formas de poder que podem ser designadas como chefaturas, as quais possuíam um grau de organização mais complexo que o tribal, por envolver o desenvolvimento de uma estrutura política sobre o território ocupado, de forma hierarquizada. MOZOTA, Francisco Burillo. Etnias, Ciudades y Estados en la Celtiberia. In: VILLAR, Francisco; BELTRÁN, Francisco (org.). Pueblos, Lenguas y escrituras en La Hispania Prerromana. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 1999, p.120. De acordo com os escritos do autor, compreendemos a chefatura como um sistema de poder político, que se relaciona com os aspectos políticos, religiosos e militares. 264

MOENO, Eduardo Sánchez; PANTOJA, Joaquín Gómez. Protohistoria y Antiguedad de la Península Ibérica: La Iberia prerromana y la romanidad. Madrid: Sílex Ediciones, 2008, p.39-40. 265

CURCHIN, Leonard Andrew. Roman Spain: conquest and assimilation. London: Routledge, 1991, p.103-4.

77

2.2- Sagunto: uma entidade geográfica do poder romano (II a.C. – I d.C.)

Com a vitória romana sobre Cartago na Segunda Guerra Púnica (III a.C.), verificamos um movimento de reorganização social promovido em Sagunto. Ao utilizarmos a documentação clássica, como em Tito Lívio, torna-se perceptível que os saguntinos interessados na reconstrução do seu oppidum enviaram uma embaixada para Roma, a fim de solicitar apoio para o processo de reelaboração de Sagunto, como vemos na passagem a seguir: O senado respondeu aos legados de Sagunto que a recuperação de sua cidade seria, para todos os povos, um exemplo de fidelidade mutua entre os dois aliados. Os imperadores romanos, acrescentou, tinham agido corretamente, regularmente e segundo a vontade do senado de reconstituir Sagunto, libertando seus cidadãos dos inimigos. Os atos generosos por eles praticados foram aprovados pelo senado que permitia que os enviados depusessem suas oferendas no Capitólio (História de Roma, XXVIII, 39, 1-9).

A medida pode ser datada, possivelmente, de finais de 205 a.C., conforme pontuou o filólogo Josep Corell266. O discurso liviano revela que o Senado romano respondeu à delegação saguntina que a recuperação de sua cidade seria, para todos os povos, um exemplo da fides mútua entre os dois aliados. A elite local era claramente a favor desses projetos de reconstrução, uma vez que buscou em Roma o patrocínio para a reformulação. Todavia, a respeito da reconstrução de Sagunto ao longo dos séculos II a.C. e I d.C., não encontramos, além do que foi assinalado por Lívio anteriormente, uma diversidade de evidências textuais escritas sobre o processo de reformulação urbanístico pelos romanos. Já na esfera da cultura material, através da análise da cidade, encontramos indícios importantes para compreendermos a ação romana no território saguntino. A cultura material pode ser pensada como tudo aquilo que é produzido materialmente pela ação humana. É o elemento que nos proporciona refletir as práticas sociais de uma sociedade, por ser um fragmento daquelas configurações de poder que chegou até o tempo presente, como notamos nos estudos de Penélope Allison267. Contudo, o conceito de cultura material, apesar de toda sua aplicabilidade, é um termo polissêmico pelo próprio uso da conceituação de cultura ou de

266

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I a. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p.13. 267

ALLISON, Penelop M. Engendering Roman Spaces. In: ROBERTSON, E. C.; SEIBERT, J. D.; FERNANDEZ, D. C.; ZENDER, M. U.(org). Space and spatial analysis in archaeology. Calgary: University of Calgary Press, 2006, p. 344.

78

categorização em elementos materiais e imateriais, como ressaltou o historiador Marcelo Rede268. Rede chama a atenção para quando nos depararmos com a cultura material: devemos estar atentos para a constituição da sociedade na qual ela encontrava-se inserida. Em virtude disto, verificaremos que as análises vão variar de acordo com cada contexto temporal e espacial que estivermos problematizando nas pesquisas269. Cotejando os apontamentos do historiador com as concepções de Pedro Paulo A. Funari, construímos a visão de que a cultura material é um produto dotado de interesses, estratégias de poder, discursos políticos e valores sociais, os quais necessitam ter os seus discursos contextualizados, para evitarmos generalismos e compreendermos melhor as sociedades que estamos pesquisando em suas especificidades270. A cidade é um campo de estudo interessante para se notar a presença da construção material e simbólica do lugar via cultura material, possibilitando-nos pensar, observar e dar inteligibilidade às construções romanas como produtos do seu poder político. A cultura material é algo materializável pela sua "fisicidade", não por ser algo preso a pretensos graus materiais da vida social. Segundo Marcelo Rede, “no jogo social, a sua função [cultura material] depende de configurações mutáveis, que não estabelecem fronteiras prévias entre as várias dimensões culturais” 271. A partir dos escritos do autor, percebemos que os artefatos são elementos que podem expressar o contexto da época em que estavam inseridos, pois carregam consigo as marcas do tempo e região na sua produção e ornamentação. Através da própria forma física, os objetos podem perpassar diversos contextos culturais, sendo submetidos a possíveis reinserções, as quais podem alterar seu formato e revelar sua historicidade e interpolações. Para Marcelo Rede, as transformações culturais impostas a determinados artefatos “[...] fazem deles uma rica fonte de informação sobre a dinâmica da sociedade (transformações nos modos de relacionamento como universo físico; mudanças nos sistemas de valores etc.)”272.

268

REDE, Marcelo. História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N.Sér.v.4, jan./dez. 1996, p.273. 269

270

Ibidem, p. 265. FUNARI, Pedro Paulo A. Arqueologia e Patrimônio. Erechim: Habilis, 2007,p.18-20.

271

REDE, Marcelo. História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N.Sér.v.4, jan./dez. 1996, p. 278-80. 272

Ibidem , p.276.

79

Assim, percebemos que o combate pela subjugação de um território ocorria não somente em nível militar, mas extrapolava tal patamar, chegando ao geográfico e cultural, se desenvolvendo através das ideias, das formas, das imagens, das edificações e das representações para a conquista e a manutenção do poder273. Mediante o exposto, entendemos a construção e reconstrução das cidades romanas como o que intitularemos, teoricamente, uma entidade geográfica. Segundo Said, tal conceito reflete o fruto da ação humana de modelar os espaços físicos de acordo com os seus interesses, transformando-os, assim, em lugares demarcados274. A prática romana de construir entidades geográficas como as cidades é um mecanismo voltado para o estabelecimento e preservação do centralismo geográfico, que significa a implantação do controle territorial275. Ao relacionarmos nossas leituras sobre a criação de uma entidade geográfica com a abordagem de Regina Bustamante, podemos evidenciar que as edificações são o produto da “necessidade de uma ordem visual” que materializa e preserva, ao alcance dos povos subjugados, a grandeza, a permanência e o poder dos romanos. Como Bustamante frisou, um cidadão, ao olhar para as edificações elaboradas pelo sistema de domínio romano, era levado a adequar-se ao regime imperial276. A estrutura aplicada nas cidades romanas provinciais era similar à da Cidade-Estado de Roma277. Através de Pierre Grimal, percebemos que os sujeitos que migravam de Roma levavam consigo suas características, que denominamos romanidade, para as áreas subjugadas. A romanidade é uma forma de delimitação da sua identidade cultural pautada em um sistema simbólico religioso, social e político278. Para Roma, a implantação da civitas correspondia a formular ou recriar um centro urbano monumental, adornado com edifícios que eram familiares aos romanos, na Península Itálica279.

273

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.37-8.

274

SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como uma invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.31.

275

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.88-96.

276BUSTAMANTE,

Regina M. da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. In:SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.116. 277

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.09; HOPE, Valerie. The city of Rome: capital and symbol. In: HUSKINSON, Janet. Experiencing Rome - Culture, identity and power in the Roman Empire. London – UK; New York - USA: Routledge, 2005, p. 63-94. 278

279

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.10;

EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p.280.

80

De tal maneira, notamos que as ações romanas eram dotadas de uma Estrutura de Atitudes e Referências. Este dispositivo era elaborado pelo processo imperialista para assegurar o estabelecimento da dominação de cunho político, cultural, social e econômico. Sob o aspecto urbanístico, por exemplo, os dirigentes romanos almejavam ensinar ao provincial como ele deveria “ser” e “agir”, para que, desta maneira, ao “criar um modelo de atitude”, fosse possível assegurar os interesses metropolitanos junto aos provinciais 280. Logo, a cidade é um meio eficaz de construir padrões de condutas a partir do modelo metrópole, para assim conduzir as atitudes e organizar o espaço provincial romano281. Por conseguinte, verificamos que a construção de uma cidade romana expressava o centralismo geográfico de Roma, que intencionava integrar as províncias ao seu domínio. Pierre Grimal deixa transparecer que as instituições, os monumentos, os cultos de sua matriz e a Urbs por completa tiveram seus traços migrados para as províncias que compunham a área imperial 282. As ciuitates romanas nas áreas provinciais geralmente possuíam, em seu centro, uma forma de praça pública que se assimilava ao forum, constituída de: uma região de culto da religião oficial, o Capitólio; uma curiae para as assembleias dos decuriões283; e uma basílica, que era a sede da vida judiciária e comercial. Além disso, muitas praças possuíam um teatro e/ou um anfiteatro para espetáculos e jogos, santuários para diversas divindades, termas, aquedutos e fontes. Em linhas gerais, as construções monumentais eram uma materialização do poder cívico romano como elemento de organização da vida cotidiana e de atração para os nativos. Tendo em vista o exposto, vamos passar para a análise da cultura material que se faz presente na região de Sagunto.

280

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.17-24.

281

Ibidem, p.88.

282

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.11.

283

De acordo Charlton T. Lewis e Charles Short, em seu dicionário de latim, um decurião era, no período da monarquia e começo da Res Publica, um militar romano responsável pelo comando de dez cavaleiros e que assumiu, com a posterior expansão no Mediterrâneo, a função semelhante à de senador nos municipia das provinciae de Roma. LEWIS, Charlton T.; SHORT, Charles. A Latin Dictionary. Oxford: Clarendon Press, 1958, p.523.

81

2.3

Análises históricas sobre a cultura material de Sagunto (II a.C. – I d.C.)

As nossas reflexões se iniciam primordialmente com o estudo do sítio arqueológico de Sagunto, pois este nos possibilita compreender as relações dos romanos com o espaço local, além de sua evolução na ocupação do território. Na figura 2, poderemos observar os elementos romanos que integram o plano urbanístico de Sagunto. A historiadora Emilia Hernandez, ao produzir o catálogo e o guia do Museu Arqueológico de Sagunto, ressaltou áreas relativas a construções romanas, como as figuras de número 4 e 5, local onde ficavam o antigo fórum e o templo. No número 7, podemos verificar a localização do teatro. Segundo Grimal, uma cidade romana, normalmente, era estabelecida através de uma forma geométrica quadrada ou retangular, atravessada por duas vias perpendiculares284. A planta de Sagunto revela uma aproximação com o modelo geométrico de ciuitas romana, pois em tal localidade já havia uma estrutura urbana consolidada, sendo apenas os seus espaços físicos reformulados, como podemos constatar na figura número 2, referente ao plano arqueológico saguntino entre os séculos I a.C e II d.C.. Os traçados e a forma quadrada ou retangular possuem uma ligação com a esfera sagrada, o que remete aos ritos romanos e ao mito de fundação, de Rômulo e Remo285. A fundação da cidade era oficializada por um magistrado que designava o local do centro de poder. Além disso, Grimal salienta que os espaços são distribuídos de acordo com a função social de cada construção.

284

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.18.

285

Ibidem, p. 19.

82

Figura 2- Plano arqueológico saguntino com detalhes da área romana286

HERNANDEZ, Emilia (org). Sagunto Museum of Archaelogy – Arse Saguntum and The Castle of Murviedro. Sagunto: Pentagraf Impresores S.L., 2009, p.84. 286

83

Em decorrência do exposto, e dialogando com o estudioso francês Michel de Certeau sobre a prática do historiador, apresentamos uma seleção dos elementos analisados nas diversas construções que se encontram presentes na referida ciuitas287. Vamos nos ater à área referente ao forum, à curia, ao teatro e ao templo romano, devido a tais edificações estarem relacionadas com o processo de integração dos habitantes locais e com a esfera cultural e administrativa romana, como foi apresentado por Whittaker, em seu texto Imperialism and culture: the Roman initiative288. Tais instituições culturais eram um importante elemento que possibilitava a interação cultural com a sociedade. As elites dialogavam e interagiam no meio social, e os demais segmentos, por meio das instituições culturais, acabavam por incorporar um determinado modo de viver289. Como Jonathan Edmondson ressaltou, o ambiente construído nas cidades ocidentais permitia o desenvolvimento e a vivência do estilo de vida cívica romana290. Ao iniciarmos nossas reflexões sobre o forum, uma ressalva deve ser realizada quanto à sua matriz romana. De acordo com o arqueólogo R. J. A. Wilson, no artigo Roman Art and Architeture291, a estrutura e o estilo do forum são essencialmente romanos. Entretanto, pontuamos que ele teve o seu modelo difundido e readaptado para outras regiões com o processo de expansão iniciado no século III a.C., disseminando-se pela Península Itálica e o Mediterrâneo Antigo. O autor deixa transparecer que, por meio das epígrafes contidas nas construções públicas e da iconografia presente em tal setor da ciuitas, o forum serviria como uma forma de manter a historicidade romana viva na sociedade e, assim, atuar rememorando os feitos dos antigos heróis pátrios. Ao cotejarmos o que foi explicitado com os pensamentos de Whittaker, notamos que o fórum romano é o local de ação cultural da ciuitas, pois é nele que a ordem imperial é apresentada à sociedade292. Através das estátuas e construções presentes no fórum, ficam perceptíveis as relações de poder e as demonstrações de financiamento público dos 287

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p.66-73;81.

288

WHITTAKER, C. R. Imperialism and culture: the Roman initiative. In: MATTINGLY, D. J. Dialogues in Roman Imperialism. Journal of Roman Archaeology, nº 23. Potsmouth: Oxbow Book, 1997, p.145-8. 289

RONCAYOLO, Marcel. Cidade. In: ROMANO, Ruggiero & GIL, Fernando (orgs.) Enciclopédia Einaudi - Região. Vol.08. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1986, p.425. 290

EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 272. 291

WILSON, Richard J. A. Roman Art and Architeture. In: BOARDMAN, John; GRIFFIN, Jasper; MURRAY, Oswyn. The Oxford History of Classical World. New York: Oxford University Press, 1995, p.641. 292

WHITTAKER, C. R. Imperialism and culture: the Roman initiative. In: MATTINGLY, D. J. Dialogues in Roman Imperialism. Journal of Roman Archaeology, nº 23. Potsmouth: Oxbow Book, 1997, p.146.

84

aristocratas romanos que almejavam consolidar seus atos políticos de forma visível para seus concidadãos. O historiador Pierre Grimal complementa os estudos de Whittaker ao indicar que o fórum é o lugar onde se encontra o centro de poder e, em torno dele, localizam-se as atividades comerciais, jurídicas, religiosas e a vida pública. No fórum, encontramos as instituições que se assemelhavam às da metrópole, pois era nesse espaço que ocorriam as assembleias locais, por exemplo293. Sendo assim, na figura 3, referente ao fórum saguntino, verificamos a presença do edifício denominado de cúria romana, no qual a política local era debatida em assembleia por um grupo de notáveis, chamados de decuriões294. Os decuriões possuíam, no Mediterrâneo Romano, uma função semelhante à de senador nos municipia das provinciae de Roma295. Desta maneira, com os estudos de Katharine Welch, foi possível perceber que é no fórum que a aristocracia demonstra o seu poder, seja através das construções empreendidas, seja por meio de suas honrarias, como os próprios ritos fúnebres e assembleias locais296. Segundo Norbert Rouland, o fórum é o local da ação política, pois nele ficam explícitos os jogos de poder entre os políticos e seus aliados, o que demonstra as redes de contato de um magistrado ou de um sacerdote297. De acordo com Claudia Beltrão da Rosa, o fórum é o lugar de exercício das atividades que constroem o ser cidadão romano. Além disso, o espaço do fórum possui uma função disciplinar ao preparar os jovens para a vida no ambiente público. A partir dos ensinamentos de homens mais idosos e experientes no cenário político romano, o jovem aristocrata deveria aprender a se tornar um “bom homem” (uir bonus), como destacado por Beltrão da Rosa298. A autora romanista percebe o fórum como o espaço do ensinamento dos jovens, transformandose no locus da construção da masculinidade e formando o corpo e a voz dos futuros cidadãos para o combate físico e o uso da oratória, no caso dos homens - marginalizando as mulheres deste lugar de formação e da ação político-social. Logo, a arquitetura e o urbanismo agem 293

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.51.

294

Mais informações sobre os decuriões serão expostas no capítulo III desta dissertação. Vide outras menções em: LE ROUX, Patrick. Império Romano. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 96. 295

LEWIS, Charlton T.; SHORT, Charles. A Latin Dictionary. Oxford: Clarendon Press, 1958, p.523.

296

WELCH, Katherine E. Art and Architecture in the Roman Republic. In: ROSENSTEIN, Nathan; MORSTEIN-MARX, Robert. A Companion to the Roman Republic. Oxford-Ing; Malden – EUA: Blackwell Publishing ltd., 2006, p. 499. 297

ROULAND, Norbert. Roma democracia impossível? Os agentes do poder na urbe romana. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p.461. ROSA, Claudia Beltrão. Tirocinium fori: O orador e a criação de “homens” no forum Romanum. In: Phoînix. Laboratório de História Antiga / UFRJ. Ano XIII – 2007. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 2007, p. 53. 298

85

como um mecanismo para a manutenção da tradição e diferenciação dos gêneros masculino e feminino299. Em relação ao que foi ressaltado, verificamos que o fórum era um dos principais símbolos de poder romano nos territórios conquistados. Lançando o olhar para a Península Ibérica, percebemos a existência de diversos fóruns, incluindo Sagunto, nosso espaço físico para o estudo histórico nesta dissertação. Um ponto essencial a ser destacado é a escassez historiográfica sobre o fórum saguntino em regiões exteriores à Espanha. A arqueóloga Carmen Aranegui Gascó e seu grupo na região de Valência são o corpo de pesquisadores que atualmente se concentraram no estudo e reflexão de tal ciuitas300, consequentemente abordando as suas construções, como o fórum. O pesquisador espanhol Manuel Civera y Gómez argumenta que o processo de construção do fórum romano de Sagunto se deu em cima da antiga praça central, que foi edificada pelos antigos saguntinos, ressignificando o espaço para o modelo de construção romano e demarcando a diferença da cidade antiga para a que foi reconstruída, como também apontou Carmen Aranegui Gascó, no artigo From Arse to Saguntum301. A seguir podemos notar as transformações na área do fórum romano de Sagunto:

299

Ibidem, p.54.

300

Informações presentes no texto de GÓMEZ, Manuel Civera i. El forum Senatorial. Revista Arse, Valência, nº44, 2010, p.129. 301

GASCÓ, Carmen Aranegui. From Arse To Saguntum. In: CASAL, L. Abad;KEAY, S.; ASNSIO, S. Ramallo. Early Roman Towns in Hispania Tarraconensis. Portsmouth, Rhode Island: Journal of Roman Archaelogy, 2006, p.66.

86

Forum

Figura 3 – Fórum Romano de Sagunto, séculos I a.C.- I d.C. A área em negro representa as remodelações do período de Augusto302. HERNANDEZ, Emilia (org). Sagunto Museum of Archaelogy – Arse Saguntum and The Castle of Murviedro. Sagunto: Pentagraf Impresores S.L., 2009,p.29. 302

87

Figura 4- Fórum com área demarcada no que corresponde à sua antiga localização303.

A edificação aconteceu em etapas longas, que perpassaram o período Republicano (II a.C.) e se concretizaram no Principado de Tibério (I d.C.)304. Entretanto, é necessário relacionar o que foi explicitado com os escritos da arqueóloga Carmen Aranegui Gascó, que apontam que, no final do século I a.C., com o principado de Augusto, já havia um estrutura do fórum elaborada, e que foi remodelada para se adequar à expansão da área urbana saguntina305. A construção do fórum é compreendida, em nossos estudos, como um espaço vital para o processo de aprendizagem e disciplina, tanto para os romanos como para a elite local, que, ao encontrar-se na condição de cidadã, deveria partilhar dos valores culturais de Roma. A partir de tal concepção, notamos os fóruns como ponto de encontro, negociações e legitimação do poder romano na região conquistada de Sagunto. Ao prosseguirmos em nossas análises sobre as construções romanas em Sagunto, vamos nos concentrar sobre a área do teatro, por ser um espaço de contatos culturais, assim como o fórum. Os teatros e anfiteatros são os edifícios de maior expressão e com um grau de conservação do qual temos informações até os dias de hoje, de acordo com Pierre Grimal. O 303

A foto do forum pertence ao acervo particular de Carlos Eduardo da Costa Campo, datada de fevereiro de 2012, no sítio arqueológico de Sagunto, Valência, Espanha. 304

GÓMEZ, Manuel Civera i. El forum Senatorial. Revista Arse, Valência, nº44, 2010, p. 129-30

305

GASCÓ, Carmen Aranegui. Sagunto y Roma. Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, Alicante, 2004-B, p. 12-3.

88

autor salienta que, no período imperial, a maior parte das cidades dispunha de um teatro voltado para os espetáculos de tragédia, comédia, mímica e música306. Sobre a espacialização do teatro romano, notamos que, apesar da inspiração helênica, este apresenta um conjunto de variantes que não podem ser pensadas como simples imitações áticas. A planta de um teatro romano era diferente do modelo grego, pois as peças latinas eram criadas de acordo com as particularidades culturais do Lácio e das áreas provinciais. O edifício do teatro romano contém a orchestra disposta de forma semicircular, tendo em vista que as peças romanas não possuem coro, como na estrutura teatral grega em geral. Na outra parte do semicírculo, se situam os espectadores mais importantes da cidade. O restante da multidão se aloja em bancada da região da cavea, elaborada de forma também semicircular e que possuía uma medida maior que a da orchestra. O espetáculo ocorria no pulpitum, parte um pouco elevada que ficava junto à orchestra e cuja ornamentação se dava através de colunetas. Também havia o uso de um artifício identificado como cortina, que baixava no começo da apresentação e subia no final da mesma, além do scenae frons, um pano de fundo que, com os romanos, passou a ser maior e mais adornado307. Na figura que se segue, podemos ver a organização do teatro romano de Sagunto, com os elementos anteriormente abordados:

Figura 5- A espacialização do teatro romano de Sagunto308

306

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.69.

307

Ibidem, pp. 70-2.

HERNANDEZ, Emilia (org). Sagunto Museum of Archaelogy – Arse Saguntum and The Castle of Murviedro. Sagunto: Pentagraf Impresores S.L., 2009, p. 44. 308

89

Figura 06 - Foto aérea do teatro de Sagunto na encosta da Montanha do Castelo309

Foto Carlos Eduardo da Costa Campos

Figura 7 – Teatro romano de Sagunto encravado nas costas da Montanha do Castelo310

HERNANDEZ, Emilia (org). Sagunto Museum of Archaelogy – Arse Saguntum and The Castle of Murviedro. Sagunto: Pentagraf Impresores S.L., 2009, p.49. 309

310

A foto do teatro pertence ao acervo particular de Carlos Eduardo da Costa Campo, datada de fevereiro de 2012, no sítio arqueológico de Sagunto, Valência, Espanha.

90

No século XVIII, o teatro de Sagunto é apontado, pelo aristocrata espanhol Enrique Palos y Navarro, como uma grandiosa construção teatral que era um elemento de exaltação devido a seu passado romano. O pensador, em seu contexto de época, cita que a data da fundação do teatro era incerta311. Ao recorrermos às concepções dos atuais pesquisadores Carmem Aranegui Gascó312, Emília Hernandez313, José L. Jiménez Salvador314 e Manuel Portaceli315, verificamos que eles convergem com Palos y Navarro em expor que não há precisamente uma datação que possa demarcar a fundação do teatro saguntino no período anterior aos romanos. Todavia, o edifício teatral como um produto das reformulações romanas pode ter a sua primeira remodelação datada arqueologicamente como referente ao século I d.C.316. Em sua reconstrução, ficaram perceptíveisas alterações nos elementos que integravam o plano de construção dos teatros romanos, tal como apontamos acima. De acordo com Pierre Grimal, as construções teatrais não costumavam ser alocadas em encostas, situando-se, recorrentemente, em planícies317. Entretanto, segundo Palos y Navarro, o teatro foi elaborado na concavidade da Montanha do Castelo318 e se encontra junto ao antigo centro urbano da ciuitas. A arqueóloga espanhola Emilia Hernández concorda com Palos y Navarro ao indicar que os arquitetos ibero-romanos se apropriaram do relevo acidentado da Montanha do Castelo, em Sagunto, para facilitar a edificação do teatro romano319, como notamos na figura 07. Assim, acreditamos que o edifício teatral foi elaborado em tal lugar devido ao possível 311

PALOS Y NAVARRO, Enrique. Disertacion Sobre El Teatro, y Circo de Sagunto, Ahora Villa de Murviedro.Valencia: Fauli, 1793,p.1-38. 312

Averiguar informações nas obras: GASCÓ, Carmen Aranegui. Sagunto y Roma. Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, Alicante, 2004-B, p. 16-7; From Arse To Saguntum. In: CASAL, L. Abad;KEAY, S.; ASNSIO, S. Ramallo. Early Roman Towns in Hispania Tarraconensis. Portsmouth, Rhode Island: Journal of Roman Archaelogy, 2006, p.63-74. 313

Confrontar a afirmação em HERNANDEZ, Emilia; GASCÓ, Carmen Aranegui; LÓPEZ, Montserrat; PASCUAL, Ignacio. El teatro romano de Sagunto. Teatros romanos de Hispania. Cuadernos de arquitectura romana, vol. 2, Murcia, 1993, p. 25-42; HERNANDEZ, Emilia (org). Sagunto Museum of Archaelogy – Arse Saguntum and The Castle of Murviedro. Sagunto: Pentagraf Impresores S.L., 2009,p. 43. 314

Vide escritos de SALVADOR, José L. Jiménez. Teatro y desarrollo monumental urbano en Hispania. Teatros romanos de Hispania. Cuadernos de arquitectura romana, vol. 2, Murcia, 1993, p. 225-238. 315

PORTACELI, Manuel. Rehabilitación del teatro romano de Saguntum. Teatros romanos de Hispania. Cuadernos de arquitectura romana, vol. 2, Murcia, 1993, p. 43-45. HERNANDEZ, Emilia (org). Sagunto Museum of Archaelogy – Arse Saguntum and The Castle of Murviedro. Sagunto: Pentagraf Impresores S.L., 2009, p.43. 316

317

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.73.

318

PALOS Y NAVARRO, Enrique. Disertacion Sobre El Teatro, y Circo de Sagunto, Ahora Villa de Murviedro.Valencia: Fauli, 1793,p.10. 319

HERNANDEZ, Emilia; GASCÓ, Carmen Aranegui; LÓPEZ, Montserrat; PASCUAL, Ignacio. El teatro romano de Saguntum. Teatros romanos de Hispania. Cuadernos de arquitectura romana, vol. 2, Murcia, 1993, p.26-7.

91

passado ibero-grego que poderia ter construído ali um rudimentar teatro helênico no oppidum - ou se deu por uma adaptação à localidade que pode ser considerada, geograficamente, como acidentada. Além do que foi apontado sobre a parte física do teatro, o compreendemos como um espaço de intensa atividade cultural. De acordo com os escritos do classicista Pierre Grimal, o teatro era um valioso instrumento de influência político-social nas sociedades antigas. Para o autor, essa atribuição do teatro se deve ao número de pessoas que as peças teatrais são capazes de atingir em suas encenações320, pois, em um meio social onde a maioria da população não possui um nível de letramento, as obras encenadas acabavam exercendo uma ação didática para a formação dos sujeitos. O romanista C. R. Whittaker endossa a perspectiva de Grimal ao problematizar o espaço do teatro como um local de reprodução da ordem moral da sociedade, de uma forma simbólica, durante o período do principado. Prosseguindo nas análises do autor inglês, percebemos o teatro como o lugar das relações de poderes e manutenção do status social entre os segmentos detentores de recursos e os que se encontravam alijados do poder e, consequentemente, sem os privilégios321. Tendo em vista o exposto, denotamos que o teatro antigo era um meio de instrução social e, para tanto, recorremos aos escritos do pensador grego Aristóteles de Estagira (século IV a.C.), que explicita que o homem, por meio da imitação de algo, “não só aprende as primeiras noções de entendimento, como também se compraz no imitado”(A Poética, 1448b, livro IV, v.5). Percebemos que o ato de imitar, para Aristóteles, é algo congênito à sociedade humana. Logo, mediante o que era encenado nas performances teatrais, os homens eram instruídos sobre o papel que deveriam desempenhar socialmente- além de serem ensinados os limites de cada sujeito. O pesquisador Alair Figueiredo Duarte concorda com a vertente aristotélica apresentada acima e, apesar de analisar o teatro grego, nos fornece meios para refletirmos sobre a esfera teatral na antiguidade grega e romana. Para Duarte, o teatro é o lugar no qual o homem imita a sua vida e ali também atua expondo os seus conflitos e desejos; desejos estes que não deveriam ter espaço no cotidiano e no plano moral 320

322

. Através dos pontos frisados

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.7-8.

321

WHITTAKER, C. R. Imperialism and culture: the Roman initiative. In: MATTINGLY, D. J. Dialogues in Roman Imperialism. Journal of Roman Archaeology, nº 23. Potsmouth: Oxbow Book, 1997, p.146. 322

DUARTE, Alair Figueiredo. Paz negativa na Atenas Clássica: Guerras, discursos e interesse de Estado. Monografia apresentada no Departamento de Filosofia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade do Estado do Estado do Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia, no ano de 2008, p.16-20.

92

pelo pesquisador, notamos o teatro assumindo uma atribuição de ensino e de catarse323 para a sociedade. Ainda no campo filosófico, tomamos como essenciais as leituras sobre o filósofo francês Michel Foucault, pois percebemos as obras teatrais gregas e romanas como uma forma de linguagem324, que foram traduzidas do texto escrito para o performático, tornandose inteligíveis para diversos segmentos do campo social325. Sobre a linguagem, Foucault aponta: [...] designa, em suas raízes mais constantes, ações, estados, vontades; mais do que o que se vê, pretende dizer originariamente o que se faz ou o que se sofre; e, se acaba por mostrar as coisas como que as apontando com o dedo, é na medida em que elas são o resultado, ou o objeto, ou o instrumento dessa ação (...). Como a ação, a linguagem exprime uma vontade profunda326.

Como verificamos na citação acima, a linguagem é dotada de intencionalidade e intrinsecamente relacionada com os discursos formulados por um sujeito ou grupo social327. Ao relacionarmos os pensamentos de Foucault com os do literato palestino Edward Said, podemos verificar que um discurso está atrelado a diversos interesses pessoais, de tal maneira a ação discursiva não deve ser pensada de forma simplista, devido à mensagem contida em seu conteúdo328. O teatro representa, historicamente, mais do que uma construção voltada para o lazer dos indivíduos. Este espaço é um importante difusor da cultura, como a de Roma e a sua tradição, voltado, assim, para atender às expectativas de um setor, como a elite romana, e para manter a coesão na área provincial atraindo a população conquistada e mantendo a identidade cultural329 dos romanos que migraram para tal região.

323

De acordo com Page Dubois, a Katharsis(κάθαρσις) era uma mecanismo helênico utilizado para expurgar e purificar o homem dos conflitos e miasmas impostos pelo cotidiano, além de servir de veículo para a coesão social, por meio de seus rituais. DUBOIS, Page. Ancienty Tragedy and the Metaphor of Katharsis. Theatre Journal. The Johns Hopkins University Press, nº 54, 2002, p.21. 324

Utilizamos a definição de Michel Foucault, pois o autor, apesar de não estar focado na Antiguidade, nos apresenta uma importante discussão sobre os sistemas de linguagem. 325

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.51-3. 326

Ibidem, p. 400-1.

327

Ibidem, p. 56-7.

328

SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como uma invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.30.

329

A identidade cultural pode ser compreendida pela forma como uma sociedade se organiza em torno de uma cultura, que é uma forma de ver o mundo, por meio de um conjunto de ideias implícitas e explícitas que acabam predominando entre as possíveis. Logo, tal mecanismo promove um reconhecimento entre tais indivíduos e a coesão entre os envolvidos. A função da identidade é a de vincular o sujeito à estrutura social, nas palavras de Stuart Hall. Ver: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro:DP&A,2006, p.12.

93

Com uma visão aproximada à que apontamos, podemos citar os estudos da romanista Marilda Corrêa Ciribelli, que analisa o teatro romano como um lugar de exposição do corpo social por meio das peças teatrais que eram apresentadas ao público 330. Outro pensamento importante da historiadora é sobre as peças e estruturas teatrais como sendo um dos espaços singulares para o processo de troca cultural, a exemplo da realizada entre helenos e romanos, além de outras sociedades331. Ao ampliarmos o horizonte de estudo apresentado por Ciribelli, reafirmamos a perspectiva de que o teatro, para Roma, era o locus de interação e aproximação entre as culturas nas áreas provinciais. Logo, convergimos com as concepções de que o teatro antigo – em nosso caso, o romano – foi, por muito tempo, um dos mecanismos de ação política e propagador de ideias e pensamentos que consideramos vitais para a produção de um projeto de governo, para a disseminação dos valores de um segmento social, para a construção de uma identidade cultural ou para tecer críticas à ordem vigente. Em suma, o teatro romano emergiu como o locus da romanidade nas áreas provinciais, sendo um elemento que congregava os atributos do ser romano, além de exercer um papel de atração para as elites locais no processo de interação cultural. Através das transformações culturais apontadas, notamos que a cidade é, no mundo antigo, o que demarca o ser civilizado, pois era justamente este lugar um dos principais espaços de integração da civilização, em contraponto com o viver submetido às intempéries da natureza332. Logo, a ciuitas pode ser percebida como um centro de cultura, ou seja, um elemento de refinamento e de prestígio. Entretanto, é importante frisar que a cultura urbana herda uma tensão entre as formas de ensino e os mecanismos de reprodução e de transformação social. É no centro de poder da ciuitas, em função da cultura urbana instruída e formada ali, que as ideologias emergem, se cruzam e se confrontam333. Os indivíduos na ciuitas interagem com as instituições de poder, com as formas de educação, como o teatro, e apreciam a monumentalidade para ver a si mesmos, o seu povo, sua sociedade e suas tradições, o que reforçava sua identidade e diferenciava o “nós” daquilo que eram os

330

CIRIBELLI, Marilda Corrêa. A atualidade das idéias pedagógicas sobre a juventude romana na comédia Adelfos de Terêncio. In: Phoînix. Laboratório de História Antiga, UFRJ, ano XII, Rio de Janeiro: Sette Letras, 2006, p. 217. 331

CIRIBELLI, Marilda Corrêa. Teatro Romano e Comédia Palliata. In: Phoînix. Laboratório de História Antiga, UFRJ, ano II, Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996, p. 235. 332

333

IANNI, Octavio. Enigmas da Modernidade-Mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p.124-7.

RONCAYOLO, Marcel. Cidade. In: ROMANO, Ruggiero & GIL, Fernando (orgs.) Enciclopédia Einaudi - Região. Vol.08. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1986, p.424.

94

“outros”334. Logo, a cidade pode ser entendida pelo conjunto de comportamentos e atitudes que a população expressa neste espaço físico e que demarca a sua identidade cultural335. Outra construção presente situada no centro urbano de Sagunto é o templo que se encontra atrelado ao fórum. Contudo, o mesmo não aparece entre os escritos dos autores clássicos. A arqueóloga Carmen Aranegui Gascó salientou, em Un templo romano en el centro cívico saguntino, que o templo data de um período anterior ao século III a.C., mas parece ter sido remodelado a partir do século II a.C., devido aos materiais novos inseridos na parte oriental da estrutura templária336. Tal ponto pode ser um elemento que ratifica o discurso de reconstrução da cidade, apontada por Tito Lívio (Hist. de Roma, XVIII,39, 1-29). Possivelmente por sua centralidade, podemos supor que o templo fosse atribuído à tríade capitolina Júpiter – Minerva – Juno, divindades estas que se faziam presentes em diversas cidades romanas, como em Sagunto, atuando em forma de símbolo do poder metropolitano337. Contudo, a partir dos escritos de Carmen Aranegui Gascó, notamos que, no caso de Sagunto, há uma escassez de dados arqueológicos que nos permitam apontar concretamente as divindades cultuadas no referido templo338. Desta forma podemos apreciar a planta do fórum com a indicação da área templária:

334

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.13.

335

RONCAYOLO, Marcel. Cidade. In: ROMANO, Ruggiero & GIL, Fernando (orgs.) Enciclopédia Einaudi - Região. Vol.08. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1986, p.422. 336

GASCÓ, Carmen Aranegui. Un Templo Republicano en el centro cívico Saguntino. Templos Romanos em Hispania. Cuadernos de Aquitectura Romana, vol. 01, Murcia, 1991, p.74. 337

BUSTAMANTE, Regina M. da Cunha;DAVIDSON, Jorge; MENDES, Norma Musco. A experiência imperialista romana: teorias e práticas. Tempo, Rio de Janeiro, nº 18, 2005, pp. 27. 338

GASCÓ, Carmen Aranegui. Un Templo Republicano en el centro cívico Saguntino. Templos Romanos em Hispania. Cuadernos de Aquitectura Romana, vol. 01, Murcia, 1991, passim.

95

Figura 8 – Planta do fórum romano de Sagunto, com a indicação do templo saguntino na parte norte339.

Templo

339

A planta do fórum saguntino foi readaptada para indicar a localização do templo. O formado original se encontra no artigo Un Templo Republicano en el centro cívico Saguntino, escrito pela arqueóloga Carmen Aranegui Gascó. Vide GASCÓ, Carmen Aranegui. Un Templo Republicano en el centro cívico Saguntino. Templos Romanos em Hispania. Cuadernos de Aquitectura Romana, vol. 01, Murcia, 1991, p.70.

96

Foto Carlos Eduardo da Costa Campos

Fórum Templo

Figura 9 - Foto do fórum e da área templária de Sagunto, o que demonstra sua centralidade na antiga cidade romana340.

Independentemente dos deuses cultuados, o que notamos é uma arquitetura mantida e remodelada por Roma, demonstrando assim sua atuação. As artes, a arquitetura e a diversidade de práticas mágico-religiosas estão profundamente atreladas à historicidade das suas sociedades, moldando e sendo moldados por essa história e suas vivências, em diferentes graus. Assim, a cultura e as suas formas estéticas derivam da experiência histórica humana341 e servem para identificarmos possíveis ações imperialistas. Compreendemos o templo como um local da vivência religiosa romana, mas também como um instrumento de legitimação de seu domínio. Ao reorganizar o espaço templário ou construí-lo nas áreas provinciais, os romanos implantavam não somente seus cultos religiosos, os quais deveriam ser partilhados pelos que obtinham a condição de cidadãos. Com tal ato de inserção religiosa, os romanos exerciam uma dominação de cunho geográfico-cultural que integrava os habitantes locais às suas práticas socioculturais, que poderiam ser assimiladas pela população provincial, como foi o caso de Sagunto, ou então combatidas. 340

A foto do forum pertence ao acervo particular de Carlos Eduardo da Costa Campo, datada de fevereiro de 2012, no sítio arqueológico de Sagunto, Valência, Espanha. 341

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.24.

97

Segundo Pierre Grimal, as cidades provinciais comportavam uma pluralidade templária e de locais sagrados que, em muitos casos, eram utilizados tanto para cultos “oficiais” como para os considerados “não oficiais”342. Em Sagunto343, o epigrafista Josep Corell nos relata a existência de práticas da magia que datam a partir do período romano de controle sobre a cidade. Corell ressalta que, em 1980, na Montanha do Castelo, foi detectado um conjunto de doze tabletes com inscrições romanas344. Para Corell, o topus no qual as lâminas encontravam-se enterradas era, possivelmente, um antigo santuário, cuja materialidade se perdeu ao longo do tempo devido ao desgaste físico ou à destruição. Quanto às doze lâminas, recorremos à entrevista da professora Ana María Vazquéz Hoys, que nos informa que haveria, na Espanha, uma prática não lícita de capturar tesouros dos sítios arqueológicos, por meio de detectores de metais, para alimentar as coleções privadas de objetos antigos. Objetos como as defixiones foram apropriados por colecionadores particulares, como correu em Sagunto, restando, de tal topos, somente quatro lâminas (n.º 1, n.º 2, n.º3 e n.º4) no acervo público345. Josep Corell também menciona os achados arqueológicos de 1998, no qual outras duas lâminas de chumbo (n.º 05 e n.º 06) foram detectadas346. As lâminas de chumbo detectadas em Sagunto não são uma singularidade da região, pois, como afirma o historiador Daniel Ogden, em Magic, witchcraft, and ghosts in the Greek and Roman worlds: a sourcebook (2002), há na região mediterrânea e em suas extensões mais de 1.600 tabletes de chumbo, a maioria escrita em grego, com datação mais recuada no século

342

GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003, p.68.

343

A temática das lâminas de chumbo foi abordada por Carlos Eduardo da Costa Campos, em 2010, em sua monografia de conclusão de curso do bacharelado e licenciatura em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Todavia, devido à relevância do tema e às possibilidades de análise da presença romana em Sagunto, tomamos como medida uma releitura do referido trabalho para aprimorá-lo neste ponto da dissertação e, assim, colaborar com novas perspectivas que foram construídas. 344

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p.67. 345

HOYS, Ana María Vázquez. Professora Ana María Vázquez Hoys analisa as práticas mágico-religiosas na Antiga Ibéria. In: Philía: jornal informativo de História Antiga. Rio de Janeiro: NEA/UERJ. Nº: 34, abril, maio e junho de 2010, p.4-5. 346

A catalogação foi estabelecida por Carlos Eduardo da Costa Campos, a partir da aplicação da metodologia de análise do discurso mágico, a qual foi desenvolvida pela Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido, para lidar com objetos arqueológicos que apresentavam, em sua inscrição, uma mensagem mágico-religiosa. Contudo, a grade foi adaptada pelo pesquisador, para lidar com lâminas mágicas que também possuíam um discurso de súplica. Em nossa dissertação, a metodologia está disponibilizada no apêndice III. O método se encontra exposto em CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa [et al.]. Novas Perspectivas sobre a Aplicação Metodológicas em História Antiga. In: ROSA, Claudia Beltrão [et al.] A Busca do Antigo. Rio de Janeiro: Trarepa / Nau, 2011, p. 13-24.

98

VI a.C.. O autor argumenta que os tabletes podem ser encontrados por diversas regiões do Antigo Mediterrâneo347. No cenário brasileiro, notamos que o estudo da magia das defixiones vem sendo explorado por uma parte diminuta dos pesquisadores. Os trabalhos produzidos pela historiografia brasileira foram enfocados nas defixiones de matriz grega, como vemos nos estudos da helenista Maria Regina Candido, que iniciou tal pesquisa com a obra A violência das palavras nas imprecações judiciárias(1998), e nos trabalhos da pesquisadora Tricia Magalhães Carnevale, com o artigo Mito e Magia no discurso dos katadesmoi na Atenas dos V e IV séculos a.C.(2004). Um campo pouco explorado nesta área acadêmica é o das lâminas latinas, as quais são nosso objeto de estudo desde o ano de 2008. Além das nossas pesquisas sobre tais defixiones, também contamos com as reflexões do Prof. Dr. Pedro Paulo A. Funari sobre as lâminas de matriz britânica348. Os tabletes intitulados defixiones são feitos de chumbo e, por vezes, compostos de uma liga de outros metais, como o estanho. No território ibérico, também podiam ser feitos de mármore. Tais artefatos possuíam a função de amaldiçoar (imprecar) e foram denominados, de tabellae defixionum, em latim, e de katadesmós (κατάδεσμοι), em grego349. Quanto à historiografia de cunho anglo-saxão350, há uma preferência no uso do termo curse tablets, o que causaria alguns problemas, pois nem todas as placas encontradas são de maldição. Segundo definição de Candido, “o termo de/defixio ou kata/katademos sugerem o movimento de ligar a alma de alguém junto aos mortos no mundo subterrâneo”351. Na maioria das tabellae defixionum analisadas, os deuses evocados possuem características ditas ctônicas. De acordo com Maria Regina Candido, os deuses evocados pelas defixiones gregas e romanas tendiam a ser divindades ctônicas, como Proserpina e Dis Pater, e potências do mundo subterrâneo, como Cérbero ou Caronte.352 O pesquisador OGDEN, Daniel. “Magic, Witchraft, and Ghosts in the Greek and Roman Worlds: A Sourcebook. New York: Oxford University Press, 2002, p.210. 347

348

FUNARI, Pedro Paulo A. A cidade e a Civilização romana:um instrumento didático. Campinas: Coleção Textos Didáticos – IFCH/UNICAMP, 1997. Acessado em 15/01/2011. Disponível no endereço eletrônico http://www.unicamp.br/nee/arqueologia/arquivos/historia_militar/cidad_civil.html e em sua outra obra, A Vida Quotidiana na Roma Antiga. São Paulo: Annablume, 2003, p. 46-47. 349

CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa. As seis Defixiones de Sagunto: A Vingança dos Saguntinos Através das Práticas da Magia. Revista NEARCO - Número I - Ano III – 2010, p. 50. 350

De acordo com os termos utilizados por BEARD, Mary; NORTH, John e PRICE, Simon. Religions of Rome, volume 2- A Sourcebook. Cambridge: University Press, 2008, p.266 e Daniel Ogden, em “Magic, Witchraft, and Ghosts in the Greek and Roman Worlds: A Sourcebook. New York: Oxford University Press, 2002, p. 210-2. 351

CANDIDO, Maria Regina. A Feitiçaria na Atenas Clássica. Rio de Janeiro: Letra Capital/FAPERJ, 2004, p.15.

352

CANDIDO, Maria Regina. Magia do katádesmos: téchne do saber-fazer. In: Revista Hélade nº03, 2002, p.29.

99

Pulleyn, na obra Prayer In Greek Religion353, aponta que esses atributos ctônicos estão relacionados aos deuses que possuem uma ligação com a terra e o mundo subterrâneo. Em seus estudos, Pulleyn destaca que as divindades eram evocadas porque a qualidade ctônica era vista como obscura e misteriosa, além de haver uma associação da justiça com a terra. Os feiticeiros também poderiam se utilizar dos espectros de pessoas tidas como essenciais no desenrolar da magia, como um elo entre os solicitantes e os deuses ctônicos. Tais almas eram oriundas dos sujeitos falecidos, no que podemos designar como “fora do tempo do ciclo de vida”, ou seja, as fases de nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento e morte354. As pessoas consideradas mortas antes do tempo seriam as mulheres falecidas no parto, as crianças mortas e os demais mortos que não tiveram seus ritos fúnebres por não possuirem parentes. Tais espectros eram denominados, na sociedade romana, como lemures. Além desses últimos, notamos que também havia as larvae, que eram os espectros que aterrorizavam o imaginário dos romanos devido à sua capacidade de atormentar o mundo dos vivos e torturar os próprios mortos. Segundo Regina Maria da Cunha Bustamante, tornavam-se larvae os sujeitos que sofriam um falecimento de forma violenta (saevus finis), como no caso de criminosos, a quem eram negados a sepultura e os ritos fúnebres. Além deles, a autora menciona os “suicidas, pessoas assassinadas que receberam uma tumba, mas que não eram admitidas no mundo dos mortos, vítimas de acidentes, fulminados por raio [...]” 355. Em linhas gerais, tais espectros eram vistos, no mundo antigo, como seres que erravam entre o mundo dos vivos e o dos mortos, com uma capacidade alarmante de destruição e atormento para os vivos. Sendo assim, em um ritual mágico que visava a imprecar a outro/os outros e que se valia dos mortos para intermediar a solicitação, notamos a possibilidade do emprego dos lemures e larvae nos rituais mágicos das defixiones. Ao dialogarmos com os escritos de Tácito (Anais II, 69: carminaet devociones et nomen Germanici plumbeis tabulis insculptum), vemos que o autor destaca um caso de feitiçaria efetuado contra o nobre romano Germânico. O referido aristocrata foi vítima de uma misteriosa doença que o levou à morte. Uma das suspeitas foi o uso de magia por parte de seu pai adotivo, Tibério, contra ele. Tácito aponta que: 353

Ver PULLEYN. Simon ‘Prayer In Greek Religion.’ Oxford: Clarendon Press: 1997, p.90.

354

Conforme CARNEVALE, Tricia Magalhães. Katádesmos: Magia e vingança dos atenienses através dos mortos. In: Vida, Morte e Magia no Mundo Antigo, VII Jornada de História Antiga - UERJ . Rio de Janeiro. Ed: NEA – UERJ, 2008, p.90. 355

BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Festa das Lemuria: os mortos e a religiosidade na Roma Antiga. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011, p.5.

100

No meio do entulho sinistro encontrado na divisão onde o príncipe se encontrava moribundo estavam placas de chumbo com o nome de Germânico inscrito sobre elas, misturadas com cadáveres humanos e outros objetos que geralmente se associam à sujeição de criaturas vivas aos poderes infernais (Tácito, Anais, II, 69).

Esse exemplo de maldição empregada contra Germânico, usando placas de chumbo, seria possivelmente um caso de defixios. As inscrições das lâminas ou tabletes pretendiam fazer mal ao inimigo, agradecer aos deuses, suplicar às divindades e, em alguns casos, podemos observar práticas mágicas características da magia amorosa. Ao recorrermos aos estudos antropológicos de Sir James Frazer, em La Rama dorada: Magia y Religion, podemos identificar, nas práticas das defixiones, a aplicação da magia homeopática356. Tal prática mágica consiste em modelar uma imagem e atravessá-la com objetos perfurantes, amarrá-la ou, até mesmo, quebrá-la357. A finalidade dessa prática mágica seria a de causar um dano a outra pessoa através da concretização de seu desejo na forma do objeto atingido. As defixiones apresentam estas características, pois muitos, por exemplo, são perfurados para causar danos às pessoas. A utilização de poções e feitiços consiste na relevância que estas possuíam na Antiguidade. George Luck358 nos aponta que a crença em ações mágicas está baseada na ideia de que tudo o que acontece à volta dos homens seria por decorrência das forças sobrenaturais. Logo, nesta visão, se o indivíduo que foi alvo da defixios viesse a possuir algum problema, ele possivelmente haveria sido atingido pela magia dos tabletes de imprecação. Luck destaca que a magia pode ser vista como uma maneira de os sujeitos terem suas inquietações sanadas de forma rápida359. A conceituação nos aponta que tudo que ocorre em uma parte do mundo irá atingir a outra parte desse mesmo universo360. Logo, não importa o quão longe um indivíduo estiver do outro, pois o sujeito será atingido da mesma forma, como no caso das defixiones. A expansão imperial romana na Antiga Ibéria parece ter gerado um aumento das interações comerciais, do uso do latim, de ritos, mitos e crenças no continente. Como 356

Segundo Sir James George Frazer, a magia homeopática funcionaria através da lei da semelhança, na qual se produziria algo semelhante ao que se quer atingir – o que a diferiria da magia contagiosa, baseada na lei de contato. Nesta vertente, um material sobre o qual o mago deteria poder, que tenha estado junto ou feito parte de algo, mesmo distante fisicamente, teria poder para atingi-lo. FRAZER, Sir James. La Rama dorada. Tercera edición en español. México: Fondo de Cultura Economica:1956, p. 33 - 34. 357

Ibidem, p. 35 - 36.

358

LUCK, George. Arcana Mundi: Magia y Ciencias Ocultas en el mundo Griego y Romano. Madrid. Ed: Gredos,1995, p.

14. 359

Ibidem, p. 22.

360

Ibidem, p.13.

101

expressão desse contato estabelecido, o que vemos é a presença da magia dos tabletes de imprecação na região de Sagunto. As seis lâminas saguntinas nos apresentam indícios da imbricação cultural361 que ocorreu no local. Assim, apesar da intensa interação com os romanos, nenhuma sociedade seria pura, monolítica e única em sua formação e em suas relações socioculturais. Todas devem ser vistas como imbricadas culturalmente, de acordo com Edward Said na obra Cultura e Imperialismo362. Logo, as defixiones saguntinas nos possibilitam ver, através da cultura material, o impacto da presença romana na religiosidade local. As lâminas de Sagunto apresentam diversos desvios do padrão Mediterrâneo, o qual foi exposto por Daniel Ogden e Maria Regina Candido em seus estudos sobre as práticas da magia363. Vale ressaltar que, na maioria dos casos, o solicitante da magia e o mago são elementos que não estão identificados nas lâminas, até mesmo como uma forma de sigilo face a possíveis repressões dos dirigentes locais. Contudo, este não é o caso das defixiones de nº 01 e 02, nas quais há a possibilidade de vermos os nomes dos solicitantes inscritos nas lâminas. Na defixios de nº 01, notamos um tipo de imprecação contra ladrões. Está é uma qualificação que foi adotada tomando por fundamento as classificações de Fritz Graf

364

. A

lâmina foi encontrada na Montanha do Castelo, no lado oeste da antiga região de Sagunto (Valência), onde possivelmente existiria um santuário, dentro da antiga fortaleza saguntina365. As medidas do tablete são: 11cm de altura, 19 cm de largura e espessura de 0,15cm. A letra é cursiva e a inscrição foi feita em latim não oficial.

361

Mediante as leituras da obra de Edward Said, notamos que a imbricação cultural seria o resultado da interação cultural entre duas ou mais sociedades. Para Said, todas as culturas que estabeleceram contatos culturais são imbricadas, não podendo ser consideradas como sociedades “puras”. SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.28. 362

Idem.

363

CANDIDO, Maria Regina. A Feitiçaria na Atenas Clássica. Rio de Janeiro: Letra Capital/FAPERJ, 2004; OGDEN, Daniel. “Magic, Witchraft, and Ghosts in the Greek and Roman Worlds: A Sourcebook. New York: Oxford University Press, 2002. 364

365

Vide obra de GRAF, Fritz.La Magie Dans L’Antiquité Gréco-Romaine”. Ed:Les Belles Lettres. Paris:1994, p. 141- 142.

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição.Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 67- 70.

102

Figura 10 - Lâmina de número 01, que está dedicada ao deus Iau366.

Cryse ligo auri po[...]II/

Cryse, dou ... libras de ouro/

Rogat et a Iau dat pequnia quae a /

Roga e faz uma doação a Iau com a/

me

com a pecúnia que me subtraiu

accepti

Heracla

conservus

Heracla companheiro de servidão/

meus/

para que fique afetado no peito e nos

ut insttetur uius senus, o[c]elus et/ olhos/ v]ires qicumqui sunt aride/

e que todas as suas forças fiquem atrofiadas/

[...]m do pequniam onori sacri/cola.

Dou também pecúnia ao mago pelo seu serviço.

A situação comunicativa de súplica é composta por características expressas no texto, como o emprego das palavras roga e faz, as quais divergem do padrão grego imperativo, de ordenamento ou imposição. Os termos recorrentes nas lâminas helênicas e romanas seriam: enterro, prendo, amarro, impreco, amaldiçoo367. Na defixios de nº 01, o sujeito estabelece uma ação de súplica aos deuses, rogando em seu benefício, contra aquele que o lesou. Em contrapartida, o solicitante oferece uma pecúnia ao deus Iau em troca do seu apoio, para que possa vingar-se do que lhe foi retirado pelo ladrão. Um elemento essencial a ser mencionado são os verbos de enunciação pessoal que foram aplicados na primeira pessoa do singular, os 366

A foto da defixios de número 1 pertence ao acervo particular de Carlos Eduardo da Costa Campos, datada de fevereiro de 2012, no Sagunto Museu de Arqueologia, em Valência, Espanha. Quanto ao desenho, o mesmo foi obtido em CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição.Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 68. Ver as defixiones analisadas por Maria Regina Candido, em “A Feitiçaria na Atenas Clássica”, Rio de Janeiro: Letra Capital/FAPERJ, 2004, p.107-113 ou Daniel Ogden, em “Magic, Witchraft, and Ghosts in the Greek and Roman Worlds: A Sourcebook. New York: Oxford University Press, 2002, p. 246-251. 367

103

quais indicam uma atuação do solicitante na magia. Outro ponto são os verbos de enunciação de súplica, os quais denotam que os desejos do solicitante estão sendo atrelados ao ritual efetuado pelo feiticeiro. A situação sintomática expressa sentimentos do solicitante, como ódio, raiva, rancor e vingança, que atuam como instrumentos para o feiticeiro evocar espectros e divindades ctônicas a seu favor, pois tais emoções demarcam o desejo profundo do solicitante. Josep Corell argumenta que a defixios de nº 01, da região de Sagunto, foi a inscrição na qual, pela primeira vez, se notou um culto ao deus Iau, na Península Ibérica368. Por meio de um estudo linguístico sobre o nome de Iau, podemos destacar que, ao ser passado do latim para o grego, o nome correspondente seria o do deus fenício Iαύ369. De acordo com José María Blázquez Martínez, no artigo Panorama general de la presencia Fenicia y Púnica en España370, a presença do culto aos deuses fenícios na Península Ibérica deixa transparecer que os contatos culturais entre os fenícios e os ibéricos são muito antigos. A assertiva pode ser endossada por Josep Corell quando o autor menciona que371 “[…] uma sociedade diversificada, como era a saguntina, deveria venerar também a outras divindades mais ou menos toleradas por Roma, ainda que não fizessem parte do seu panteão oficial.” A Enciclopédia “Nation Master”372 nos chama a atenção para o fato de que o nome de Yaw se aproximaria de Yam e Yamm. Refletindo sobre as ideias de S. H. Hooke, na obra “Middle Eastern Mythology”, assim como nos pensamentos de K. van der Toorn, Bob Becking e Pieter Willem van der Horst em seu livro “Dictionary of Deities and Demons in the Bible DDD”, Yaw assumiria os atributos de deus do mar indomável, dos rios e do caos. Na narrativa mítica do Épico de Baal373, podemos observar que o deus rivalizou com Yaw, por este último tentar usurpar-lhe o trono. Yaw, que havia sido adotado pelo deus El, 368

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição.Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 67- 70. 369

GASCÓ, F.; ALVAR, J.; PLÁCIDO, D.[et al.], Noticia de una inscripción griega inédita, Gerión 11, 1993,p. 327–335; As Tabellae Defixionum de Sagunto: As Práticas da Magia e as Interações Culturais na Península Ibérica, séc. I e II d.C. Monografia apresentada e aprovada na UERJ, para obtenção do título de Bacharel em História, no ano de 2009. Disponível no site: http://www.nea.uerj.br/publica/monografias/MonografiaCarlosEduardodaCostaCampos.pdf 370

Ver em: MARTÍNEZ,José María Blazquez. Panorama general de la presencia Fenicia y Púnica en España. Artigo publicado na Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes. Alicante, 2004. Acessado em: 03/03/2009. Diponível no site: http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=13250&portal=33 371

Verificae a citação em CORELL, Josep. Invocada la Intervención de Iau en una defixio de Sagunto (Valencia). Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik. Bonn, 2000, p. 241. 372Disponível 373

39.

no site: http://www.nationmaster.com/encyclopedia/Yaw-(god). Acessado em 02/03/2009.

NIDITCH, Susan. War in the Hebrew Bible: a study in the ethics of violence. Oxford University Press US, 1995, p. 38 –

104

acabou por se transformar em um tirano, oprimindo os deuses. Na luta para libertar os seus irmãos e a sua mãe (deusa Asherah), Baal acaba vencendo e assegurando o seu trono junto aos deuses. As características de Yaw como deus do caos e da destruição, e sua ligação com o mundo dos mortos se assemelham às características ctônicas374 das divindades gregas e romanas evocadas na magia das defixiones. Desta forma, através da relação entre a magia e o mito, podemos compreender a motivação do emprego de uma divindade fenícia na lâmina de chumbo. Apontamos para uma nova possibilidade de análise histórica da divindade, podendo ser Yaw o deus citado pela defixio, tanto pela proximidade sonora e filológica do nome da divindade (Yaw - Iαύ - Jaó Iau), como pelos atributos que esta divindade possuía ao ser evocado em uma defixio. Além destes fatores, temos as consideráveis migrações de fenícios desde 1100 a.C., que acabaram por levar para a Hispania uma pluralidade de deuses a serem englobados à cultura religiosa fenícia375. A defixios de número 02 trata-se de uma magia contra um possível adversário. Entretanto, o que motivou a elaboração da imprecação não se encontra no discurso da lâmina. O deus evocado foi Iau, o mesmo que aparece na defixios de nº 01. Logo, ratificamos a característica ctônica da divindade evocada, assim como o desvio das defixiones, mediante a presença de uma divindade fenícia no encantamento. A lâmina faz parte de uma coleção particular e a sua datação, segundo Corell, seria de aproximadamente final do século I e início do século II d.C.. O tablete foi encontrado no mesmo sítio arqueológico que a primeira lâmina.

374

O termo ctônico está relacionado a divindades subterrâneas que transportavam e/ou acompanhavam as almas até o mundo dos mortos. 375

Sobre a presença fenícia na Hispania, ver os estudos de MARTÍNEZ, José María Blazquez. El impacto de la religion semita, fenícia y cartagineses en la religion ibera. In: Mitos, Dioses, héroes, en el Mediterráneo antiguo. Madrid: Real Academia de Historia, 1999, p. 241 – 304 ou CARRASCO, José Luis Escacena. Fenícios a Las Puertas de Tartessos. Complutum, nº: 12, 2001, p. 73 – 96.

105

Figura 11 - Lâmina de número 02, que está dedicada ao deus Iau376

A defixios apresenta medidas 7,5 x 16,5 x 0,2 cm. As letras possuem medida 0,5 cm; em letra cursiva e texto em latim não oficial, com diversos locais em que a inscrição aparece desgastada pela ação do tempo. O solicitante da magia possivelmente estaria na face B do tablete, devido ao nome de Fulvilla ser citado, como rogando ao deus. Novamente, vemos o desvio do padrão de imprecação das defixiones, ao mencionar o nome do solicitante da imprecação. Quanto ao nome da vítima, ele fica mencionado na face A da inscrição, sendo denominado de Eterionis, o filho de Aulia. As partes do corpo que o solicitante da magia pretenderia atingir são: o anima, o rosto, o ventre, as mãos, os dedos, as orelhas e a voz. Logo, temos por hipótese que, atingidos os pontos vitais do alvo da imprecação, o solicitante almejaria levar o seu adversário à morte. A situação sintomática que teria levado Fulvilla a solicitar a magia seria o ódio contra Eterionis, como vemos na quarta linha da lâmina.

Face A: Iao (?) (ad marginem sinistrum)

Iao o rogo fervorosamente/

Rogat uti manudatum/ -

qe[

que

m]enta

a

tibi

O confio cada um dos membros/

commendo/ -

ani[ma]

vul[tus]

Eterionis Au- lia[ni?] fili/ 376

venter

O anima, a cara, o ventre de Eterionis filho de Aulia./

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição.Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 71.

106

Entrega aos deuses infernais com toda

- in omni ira da dis infe- [ris] cólera/ - rog[at ora]t et querit ut pecus

Solicito, rogo e imploro. Como este boi...

[-c.12-]qures qu[o]d [-c.5-]

... do mesmo jeito que...

[- c.13-] ita [ - c. 9 -]

Face B:

Fulvilla roga que a boca

- Fulvilla rogat quod

Os, manus, digitus, autres, Vox

As mãos, os dedos, as orelhas, a voz,...

Na defixios de número 03, verificamos o emprego da prática mágica para vingar-se de um roubo, sofrido pela solicitante Lídia. Não existe uma certeza de que, neste defixios, o solicitante seja a própria Lídia citada na lâmina ou outra pessoa realizando a magia para vingá-la. Josep Corell precisa que a lâmina é muito fina. Possuía 5 cm de altura e 17,5 cm de largura. As letras contidas no texto são de aproximadamente 0,5 centímetros de altura e as inscrições apresentariam a sua mensagem em latim. O texto haveria sido escrito em três linhas e, depois, a lâmina teria sido dobrada nove vezes377. Figura 12 - Lâmina de número 03, que seria uma defixios contra roubo378

377

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição.Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 74. 378A

foto da defixios de número 3 pertence ao acervo particular de Carlos Eduardo da Costa Campo, datada de fevereiro de 2012, no Sagunto Museu de Arqueologia, em Valência, Espanha. Quanto ao desenho, o mesmo foi obtido em CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição.Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p.74.

107

Quis res tunica tulid e Lidia (?),

de Lídia roubou, persiga/

obi eam / vel

"Àquele(a) que as coisas e a túnica

ium,

{h}habeat / trata

ite

is

quis

questo

e também aos que disso tiraram benefício."

Em tal imprecação, verificamos que o solicitante recorre ao feiticeiro para que o mesmo, através de ações mágicas, pudesse perseguir a pessoa que efetuou o roubo dos pertences de Lídia, além de almejar atingir quem também se apropriou dos objetos roubados. O objeto-alvo da magia seria o produto do roubo de Lídia, para que, quem o possuísse, fosse atingido pela maldição. A comunicação do mago com as divindades é divergente do modelo de defixiones de nº 01 e 02. A situação comunicativa apresenta-se em tom imperativo, o qual ordena às potências sobrenaturais que persigam o autor do roubo. Logo, na lâmina de número 03, notamos uma consonância com o padrão latino de defixios. A defixios de n° 03 possui uma similaridade com a de nº 01, pois ambas tratam de imprecações devido aos roubos de que as vítimas foram alvo. Um ponto interessante é a ausência do nome da divindade evocada. Contudo, mesmo não havendo o nome da potência sobrenatural citada na lâmina, podemos inferir que o mago possuía uma convicção de que a divindade iria atender aos seus comandos. O historiador George Luck, em Arcana Mundi, afirma que o domínio do mago sobre as divindades aconteceria por ele ser o detentor de um conhecimento, como o nome real de uma divindade ou de uma fórmula que estabelece o contato com uma deidade – assim, compreendemos sua convicção na eficácia de suas práticas379. No que se refere à defixios de número 04, o que podemos destacar é a sua peculiaridade. A lâmina apresenta a característica de ser anepigráfica e sua procedência é a mesma dos tabletes de número 01 e 02. A tabellae defixionum se encontra datada de finais do século I ou, possivelmente, começo do século II d.C., e suas medidas são: 4,6 x 17,7 x 0,1 cm. No catálogo de Josep Corell, não há imagem do tablete e o autor ressalta que, na Península Ibérica, esse tablete é o único anepigráfico, o que indica sua especificidade380. Nesse caso, o encantamento deveria apenas ser recitado, mas não há imagem ou desenho dele publicado. 379

LUCK, George. Arcana Mundi: Magia y Ciencias Ocultas en el mundo Griego y Romano. Madrid. Ed: Gredos1995, p. 11; 14 - 15. 380

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição.Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p.78.

108

Ao analisarmos a defixios de nº 05, podemos constatar a utilização da magia das tabellae defixionum para intervir em uma possível relação amorosa. A lâmina apresenta, em suas medidas, 6,5 x 17,7 x ? cm. As letras medem 0,5 cm; em letra cursiva e texto em latim não oficial. A defixios seria datada de, aproximadamente, século I d.C.. Josep Corell ressalta que essa defixios pode ser qualificada como de competição amorosa. A prática dos tabletes imprecatórios visaria a influenciar, por meios sobrenaturais, as pessoas ou os atos de outros contra as suas próprias vontades, produzindo, neste caso, uma separação381. A sua procedência seria do declive meridional da Montanha do Castelo, nas proximidades do antigo fórum romano. A historiadora Maria Regina Candido382 tece um estudo sobre as defixiones amorosas, em sua obra A Feitiçaria na Atenas Clássica. Candido precisa que esta modalidade imprecatória visava a manter ou reaver o objeto de desejo. Assim, o sujeito buscava o apoio do mago para que ele, por meio de poções, encantamentos ou das defixiones, o ajudasse. Figura 13 - Lâmina de número 05, que seria uma defixios amorosa383

381 Ibidem, 382

Quintula cum Fortunali

“Que Quintula e Fortunalis

sit semel et num-quam

nunca se encontrem!”

p.75.

Ver obra de CANDIDO, Maria Regina. A Feitiçaria na Atenas Clássica. Rio de Janeiro: Letra Capital/FAPERJ, 2004, p.

82. 383

A foto da defixios de número 05 pertence ao acervo particular de Carlos Eduardo da Costa Campo, datada de fevereiro de 2012, no Sagunto Museu de Arqueologia, em Valência, Espanha. CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição.Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 75.

109

Josep Corell demarca que Quintula é um cognome que aparece nas províncias hispânicas somente nesta defixios. O autor aponta que Quintula era um cognome conhecido nas regiões africanas; e Fortunalis seria um cognome conhecido na Península Ibérica. Dialogando com o autor, vemos a presença de cinco referências a este último nome. Para Josep Corell, o cognome Fortunalis presente na lâmina se referiria a um individuo do sexo masculino384. Corell salienta que, dentro da defixios que estava dobrada, foi detectada a presença de uma moeda, o que denota algum tipo de pagamento prévio à divindade 385. A situação comunicativa da lâmina e a moeda não são exclusividades saguntinas, o que leva a crer que, neste caso, há uma convergência com o padrão mediterrâneo de uso das defixiones. O objeto da ação mágica seria a própria relação de Fortunalis e Quintula. O solicitante buscou, junto ao mago, um mecanismo para afastá-los da possível relação que poderia haver entre eles. O filólogo Fritz Graf, ao esquematizar os tipos de defixiones, faz uma breve observação sobre a defixios amorosa. Segundo o autor, o tablete imprecatório poderia não somente separar um casal no caso de uma competição amorosa, como também despertar um amor recíproco na pessoa desejada386. Na defixios de número 06, o que visualizamos foi apenas a menção de nomes na lâmina. A sua procedência seria a mesma da lâmina de nº 05, segundo os estudos de Josep Corell387. A motivação para a imprecação não se faz presente no discurso mágico que se encontra inscrito na lâmina. A sua datação seria, aproximadamente, do século I d.C.. Como as outras lâminas, o artefato se encontra em propriedade privada. As medidas do defixios são: 17 x 18 x 0,15 cm. As letras medem 0,35cm; em letra cursiva, utilizando a escrita em latim. A defixios apresenta, em sua inscrição, somente os nomes Tropae, Argus e Sym?/perusa.

Figura 14 - Lâmina de número 06, somente com nomes inscritos388

384

Segundo CORELL, Josep. Drei Defixionum Tabellae aus Sagunt (Valencia). aus: Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik nº 101,1994, p. 281. 385

386

Ibidem, p. 282. Ver GRAF, Fritz. “La Magie Dans L’Antiquité Gréco-Romaine”. Ed: Les Belles Lettres. Paris: 1994, p. 213.

387

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição.Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 77- 78. 388

Ibidem, p. 77.

110

- [---] Tropae (!)

... Trope, ...

- Argus * Pa-

Argus, Pa-...

--------?

Simferusa (?) ---

- [--- Sym?/perusa

Mediante as análises das defixiones, percebemos que as práticas mágicas ibéricas podem ser analisadas como compostas por uma multiplicidade de elementos culturais, desde os nativos da região até as relacionadas aos gregos, romanos, fenícios e egípcios. Os grupos acima mencionados contribuíram com seus saberes mágicos de forma direta ou indireta para a produção de diversas modalidades de práticas de magia, como no caso das tabellae defixionum de Sagunto. As práticas culturais saguntinas, por meio das defixiones, denotam a imbricação de culturas existente na região, que aconteceria por meio da apropriação de elementos pertencentes à cultura religiosa fenícia e do uso do latim na escrita mágica, por exemplo. Contudo, as defixiones também representam o elevado grau de inserção de Sagunto na lógica imperial romana, pois, para além das instituições políticas e das celebrações religiosas referentes à sacra publica, podemos verificar que eram comuns, em Roma, as práticas mágico-religiosas que atuavam na esfera do cotidiano, para solucionar seus problemas. Logo, à medida que as províncias iam adaptando-se ao modelo de vida romano, uma variedade de práticas socioculturais oriundas de sua metrópole foram apropriadas pelas populações locais, entre elas a própria magia. Sendo assim, notamos que as cidades romanas são exemplos de ações políticoculturais que se tornaram um campo de batalha onde os interesses dos nativos e de Roma se imbricaram no processo de conquista e consolidação do espaço desejado pelos romanos. Convergindo com Whittaker e nos valendo do eixo teórico de Said, percebemos que a ciuitas foi a entidade geográfica essencial para a integração dos diversos segmentos sociais nas áreas provinciais389. Assim, ao relacionarmos com a documentação textual escrita e arqueológica apresentada neste capítulo, compreendemos que o espaço geográfico contido na ciuitas foi usado para disseminar a romanidade, ratificando assim as alianças com as elites locais e integrando os demais segmentos no modo de vida romano. A cultura romana preparava os seus cidadãos através da formação educacional, das tradições e dos recursos culturais e religiosos. O apontamento se deve ao olhar das culturas como dinâmicas e que interagem a 389

WHITTAKER, C. R. Imperialism and culture: the Roman initiative. In: MATTINGLY, D. J. Dialogues in Roman Imperialism. Journal of Roman Archaeology, nº 23. Potsmouth: Oxbow Book, 1997, p.147.

111

todo o tempo390. Mediante o exposto, percebemos que a política romana se valeu da cultura e do urbanismo para criar zonas de vinculação política, almejando reforçar o poder de um centro metropolitano sobre as suas províncias.

390

SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.23.

112

3 - ENTIDADES CULTURAIS: A CONSOLIDAÇÃO DO PODER ROMANO EM SAGUNTO (I A.C. – I D.C.)

Além da reestruturação do espaço físico, iniciado no final do século III a.C., também nos inquietou analisar as condições para o acesso à cidadania romana, o sistema administrativo e religioso implementado em Sagunto como uma possível maneira de integrar a localidade com a dinâmica política romana. Assim, almejamos, ao longo deste capítulo, refletir, por meio da documentação textual escrita e da cultura material, sobre as possibilidades históricas em torno das formas de legitimação político-social de Roma em Sagunto.

3.1- Os estatutos jurídicos das comunidades das áreas provinciais: privilégios e configurações de poderes

Ao nos depararmos com a documentação epigráfica, como as inscrições honoríficas e os textos escritos produzidos por Cícero, Plínio o Velho, e Tito Lívio, percebemos a valorização que estes conferiam ao ordenamento social. O historiador Julio Mangas pontua que, desde o século XIX, nota-se, no campo histórico, a necessidade dos pesquisadores (como Mommsen e De Sanctis, por exemplo) em conhecer as regras que regiam as cidades provinciais, para compreender a relação destas com Roma391. Julio Mangas argumenta que a experiência romana na conquista de territórios itálicos – advindos do século IV a.C. – foi um fator crucial para a normatização e, assim, a preservação das áreas subjugadas a partir da expansão pelo Mediterrâneo Antigo, no século III a.C.. O contato com diversas regiões mediterrâneas é destacado pelo autor como essencial para a construção do conhecimento sobre os variados sistemas administrativos existentes, tais como o púnico, o etrusco e o ibero. Contudo, para Julio Mangas, o modelo que melhor adaptava-se ao projeto romano de cidade era o que advinha das poleis helênicas392. Logo, a normatização das sociedades e o desenvolvimento do sistema administrativo romano foram produtos das interações culturais com os territórios mencionados acima, o que denota que os

391

392

MANGAS, Julio.Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.07. Ibidem, p.7-8.

113

romanos se utilizaram de suas vivências para dinamizar a conquista e a preservação das suas áreas de interesse. Julio Mangas salienta que Roma possuía um sistema eficaz de integrar as mais diversas áreas submetidas, por meio da implantação ou remodelação do modelo de ciuitas393, como pontuamos ao longo do capítulo 2 desta pesquisa. A ciuitas romana – cidade – poderia ser imposta em povoações com os estatutos jurídicos mais diversos. Para Jonathan Edmondson, a diversidade de estatutos jurídicos dentro de cada província desvelava uma hierarquização nos diferentes tipos de comunidades envolvidas. Além disso, essa hierarquia não permaneceu estática, pois tais cidades podiam modificar sua condição, o que resultava, muitas vezes, em rivalidade entre comunidades vizinhas na busca por superar as outras em termos de status e prestígio394. Mediante os escritos de Edmondson, podemos classificar as cidades em: colônias romanas ou latinas, municípios romanos ou latinos, cidades federadas e cidades estipendiárias395. A concessão de um estatuto jurídico singular para cada cidade orientou-se dentro dos seguintes marcos: as colônias (coloniae) e os municípios (municipia) ficavam organizados segundo as diretrizes emanadas de Roma e, em virtude disto, eram cidades privilegiadas; as demais (cidades federadas e estipendiárias) formavam o grupo das cidades peregrinas e, com isto, estavam privadas do privilégio dos direitos romanos e latinos, o que lhes permitia governar-se pelas normas e usos consuetudinários sempre que estes não atentassem contra a hegemonia do poder político romano396. Na política romana, a prática de concessão de benefícios ou punições se consolidava em meios de privação da autonomia local de uma cidade ou na valorização e fornecimento de privilégios para os dirigentes locais. Julio Mangas397 frisa que havia o desejo das cidades de fazer parte do grupo que era privilegiado com o estatuto de colônias e município. As mesmas, 393

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p. p.9.

394

EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 256. 395

A partir de autores como Julio Mangas, G. Hacquard, J. Dautry e O. Maisani, percebemos que as cidades com o estatuto de Colonia ciuium Romanorum ou de Municipiae cum suffragio, conferiam a cidadania completa aos seus dirigentes beneficiados com o estatuto; as ciuitates foederatae e a ciuitas sine sufrragio, como os praefecturae, municipae e municipium com ius Latii, eram cidadanias ofertadas progressivamente aos magistrados e ex-magistrados locais, assim como aos seus familiares; no caso da ciuitates dediticiae ou stipendiariae, a mesma representava uma condição de cidadania incompleta para os seus detentores. Ver informações em: MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.9-17; HACQUARD, G.; DAUTRY, J.; MAISANI, O. Guide Romain Antique. Paris: Hachette, 1996, p.56-7. Publicado originalmente em 1952. 396

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.11.

397

Ibidem, p.11-2.

114

para obterem tal estatuto, procuravam adaptar suas formas de governo e suas normas de administração ao modelo romano, como um mecanismo de atração. Com o aporte de Edward Said398, consideramos que o Império Romano era sustentado por ambos os grupos envolvidos na dinâmica imperialista. Desta maneira, cada grupo envolvido na política imperial possuía um interesse para o estreitamento de relações ou resistência ao poder romano. Os estatutos privilegiados formulavam um conjunto de referências399 criadas pelo centro metropolitano, as quais visavam a normatizar os espaços provinciais. Sendo assim, analisamos o estatuto jurídico como um instrumento de negociação político-cultural entre o centro de poder romano e as áreas sob seu controle, que almejavam conseguir benefícios de Roma. Logo, a partir de Clifford Ando400, percebemos que os estatutos jurídicos são formas de controle político que, em alguns casos, se revestem de aparente “autonomia local” para manter a ordem imperial por um lado, além de facilitar a extração de riqueza por outro. Contudo, o estatuto também atuava como um instrumento de normatização e controle dos passos dos dirigentes locais. Com a conquista romana das Hispanias, ao longo dos séculos III e II a.C., o modelo de ciuitas se implantou em todo o território peninsular, o que exigiu de Roma um grande trabalho de reorganização das comunidades locais. A ação romana variou de acordo com os interesses, no respeito às formas organizativas das populações subjugadas. Uma de suas práticas políticas foi o reforço do poder de alguns dirigentes locais ou anexação do território ao seu modelo de governo401. Todavia, o grupo de cidades hispânicas que obtiveram a condição de privilegiadas – colônias e municípios – foi muito reduzido até o período de Julio César, século I a.C.. A primeira fase significativa de criação de colônias e municípios na Hispania ocupa um período iniciado por César e continuado por seus seguidores do II Triunvirato e pelo primeiro princeps Augusto402. Uma cidade da Hispania Citerior e, posteriormente, Hispania Tarraconense em que podemos realizar um estudo de caso sobre seu estatuto colonial e municipal privilegiado é Sagunto. A mesma integrava um grupo diminuto de cidades com

398

SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.42.

399

Compreendemos como referências os modelos político-sociais existentes nas metrópoles, os quais eram repassados aos domínios provinciais. Ibidem, p.88-9. 400

ANDO, Clifford. The Administration of the Provinces. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 182. 401

Ibidem, p. 12-3.

402

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.14.

115

benefícios da condição de colônia latina e município romano, como veremos a seguir em nossas análises.

3.2

Os estatutos ciuitas foederata e colonia de Sagunto

De acordo com P. Ripollès e J. Velaza, no artigo Saguntum, colonia Latina (2002), podemos detectar em Sagunto a presença de um conjunto de moedas403 do período romano, com diversas inscrições. Entre tais moedas, podemos elencar 10 exemplares datados da segunda metade do século I a.C., que indicam, devido à inscrição do anverso AED COL, o estatuto de colonia latina404 de Sagunto. No que tange à Antiguidade, é essencial recordar que era elevada a quantidade de analfabetos. Logo, este viés de propaganda – a moeda –, tornavase demasiadamente importante, uma vez que era um elemento que conseguia chegar a todos os rincões dos Impérios Antigos405. As moedas romano-saguntinas se encontram em complicado estado de conservação, por sua deterioração, mas fornecem indícios históricos essenciais para compreendermos os status que o território de Sagunto vivenciou sob a égide romana406. A partir dos estudos de Ripollès e Velaza, verificamos duas possibilidades de leituras sobre a figura presente no anverso. Segundo os autores, o anverso apresenta a forma de uma mulher, a qual podemos indicar como sendo uma imagem da deusa Roma, comum nos denários romanos. Outra possibilidade de leitura – que podemos construir se considerarmos o anverso e o reverso um texto único – reside na figura do anverso como sendo o deus Mercúrio. Nos reversos das moedas, detectamos a presença constante do caduceu, o que possibilitaria que, pela condição portuária e comercial de Sagunto, o anverso tivesse a referida divindade romana representada, formando assim um único significado na junção do reverso e do anverso. Independentemente de a figura ser o deus Mercúrio ou a deusa Roma, o importante a se perceber é que o símbolo

403

O conjunto de moedas possuem como o metal o bronze, sendo assim classificadas como Dupôndio(Dupondius) de ampla circulação nas áreas provinciais. 404

Ao empregar o estatuto de colonia em uma cidade, o que percebemos foi a implantação de práticas culturais romanas visando a adaptar os habitantes às novas exigências administrativas e sociais de Roma. Ibidem, p.10. 405

406

CARLAN, C. FUNARI, P. P. A . Moedas: A Numismática e o Estudo da História. São Paulo: Annablume, 2012, p. 66.

RIPOLLÈS, P. P.; VELAZA, J. Saguntum, colonia Latina. In: Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik, Bd. 141, 2002, p. 285-290.

116

presente no objeto provavelmente demarca a presença do poder de Roma no cotidiano local, assim como reflete o seu governo sob a região. A partir de uma comparação sistemática de nosso corpus numismático, elencamos elementos como a inscrição L. AEM [--]AE AED COL, os quais repetem-se por sete vezes, nas moedas catalogadas pelos nº 1, nº 2, nº 3, nº 6, nº 8 , nº 9 e nº 10, no anverso da moeda407. Para Ripollès e Velaza, tal conteúdo possivelmente faz alusão a Lucius Aemilius, que exerceu uma função na magistratura – possivelmente de edil – na segunda metade do século I a.C.. Além do que foi apontado, as inscrições AED COL do anverso indicam a posição que Sagunto passou a ocupar a partir de 56 a.C., como colonia latina. Para os autores, o referido território ibérico foi elevado à condição de colonia devido às redes políticas que envolviam a Hispania Citerior e Roma408. Um dos pressupostos que tomamos para sua elevação de estatuto jurídico seria a proximidade dos saguntinos com as medidas de Pompeu Magno, como pode ser visto em Cicero (Balbo, 51), o qual menciona que Pompeu concedeu a cidadania à proeminente família dos Fabios de Sagunto. A partir de Cícero, podemos pensar que os Fabios inseriam-se na condição de clientes de Pompeu, que é destacado como seu patrono. Os laços de clientelismo e patronagem se fundamentavam na fides (fidelidade), que deveria ser recíproca entre os envolvidos. Os direitos e deveres oriundos desta relação eram denominados de officium. Renata L. Biazotto Venturini409 frisou que as obrigações instituídas pelo officium poderiam assumir múltiplas formas no cotidiano dos romanos, ao ser evocado em momentos de conflitos civis ou na obtenção de privilégios políticos, por exemplo. Nesta lógica, fica possível compreender o embate entre saguntinos e cesarianos, na guerra civil romana (49-45 a.C.), que se encontra explícito no Bellum Hispaniense X, 1, de autoria incerta – por vezes atribuída a Júlio César. Na referida obra clássica, notamos a descrição de um conflito gerado entre um de seus oficiais, denominado de Arquetius, e os saguntinos, os quais defendiam seu alinhamento com os interesses de Pompeu, possivelmente por serem clientes dos benefícios deste.

407

Verificar a catalogação das moedas no apêndice de número II.

408

RIPOLLÈS, P. P.; VELAZA, J. Saguntum, colonia Latina. In: Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik, Bd. 141, 2002, p. 289-290. 409

VENTURINI, Renata López Biazotto. Amizade na Roma Imperial: Patronos e Poetas. Anais do V Congresso Internacional de História. Maringá: EdUEM, 2011, p.2.588.

117

Luis Amela Valverde410 aponta, via numismática, que o período de elevação do estatuto jurídico saguntino para colônia teria ocorrido entre os anos 50 e 30 a.C., pela datação de grande parte das moedas com tal inscrição. Além disso, nesse contexto das 10 peças analisadas, foi possível notar que, na maioria, há uma falta de menção ao nome greco-ibero Arse411. Cotejando tal informação em Ripollès e Velaza, percebemos que, provavelmente devido à integração com a dinâmica de poder romano, houve a supressão deste elemento identitário dos grupos greco-iberos, pela intensa assimilação político-cultural dos dirigentes locais, mantendo-se assim o toponímio Saguntum e assumindo seu alinhamento com Roma412. Ao recorrermos à documentação de cunho textual escrito, verificamos que Sagunto assumiu tal condição de colonia após a década de 50 a.C., pois, anteriormente, ocupava a condição de civita foederata, como podemos averiguar em Cícero, Pro Balbo, 23. De acordo com o classicista Joaquim Muniz Coello, a posição de cidade federada ofertava uma relativa autonomia frente ao governo provincial. Sagunto estava isenta do pagamento anual de tributos para a metrópole. Entretanto, possuía obrigações, como fornecer homens para as legiões e prestar serviços navais para a República quando necessário. Além disto, soma-se a função de ofertar abrigo aos militares, quando em atividade na região413. P. Ripollès e J. Velaza pontuam que a data de 56 a.C. foi o terminus post quem para a sua condição de cidade federada e passando à de colônia latina414. Um ponto que nos instiga em nosso corpus numismático é a presença, no reverso de todas as dez moedas, do caduceu e da proa de um navio. De acordo com Pierre Grimal 415, o caduceu, na sociedade romana, é um atributo do deus do comércio, Mercúrio. Ao associarmos o caduceu com a proa do navio, conjeturamos que a atividade comercial marítima era forte na região, devido a sua posição geográfica no litoral do Mediterrâneo, o que deixava Sagunto com fácil comunicação com as partes ao norte e ao sul da Península Ibérica416. O acesso para a chegada de produtos vindos de outras áreas do Mediterrâneo Romano, para posterior distribuição nas Hispanias, e a exportação da produção local poderiam também passar pela 410

VALVERDE, Luis Amela. Sagunto, Colonia. In: Revista ARSE, nº 45, 2011, p. 154.

411

A única moeda que possue o toponímio Arse é a de número 1 em nosso apêndice II.

412

RIPOLLÈS, P. P.; VELAZA, J. Saguntum, colonia Latina. In: Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik, Bd. 141, 2002, p. 289-290. 413

COELLO, Joaquim Muñiz. Aspectos sociales y económicos de Malaca romana. In: Habis, Nº 6, 1975, p. 242.

414

RIPOLLÈS, P. P.; VELAZA, J. Saguntum, colonia Latina. In: Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik, Bd. 141, 2002, p. 290-291. 415

GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p.306-7.

416

Vide mapa 4 desta dissertação.

118

localidade. De acordo com Carmen Aranegui Gascó417, havia, na região de Sagunto, um porto denominado Grau Vell. A pesquisadora argumenta que tal lugar apresentaria uma construção portuária anterior ao século III a.C., mas cujo desenvolvimento teria sido realizado posteriormente à Segunda Guerra Púnica, com a reconstrução da cidade pelos romanos. Segundo Gascó418, os estudos arqueológicos recentes na área do porto de Sagunto, em contraponto com vestígios oriundos da Península Itálica, possibilitaram perceber um número elevado de ânforas, as quais possivelmente eram utilizadas para transportar vinho. Ao cotejarmos os vestígios arqueológicos com a documentação textual escrita a partir de Plínio, o Velho (História Natural, IX, XXXV,160-161), notamos que Sagunto era a produtora dos vasos para transporte e consumo do vinho que produzia na Península Ibérica. Um fragmento de Marcial (Epigramas, IV, 46) destaca que a cerâmica saguntina para recepção de vinho era de má qualidade. A informação nos permite perceber que o objeto era de circulação pelo Mediterrâneo Romano. Outra menção oriunda do século II d.C. pode ser detectada nas correspondências de Plínio, o Jovem. Em seus escritos, o autor tenta persuadir Voconio Romano, proprietário de vinículas em Sagunto, a migrar seus negócios para a Península Itálica (Epístolas, IX e VII). Tendo em vista o exposto, foi possível notar que a região de Sagunto, entre os séculos I a.C. e II d.C., apresentou uma intensa atividade econômica. Os estatutos da cidade de colonia latina, ciuita foederata e municipium possivelmente foram importantes para a integração da região no circuito econômico. Além disso, sua posição geográfica privilegiada pode ser vista como um fator de atração para a ampliação dos interesses romanos no local.

3.3

O estatuto municipal de Sagunto e a inserção de seus munícipes na dinâmica

romana – um estudo de caso sobre o século I d.C.

No campo historiográfico, há um consenso de que o governo de César Augusto produziu modificações vitais nos estatutos jurídicos dos territórios adquiridos por Roma,

417

Vide GASCÓ, Carmen Aranegui. Sagunto y Roma, nas páginas 6-9. http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.ht ml?Ref=13142&portal=114. Acessado em: 16/08/2009. 418

Ibidem, p.10-1.

Disponível

em:

119

durante o processo de expansão iniciado no século III a.C.419 A assertiva dos autores se fundamenta no papel de Augusto como um elemento conciliador após as guerras civis romanas do século I a.C., firmando a proeminência da Domus Augusta. Segundo Le-Roux, a concentração da autoridade político-social na pessoa de um só homem – Augusto – assegurava a coesão de um vasto corpo imperial, cujos membros estavam em permanente ameaça de rebelião420. A partir de Le-Roux, e evocando os escritos de Julio Mangas, destacamos que havia o interesse do princeps Augusto no estabelecimento de uma proximidade entre as formas de organização social romana e o modelo das cidades implementadas ou reconstruídas nas áreas submetidas do Império Romano, para assim formularem a integração política. Tal pressuposto era partilhado tanto entre as colônias quanto entre os municípios do Alto Império421. Com pressuposto aproximado, Jonathan Edmondson frisa que a ação de Augusto tinha, por finalidade, a normatização do mosaico de cidades romanas, as quais, em alguns casos, possuíam receitas próprias, o que incluía impostos locais e terras arrendadas. A sistematização dos estatutos jurídicos das cidades se configura como elemento central para o governo romano de várias maneiras. Com a reformulação das categorias das cidades conquistadas, foi possível regular os pontos focais para a cobrança de impostos e para concessão da cidadania, e o acesso à magistratura para a administração e aplicação das leis 422. Logo, o princeps Augusto implantou um novo sistema administrativo alicerçado em um sistema hierárquico de funcionalismo, que dependia de enumerações, classificações, reformas fiscais, integração dos espaços e preocupação com decisões eficientes para, em seu conjunto, estabelecer o novo espírito do governo, dedicado à manutenção da ordem em Roma e nas suas províncias. Assim, as medidas de Augusto estavam voltadas para controlar, equilibrar e repartir os poderes locais, além de distribuir os benefícios por meio das ligações destas regiões submetidas com o poder central423. 419

ÁLAVA, Estíbaliz Ortiz de Urbina. Las comunidades hispanas y el derecho latino. Vitoria- Espanha: Servicio editorial de la Universidad del País Vasco, 2000; MANGAS, Julio.Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.15; EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 250-280. 420

LE ROUX, Patrick. Império Romano. Porto Alegre: L&PM, 2009, p.22; 29 e 30.

421

MANGAS, Julio.Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.52.

422

EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 254. 423

LE ROUX, Patrick. Império Romano. Porto Alegre: L&PM, 2009, p.29-30.

120

Uma das principais ações augustanas se situa no impulso à criação de municípios, ao longo das áreas submetidas, como um mecanismo de integração sócio-político e também de exploração econômica. No que tange ao município, qualquer cidade que recebia este estatuto deveria remodelar o seu centro urbano, para estar de acordo com a realidade romana em seus aspectos políticos, sociais e religiosos424. Logo, a presença de fóruns, de templos, das termas e dos cargos da magistratura eram elementos vitais para obtenção e manutenção do estatuto jurídico de município romano425. Assim, um município é uma comunidade que foi constituída – organizada – de uma forma determinada, não sendo somente um agrupamento de famílias que foram enviadas por uma metrópole. Os cidadãos que formam os municípios são os municipes426, cuja terminologia se refere à natureza política, social e econômica da comunidade. Para Gerardo Pereira-Menaut, um municipium tem suas atividades em torno dos seus cidadãos e deve se concentrar nos recursos dos próprios para o pleno funciomento da comunidade427. Com base nesta perspectiva de transformação sociojurídica, verificamos que Sagunto foi uma cidade que passou à condição de municipium civium romanorum, no final do século I a.C.. A argumentação fundamenta-se nos vestígios históricos presentes no campo epigráfico, os quais colocam os cidadãos de Sagunto na condição de municipes romanos, no período entre os anos 08 e 03 a.C.428. Ao cotejarmos esta informação com a documentação escrita de Plínio, o Velho (Hist. Nat. III, 3, 20), notamos que o autor faz alusão a Sagunto como um municipium civium romanorum429, no século I d.C.. Provavelmente, as modificações na arquitetura das cidades – como demonstramos no capítulo 2 – foram essenciais para a sua adequação à condição de município romano.

424

Idem.

425

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001,p.10.

426

Cidadão de uma cidade municipal. LEWIS, Charlton T.; SHORT, Charles. A Latin Dictionary. Oxford: Clarendon Press, 1958, p.1176. Segundo Álava, nas Hispanias, podemos denominar populus (pl. populi) o restante da população que não era detentora da ciues Romani, pois a nomenclatura se faz presente em documentações textuais escritas e epigráficas. ÁLAVA, Estíbaliz Ortiz de Urbina. Las comunidades hispanas y el derecho latino. Vitoria- Espanha: Servicio editorial de la Universidad del País Vasco, 2000, p. 31. 427

PEREIRA-MENAUT, Gerardo. Prólogo. In: ÁLAVA, Estíbaliz Ortiz de Urbina. Las comunidades hispanas y el derecho latino. Vitoria- Espanha: Servicio editorial de la Universidad del País Vasco, 2000, p. 12. 428

429

Ver apêndice I, na epígrafe de número 09.

Segundo Geza Alföldy e Josep Corell, os estudos etimológicos estabelecidos a partir dos escritos de Plínio, o Velho, e da documentação epigráfica denotam que o termo oppidum, que aparece recorrentemente na obra História Natural, equivale à terminologia municipium ao se referir ao estatuto das cidades das Hispanias. ALFÖLDY, Géza. Römisches Städtewesen auf der neukastilischen Hochebene. Ein Testfall für die Romaniserung. Heidelberg: Universitätsverlag Winte, 1987, p.92-3; CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002,p.19.

121

Figura 15 – Epígrafe honorífica inserida no fórum de Sagunto no século I a.C.430

Texto no Latim Augusto pontifici•max(imo) •imp(eratori) XĪĪĪĪ•co(n)s(uli) •XĪĪ•trib(unicia) Potest(ae) •XV•municipes Sagunini Texto Interpretado A Augusto, pontífice máximo, Aclamado imperador por quatorze vezes, Cônsul por doze vezes, quinze vezes ocupante do poder de tribuno, os munícipes saguntinos

Os cidadãos de cada município eram inscritos nas listas do censo e incluídos em uma das 35 tribus romanas. As colônias e municípios da Hispania, no período entre os séculos I a.C. e II d.C., tinham a sua população cidadã inscrita em duas tribos - as mais comuns foram a Galéria e a Sergia431. Logo, bastava mencionar a origo (origem) para conhecer a tribus (tribo) a que pertencia o cidadão. De acordo com D’ Encarnação, a identificação da tribo se encontra inserida depois da filiação de quem está sendo homenageado nas epígrafes, e de forma abreviada, como, por exemplo, Gal(eria). Para o autor, o registro é fundamental, pois um provincial, para concorrer à magistratura, necessitava constar como um cidadão inscrito em uma tribo. O registro também era um mecanismo importante para que um cidadão de outra região, ao migrar para outro local do império, viesse a ratificar sua cidadania. Somente após se inscrever na nova tribo é que o sujeito passava a ter acesso aos benefícios da localidade. Uma prática que não era comum no período de I a.C. a II d.C. era o registro de mulheres nas

430

Para Josep Corell, a epígrafe honorífica catalogada por nós como de número 09 evidencia a condição de município que Sagunto estaria vivenciando no final do século I a.C.. CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Vol.1. Valencia:Universidad de Valencia, 2002, p.78-9, nº:19. 431

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.50.

122

tribos romanas, mas isso não significa que não possa haver exceções, de acordo com D’ Encarnação432. Segundo o autor, a tribo Galéria, durante a República Tardia e o Principado, além dos primórdios do Alto Império, pode ser vista como um polo catalisador dos registros de concessão da cidadania na Antiga Ibéria433. A partir do exposto, conjeturamos que os cidadãos de Sagunto possuíam privilégios políticos e sociais por sua cidade dispor da condição de municipium civium romanorum, o que era comprovado por meio da inscrição de seus munícipes na tribo Galéria, pelos censores romanos. Os detentores da cidadania saguntina dispunham da legalidade para contrair laços matrimoniais (ius conubiis) e para negociar com os romanos sob a garantia de poder solicitar aos magistrados a proteção de seus atos contratuais (ius commercii). Podemos acrescentar o fato de os saguntinos terem a chance de migrar para Roma (ius migrandi), além de poder votar em comícios eleitorais (ius suffragii)434.

Logo, tais cidadãos possuíam a mesma

condição jurídica que os ciues Romani. Todavia, por pertencerem a uma localização diferenciada, eram encarregados de pagar as cargas coletivas, ou seja, munera. A partir do Alto Império, os munera passam a ser cobrados de forma mais intensa no contexto provincial, simbolizando os serviços prestados para o bom funcionamento da comunidade local. Os munera envolvem uma perspectiva ampla de prestações coletivas e benefícios para a localidade, chegando às funções cívicas que dispõem de reconhecimento e que são reservadas aos notáveis locais, honores435. O historiador Jonathan Edmondson destaca a participação dos cidadãos nos municípios e colônias romanas436. Segundo o autor, os impostos devidos a Roma por cada província – principalmente no Ocidente – eram coletados pelas elites locais de tais cidades, as quais se transformavam em elementos centrais no processo de administração e transferência dos recursos para os oficiais romanos responsáveis pelas finanças da província (por exemplo, os questores). D’ ENCARNAÇÃO, José. A menção da tribo nas epígrafes – Identificação e Territorialidade. In: Anas – 15/16, 20022003, p. 128-9. 432

D’ ENCARNAÇÃO, José. A epigrafia latina como instrumento didático (X). Boletim de Estudos Clássicos, n º 36, dezembro/2001, p.96. 433

434

ÁLAVA, Estíbaliz Ortiz de Urbina. Las comunidades hispanas y el derecho latino. Vitoria- Espanha: Servicio editorial de la Universidad del País Vasco, 2000, p.30-1. 435ÁLAVA,

Estíbaliz Ortiz de Urbina. Las comunidades hispanas y el derecho latino. Vitoria- Espanha: Servicio editorial de la Universidad del País Vasco, 2000, p.58-9. 436

EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 254.

123

Ocasionalmente, após a perda de colheitas ou outros problemas econômico-sociais, os cidadãos que atuavam como dirigentes locais poderiam assumir uma grande parcela da carga tributária de sua cidade, como uma forma de compensação para com Roma. Julio Mangas437 ressalta que as condições econômicas dos governantes das comunidades submetidas eram atributos importantes para ascender à magistratura, pois, em casos de crise administrativa, os mesmos deveriam contribuir economicamente com o governo romano. Tais medidas demonstravam o prestígio, assim como as responsabilidades, dos administradores oriundos das oligarquias locais, que obtinham a cidadania e o acesso à magistratura de seu território. A partir das considerações postuladas por Estíbaliz Ortiz de Urbina Alava, Jonathan Edmondson e Júlio Mangas sobre a atuação dos dirigentes locais nos municípios romanos, três questionamentos emergiram. Quem eram os dirigentes locais saguntinos? A quais famílias (gens) os mesmos pertenciam? Quais os papéis exerceram na magistratura e no sacerdócio local, como uma forma de integração com a política romana? Com o intuito de responder a estas questões, recorremos aos autores clássicos, como Políbio, Tito Lívio, Cícero, Plínio, o Velho, e Plínio, o Jovem. Contudo, as documentações textuais escritas apresentavam uma escassez de informações para a construção de um estudo sobre a elite local saguntina. Sendo assim, ao estabelecermos novas investigações mediante o uso da cultura material, nos foi possível ampliar nosso conhecimento histórico em torno dos governantes saguntinos. Para tanto, recorremos ao campo da Epigrafia438. Segundo José d’ Encarnação, a Epigrafia é uma área do saber que se dedica ao estudo das inscrições em materiais duros: pedra, metal e cerâmica, por exemplo. No entanto, pode haver outras variações. Seu foco de análises não se resume à mera decifração e descrição do texto, sendo uma das atividades do epigrafista a contextualização histórica das epígrafes439. Analisando os escritos do epigrafista português, verificamos que o estudo epigráfico abrange o domínio das inscrições que se remetem a elementos da religião, culto dos mortos, onomástica, legislação, monumentos importantes, personagens ilustres, vida econômica, cotidiano e, podemos inserir, os aspectos políticos440.

437

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001 ,p.50.

438

A catalogação das epígrafes se encontra no apêndice de número I. A metodologia de análise epigráfica foi desenvolvida para dar conta das informações presentes no referido documento. D’ ENCARNAÇÃO, José. Introdução ao Estudo da Epigrafia Latina. Cadernos de Arqueologia e Arte, nº: 01. Coimbra: Instituto Arqueologia e de História da Arte da Universidade Coimbra, 1979, p.07. 439

440

D’ ENCARNAÇÃO, José. Epigrafia: As Pedras que Falam. Coimbra: Ed. da Universidade de Coimbra, 2010, p.13.

124

Para José D’ Encarnação e Pierre Cabanes, os textos grafados apresentam um contexto histórico sobre o qual se necessita refletir,para que se possa problematizar as motivações daquele registro, a seleção do suporte, a inserção em um determinado modelo de monumento, a seleção de um estilo de palavras e a omissão de outras, bem como o espaço em que se encontravam alocadas de forma visível para a sociedade441. Logo, tais dados não podem ser ignorados, pois nos oferecem um leque amplo de evidências históricas. Imbuídos da perspectiva levantada por Encarnação e evocando os estudos do historiador francês Pierre Cabanes442, frisamos que a epigrafia auxilia-nos, nas pesquisas em História, a compreender determinadas medidas ou interações socioculturais, sobre as quais os textos escritos acabam silenciando, devido a fatores aos quais nem sempre podemos ter acesso. A historiadora Regina Maria da Cunha Bustamante complementa as informações anteriores ao destacar que, além do conteúdo das inscrições epigráficas, as mesmas fornecem ao pesquisador a possibilidade da verificação da datação do objeto443. Percebemos que, em muitos casos, as epígrafes denotam a dinâmica das cidades, desvelando os conflitos, acomodações e modificações históricas, através do estudo sistemático dos diferentes períodos e regimes políticos444. Segundo Peter Heather, a cultura escrita e as suas inscrições estavam intimamente ligadas ao exercício do poder em diversos níveis da sociedade romana. Logo, frisa o autor, a cultura escrita era um instrumento básico para o poder da máquina estatal do império, quer seja para o quisito fiscal ou para a administração dos territórios subjugados445. Através dos vestígios arqueológicos, podemos verificar hierarquias e sólidas relações de poderes tanto entre Roma e a província, quanto entre os magistrados e a elite local446.

CABANES, Pierre. Introdução à História da Antiguidade. Petrópolis: Ed. Vozes, 2009, p.77. D’ENCARNAÇÃO, José. Epigrafia: As Pedras que Falam. Coimbra: Ed. da Universidade de Coimbra, 2010, p.14. 441

442

CABANES, Pierre. Introdução à História da Antiguidade. Petrópolis: Ed. Vozes, 2009, p.77-8.

443

BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.109. 444

CABANES, Pierre. Introdução à História da Antiguidade. Petrópolis: Ed. Vozes, 2009, p.77-8

445

HEATHER, Peter. Cultura Escrita e Poder no Período Migratório. In: BOWMAN, Alan K.; WOOLF, Greg. Cultura Escrita no Mundo Antigo. São Paulo: Ed. Ática, 1998, p.221; 446

BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.123.

125

Para John Bodel e Gregory Rowe447, a utilização das epígrafes ganhou fôlego principalmente com a política de construções e reformulações urbanísticas promovidas pelo princeps Augusto a partir de 27 a.C., para disseminar a sua política de governo e intensificar as reformas pelas províncias. Rowe frisa que a maioria das inscrições era produzida em latim e tinha, como suporte, o mármore, bem como o bronze ou a liga de outros metais. Tal processo começou a difundir-se pelas próprias áreas provinciais, não sendo um fenômeno exclusivo de Roma. Gregory Rowe frisa que a epigrafia latina de âmbito público, ao contrário da grega, não ficava confinada ao espaço das cidades e santuários, pois havia os marcos que se encontravam inseridos nas estradas em forma de pilares redondos448. A partir dos apontamentos do autor, percebemos que o uso das epígrafes ratificava os elementos que integravam a romanidade, servindo como mecanismo de disseminação da cultura romana. As argumentações de Gregory Rowe endossam nossa perspectiva, pois o mesmo demarca que, nas províncias da área ocidental, as epígrafes foram amplamente difundidas como instrumento de poder que possibilitavam a integração das sociedades conquistadas449. Ao prosseguirmos em nossos estudos sobre a epigrafia latina, nos deparamos com os escritos de José D’Encarnação, que indica que as análises epigráficas romanas são elementoschave para a compreensão das formas de organização social da Hispania Romana, a qual é nosso objeto de interesse científico450. Com uma visão aproximada, o epigrafista Borja Díaz Ariño comenta que a aparição das epígrafes latinas nas Hispanias foi o resultado do domínio e exploração romana sobre os territórios hispanos. Para Ariño451, estudar as epígrafes latinas da Hispania significa estar atento ao contexto histórico e às transformações pelas quais o sistema político passou nos longos anos de controle territorial. Sendo assim, notamos que as referidas inscrições nos possibilitam problematizar o sistema político, religioso e social do Império Romano no Mediterrâneo Antigo, principalmente no caso de Sagunto452. BODEL, John. Epigraphy and the ancient history. In: BODEL, John (org.). Epigraphic Evidence – Ancient history from inscriptions. London and New York: Routledge, 2006, p. 7; ROWE, Gregory. Epigraphical Cultures of the Classical Mediterranean: Greek, Latin, and Beyond. In: ERSKINE, Andrew (org.). A Companion to Ancient History. Massachussets – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing Ltd., 2009, p. 27-8. 447

448

ROWE, Gregory. Epigraphical Cultures of the Classical Mediterranean: Greek, Latin, and Beyond. In: ERSKINE, Andrew (org.). A Companion to Ancient History. Massachussets – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing Ltd., 2009, p. 27-8. 449

450

Idem. D’ENCARNAÇÃO, José. Epigrafia: As Pedras que Falam. Coimbra: Ed. da Universidade de Coimbra, 2010, p.14.

ARIÑO, Borja Díaz. Epigrafía Latina Republicana de Hispania (Collección Instrumenta – 26). Barcelona: Publicacions Universitat de Barcelona, 2008, p.29. 451

D’ ENCARNAÇÃO, José. Introdução ao Estudo da Epigrafia Latina. Cadernos de Arqueologia e Arte, nº: 01. Coimbra: Instituto Arqueologia e de História da Arte da Universidade Coimbra, 1979, p. 5; BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. 452

126

A partir da catalogação estabelecida pelo epigrafista Josep Corell, percebemos no municipium saguntino um total de 542 inscrições epigráficas, as quais pertencem às seguintes categorias de inscrições: fúnebres, honoríficas, defixiones, domésticas, de caráter descontínuo e votivas453. Contudo, apesar da presença das 542 epígrafes, foi necessário estabelecer um recorte do material para a investigação histórica. Desta maneira, concordamos com Edward Said, quando o mesmo frisa que, ao iniciarmos uma pesquisa, devemos estar cientes do ato de delimitar o material que vai ser utilizado em nossos estudos454. Mediante os apontamentos de Said, percebemos que, a partir do processo de delimitação da pesquisa, torna-se possível compreender o contexto social de produção e as configurações de poder que constituem nosso objeto de estudo455. Em vista do exposto, selecionamos as inscrições honoríficas para a nossa análise e pesquisa. A motivação reside no fato de as referidas epígrafes se direcionarem a homenagem de uma pessoa proeminente na sociedade romana. Segundo Olli Salomies, as inscrições honoríficas em Roma e nas províncias imperiais representavam a ratificação do status dos altos dirigentes romanos. Através justamente desta documentação, podemos mapear, com maior riqueza de dados, os nomes e os cargos dos políticos e sacerdotes que integravam a dinâmica de poder de Roma456. Logo, por meio das inscrições honoríficas, podemos identificar as trajetórias políticas de um sujeito – ou até mesmo de sua família –, as atribuições religiosas, os status militares e os altos postos de comando, além dos ocupantes de cada posição do cursus honorum457. Mediante um estudo sistemático sobre a obra Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori)458, foi possível elencar 58 inscrições honoríficas saguntinas. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.) Repensando o Império Romano – Perspectiva Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauad: Vitória, Es:EDUFES,2006, p.110. 453

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I a - b. Ed: Universitat de València. Valência: 2002. 454

SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como uma invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.45

455

Ibidem, p 20.

D’ ENCARNAÇÃO, José. Introdução ao Estudo da Epigrafia Latina. Cadernos de Arqueologia e Arte, nº: 01. Coimbra: Instituto Arqueologia e de História da Arte da Universidade Coimbra, 1979, p.20-1;SALOMIES, Olli. Names and identities: onomastics and prosopography. In: BODEL, John (org.). Epigraphic Evidence – Ancient history from inscriptions. London and New York: Routledge, 2006, p.88. 456

SALOMIES, Olli. Names and identities: onomastics and prosopography. In: BODEL, John (org.). Epigraphic Evidence – Ancient history from inscriptions. London and New York: Routledge, 2006, p.88. 457

458

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I a - b. Ed: Universitat de València. Valência: 2002.

127

Destas, apenas dezenove são dedicadas a magistrados municipais e seus familiares. Contudo, como o nosso recorte centra-se nas que foram produzidas ao longo do século I d.C., detivemonos sobre 8 epígrafes459, as quais nos apresentam funções de magistrado e sacerdócio ocupadas pelos dirigentes saguntinos. Nossa seleção baseia-se na perspectiva de que a magistratura e o sacerdócio são pontos-chave na sociedade romana, quer seja na Urbs ou na província, pois são responsáveis pelas sustentações ideológicas460, as quais possibilitam o ordenamento e integração social. Deste modo, magistratura e sacerdócio romano eram agentes importantes na área provincial e constituem o que Edward Said 461 denomina de entidade cultural, definida como um elemento que demarca os hábitos culturais, os quais atuam no processo de formulação de identidades. As análises que vamos apresentar nesta parte da dissertação versam sobre a localização das epígrafes em Sagunto, assim como as gentes – famílias – que se encontram descritas nas mesmas. Desta forma, pretendemos evidenciar os grupos proeminentes que formavam a estrutura da magistratura e das funções religiosas no local. As oito epígrafes honoríficas oriundas do século I d.C. foram encontradas em regiões próximas ao centro urbano saguntino, incluindo o fórum, o entorno da Antiga Torre de Hércules, também situada nas proximidades do núcleo urbano de Sagunto, e as cercanias do templo de Diana462. Os topoi nos desvelam a importância dos homenageados, pois, de acordo com a historiadora Mireille Corbier, em Roma ou nas províncias, as epígrafes encontravam-se situadas em diversos pontos, mas foi nos espaços públicos que encontramos um maior número de registros463. Ampliando os apontamentos de Coribier, recorremos aos escritos de Pierre Cabanes464, pois o autor argumenta que uma das funções das epígrafes é a de publicizar um texto que possui uma intencionalidade, de forma universal e em um suporte duradouro. As inscrições honoríficas representam uma tentativa de manter, na memória, os feitos dos políticos. Assim, percebemos que a escrita possibilita a produção e a reprodução de 459

Ver apêndice I com as oito epígrafes honoríficas.

460

Edward Said nos possibilita compreender como sustentações ideológicas o conjunto complexo de normas e valores culturais que possuem como suas referências modelos prescritos pelas elites ou dirigentes metropolitanos visando ao ordenamento social. SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.40-2. 461

SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.31.

462

Ao analisarmos a figura 2, com a planta da cidade de Sagunto, notamos que o fórum corresponde ao item de número 5, a Torre de Hércules corresponde ao número 13 e as cercanias do templo de Diana, por estarem fora da região do centro urbano, ficam no sopé da Montanha do Castelo. Vide p.82. 463

CORBIER, Mireille. L'écriture dans l'espace public romain. In: L' Urbs : espace urbain et histoire (Ier siècle av. J.-C. IIIe siècle ap. J.-C.). Actes du colloque international de Rome (8-12 mai 1985). Rome: École Française de Rome, 1987, p.31. 464

CABANES, Pierre. Introdução à História da Antiguidade. Petrópolis: Ed. Vozes, 2009,p.76.

128

sentidos ao ser efetuada em determinado suporte, como no caso das epígrafes. A inscrição não pode ser vista como “pura”, pois se encontra envolta em diversos jogos de interesse em sua confecção e na sua decodificação pelo receptor. O literato Edward Said nos evidencia os cuidados que devemos ter com uma mensagem, pois o discurso que se encontra presente na mesma está atrelado a diversos interesses pessoais, os quais extrapolam uma simples finalidade de comunicação465. Logo, as inscrições ficavam inseridas em templos, fóruns, praças e edifícios públicos, como uma forma de dar acesso e visibilidade ao poder político das gentes locais, pois estes eram locais de circulação de um grande contingente de pessoas. Outro fator a ser pensado é que a dedicação das epígrafes nas áreas públicas de Sagunto não era um elemento feito sem aval do senado local. De acordo com Mirelle Corbier466, as epígrafes necessitavam passar por solicitações aos dirigentes locais, como também poderiam ser concedidas pelo próprio Senado, em Roma, ou nas províncias, pelo senado local. No caso de Sagunto, foi possível detectar nas epígrafes467 de número um, três, quatro e cinco que as dedicações foram publicizadas por decreto dos decuriões (inscrição na epígrafe D.D.), o que legitíma a epígrafe oficialmente468. Os referidos decuriões formavam uma instituição que simbolizava, nas áreas provinciais, o seu senado local, o qual pode ser denominado também de ordem dos decuriões469 (ordo decurionum), responsável por conceder a permissão para a utilização do espaço público470 para homenagear um sujeito, por exemplo. Aos decuriões também competia tomar qualquer tipo de decisão que afetasse a comunidade cívica, assim como eram responsáveis por fixar o calendário anual, determinar os gastos e os gestores dos rituais públicos, delimitar o volume e o caráter das obras públicas etc.471 Na visão de Júlio Mangas472, o número de decuriões variava de acordo com as cidades romanas. A dignidade de um decurião e do corpo de decuriões é algo essencial para a manutenção na credibilidade da referida instituição. Um quesito essencial para que um 465

SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como uma invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007,p.30.

466

CORBIER, Mireille. L'écriture dans l'espace public romain. In: L' Urbs : espace urbain et histoire (Ier siècle av. J.-C. IIIe siècle ap. J.-C.). Actes du colloque international de Rome (8-12 mai 1985). Rome: École Française de Rome, 1987, p.323. 467

Vide apêndice I com as inscrições epigráficas de número 1, 3, 4 e 5.

468

Contudo, é necessário frisar que, apesar das inscrições de número dois, seis, sete e oito não possuírem os decuriões como seus dedicantes, os mesmos eram responsáveis pela permissão para implantação destas nos espaços públicos; 469

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.48.

470

Ibidem, p.61.

471

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p. 46-8.

472

Idem.

129

cidadão se candidatasse à ordem dos decuriões era ter passado anteriormente pela magistratura local. Para Jonathan Edmondson473, o senado e a elite local constituíam o elo entre as comunidades e as autoridades provinciais romanas. A associação ao ordo conferia prestígio e posição política não apenas àqueles que serviam como decuriões, como também às suas famílias. Edmondson474 frisa que a associação foi, em grande medida, hereditária, como uma forma de as famílias mais ricas preservarem seus direitos e deveres no governo local. Contudo, havia a possibilidade de novas famílias se integrarem ao grupo, desde que aprovadas pelos antigos decuriões. Sendo assim, verificamos que, uma vez admitido no conselho dos decuriões, um cidadão permanecia no cargo por toda a vida, desde que não fosse removido por um comportamento impróprio, como era previsto nos capítulos 105, 123 e 124 da Lex Ursonensis475. Em suma, a partir do poder e dignidade que a ordem dos decuriões detinha nas comunidades provinciais, verificamos que a aprovação deles para que se fixasse uma epígrafe honorífica a um cidadão denotava que este deveria possuir grande prestígio político dentro da sociedade saguntina do século I d.C. As epígrafes honoríficas selecionadas formam um importante aparato para desvelarmos as gentes que desfrutavam da proeminência política ao longo do século I d.C.. Vamos analisar a gens como um termo que designa um clã romano, aplicável também aos itálicos e provinciais. As gentes são uma conceituação ampla que ainda pode ser definida como uma super família476. Tais grupos familiares de homens que integram uma mesma gens possuem como elemento identitário o nomen que indica a sua matriz familiar e, consequentemente, sua descendência de um ancestral comum. Em nossos estudos, focaremos

473

EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 272. 474

Idem.

475

A Lex Ursonensis foi promulgada no século I a.C. para a regulamentação da Colonia Iulia Genetiva em Osuna, na Hispania Ulterior. Para Julio Mangas e Jörg Rüpke, a Lex Ursonensis é uma base para se compreender as normatizações que possivelmente regiam a organização das colônias e dos próprios municípios romanos nas áreas provinciais das Hispanias que não possuem vestígios de sua Lex de fundação. No caso de Sagunto, a Lex Ursonensis poderia ser pensada como aplicável, pois a cidade ocupou o estatuto de colonia latina no século I a.C.. Desta forma, as normatizações oriundas de Roma para Sagunto poderiam apresentar similaridades com o conteúdo da Lex Ursonensis. Todavia, não temos uma Lex de fundação ou normatização que seja propriamente saguntina. MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.32; RÜPKE, Jörg. Urban religion and imperial expansion: Priesthoods in the lex Ursonensis.In: BLOIS, Lukas de; FUNKE, Peter; HAHN, Johannes. The impact of imperial Rome on religions, ritual and religious life in the Roman Empire.Leiden-Boston: Brill, 2006, p.14-5. No que tange ao conteúdo da Lex Ursonensis ver: JOHNSON, Allan Chester, COLEMAN-NORTON, Paul Robinson, BOURNE, Frank Card; PHARR, Clyde Pharr (ed.). Ancient Roman statutes: translation, with introduction, commentary, glossary and index. Austin: University of Texas Press, 1961, p. 97-104. 476

A concepção sobre as gentes foi elaborada a partir dos escritos de RADIN, Max. Gens, Familia, Stirps. Classical Philology, vol. 9, nº. 3, jul. 1914, p. 235-247.

130

nos segmentos considerados, no século I d.C., como aristocráticos, ou seja, o pequeno grupo detentor dos poderes e privilégios locais no município de Sagunto. Conforme o exposto, valemo-nos de estudos sobre os nomen ou gentilícios477 para conhecer as gentes que tinham acesso ao poder municipal de Sagunto. Assim, podemos elencar a presença478 das gentes Baebia (Baebius), Fabia (Fabius), Licinia (Licinius), Calpurnia (Calpurnius), Varvia (Varvius) e Voconia (Voconius). Para Ricardo GonzalezVillaescusa479, as documentações epigráficas, monumentais e a numismática denotam que, entre os séculos I a.C. e I d.C., as famílias dos Baebii, Fabii e os Calpurnii, por exemplo, foram as mais influentes de Sagunto, o que endossa a perspectiva evidenciada por nosso corpus epigráfico. Nas epígrafes de números dois e três do nosso apêndice, podemos detectar as inscrições honoríficas para a gens Baebia. Segundo W. Schulze, a gens Baebia era de origem itálica ou possivelmente etrusca, “paipnas/pepnas” (de Tarquinii), muito difusa não somente na Etruria como também no Latium (Roma) e na Campânia480. De acordo com as filólogas Amparo Moreno Gascó e Amparo Moreno Valero481, a família Baebia era descendent do senador romano Q. Baebius Tamphilus. Tal aristocrata esteve envolvido com a embaixada romana enviada para solicitar o fim dos ataques à cidade de Sagunto, onde Aníbal estava promovendo a Segunda Guerra Púnica, como podemos averiguar em Tito Lívio:

Se impôs este critério, que parecia o mais seguro, e por isso se efetuou com maior prontidão o envio dos embaixadores Publio Valerio Flaco e Quinto Baebio Tânfilo a Sagunto a ver a Aníbal e depois, caso contrário ele não viesse a desistir da guerra, seria exigido a Cartago a entrega do próprio general como uma sanção pela ruputra do Tratado que foi estabelecido entre Roma e Cartago (História de Roma, XXI, 6).

477

D’ ENCARNAÇÃO, José. Epigrafia: As Pedras que Falam. Coimbra: Ed. da Universidade de Coimbra, 2010, p.83.

478

Consultar o apêndice I com as análises epigráficas de número um a oito. Salientamos a presença de outras cinquenta e oito inscrições com diferentes classificações, catalogadas por Josep Corell, como as de números: 8, 21, 45, 46, 55, 56, 58, 68, 80, 105, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120,121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134,135, 136, 137, 138, 157, 202, 330, 334, 354, 358, 363, 373, 410, 416, 426, 427, 451, 452, 457, 493, 507, 516, 520 e 525. CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I b. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 714-5. 479

GONZALEZ-VILLAESCUSA Ricardo. Bonificación de zonas palustres en el ager saguntinus, in: Catastros, hábitats y vía romana, programa INTERREG III B de la Unión Europea : Las Vías Romanas en el Mediterráneo, Generalitat Valenciana, Valencia 2006, p.239. 480

481

SCHULZE, W. Zur Geschichte lateinischer Eigennamen. Berlin/Zürich/Dublin: Weidmann, 1966, p.133.

GASCÓ, Charo Marco; VALERO, Amparo Moreno. Domus Baebia Saguntina. Revista Arse, nº: 42, Sagunto/Espanha, 2008, p. 248.

131

Segundo Gascó e Valero, há duas possibilidades para a origem de tal gens na Hispania. A primeira hipótese é baseada no estatuto de cidadão romano, que uma determinada família aristocrática de Sagunto possivelmente veio a receber, por intermédio de Quinto Baebio Tânfilo, passando a ter o seu nome associado a ele. A segunda hipótese é de que os Baebios saguntinos descendem do referido senador e, assim, adotaram para si o nomen do aristocrata. A perspectiva das filólogas cotadas se aproxima dos estudos de W. Schulze, que indica a inserção da gens Baebia em Sagunto, ainda no período Republicano482. Para Gasco e Valero, há mais de setenta membros da família Baebio nas inscrições saguntinas e nas epígrafes das cidades que se encontravam ao redor de Sagunto483. Gascó Valero484 frisaram ainda que os primeiros membros da família Baebia que obtiveram proeminência política e social em Sagunto foram os irmãos gêmeos Cneus Bebios, filhos de Cneu, da tribo Galéria. As pesquisadoras nos indicam que tais magistrados foram os responsáveis pela reformulação do forum de Sagunto e suas ações são datadas, pelo campo epigráfico, como pertencentes à primeira metade do século I d.C.. O epigrafista Josep Corell485 explica que os vestígios que integram tal menção aos Baebios se encontravam fragmentados na Montanha do Castelo e passaram por um processo de reorganização dos blocos de pedra, para os epigrafistas construírem uma possibilidade de leitura sobre a inscrição. Na figura de número 16, podemos materializar a presença dos Baebios por meio de uma construção no fórum saguntino:

482

SCHULZE, W. Zur Geschichte lateinischer Eigennamen. Berlin/Zürich/Dublin: Weidmann, 1966, p.133.

483

GASCÓ, Charo Marco; VALERO, Amparo Moreno. Domus Baebia Saguntina. Revista Arse, nº: 42, Sagunto/Espanha, 2008, p. 248. 484

485

Ibidem, p.249.

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I a. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p.163-72.

132

Figura 16– Inscrição monumental oriunda do fórum de Sagunto486

Texto original: Cn(aeus)•Baebius•Cn(aei)•f(ilius)•G[al(eria tribus)•Ge]mini[u]s•testam[ento• Cn(aei)•Baebi•Cn(aei)•f(ili)•Gal(éria tribu)•Gemi]ni•Fra[tris]•foru[m•fec(it)] Interpretação: Cneus Baebios Gêmeos, filhos de Cneu, da tribo Galéria, de acordo com o testamento de Cneu Baebio Gêmeo, filho de Cneu, da tribo Galéria, o seu irmão vai reconstruir o forum.

Os gastos da família Babebia no processo de reconstrução do fórum municipal de Sagunto não devem ser vistos como uma simples doação. O financiamento de obras arquitetônicas denotava o prestígio político e o poder econômico dos Babebia no município saguntino. De acordo com Charo M. Gascó e Amparo Valero487, a gens Baebia dispunha de uma acentuada riqueza com a qual conseguia manter uma ampla clientela e realizar investimentos na ciuita de Sagunto, como o caso do fórum. As filólogas488, ao analisar as inscrições encontradas em Sagunto de outras temporalidades, como o século II e III d.C., pontuam que a família Baebia possuía uma rede de relações de amizade e parentesco com outras gentes saguntinas influentes. Por exemplo, citamos os Aemilli, os Cornelius e os Fabii.

486

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I a. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p.171. Averiguar apêndice de análise epigráfica I, no número 10. 487

GASCÓ, Charo Marco; VALERO, Amparo Moreno. Domus Baebia Saguntina. Revista Arse, nº: 42, Sagunto/Espanha, 2008, p. 248-9 488

Ibidem, p. 248.

133

Outra família proeminente do município de Sagunto foi a gens Fabia. Verificamos menções aos mesmos nas epígrafes de números um e quatro, ambas inseridas na área do fórum romano489. A localização, como já destacado, evidencia o prestígio político que os Fabii possuíam em Sagunto. Segundo Schulze490, a gens Fabia era de origem itálica “papi” ou ainda, coincidentemente, da forma Etrusca “fapi” (de Clusium). Também foi extremamente difundido na Etruria e, principalmente, no Latium (Roma) e na Itália Centro-Meridional (Campânia). Em Roma, o poder da gens Fabia era amplo, pois notamos que a mesma integrou a formação das dezesseis tribus rusticae mais antigas da República491. A partir dos escritos de Alicia Maria Canto492, percebemos que os Fabii possuíam uma influência política em diversas regiões da Hispania, como na Bética – antiga parte integrante da Hispania Ulterior. Assim, não limitavam sua zona de atuação ao território saguntino. Ao recorrermos às obras de Marco T. Cícero, podemos elencar, em Pro Balbo 51, que a gens Fabia de Sagunto obteve a cidadania de Pompeu no século I a.C.. De acordo com P. Ripollès e J. Velaza, no artigo Saguntum, colonia Latina493 (2002), ainda é possível recuarmos a perspectiva da concessão da cidadania para Quinto Fabio a partir de Quinto Metelo Pío, durante o conflito sertoriano (82-72 a.C.) se nos valermos dos escritos de Cicero na passagem 50, do Pro Balbo. Luis Amela Valverde494 revela que, possivelmente, o nomen que os Fabii de Sagunto possuíam deveria remeter ao seu patrono romano e que os mesmos assumiram-no anteriormente ao processo de concessão da cidadania, por seu clientelismo à gens Fabia de Roma. Todavia, notamos, como ponto crítico na abordagem do autor, a falta de um maior aprofundamento em suas análises sobre os Fabios. Em virtude dos apontamentos realizados, é necessário frisar que não encontramos – até o momento – outras informações historiográficas mais amplas sobre a historicidade da gens Fabia de Sagunto. 489

Consultar o apêndice I com as análises epigráficas honoríficas de número um e quatro. Destacamos a presença de outras trinta e uma inscrições com diferentes classificações, catalogadas por Josep Corell como as de número 6, 9, 52, 62, 73, 82, 97, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 179, 219, 329, 339, 340, 354, 355, 365, 404, 415, 515, 518 e 541. CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I b. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 716. 490

SCHULZE, W. Zur Geschichte lateinischer Eigennamen. Berlin/Zürich/Dublin: Weidmann, 1966, p.162.

491

CANTO, Alicia Maria. Una familia Betica. Los Fabii Fabiani. Habis, nº 9, 1978, p. 295;

492

Ibidem,p. 294.

493

RIPOLLÈS, P. P.; VELAZA, J. Saguntum, colonia Latina. In: Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik, Bd. 141, 2002, p. 289. 494

VALVERDE, Luis Amela. El nomen Pompeivs en Hispania:algunos aspectos críticos. EMERITA. Revista de Lingüística y Filología Clásica (EM) –– LXIX 2, 2001 p. 257.

134

A terceira gens que podemos destacar, contida na epígrafe495 de número cinco, são os Licinii. A família Licinia (Licinius) foi descrita por W. Schulze496 como possivelmente pertencente ao grupo de gentilícios formados pelo sufixo “-inius” da língua latina, embora a raiz “Lyk-“ (Grego Lýke = luz ou Lýkos = lobo, loba) possa conduzir-nos a um substrato comum do Indo-Europeu. Outros preferem associar tal gentilício ao etrusco “lecne” (etnia não Indo-Europeia), embora não haja dúvidas de que, de qualquer modo, provenha da Península Itálica. Os arqueólogos Piero Berni, César C. Monfort e Oriol Olesti497 nos indicam que a gens Licinia obteve uma forte atuação no nordeste peninsular da Hispania, o que se evidencia pelos achados arqueológicos. Os pesquisadores pontuam a presença de pelo menos 305 testemunhos documentais oriundos da antiga região da Hispania Tarraconense. Por meio de inscrições presentes no IRC (Inscriptiones Romaines de Catalogne) e no CIL (Corpus Inscriptionum Latinarum), verificamos que Berni, Monfort e Olesti ressaltam a participação da família Licinia nas Hispanias desde o século I a.C.498 Em Sagunto, podemos apontar a localização de sua epígrafe nas proximidades do fórum municipal, demonstrando assim uma representatividade nas funções políticas do município, ao longo do século I d.C. Contudo, frisamos que há uma acentuada escassez de material historiográfico sobre as atividades da gens Licinia na região de Sagunto. No que tange à gens Varvia (Varvius), notamos sua atuação por meio da epígrafe de número seis499. Os Varvii seguramente são de origem itálica, mais precisamente originária do Osco “Vaarviis”, difuso na Itália Centro-Meridional, na visão de W. Schulze500. Consequentemente, Schulze501 ressalta que os mesmos foram levados a Sagunto por 495

Consultar o apêndice I com as análises epigráficas honoríficas de número cinco. Frisamos a presença de outras dez inscrições com diferentes classificações, catalogadas por Josep Corell como de números 66, 75, 188, 189, 190, 191, 326, 376, 470 e 538. CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I b. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 717. 496

SCHULZE, W. Zur Geschichte lateinischer Eigennamen. Berlin/Zürich/Dublin: Weidmann, 1966, p. 108; 142; 191.

497

BERNI, Piero; MONFORT, CÉSAR CARRERAS; OLESTI,Oriol. La gens Licinia y el nordeste peninsular. Una aproximación al estudio de las formas de propiedad y de gestión de un rico patrimonio familiar. Archivo Español de Arqueología, Vol 78, nº 191-192, 2005, pp.168. 498

Ver informações sobre a gens Liciniaem Inscriptiones Romaines de Catalogne: IRC.IV.62;I.36, I.62;I.73. Outra consulta é recomendada ao Corpus Inscriptionum Latinarum: CIL2 11.4282. 499

Consultar o apêndice I com as análises epigráficas honoríficas de número seis. Frisamos a presença de outras sete inscrições com diferentes classificações, catalogadas por Josep Corell como de números 68, 120, 221, 222, 418, 461 e 479. CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I b. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 719. 500

501

SCHULZE, W. Zur Geschichte lateinischer Eigennamen. Berlin/Zürich/Dublin: Weidmann, 1966, p. 86. Idem.

135

imigrantes da Península Itálica, no processo de migração que se desencadeou ao longo dos séculos II e I a.C. Até o momento, foi possível detectarmos que há uma escassez de informações historiográficas também sobre a gens Varvia na região de Sagunto. Todavia, ressaltamos que a homenagem ao seu integrante ficava no interior do fórum saguntino, o que demarca o prestígio do sujeito como político, no século I d.C.. Na epígrafe honorífica502 de número sete, notamos uma homenagem a um membro da gens Voconia (Voconius). Para Schulze503, a gens é quase certamente de origem etrusca (“vecu”, em Clusium), assim como todos os nomes iniciados em “Vol-, Vel-”, etc. Não obstante, além da região da Etrúria, o gentilício difundiu-se em todas as regiões da Península Itálica, com o emprego do sufixo latino “-ius”. Sua epígrafe fica situada fora do núcleo urbano de Sagunto, mas nas proximidades do templo da deusa Diana, o que nos possibilita pensar em sua relação com a esfera religiosa local e um grau considerável de importância dentro do contexto político de época. Outra menção oriunda do século II d.C. pode ser detectada nas correspondências de Plínio, o Jovem. Em seus escritos, o autor clássico tenta persuadir um Voconio Romano, proprietário de vinículas em Sagunto, a migrar seus negócios para a Península Itálica (Epístolas, IX e VII). A última epígrafe504, a de número oito, nos possibilita evidenciar a presença do nomen Calpurnia. Ao evocarmos os escritos de W. Schulze505, verificamos que tal família seria de matriz itálica ou proveniente do etrusco “calpurn-“, devido ao sufixo “-urn-”. Contudo, o autor nos relembra que não podemos negar a existência do nome grego “Kálpos”, o qual se assemelha ao cognomen latino “Calpus”. Por isso, de qualquer modo, é um substrato comum, mas seguramente de origem Peninsular Itálica, o que se evidencia também pelo uso do sufixo latino “-ius”. De acordo com Juana Rodríguez Cortés, na Hispania Tarraconense e na região da Bética, diversos são os testemunhos sobre as redes de influências dos Calpurnii. Na ciuitas de Hispalis, os mesmos monopolizavam a vida política e econômica do local. Cortés revela que a 502

Consultar o apêndice I com as análises epigráficas honoríficas de número sete. Frisamos a presença de outras três inscrições com diferentes classificações, catalogadas por Josep Corell como de números 70, 71 e 223. CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I b. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 719. 503

SCHULZE, W. Zur Geschichte lateinischer Eigennamen. Berlin/Zürich/Dublin: Weidmann, 1966, p. 250, 381 e 477;

504

Consultar o apêndice I com as análises epigráficas honoríficas de número oito. Frisamos a presença de outras onze inscrições com diferentes classificações, catalogadas por Josep Corell como de números 142, 143, 144, 206, 322, 335, 405, 470, 483, 485 e 532. CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I b. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, p. 715. 505

SCHULZE, W. Zur Geschichte lateinischer Eigennamen. Berlin/Zürich/Dublin: Weidmann, 1966, p.138.

136

preponderância da família Calpurnia estava nos seus laços com os senadores e imperadores de Roma506. A autora prossegue pontuando que, devido às suas configurações de poder, os Calpurnii ocuparam os cargos políticos e religiosos de maior proeminência, tanto em Roma quanto nas ciuitates hispânicas em que tinham influência. Cotejando informações em Rosario Rovia Guardiola507, podemos demarcar que a proeminência dos Calpurnii se dinfundiu entre as Hispanias devido à sua forte atuação na área comercial, assim como também ocorreu da Hispania para com Roma. As argumentações da autora são endossadas pela proximidade com o núcleo urbano de Sagunto na qual a inscrição foi fixada, além de sua proximidade com a Torre de Hércules, local de trânsito constante de pessoas no antigo município saguntino. Em suma, o estudo prosopográfico508 das gentes saguntinas nos possibilita analisar a inserção de Sagunto no processo de controle e preservação imperialista das áreas adquiridas. Por exemplo, o que verificamos em Sagunto foi um processo de cooptação local que, possivelmente, vinha se configurando desde a República Romana Tardia. A afirmativa consiste no fato das relações de clientelismo que as gens locais possuíam com Roma. Além disso, os nomina e cognomina da maioria das epígrafes honoríficas analisadas por nós e as outras que foram catalogadas por Josep Corell apresentam uma escassez de nomenclaturas que materializem a presença do elemento nativo. Sendo assim, concluímos que a maioria dos gentilícios nos indicam que a aristocracia local saguntina era composta, nos séculos I d.C. e II d.C., por famílias romanas ou que provavelmente se assimilaram a estas durante a integração romana com Sagunto. Logo, seja como produtos de uma imbricação cultural ou oriundos de uma leva de imigrantes itálico-romanos, as oligarquias municipais podem ser pensadas como a argamassa que mantém o poder imperial de Roma atuante nas áreas provinciais, possibilitando assim o acesso à captação de recursos e a permanência da ordem social local.

506

CORTÉS, Juana Rodríguez. Aspectos sociales de la religion romana en el area del Guadalquivir. Studia histórica Historia Antigua, nº:2-3, 1984-1985, p. 185-188. 507

GUARDIOLA, Rosario Rovira. El archivo sulpicio y los tituli Picti ß: Circulación de comerciantes en el Mediterraneo. Acta XII congressvs internationalis epigraphiae graecae et latinae. Barcelona, 2007, p. 1.267. 508

A partir dos escritos da historiadora Tania Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira, foi possível ver as aplicabilidades do método prosopográfico no campo da História. Segundo a autora, a prosopografia nos possibilita selecionar o conjunto de pessoas que vamos estudar e, a partir deste recorte, nos coloca questões sobre o perfil e atuação do referido grupo, seu processo de formação, suas relações sociais, econômicas, políticas e religiosas, por exemplo. Logo, frisamos que, no âmbito das oligarquias locais do império romano, as análises prosopográficas são um elemento-chave para compreendermos as alianças e resistências para com Roma. FERREIRA, Tania Maria Tavares Bessone da Cruz. História e prosopografia. Anais do Encontro Regional de História – ANPUH-RJ, 2002, p.2.

137

3.3.1 Revisitando a magistratura local saguntina do século I d.C.

Ao tecermos as análises sobre as principais gentes que foram evidenciadas no século I d.C. por meio das epígrafes honoríficas, em diversos momentos mencionamos sua ação junto aos meios político e religioso da localidade. Nesta parte do capítulo, vamos discorrer sobre as magistraturas locais e destacar, por meio dos estudos epigráficos, em quais cargos cada gens exerceu sua atividade política. O mapeamento das gentes e da magistratura local nas epígrafes possibilita-nos verificar o grau de inserção saguntino no modelo romano administrativo. A política em Roma e nas áreas provinciais pode ser evidenciada de forma palpável pelo próprio acesso e execução da magistratura. A carreira de magistrado também pode ser vista como um estatuto que confere áreas de influência, poder e dignidade aos seus ocupantes509. Tais atribuições são fundamentais para aquisição dos privilégios em uma sociedade timocrática e hierarquizada como a romana. Logo, o sistema político-administrativo romano estava altamente vinculado ao seu corpo de magistrados 510, pois eles eram uns dos principais responsáveis pela condução das finanças, da ordem social, econômica e política da Urbs. Seus primórdios remetem aos primeiros anos da República e, para ocuparem os cargos, os magistrados eram eleitos de forma anual. Porém, com o passar dos tempos, a durabilidade do mandato foi se adequando às novas especificidades políticas511. Verificamos que, posteriormente, a magistratura foi inserida nas províncias mediterrâneas para a organização e manutenção do controle romano. A perspectiva que levantamos pode ser ratificada por Claude Nicolet, ao mencionar que a esfera política é o elemento que possibilita modelar e organizar a vida social512. A eleição dos magistrados se dava a partir de votações realizadas por aqueles que detinham a cidadania romana com direito ao voto. Entretanto, outro quesito essencial que o candidato deveria possuir para pleitear a 509

NICOLET, Claude. O cidadão e o político. In: GIARDINA, André [et. al.]. O homem romano. Lisboa: Editorial Presença, 1992, p. 45. 510

Compreendemos como magistratura o cargo público exercido de forma gratuita em nome e representação do povo romano ou comunidade local na área provincial. O mesmo foi ocupado via eleição com base na aprovação de outros cidadãos com poder de voto. A função de um sujeito na magistratura, geralmente, era limitada a um período determinado, o qual poderia ser revogado se houvesse problemas com a sua gestão. Havia possibilidades de a magistratura ser ocupada de forma vitalícia em alguns casos, como nas províncias. EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 250-280; JONES, Peter. The World of Rome.Cambridge: University of Cambridge Press, 1997, p.10; MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001; NICOLET, Claude. O cidadão e o político. In: GIARDINA, André [et. al.]. O homem romano. Lisboa: Editorial Presença, 1992, p.19-48. 511

512

JONES, Peter. The World of Rome.Cambridge: University of Cambridge Press, 1997, p.10.

NICOLET, Claude. O cidadão e o político. In: GIARDINA, André [et. al.]. O homem romano. Lisboa: Editorial Presença, 1992, p. 45.

138

magistratura era uma renda que o possibilitassese manter no cargo e contribuir com determinadas ações que a sua função lhe impunha513. Mediante nossas leituras, verificamos a importância da cidadania completa para o acesso à magistratura na área provincial, como também para atuar nos comícios eleitorais com ius suffragii. Logo, o acesso à magistratura e o voto são importantes aparatos para a integração política das áreas submetidas com a esfera de poder romano. Assim, podemos indicar que, ao concedere o direito latino, articulavam-se redes de alianças para a preservação do poder de Roma e dos governantes locais no território. No caso das gentes Baebia, Fabia, Licinia, Calpurnia,Varvia e Voconia, foi possível averiguar que seus membros presentes nas inscrições honoríficas eram cidadãos com acesso à magistratura local ordinária permanente514 no município de Sagunto, no século I d.C.. Julio Mangas515 pontua que, em semelhança ao colegiado das magistraturas romanas, as cidades privilegiadas que se encontravam consolidadas poderiam dispor, em seu corpo de magistrados, de dois duunviros (II uiri), às vezes de dois questores (quaestores) e dois edis (aediles). Ampliando os estudos de Julio Mangas, recorremos a Perez Zurita, que revela que no interior da magistratura local haveria níveis distintos nas funções ocupadas, e que os aedilis (sing.: aedil) ocupavam o grau mais baixo do cursus honorum municipal, se comparados à maior ordines, que era a dos duumviros516. A idade mínima para ocupar as referidas magistraturas permanece como um tema de amplo debate. Entretanto, Antonio Perez Zurita517 demarca que, após o principado de César Augusto, nenhuma função provincial poderia ser executada por menores de vinte e cinco anos, tomando por base a Lex Malacitana LIV, promulgada por Augusto. D’ENCARNAÇÃO, José. Epigrafia: As Pedras que Falam. Coimbra: Ed. da Universidade de Coimbra, 2010, p.109-10; EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 257-9. 513

514

No viés italiano do direito romano, podemos considerar, como magistraturas permanentes, o consulado, a questura, a pretura e a edilidade. MARQUES, Ana Carolina Marinho. Direito romano: a magistratura no período republicano. Parlatorium –Revista eletrônica da FAMINAS/BH, Nº 01, 2009, p.01-12. 515

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p. 32-3.

516

PÉREZ ZURITA, Antonio David. La edilidad y las elites locales en la Hispania Romana: proyección de una magistratura de Roma a la administración municipal. Córdoba: Servicio de Publicaciones, Universidad de Córdoba; Sevilla: Secretariado de Publicaciones, Universidade de Sevilla, 2011, p.16-7. EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 257-9. 517

BISPHAM, Edward; HARRISON, Thomas; SPARKES, Brian. The Edinburgh Companion to Ancient Greece and Rome. Edinburgh – UK: Edinburgh University Press, 2006,p.456. D’ENCARNAÇÃO, José. Epigrafia: As Pedras que Falam. Coimbra: Ed. da Universidade de Coimbra, 2010, pp.109-10; PÉREZ ZURITA, Antonio David. La edilidad y las elites locales en la Hispania Romana: proyección de una magistratura de Roma a la administración municipal. Córdoba: Servicio de Publicaciones, Universidad de Córdoba; Sevilla: Secretariado de Publicaciones, Universidade de Sevilla, 2011, p.255;

139

Ao cotejarmos os escritos de Mangas e Zurita com nosso corpus epigráfico, verificamos que tal abordagem é aplicável a Sagunto, pois, das oito epígrafes analisadas, há menções somente aos cargos de edil, questor e duunviro. Pelas epígrafes, foi possível notar que os edis são a magistratura de maior recorrência no corpus documental518. Segundo Pérez Zurita519, o termo edil deriva do latim aedil, o que demonstra uma estreita relação com o sagrado. Na perspectiva de Pérez Zurita, aedil se vincula a aedes, os quais eram guardiões dos templos de Ceres, Líber e Libera em Roma. Além do apontado, o autor prossegue argumentando que uma das competências dos edis, durante a República e o Alto Império de Roma, era a organização das cerimônias religiosas previstas no calendário romano520. Perez Zurita521 indica que as funções dos edis eram chaves para o ordenamento da sociedade, pois os mesmos deveriam fiscalizar e ordenar as construções públicas e os trabalhadores utilizados na empreitada, além de fiscalizar os templos, o teatro, os aquedutos, as obras privadas, as provisões etc.. As gentes saguntinas que passaram por tal magistratura foram as dos Baebios, dos Licinios, dos Varvios, dos Voconios e dos Calpurnios. Todavia, ao cotejarmos as informações sobre os Fabios nas outras inscrições catalogadas por Josep Corell522, verificamos que estes não integraram a edilidade saguntina ao longo da primeira metade do século I d.C.. Outra magistratura detectada nas epígrafes honoríficas523 foi a questura. Julio Mangas indica que este cargo se encontrava como intermediário entre a edilidade e a função de duumviro. Mangas524 sinaliza que o cargo de questor não tenha sido frequente no âmbito da magistratura provincial, tanto no período republicano quanto no do Alto Império. O autor argumenta525 que caberia, aos questores, as operações com fundos públicos dos municípios, mediante designações dos duunviros. Peter Jones complementa as informações ao frisar que 518

Consultar o apêndice I com as análises epigráficas honoríficas nas epígrafes: 2, 3, 5, 6, 7 e 8.

519

PÉREZ ZURITA, Antonio David. La edilidad y las elites locales en la Hispania Romana: proyección de una magistratura de Roma a la administración municipal. Córdoba: Servicio de Publicaciones, Universidad de Córdoba; Sevilla: Secretariado de Publicaciones, Universidade de Sevilla, 2011, p.27-8;33-4. 520

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.78-9.

521

PÉREZ ZURITA, Antonio David. La edilidad y las elites locales en la Hispania Romana: proyección de una magistratura de Roma a la administración municipal. Córdoba: Servicio de Publicaciones, Universidad de Córdoba; Sevilla: Secretariado de Publicaciones, Universidade de Sevilla, 2011, p.33-84. 522

CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I a. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, nº62, p.141. 523

Consultar o apêndice I com a análise epigráfica honorífica, na epígrafe 7.

524

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.40-1.

525

Ibidem, p.40-1.

140

os questores eram magistrados que, normalmente, não detinham o poder de imperium. Além disso, sua função também se encontrava associada, em algumas regiões, à transcrição e à manutenção de documentos importantes para a ciuitas526. Podemos destacar que a gens Voconia foi uma das únicas527 integrantes do centro cívico de Sagunto percebida, até o momento, como executora da magistratura de questor no século I d.C.. Há duas possibilidades que emergem sobre a falta de menções referentes à questura. A primeira é a de que existe uma escassez de informações documentais sobre a magistratura que se perderam ou não foram grafadas – o que não impede que outras famílias tenham exercido o cargo. Outra perspectiva seria a de que essa atividade administrativa, por não ser comum nas comunidades provincianas, acabou sendo exercida por poucos segmentos políticos locais. A última magistratura saguntina que podemos elencar da documentação epigráfica528 é referente ao cargo de duunviro. Julio Mangas parte do pressuposto de que os duunviros e os prefeitos eram as autoridades mais proeminentes no campo judicial das cidades provinciais, como pode ser evidenciado nas passagens da Lex Ursonensis, capítulo 94. Contudo, os estudos epigráficos de Mangas529 pontuam que, a partir do governo de Augusto, houve uma tendência, nas áreas provinciais, a se eliminar o cargo de duunviro. Em muitos casos, o mesmo foi substituído pela função dos prefeitos (praefecti). No entanto, as epígrafes honoríficas saguntinas denotam um fluxo inverso na localidade, devido a um amplo emprego da magistratura duoviral no município, ao longo do século I d.C.. Possivelmente, tal magistratura apresentava uma maior dignidade para aqueles que eram seus detentores ou exduunviros, na sociedade local. Os duunviros eram eleitos nas assembleias locais pelos eleitores que possuíam a cidadania, ou seja, a aristocracia local e somente poderiam desempenhar a função suprema do cursus honorum municipal se antes tivessem assumido as magistraturas de questor e/ou edil. Além disso, os duunviros estavam submetidos às normas gerais da anuidade, mas podendo ser reeleitos para outros anos de mandato. O maior poder dos duunviros residia no fato de serem

526

JONES, Peter. The World of Rome.Cambridge: University of Cambridge Press, 1997, p.93.

527

Pela obra de Josep Corell, podemos frisar que, no século I d.C., a outra gens que veio a exercer a questura foi a Tettienus. Corell ressalta que foi a única vez em que essa gens itálica foi mencionada em territórios ibéricos. CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I b. Ed: Universitat de València. Valência: 2002, nº507, p.628. 528

Consultar o apêndice I com as análises epigráficas honoríficas, nas epígrafes 4, 5, 6, 7 e 8.

529

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.32-4.

141

eles os encarregados de presidir a jurisdição. Por isso, eram os máximos responsáveis pelo bom funcionamento da administração da justiça no âmbito da cidade. Logo, cabia aos duunviros a execução das leis e a organização do território, pois a tomada de novas decisões ficava sob a égide dos decuriões, ou seja, o senado local530. Além do exposto, os duunviros dispunham de assentos reservados para a contemplação dos espetáculos Lex Ursonensis, cap.125-126. Os duunviros e seus familiares eram proibidos de receber doação ou comissão por ações públicas que tivessem prestado à sociedade. A sanção se dava para evitar o benefício, de forma direta ou indireta, a alguém ou a um grupo, como vemos na Lex Ursonensis, cap.93. Em outro capítulo (70) da Lex Ursonensis, podemos ver a contribuição obrigatória dos duunviros ao ascenderem ao desempenho de sua magistratura: Os duunviros, à exceção dos primeiros nomeados depois desta lei, estão obrigados a cumprir com a carga e os jogos cênicos de quatro dias de duração em honra de Júpiter, Juno e Minerva e dos deuses e deusas durante a maior parte possível do dia conforme opinião dos decuriões. Para esses jogos e essa contribuição honorífica, cada um deles gastará do seu próprio recurso 2.000 sestercios e por cada duunviro, será lícito gastar outros 2.000 sestercios dos cofres públicos; este último está permitido fazê-lo enquanto ninguém o tome ou faça essa parte, exceto para o destinado pela lei a esses rituais, que celebram na colonia ou em outro lugar da colonia de modo publico.

Após uma análise atenta do capítulo anterior da Lex Ursonensis, pontuamos que a mesma deixa claro que somente os membros das oligarquias locais estavam em condições econômicas para ascenderem à magistratura. Como seu atributo e honraria, os mesmos deveriam presidir e zelar pelos rituais públicos. Marco Tulio Cícero, no século I a.C., já havia escrito sobre a necessidade de os magistrados observarem os rituais, para que a pax deorum fosse preservada em Roma. Para o autor, o esplendor romano se deve aos seus governantes cumprirem com as suas obrigações religiosas, para com os seus deuses (Cicero, Da Natureza dos Deuses, II, 8). Cícero tece críticas aos governantes que estavam praticando atos de impiedade com o povo romano. O autor friza o abandono às consultas aos auspícios – por exemplo –, nas tomadas de decisões, o que poderia gerar problemas para a sociedade, tendo em vista que, no passado, a preservação da tradição e dos cultos teria garantido o desenvolvimento de Roma (Cicero, Da Natureza dos Deuses, II,9). Cotejando a documentação textual escrita com a abordagem de George J. Szemler, M. Beard, J. North e S. Price, percebemos que, em Roma e nas áreas provinciais, a magistratura e a esfera das práticas religiosas se encontravam conectadas, pois, na Antiguidade, a religião e o 530

Segundo Mangas, tudo que foi apontado para os duunviros pode ser aplicado aos prefeitos nas províncias. MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.36-7.

142

poder político estavam estritamente associados531. Assim, cabia ao magistrado fiscalizar, junto aos sacerdotes, a manutenção da boa relação entre a sociedade e os deuses, como era o caso dos duunviros nas Hispanias. Outras obrigações direcionadas ao duunviro, assim como aos sacerdotes locais, era a de dispor de um domicilio dentro da cidade ou, no máximo, a uma milha de distância, como evidenciado na L. Ursonensis, cap.92. Alguns duunviros foram honrados com estátuas postas em lugares públicos e outros receberam as honras no momento de sua morte, passando assim a engrossar a fila dos benfeitores homenageados532. As gentes que tiveram seus membros honrados por meio das inscrições honoríficas em Sagunto foram as famílias533 dos Fabios, Licinios, Varvios, Calpurnios e Voconios. Notamos que Caio Voconio Placido e Caio Licinio Campano, que são, respectivamente, membros das gentes Voconia e Licinia, passaram pela magistratura duunviral por duas vezes, como vemos nas epígrafes honoríficas de número cinco e sete, que catalogamos. Podemos conjecturar que os mesmos eram figuras proeminentes no cenário político saguntino, por sua reeleição em um cargo de grande destaque. Em nossas análises, foi possível perceber as diferenças entre o cursus honorum da Urbs534 e o das áreas municipais. Além disso, foi perceptível, pelas epígrafes, que, no interior da comunidade saguntina, uma minoria da população recebeu o direito à cidadania romana esta contava como um privilégio obtido a título individual ou familiar. A magistratura para essas populações provinciais simbolizava um estatuto jurídico privilegiado, que hierarquizava o corpo social. Sendo assim, verificamos que as principais gentes locais vieram a ter acesso ao cargo de maior dignidade da magistratura municipal romana, o de duunviro, denotando um equilíbrio nas configurações de poder em Sagunto, no século I d.C.. Em consequência do cargo duunviral, seus ocupantes e ex-detentores possivelmente foram alvos de homenagens no espaço público do núcleo urbano, como registrado pelas próprias inscrições honoríficas. Para além da magistratura municipal, os saguntinos obtiveram acessso a outra instituição romana. Sendo assim, analisaremos os colégios sacerdotais que se fizeram 531

SZEMLER, George.Religio, Priesthoods and Magistracies in the Roman Republic. Numen, Vol. 18, Fasc. 2, Aug., 1971, p. 103-4; BEARD, M.; NORTH, J.A.; PRICE, S.R.F. Religions of Rome. V. 1 (A History); v. 2 (A Sourcebook). Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p.165-7. 532

MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001, p.36-7.

533

Os Baebios não apresentam inscrições que demarquem sua atuação como duunviros, no século I d.C.. Todavia, a partir de Geza Alföldy, notamos que é um engodo pensarmos que os poderes políticos da gens Baebiba fossem limitados, pois, no século II d.C., Lucius Baebio Avito ascendeu ao Senado de Roma, por meio de suas relações com o princeps Vespasiano. ALFÖLDY, Géza. Los Baebii de Saguntum. Valencia: Servicio de Investigacion Prehistorica do Museu de Prehistoria, nº56, 1977, p.15-7. 534

D’ENCARNAÇÃO, José. Epigrafia: As Pedras que Falam. Coimbra: Ed. da Universidade de Coimbra, 2010, p.109-10;

143

presentes no município de Sagunto, os quais apresentavam seu controle centrado nas mãos das principais gentes romano-saguntinas do século I d.C., como veremos no próximo tópico.

3.3.2 Os colégios sacerdotais romanos no municipium de Sagunto (século I d.C.)

Na antiga Roma, o processo de relação entre o mundo dos homens e o do sagrado era um ato constante na Urbs. As práticas religiosas perpassavam diversos aspectos da vida privada e coletiva da sociedade romana. Por meio dos discursos presentes na literatura latina e dos vestígios da cultura material, obtivemos mecanismos para analisar as religiosidades que integravam o mosaico cultural romano535. A religiosidade romana é demarcada nos escritos de Marco Túlio Cicero (Da Natureza dos Deuses, II, 28) como sendo o culto destes – romanos – para com os deuses. Uma análise sobre a matriz latina da palavra religião nos possibilita melhor compreensão do que foi postulado por Cícero. Ao recorremos aos estudos de Regina M. C. Bustamante 536, verificamos que os antigos romanos aplicam duas etimologias distintas para expressarem o que compreendiam como religio. A autora frisa que é possível verificarmos tanto a terminologia religare (conotação de ligar) quanto o termo relegere (que nos indica a função de controlar ou de zelo religioso). A partir dos escritos da autora, destacamos que a primeira designação indica a religião como um elemento que vinculava as comunidades humanas ao plano do divino; já no segundo caso, a religião é a responsável pelo “zelo da observância” entre os homens e os deuses, na procura pela preservação da pax deorum. Bustamante ainda nos alerta sobre o perigo da negligência humana perante os deuses, pois a impiedade dos homens poderia desequilibrar a ordem social, atraindo danos para a comunidade, como castigo divino. O historiador Ciro Flamarion Cardoso537 nos indica a relevância que o estudo sobre os sistemas religiosos fornece aos pesquisadores. Segundo Cardoso, as religiões podem ser pensadas como um sistema simbólico que direciona as ações humanas, fazem referência a supostos fins últimos, assim como a uma “suposta realidade da ordem superior – define-se 535

BEARD, M.; NORTH, J.A.; PRICE, S.R.F. Religions of Rome. V. 1 (A History). Cambridge: Cambridge University Press, 1998; ROSA, Claudia Beltrão. Elementos da religião doméstica romana na Aulularia de Plauto. In: CANDIDO, Maria Regina; CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa (Orgs.). Práticas Religiosas no Mediterrâneo Antigo. Rio de Janeiro: NEA/UERJ, 2011, p.48. 536

BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Festa das Lemuria: os mortos e a religiosidade na Roma Antiga. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011, p. 1. 537

CARDOSO, Ciro Flamarion. Um historiador fala de teoria e metodologia. São Paulo: Edusc, 2005, p.209.

144

como uma ideologia, em conjunto com o sistema simbólico e institucional em que ela é partilhada e comunicada”. A partir do exposto, vemos a religião romana como uma forma de poder que mantinha a ordem social, por meio do controle das relações entre os diversos grupos sociais. Logo, a religião romana era estritamente atrelada à esfera comunal. Os sujeitos eram concebidos como membros de uma determinada comunidade. As ações comunitárias comportavam um aspecto religioso; assim, todo ato religioso possui um aspecto comunitário, segundo John Scheid538. Sob tal perspectiva, podemos apontar a religião romana como uma religião social. A partir de John Scheid539, analisamos como religião social os sistemas religiosos que eram capazes de manter uma ordem social; que vinculavam as famílias integrantes das diversas gentes; que possibilitavam e legitimavam a transmissão dos valores sociais, como no caso romano por meio do mos maiorum; assim como ratificavam as ações das esferas políticas para a boa condução da vida cotidiana. Desta forma, a religião romana pode ser pensada como uma rede de relações complexas, as quais consideramos essenciais para a coesão social, através da aplicação de um ordenamento “emanado” pelo sagrado540. Dados disponíveis nas documentações de cunho textual escrito e arqueológico indicam que a administração das práticas religiosas romanas consideradas como “oficiais” estava frequentemente nas mãos dos grupos dirigentes, que eram atrelados ao governo da Urbs ou das províncias, principalmente nas áreas do Mediterrâneo Antigo Ocidental. Assim, apesar de haver uma distinção no campo historiográfico a partir das funções que cabiam à magistratura pelo cursus honorum e as atribuições dos colégios sacerdotais, foi possível notar que ambos parecem interagir recorrentemente no cenário político-religioso romano, como uma forma de ratificar o ordenamento social. Desse modo, verificamos que os magistrados, como os cônsules em Roma e os duunviros ou pretores provinciais, possuíam dentre suas competências o dever de manter a esfera religiosa sob seus cuidados, consultando ou interpretando os

538

SCHEID, John. La religion des Romains. Paris: Armand Colin, 1998, p.20.

539

SCHEID, John. Religion et Piété à Rome. Paris: Albin Michel, 2001, p.23-5.

PADEN, W.E. Sacrality as Integrity: “Sacred Order” as a Model for Describing Religious Worls. In: INDINOPULOS, T.Q.; YONAN, E.A. (ed.) The Sacred and its Scholars: Comparative Methodologies for the Study of Primary Religious Data. Leiden: Brill, 1996, p. 3-18; ROSA, Claudia Beltrão. Elementos da religião doméstica romana na Aulularia de Plauto. In: CANDIDO, Maria Regina; CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa (Orgs.). Práticas Religiosas no Mediterrâneo Antigo. Rio de Janeiro: NEA/UERJ, 2011, p.48. 540

145

desígnios dos deuses – os auspícios – para as tomadas de decisões ou efetuando os sacrifícios em momentos de solenidades públicas541. Mediante as leituras sobre John Scheid542, notamos que há uma pequena diferenciação entre os aspectos religiosos que envolvem os magistrados e os sacerdotes. Os primeiros se voltavam recorrentemente ao âmbito jurídico e político da sociedade, exercendo atividades religiosas em momentos de cerimônias públicas ou em questões de tomadas de decisões. Quanto aos sacerdotes, caberiam a eles as práticas constantes dos rituais para com os deuses, assim como a transmição dos desígnios emanados pelo sagrado para os homens. Nesta abordagem, vamos pontuar mais precisamente a função dos colégios sacerdotais543 como uma das diversas esferas de poder romano para a consolidação e preservação da ordem social vigente. A historiadora Ana Tereza Marques Gonçalves concretiza tal assertiva ao demarcar que: As leis e as sentenças ditadas por estes sacerdotes regulavam as relações travadas entre os homens e as relações rituais desenvolvidas entre os homens e os deuses, visando à conquista de uma estabilidade duradoura e de uma segurança infinita. Pela criação de regras de conduta e de preceitos fixos, baseados em normas morais e éticas, buscava-se uma organização social garantida pela lei e pela ordem544.

Para John Scheid, Mary Beard, J. North e S. Price545, haveria, em Roma, diversas terminologias para o que podemos considerar sacerdotes. Logo, se nos limitarmos ao termo latino sacerdos, vamos incorrer no risco de excluir as outras formas de sacerdócio existentes na sociedade romana. Como explicitado anteriormente, o próprio magistrado, e podemos somar a ele a figura do pater familia, assumiam funções sacerdotais; o primeiro no âmbito público e o último na área privada. A perspectiva que adotamos nesta pesquisa valida a aplicação do conceito de sacerdote tendo por definição aquele que exerceu um sacerdócio, o

541

No que tange às competências dos cônsules romanos, recomendamos consultar SCHEID, John.O sacerdote. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992, p.54-72. Quanto às atribuições referentes aos duunviros, ver a Lex Ursonensis, cap. 70-92; 542

SCHEID, John. O sacerdote. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992, p. 54-6;

543

Segundo M. Beard, J. North e S. Price, as matrizes dos colégios sacerdotais remetem ao período de Numa, que foi um mítico legislador e monarca romano. BEARD, M.; NORTH, J.A.; PRICE, S.R.F. Religions of Rome. V. 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p.195; 544

GONÇALVES, Ana Teresa Marques. Lei e ordem na república romana. Disponível em: http://www.unicamp.br/nee/arqueologia/arquivos/historia_militar/lei_ordem.html. Acessado em: 11 de setembro de 2010. 545

SCHEID, John.O sacerdote. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992,p 52; BEARD, M.; NORTH, J.A.; PRICE, S.R.F. Religions of Rome. V. 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p.194.

146

que pode ser analisado “como o exercício de uma autoridade religiosa, cujo poder de iniciativa comporta os aspectos rituais do culto ou o controle do sistema religioso”546. Para John Scheid547, o conhecimento proveniente do sacerdócio era fundamental para o bom andamento da sociedade romana. Com a prática de rituais, os quais eram executados de forma meticulosa e que não poderiam conter nenhuma falha, os romanos obtinham a pax deorum (paz com os deuses). Assim, notamos que o sistema religioso dos antigos romanos baseava-se em uma ortopráxis548 (execução correta dos ritos, prescritos pela tradição). A antropóloga Adriane Luisa Rodolpho549 argumenta que haveria, nas sociedades humanas, uma tentativa de inserir os acontecimentos cotidianos dentro da esfera da ordem e do controle social, para se evitar o caos. Os rituais realizados pelos colégios sacerdotais se inserem em tal perspectiva. A romanista Ana Teresa Marques Gonçalves argumenta que os rituais não seriam “máscaras para o poder”, mas sim uma forma de se exercer o poder. A referida historiadora converge com Adriane L. Rodolpho, ao frisar que o período do ritual ou de uma festividade seria o espaço para se elaborar hierarquias e se estruturar possíveis formas de poder550. Evidenciamos que o espaço ritualístico551 é o momento para um indivíduo ou grupo se consolidar no poder, tornando-se visível, legitimando sua autoridade e ratificando sua credibilidade diante do sagrado e dos outros setores da sociedade. Os rituais são realizados tanto na esfera pública como na esfera privada, sendo uma forma de consolidar a coesão social romana. Os rituais devem formar uma identificação e segurança pelo corpo social que o estaria praticando. Claudia Beltrão da Rosa e Adriane Luisa Rodolpho552 nos possibilitam compreender que, através da proximidade que é produzida pelas sequências complexas dos rituais, a comunidade vivencia uma experiência em conjunto, partilhando sentimentos e gerando a manutenção da ordem social. A antropóloga Rodolpho553 546

SCHEID, John. O sacerdote. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992, p. 52.

547

SCHEID, John. Religion et Piété à Rome. Paris: Albin Michel, 2001, p.24.

548

SCHEID, John. La religion des Romains. Paris: Armand Colin, 1998, pp.04-5.

549

RODOLPHO, Adriane Luisa. Rituais, ritos de passagem e de iniciação. Estudos Teológicos, v. 44, n. 2, 2004, p. 139.

550

GONÇALVES, Ana Teresa Marques. As festas romanas. Revista de Estudos do Norte Goiano.Vol. 1, nº 1, ano 2008, p.

26. 551

Compreendemos como espaço ritualístico o período de duração dos rituais. Ibidem, p. 26-7.

552

ROSA, Claudia Beltrão da. Interações religiosas no Mediterrâneo romano: Práticas de acclamatio e de interpretatio. In: CANDIDO, Maria Regina. Memórias do Mediterrâneo Antigo. Rio de Janeiro: NEA/UERJ, 2010, p.44; RODOLPHO, Adriane Luisa. Rituais, ritos de passagem e de iniciação. Estudos Teológicos, v. 44, n. 2, 2004, p. 139; 553

RODOLPHO, Adriane Luisa. Rituais, ritos de passagem e de iniciação. Estudos Teológicos, v. 44, n. 2, 2004, p. 139;

147

salienta que “através da repetição e da formalidade, elaboradas e determinadas pelos grupos sociais, os rituais demonstram a ordem e a promessa de continuidade destes mesmos grupos”. Para compor os colégios sacerdotais, havia a exigência de que fossem cidadãos, ou seja, os homens em Roma eram aqueles capacitados para exercer as funções oficialmente consideradas como sacerdotais. As mulheres que integravam as famílias romanas somente poderiam atuar em posições sacerdotais femininas, as quais, geralmente, são demonstradas como submetidas ao poder masculino554. Imbuídos desta dinâmica ressaltada, pressupomos que a posição de comando religioso romano era um domínio viril por excelência. John Scheid555 argumenta que, apesar de os cidadãos masculinos possuírem a preponderância para o acesso às funções sacerdotais, os colégios não estavam abertos à recepção de todos que desejassem o sacerdócio. De tal forma, o sacerdócio não era visto como uma simples “vocação”; era uma questão de estatuto social. Scheid aponta que os atos religiosos eram “celebrados em nome de uma comunidade, e não em nome de indivíduos”. Assim, aqueles que ocupavam as funções sacerdotais deveriam fazer parte do círculo dirigente, o que possibilitava a preservação das hierarquias e da ordem social. Dessa maneira, só aqueles que estavam destinados, por seu nascimento ou estatuto político-social, poderiam exercer as funções sacerdotais556. Para Norbert Rouland557, devido ao conhecimento sobre os elementos que integram a religiosidade romana estar nas mãos dos sacerdotes, o acesso à casta sacerdotal era de privilégio exclusivo de uma elite local. A partir dos estudos de Claudia Beltrão da Rosa, George Szemler e José A. Delgado Delgado558, percebemos que havia uma diferenciação entre os colégios sacerdotais romanos. No campo historiográfico, podemos distinguir os colégios em: grandes colégios sacerdotais 554

Mesmo no caso das Vestais, estas se submetiam ao poder do pontifex maximus. Recomendamos a leitura das obras: SCHEID, John.O sacerdote. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992,p.52-3; WILDFANG, R. L. Rome’s Vestal Virgins. A study of Rome’s Vestal Priestesses in the late Republic and Early Empire. Lodon: Routledge, 2006. HAEPEREN, Françoise Van; MEKACHER, Nina. A escolha das vestais, espelho de uma sociedade em evolução (3º século a.C – 1º século d.C). Revista NEARCO, nº I - Ano V – 2012, p.60-77. 555

SCHEID, John. O sacerdote. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992, p.53.

556

Idem.

557

ROULAND, Norbert. Roma democracia impossível? Os agentes de poder na urbe romana. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. 558

DELGADO, José Delgado. Sacerdocios y Sacerdotes de la Antiguedad Clásica. Madrid-España: Ediciones del Orto, 2000, p. 28-30. ROSA, Claudia Beltrão. De haruspicum responso: religião e política em Cícero. Revista Mirabilia, nº3, 2003, p. 2042; SZEMLER, George.Religio, Priesthoods and Magistracies in the Roman Republic. Numen, Vol. 18, Fasc. 2, Aug., 1971, p. 103-31;

148

(amplíssima collegia sacerdotum); os colégios sacerdotais que não eram consultados pelo Senado; e os que eram ocasionalmente consultados pelo Senado. Os grandes colégios sacerdotais559 eram compostos pelos pontífices560, os áugures561, os tres/septemviri epulone562 e os duo/decem/quindecimviri sacris faciundis563. No caso dos colégios sacerdotais romanos que ocasionalmente eram consultados pelo Senado, temos os fetiales564 e os arúspices565. Os colégios que não eram convocados pelos senadores são os salios566, os lupercos567 e os fatres arvales568. Segundo John Scheid569, as províncias sob a administração romana procuravam seguir o conjunto de referências570 religiosas aproximadas dos colégios sacerdotais de Roma. Contudo, concordamos com José A. Delgado Delgado571 ao considerar o sacerdócio provincial como uma instituição marcada pela heterogeneidade, devido às especificidades locais. Em alguns casos, por exemplo, poderia haver um número menor de sacerdotes, assim como o acúmulo de funções em um único sacerdócio; e os mesmos poderiam ter seu período

559

Para mais informações sobre os colégios sacerdotais, ver ROSA, Claudia Beltrão. De haruspicum responso: religião e política em Cícero. Revista Mirabilia, nº3, 2003, p. 20-42. 560

As descrições sobre os pontífices vão ser expostas no decorrer da dissertação. Contudo, salientamos que, como membros adicionais do colégio dos pontífices, podemos citar, no período da Republica Tardia e do Principado, as vestais e os flamines. Segundo J. A. North, os áugures atuavam como “supervisores e conselheiros sobre os rituais e procedimentos concernentes aos auspícios, [...]”. NORTH, J. A. Roman Religion. Oxford: Oxford University Press, 2000, p.23. 561

De acordo com J. A. North, os tres/septemviri epulones tinham como sua função a “supervisão dos Jogos regulares em Roma”. Idem. 562

563

J. A. North afirma que os duo/decem/quindecimviri sacris faciundis, quando consultados pelo Senado, deveriam consultar os livros Sibilinos. Idem. 564

Segundo J. North, os fetiales eram os sacerdotes responsáveis pelos tratados envolvendo as relações exteriores a Roma, na declaração de guerra, na trégua, na rendição do inimigo etc. Idem. 565

J. North pontua que os arúspices são sacerdotes de matriz etrusca, os quais eram especialistas nas artes da advinhação, no conhecimento dos prodígios dos deuses, assim como na leitura das entranhas das vítimas sacrificiais, entre outras atividades. Idem. 566

As funções dos sacerdotes sálios vão ser explicadas posteriormente, nesta dissertação.

567

Os lupercos eram sacerdotes que atuavam em meio à festa da Lupercália, portando chicotes de pele de cabra e batendo nas pessoas, enquanto estas corriam pelas ruas da Urbs. Ibidem, p.24. 568

A função dos fatres arvales era preservar o culto da Dea Dia, em uma gruta fora de Roma. Idem.

569

SCHEID, John. O sacerdote. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992, p.58-9

570

SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.88-9;

571

DELGADO, José Delgado. Sacerdocios y Sacerdotes de la Antiguedad Clásica. Madrid-España: Ediciones del Orto, 2000, p. 48

149

de atuação delimitado ou vitalício. Jörg Rüpke572 evidencia que a reprodução dos colégios sacerdotais na área provincial está vinculada ao processo romano de integração para a manutenção das áreas adquiridas. O próprio acesso ao sacerdócio de tradição romana573 tinha, como um dos seus requisitos, a exigência de que o candidato fosse portador da cidadania romana. Logo, ascender à condição de cidadão conferia ao sujeito uma possibilidade de inserção na magistratura, como também no sacerdócio romano. Clifford Ando574 complementa os escritos de Rüpke, ao destacar que o mecanismo da integração e a disseminação da religião romana não ocorreram em meio ao vazio. Logo, havia uma população de matriz romana-itálica que absorveu e propagou o sistema religioso nos municípios e colônias latinas. A partir dos escritos do autor, pontuamos que, tanto os militares estabelecidos nas regiões provinciais, como o corpo de imigrantes vindos para compor o sistema administrativo, ou aqueles que migraram em busca de novas chances, poderiam ser vistos como grupos vinculados à propagação da religiosidade romana. Não podemos esquecer-nos das próprias elites locais, que, em alguns casos, como no de Sagunto, estavam cooptadas com a cidadania romana e até mesmo podemos supor que estavam imbricadas culturalmente com Roma. Edward Said575 aponta que alguns tipos de cultos promovidos pelos governos metropolitanos nas áreas provinciais eram mecanismos eficazes para a cooptação e integração dos cidadãos das províncias. Através da esfera cultural, as metrópoles podiam criar zonas de reforço político para ampliar o poder de um centro metropolitano, como Roma realizou na Hispania. Somando os apontamentos de Clifford Ando à abordagem de John Scheid576, notamos que a religião romana praticada no âmbito municipal conferia, aos cidadãos que ocupavam os postos de sacerdotes e magistrados locais, determinadas honrarias e prestígio político. Além disso, os cidadãos de uma colônia ou município romano tinham obrigações religiosas, dentro 572

RÜPKE, Jörg. Urban religion and imperial expansion: Priesthoods in the lex Ursonensis.In: BLOIS, Lukas de; FUNKE,Peter;HAHN, Johannes. The impact of imperial Rome on religions, ritual and religious life in the Roman Empire.Leiden-Boston: Brill, 2006, p.12-4. 573

Segundo José A. Delgado Delgado, notamos que poderia haver, nas áreas provinciais: os sacerdotes de tradição romana, como os augures e os pontífices (vinculados ao culto imperial, que costumam ser intitulados flamines e flamínias); sacerdotes para o culto das divindades nativas; e, por último, os sacerdotes dos cultos orientais. Em nosso caso, vamos nos ater somente aos sacerdotes de tradição romana e aos vinculados ao culto imperial, devido ao nosso corpus epigráfico. Consultar apêndice I para verificar as epígrafes de número um a oito. DELGADO, José Delgado. Sacerdocios y Sacerdotes de la Antiguedad Clásica. Madrid-España: Ediciones del Orto, 2000, p. 50-3. 574

ANDO, Clifford. Exporting Roman Religion.In: RÜPKE, Jörg. A Companion Roman Religion. Malden- EUA; OxfordIngl.: Blackwell Publishing, 2007, p. 429-440. 575

576

SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.14.

SCHEID, John. Religions in Contact. In: Sarah Iles Johnston (org). Ancient Religions. Cambridge: Belknap/ Harvard University Press, 2007, p.112-15.

150

da religião pública daquela localidade. Na dinâmica religião romana, em muitos casos, os sacerdotes eram membros dos grupos dirigentes locais que obtiveram a cidadania. Analisar o grau de atuação dos sacerdotes de tradição romana ou dos sacerdotes indígenas por meio das epígrafes das áreas municipais e coloniais nos possibilita perceber o grau de integração ou resistência de uma comunidade diante do poder romano577. No município de Sagunto, ao longo do século I d.C., as epígrafes honoríficas integram o catálogo de Josep Corell nos permitem perceber que as principais gentes que exerceram a magistratura também obtiveram acesso aos colégios sacerdotais de tradição romana. São elas: as gentes Baebia (Baebius), Fabia (Fabius), Licinia (Licinius), Calpurnia (Calpurnius) e Voconia (Voconius)578. Em nossas análises, reparamos que há uma escassez de epígrafes, referentes ao século I d.C., que mencionem a gens Varvia (Varvius) no município de Sagunto atuando na esfera sacerdotal, ocupando apenas os postos da magistratura local. Em meio ao nossos estudos ratificamos as propostas de John Scheid e Jög Rüpke579 de que o acesso ao sacerdócio dependia necessariamente da cidadania, pois todos os sujeitos inscritos nas epígrafes saguntinas como sacerdotes possuíam a cidadania romana. Assim, percebemos que os colégios sacerdotais exercidos pelos pontífices580, os flamines e os sálios foram os segmentos sacerdotais mais ativos em Sagunto, por meio das informações que foram elencadas pelas epígrafes referentes ao século I d.C.. Notamos que o pontificado foi exercido por Marco Baebio Crispo e Cneu Baebio Gemino, pertenciam à gens Baebia; por Quinto Fabio Gemino e Quinto Fabio Nigro, da gens Fabia; assim como por Marco Calpurnio Luperco, da gens Calpurnia. A Lex Ursonensis, nos capítulos 66-68 e 91, nos possibilita compreender o funcionamento sacerdotal relativo aos pontífices como um estatuto privilegiado. Mediante o cap. 66 da Lex Ursonensis, verificamos que a indicação para o cargo de pontífice ou de augure era emanado de Roma ou de algum governante seu na área provincial. Desta maneira, fica explícito que os detentores do alto

577

Todavia, temos ciência de que, para tal pesquisa, necessitamos de uma gama documental e da historicidade local para não cairmos em generalismos. 578

Consultar apêndice I, nas epígrafes honoríficas de número um a oito. Sobre as outras epígrafes, consultar o catálogo de inscrições saguntinas. CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I a e b. Ed: Universitat de València. Valência: 2002. 579

RÜPKE, Jörg. Urban religion and imperial expansion: Priesthoods in the lex Ursonensis. In: BLOIS, Lukas de; FUNKE,Peter;HAHN, Johannes. The impact of imperial Rome on religions, ritual and religious life in the Roman Empire.Leiden-Boston: Brill, 2006, p.12-4; SCHEID, John. O sacerdote. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992, p. 52. 580

Segundo Schiavone, a pronúncia do ius, do direito, foi atribuída inicialmente a esse círculo de sacerdotes na religiosidade romana arcaica. SCHIAVONE, Aldo. O Jurista. In: GIARDINA, Andrea (org.). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992. p.74-6.

151

comando sacerdotal e os seus filhos estavam isentos de atuação militar e das contribuições públicas (munera publica), devido à sacralidade contida no referido sacerdócio. Nos capítulos 64, 69 e 72 da Lex Ursonensis, podemos levantar como possibilidade que, na esfera provincial, caberia aos pontífices: a produção e gestão do calendário anual com as cerimônias religiosas; a supervisão sobre os edis e duunviros responsáveis pelo financiamento parcial dos jogos e festas em honra aos deuses capitolinos e às demais divindades; além disso, a coleta, entre os cidadãos, de doações para as cerimônias religiosas públicas e de vítimas sacrificiais. José A. Delgado Delgado581 pontua que as atribuições dos pontífices também intervinham no campo familiar, participando ativamente na celebração de matrimônios, nas adoções, na transmissão de heranças religiosas familiares, nas honras fúnebres e supervisão dos arquivos, que consideramos como públicos. Nos jogos públicos e durante a celebração dos rituais públicos, tais pontífices e augures obtinham o direito vestir a toga pretexta582, além da permissão para contemplar os jogos em assentos reservados junto aos decuriões. Se relembrarmos que em Sagunto havia um núcleo urbano que comportava um teatro, os elementos presentes na Lex Ursonensis seriam totalmente aplicáveis no cotidiano saguntino. Nos capítulos 67 e 68 da Lex em questão, foi possível perceber que três era o número de membros que integravam o colégio sacerdotal, tanto dos augures como dos pontífices na área provincial. Além disso, sua função tinha um caráter vitalício. Contudo, havendo a morte ou a condenação de um dos membros, um suplente deveria ser eleito em assembleia local e cooptado pelos demais membros do colégio sacerdotal. No caso de Sagunto, detectamos cinco pessoas que ocuparam o cargo de pontífices583. O número de sacerdotes supera o que fora previsto na Lex Ursonensis, nos capítulos 67 e 68. Logo, temos como possibilidade de leitura que, no município de Sagunto, a quantidade de ocupantes do cargo de pontífice era maior do que em comparação a outras regiões da Hispania. Outro pressuposto foi o de que os referidos pontífices foram sendo substituídos ao longo do século I d.C., devido a motivos que não podemos identificar com a documentação de que dispomos.

581

DELGADO, José Delgado. Sacerdocios y Sacerdotes de la Antiguedad Clásica. Madrid-España: Ediciones del Orto, 2000, p. 38-9. 582

A toga pretexta costumava possuir a tonalidade púrpura em sua borda e era utilizada pelos cidadãos romanos em momentos de rituais. 583

Consultar apêndice I nas epígrafes honoríficas de número um, dois, três, quatro e oito.

152

Quanto ao sacerdócio de flamen, verificamos que Gaio Licinio Campano, da gens Licinia, e Caio Voconio Placido, da gens Voconia, foram eleitos para esta função por duas vezes no século I d.C.584 A reeleição dos mesmos para ocupar o cargo de flamen, além da magistratura duunviral que também foi exercida pelos mesmos por dois mandatos, nos possibilita ratificar que eram sujeitos proeminentes na vida pública de Sagunto. Os flâmines585são sacerdotes de tradição romana vinculados ao culto imperial. Cabia aos mesmos a execução dos rituais dedicados à tríade Júpiter, Marte e Quirino, assim como, a partir do principado de Augusto, foi atribuído aos flamines a responsabilidade pelo culto imperial. Os sacerdotes em questão eram recrutados em meio aos cidadãos romanos provinciais, que detinham recursos materiais. O sacerdócio costumava ser exercido pelo período de um ano, mas seu detentor poderia ser reeleito ou se tornar vitalício. Em Sagunto, as epígrafes honoríficas cinco e sete evidenciam que a função de flamen era delimitada por um período curto de atuação, podendo haver reeleição para o cargo sacerdotal. A partir de José Delgado Delgado e John Nicols586, verificamos que o emprego dos cargos sacerdotais de flamen e flaminica587 foi um instrumento de poder romano para a propagação do culto imperial, o que, comoconsequência, possibilitou uma maior integração entre os segmentos governantes das províncias e a égide de poder advindo da Urbs. Segundo Nicols588, boa parte dos magistrados e sacerdotes locais ocupou a função de flamines nas áreas municipais e coloniais. Provavelmente, tal acessibilidade se devia principalmente ao curto período de ação sacerdotal. Os sacerdotes sálios (salii) foram os integrantes do último colégio sacerdotal evidenciado pelas epígrafes de número um, dois, três e sete589 de Sagunto ao longo do século I d.C.. As inscrições honoríficas relatam que Quinto Fabio Gemino, da gens Fabia, Marco Baebio Crispo e Cneu Baebio Gemino, da gens Baebia, e Caio Voconio Placido, da gens

584

Consultar apêndice I nas epígrafes honoríficas de número cinco e sete.

585

DELGADO, José Delgado. Sacerdocios y Sacerdotes de la Antiguedad Clásica. Madrid-España: Ediciones del Orto, 2000, p. 52-3. 586

DELGADO, José Delgado. Sacerdocios y Sacerdotes de la Antiguedad Clásica. Madrid-España: Ediciones del Orto, 2000, p. 39-40,52-3; NICOLS, John Nicols. The civic religion and civic patronage. In: BLOIS, Lukas de; FUNKE,Peter;HAHN, Johannes. The impact of imperial Rome on religions, ritual and religious life in the Roman Empire.Leiden-Boston: Brill, 2006, p.41-2. 587

Cargo sacerdotal feminino geralmente exercido pela esposa do flamen na esfera do culto imperial. DELGADO, José Delgado. Sacerdocios y Sacerdotes de la Antiguedad Clásica. Madrid-España: Ediciones del Orto, 2000, p. 52-3; 588

NICOLS, John Nicols. The civic religion and civic patronage. In: BLOIS, Lukas de; FUNKE,Peter;HAHN, Johannes. The impact of imperial Rome on religions, ritual and religious life in the Roman Empire.Leiden-Boston: Brill, 2006, p.41-2. 589

Consultar apêndice I nas epígrafes honoríficas de número um, dois, três e sete.

153

Voconia, foram os cidadãos saguntinos que integraram o sacerdócio sálio. Outro elemento a ser ressaltado é a figura de Caio Voconio Placido, mencionado como Saliorum•magistro, ou seja, líder dos sálios. Segundo George Szemler590, o sacerdócio sálio geralmente era vitalício, mas, quando um sacerdote ascendia a outro posto sacerdotal, deveria abdicar de suas funções enquanto sálio. Segundo Mary Beard, J. North e S. Price591, os sacerdotes sálios eram responsáveis por dançar (tripudium592) em toda a cidade, duas vezes ao ano, carregando seus escudos sagrados especiais e brandindo espadas neles. Segundo Friederike Fless e Katja Moede 593, o tripudium que os sálios realizavam poderia estar vinculado a uma antiga forma de dança guerreira. Analisando as características do ritual pela dança, o uso das armas e o caminho por toda a cidade, podemos supor que era voltado para expulsar, de dentro da urbs ou da ciuitas, elementos como os perigos da guerra ou doenças. Os escudos mencionados eram tidos como um presente dos deuses – às vezes indicado como de Marte e outras como de Júpiter – para proteger os romanos. Tito Lívio, ao mencionar a formação dos sálios durante o reinado de Numa, frisa: Igualmente escolheu doze sálios para Marte Grádivo e deu-lhes como traje distintivo uma túnica bordada e, sobre a túnica uma placa de bronze no peito e lhes encarregou de levarem as armas divinas que são chamadas de anciles, a caminharem pela cidade, entoando cantos acompanhados de saltos e de uma dança solene (História de Roma, I, 20, 4).

A partir de Livio, notamos que os escudos sagrados foram concedidos por Marte Grádivo e seus nomes eram anciles. Na visão de Leonard Curchin594, em Sagunto, o culto sálio também era voltado para o deus Marte, e aqueles que tiveram o acesso ao colégio sacerdotal eram oriundos da oligarquia local. Para o autor, os que chegaram a ocupar o posto de magister saliorum, ou seja, líder dos sálios, foram ex-dunnviros. A perspectiva pode ser endossada em Sagunto, se observarmos que, na epígrafe sete, registra-se que Caio Voconio

590

SZEMLER, George.Religio, Priesthoods and Magistracies in the Roman Republic. Numen, Vol. 18, Fasc. 2, Aug., 1971, p. 113-4 591

BEARD, M.; NORTH, J.A.; PRICE, S.R.F. Religions of Rome. V. 1 (A History). Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 1. 592

FLESS, Friederike; MOEDE, Katja. Music and Dance: Forms of Representation in Pictorial and Written Sources. In: RÜPKE, Jörg. A Companion Roman Religion. Malden- EUA; Oxford-Ingl.: Blackwell Publishing, 2007, p.253-255. 593

Ibidem, p.253-255;

594

CURCHIN, Leonard Andrew. Roman Spain: conquest and assimilation. London: Routledge, 1991, p.167.

154

Placido foi eleito duunviro por duas vezes. Assim, talvez seu estatuto político privilegiado o possibilitasse acesso ao alto posto de comando do colegiado sálio. Ao retornarmos à Lex Ursonensis, no capítulo 91, verificamos que aqueles que ocupavam o posto de sacerdotes deveriam possuir domicílio dentro do núcleo urbano da cidade ou em até uma milha de distância da mesma. Acreditamos que os sacerdotes poderiam ser requisitados a qualquer momento de uma instabilidade na natureza ou social. Podemos compreender, com tal exigência, o grau de atuação que os sacerdotes possuíam entre os séculos I a.C. e I d.C. Na esfera do recrutamento dos sacerdotes saguntinos, verificamos que os mesmos integravam a oligarquia romana local, a qual exercia posições de influência na magistratura. Segundo J. Scheid595, o processo de cooptação sacerdotal pode ser apontado como detentor de características do período pré-republicano. Assim, os colégios sacerdotais selecionavam os novos membros de seu interesse sem demasiado controle externo a eles. Todavia, na escolha de um sacerdote saguntino, podemos apontar que o critério censitário e o estatuto que o mesmo possuía na magistratura eram fundamentais para o alcance das posições de comando religiosas. Convergimos com George Szemler596 ao percebermos que a participação das gentes nas competências sacerdotais conferia ao sacerdote prestígio político e maior poder de influência de suas famílias. Apesar de os sacerdotes não possuírem o poder imperium que um magistrado supremo como o consul detinha na vida social, os sacerdotes de maior prestígio, como os pontífices, os augures e os quindecênviros, podiam influenciar o andamento social por meio de seus conselhos e opiniões, como demarcado por John Scheid e George Szemler597. Os desígnios dos sacerdotes acabavam por ser indispensáveis para a dinâmica de poder romana. Os mesmos poderiam dar uma aparência de legitimidade às inovações institucionais e governativas de Roma, assim como consolidar e formular alianças com os dirigentes locais das áreas provinciais. Todos os atos públicos598 dependiam da competência dos magistrados e sacerdotes, tanto na sua realização como no controle e delimitação das normas que os regulavam. Sendo assim, os diferentes comportamentos sacerdotais que

595

SCHEID, John. O sacerdote. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992, p. 56.

596

SZEMLER, George.Religio, Priesthoods and Magistracies in the Roman Republic. Numen, Vol. 18, Fasc. 2, Aug.-1971, p. 104-5; 597

SCHEID, John. O sacerdote. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992, p.56; SZEMLER, George.Religio, Priesthoods and Magistracies in the Roman Republic. Numen, Vol. 18, Fasc. 2, Aug.-1971,p. 104-5; 598

Ibidem, p.61;

155

podemos detectar tinham como objetivo gerar, preservar, ampliar e controlar a relação da comunidade com os deuses, atuando principalmente na manutenção da ordem social vigente. Como vimos por meio deste estudo, as observações formuladas pelos colégios sacerdotais constituíam um elemento importante para os cidadãos romanos, mas estes não devem ser pensados de forma dissociada do corpo de magistrados. A magistratura e o sacerdócio podem ser ressaltados como agentes ativos na vida política e cultural das províncias. As duas instituições administrativas e religiosas romanas podem ser analisadas como um instrumento para inculcar a colaboração política nos membros da elite local saguntina, os quais foram frequentemente recompensados por sua estreita fides com Roma.

156

4

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A História, enquanto saber acadêmico, pode ser analisada como uma área que sofreu profundas transformações em seus aportes teóricos ao longo do século XX. Estudar tais modificações historiográficas nos possibilita compreender os novos apontamentos produzidos pelos pesquisadores de História Antiga, campo este que não ficou isolado das reformulações que ressaltamos. Corroborando o viés da renovação historiográfica, evocamos René Remond599 em “Por uma História Política”, pois o mesmo frisa que outras formas de se fazer História Política emergiram nas últimas décadas do século XX. O Estado passou a ser refletido em suas relações com os partidos políticos, com as ideologias, as disputas eleitorais, as relações entre os centros de poder e a população. Para tal renovação, houve uma ampliação das documentações históricas, que deixaram de ser somente centradas no relato das instituições oficiais, passando a englobar as imagens, objetos arqueológicos, discursos e narrativas dos envolvidos nos jogos políticos. Logo, verificamos que História Política Renovada está fortemente atrelada ao social e ao cultural, dentro da corrente de estudos pautada em analisar fenômenos ou segmentos específicos, ao invés do estudo do todo da sociedade. Na visão de Xavier Gil Pujol600, a revisão das pesquisas sobre as esferas políticas tem sido um fato positivo, pois possibilitou a rehumanização da História Política e dos outros campos historiográficos, ao lidar com diversos segmentos ou temas específicos da sociedade. Um autor que problematizou as renovações da História Política aplicadas para as pesquisas em Antiguidade foi Ryan Balot601. Segundo o autor, por meio das modificações historiográficas, como as propostas pela História Cultural e a História Política Renovada, novas formas de análises sobre as práticas políticas das Sociedades Antigas foram desenvolvidas nos últimos trinta anos. Os aspectos político-culturais referentes ao imperialismo romano, por exemplo, passaram por reformulações a partir da década de setenta,

599

RÉMOND, René. Por Uma História Política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.

600

PUJOL, Xavier Gil. La historia política de La Edad Moderna europea, hoy: Progressos y minimalismo. In: BARROS, Carlos (ed). Historia a debate. Actas del Congresso Internacional “a Historia a debate”. Santiago de Compostela: Historia a debate, 1995, p.207. 601

BALOT, Ryan K. Rethinking the History of Greek and Roman Political Thought. In: BALOT, Ryan K.(org.) A Companion to Greek and Roman Political Thought. Massachusetts-EUA; Oxford - Reino Unido:Wiley-Blackwell Publishing Ltd, 2009, p. 03-19.

157

devido a tais transformações na escrita historiográfica e às produções de Edward Said, com suas obras “Orientalismo” de 1978 e “Cultura e Imperialismo” (1993). Said nos capacita alançar outro olhar sobre a interação entre a metrópole e as áreas subjugadas, os processos de integração, as estruturas organizadas pelas metrópoles para a consolidação de seu poder, assim como as resistências locais. Os estudos de Said se mostraram fundamentais no desenrolar de nossa pesquisa, para a construção de outras possibilidades de leituras sobre o imperialismo romano em Sagunto. Todavia, é necessário pontuar que o uso da obra de Said nem sempre se deu somente para o estudo nativo, pois, em Cultura e Imperialismo (1993), o autor demonstra como a cultura foi um elemento essencial no processo de conquista e preservação dos territórios adquiridos pelas potências imperialistas. Logo, abordar Said somente no estudo do nativo, em muitos casos, minimiza e limita todo o potencial teórico contido nas produções do autor. A partir da aplicação teórica de Said em nossa dissertação, notamos que as teorias são aparatos fundamentais para o ofício do historiador. Todavia, o arcabouço teórico deve ser flexibilizado pelo pesquisador, devido às especificidades das sociedades humanas602. Ao nos valermos da teoria, por exemplo, podemos evitar o reducionismo em nossas análises no momento da escrita histórica. Assim, a teoria nos permite tecer uma análise aprofundada sobre a documentação, colocando-a em uma interação que o modo descritivo de pesquisa geralmente não contempla em sua abordagem. Outro fator essencial em nossa dissertação foi o fato de a História, atualmente, englobar como seus documentos: as pinturas, os textos literários, os testemunhos orais, os panfletos, as estátuas, os vasos, os mapas, a arquitetura, a epigrafia etc.603 Contudo, frisamos que a abrangência documental foi cautelosamente observada, para evitarmos a simples reprodução da mensagem contida no documento como uma fonte capaz de jorrar comprovações de verdades históricas. Logo, um quesito que se tornou básico em nossa operação historiográfica foi o de conhecermos o contexto de produção de cada documentação – como nas plantas e vestígios arqueológicos saguntinos. Tal contexto foi integrado por: quem a elaborou, a periodicidade, o lugar em que foi produzida e encontrada, a mensagem contida no objeto e o material utilizado na sua confecção. Em consequência do evidenciado acima, 602GUARINELLO,

Norberto Luiz. Uma Morfologia da História: As Formas da História Antiga. Revista Politéia: História e Sociologia. Vitória da Conquista, v. 03, n.º 01, 2003, p. 44. 603

BURKE, Peter. Testemunha Ocular – história e imagem. São Paulo: EDUSC, 2004, p.11.

158

apontamos que todos esses elementos nos auxiliaram acentuadamente na construção desta pesquisa histórica. Sendo assim, nossa documentação não se centrou apenas no domínio das obras textuais escritas, pois foi necessário recorrermos à esfera da cultura material, como as inscrições epigráficas, das defixiones e dos vestígios arqueológicos de Sagunto. A medida foi voltada para a extração de informações que não se encontravam no domínio da documentação textual escrita, visando ao preenchimento das lacunas históricas que emergiram durante a produção da dissertação. O cotejamento de informações em tais documentos possibilitou ampliar o nosso campo de análise e lidar com a complexidade das sociedades humanas. Como Marc Bloch604 nos advertiu, é um engodo acreditarmos que somente um tipo de documento vai nos auxiliar na atividade de pesquisa. Pudemos perceber que as interações produzidas na esfera documental nos ajudam a evitar visões simplistas, reduzidas e unilaterais. Não podemos deixar de ressaltar a importância da metodologia na relação entre o pesquisador e o documento, pois a mesma não é simples e nem imediata605. No que tange à abordagem metodológica da documentação, empregamos as grades de análises documentais desenvolvidas pelo Núcleo de Estudos da Antiguidade, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro606. Assim, para cada documentação, foi aplicado um tipo específico de metodologia, como a análise contextual e descritiva das plantas e vestígios arqueológicos saguntinos; a grade de análise do conteúdo, para lidar com as informações contidas na documentação textual escrita; a grade de análise numismática, para analisar as moedas encontradas em Sagunto; a grade de análise do discurso mágico, desenvolvida para os estudos sobre as defixiones latinas ou para os Katadesmoi helênicos; e a grade de análise epigráfica, para estudos referentes à epigrafia. Tais instrumentos nos possibilitaram analisar a estrutura narrativa, com maior atenção ao contexto de produção do discurso. Ademais, as reflexões metodológicas nos levam a verificar os jogos de interesses presentes nas entrelinhas e o conteúdo de cunho político nos textos produzidos pelos pensadores romanos sobre a relação da religião com a política imperial.

604

BLOCH, Marc. Apologia da História, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p.27.

605

HARTOG, F. Os antigos, o passado e o presente. Brasília: Ed.UnB, 2003, p. 190.

606

CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa; CANDIDO, Maria Regina; DUARTE, Alair Figueiredo; GOMES, José Roberto de Paiva. Novas perspectivas sobre a aplicação metodológica em História Antiga. In: ROSA, Claudia Beltrão da. A Busca do Antigo. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2011, p.13-24.

159

Desse modo, nosso recorte espaço-temporal se focou na cidade de Sagunto, no período de II a.C. a I d.C.. As análises tecidas sobre a reconstrução da cidade saguntina pelos romanos tiveram como objetivo expor os elementos político-culturais que consideramos como responsáveis pelo estabelecimento e preservação do poder romano na região. Assim, compreendemos que tal processo foi gradual e passou por várias modificações ao longo do tempo. Para Jonathan Edmondson607, a administração provincial romana não poderia ter funcionado efetivamente sem a construção ou desenvolvimento das cidades para a preservação da ordem social e dos interesses romanos. Com uma visão aproximada, Andrew Wallace-Hadrill608 frisou que as cidades possuem um efeito que vivifica a vida humana e, em virtude disto, as mesmas despertaram e continuam instigando o interesse do cenário acadêmico. O autor609 demarca que o Império Romano deve ser visto como um “tabuleiro de xadrez”, repleto de cidades em seu interior, em que cada uma possuía suas hierarquias sociais e atividades de cunho econômico. As cidades facilitaram a transformação cultural dos locais subjugados, por meio de centros político-culturais de estilo romano, como também possibilitou a inserção do modelo jurídico de Roma em diversos pontos, levando áreas que não haviam experimentado um controle centrifocal forte a se alinharem na dinâmica de poder. A importância dos estudos políticos sobre a reconstrução da cidade saguntina nos permitiu traçar a sua historicidade administrativa e cultural sob o domínio romano. O material humano foi um elemento que percebemos como importante na consolidação das instituições políticas nas cidades romanas. No caso de Sagunto, fica perceptível que aqueles que tiveram acesso à cidadania romana conseguiram atuar como conselheiros locais (decuriões), na magistratura e nos colégios sacerdotais. As análises das inscrições honoríficas sobre as gentes Baebia, Fabia, Varvia, Calpurnia, Licinia e Voconia, no século I d.C., demonstraram como a política e a religião estavam vinculadas no mundo antigo, apesar da segmentação encontrada na historiografia contemporânea. Para além das entidades geográficas elaboras em Sagunto, em nosso trabalho nos preocupamos com as entidades

607

ASSMANN, Jan. Para Além da Voz, Para Além do Mito. In: Revista Humboldt, ano 45, 2003, p. 5.

608

WALLACE-HADRILL, Andrew. Introduction. In: WALLACE-HADRILL, Andrew; RICH, John[ed.]. City and country in the Ancient world. London-U.K.; New York-USA: Routledge, 2005, p. VIIII. 609

Ibidem, p. XV-XVI.

160

culturais como uma forma de rehumanizar610 as pesquisas históricas em torno do imperialismo, por vezes muito centradas nos aspectos econômicos e negligenciando temas específicos da sociedade, tais como a cultura. Através da gama de inscrições locais em nosso trabalho, a Epigrafia foi de demasiada utilidade por lançar luz sobre as relações entre os detentores da cidadania e o seu território, reforçando hierarquias sociais e demarcando os poderes das gentes locais. Segundo Jan Assmann611, a escrita pode ser vista como um instrumento eficaz para a produção da memória cultural de um evento ou sujeito histórico, a qual se torna passível de transmissão pelas gerações posteriores, se eternizando, superando a morte física e/ou social e evitando o seu famigerado esquecimento. Sendo assim, notamos a funcionalidade da escrita como uma forma de memória, capaz de registrar dados que nenhuma mente humana seria capaz de guardar. A escrita também possui uma função de voz, devido à sua capacidade de atingir receptores que se encontram distantes e impossibilitados de ouvir uma determinada ordem ou decreto emitido. Na formação dos domínios imperiais na Antiguidade, a escrita era uma forma de fazer uma ordem ou homenagem por meio da voz, percorrer o espaço territorial612. A escrita possibilitava concretizar e disseminar novas formas de controle, administração e legitimação do status político dos magistrados para gerirem os novos territórios conquistados. A partir de Jan Assmann, podemos pontuar que a escrita possibilitou à Cidade-Estado transpor as fronteiras do espaço e do tempo, assim como atuar na preservação da ordem social. Em suma, notamos que o imperialismo romano desenvolveu, na região de Sagunto, uma complexa estrutura de atitudes e referências dentre as quais o acesso à cidadania era o principal fator para se obter os privilégios políticos e sociais. As famílias proeminentes da região, registradas pelo censo romano, poderiam concorrer à magistratura e ao sacerdócio locais. Tal fator possibilitava que algumas conseguissem a própria reeleição para os cargos, como no caso de Caio Licinio Campo e Caio Voconio Placido. Além disso, a magistratura e o sacerdócio não se excluíam, pois o que vimos foi que os sacerdotes de tradição romana saguntinos também ocuparam os postos da magistratura. A atuação na esfera política e 610

PUJOL, Xavier Gil. La historia política de La Edad Moderna europea, hoy: Progressos y minimalismo. In: BARROS, Carlos (ed). Historia a debate. Actas del Congresso Internacional “a Historia a debate”. Santiago de Compostela: Historia a debate, 1995, p.207. 611

ASSMANN, Jan. Para Além da Voz, Para Além do Mito. In: Revista Humboldt, ano 45, 2003, p. 5.

612

Idem.

161

religiosa eram atribuições que constituíam o “ser cidadão” romano e possibilitavam a atração e colaboração política, tanto na Urbs como no municipium ciuium romanorum Saguntum.

162

REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS:

- Arqueológica BERNI, Piero; MONFORT, CÉSAR CARRERAS; OLESTI,Oriol. La gens Licinia y el nordeste peninsular. Una aproximación al estudio de las formas de propiedad y de gestión de un rico patrimonio familiar. Archivo Español de Arqueología, Vol 78, nº 191-192, 2005, p.167-187. CORELL, Josep. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Primeira edição. Volume I. Ed: Universitat de València. Valência: 2002. GASCÓ, Carmen Aranegui. Un Templo Republicano en el centro cívico Saguntino. Templos Romanos em Hispania. Cuadernos de Aquitectura Romana, vol. 01, Murcia, 1991, p. 67-82. ______; HERNANDEZ, Emilia; LÓPEZ, Montserrat; PASCUAL, Ignacio. El teatro romano de Saguntum. Teatros romanos de Hispania. Cuadernos de arquitectura romana, vol. 2, Murcia, 1993, p. 25-42. ______; FUERTES, Carlos Juan; Izquierdo, Asunción Fernandez. Saguntum como porto principal: uma aproximação náutica. In: ZEVI, Anna Gallina(org.).Méditerranée occidentale antique: les échanges. Itália: Rubbettino Editoriali, 2004 - A, p. 75 -100. ______. Sagunto y Roma. Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, Alicante, 2004-B, p. 0130. ______. From Arse To Saguntum. In: CASAL, L. Abad;KEAY, S.; ASNSIO, S. Ramallo. Early Roman Towns in Hispania Tarraconensis.

Portsmouth, Rhode Island: Journal of

Roman Archaelogy, 2006. HERNANDEZ, Emilia (org). Sagunto Museum of Archaelogy – Arse Saguntum and The Castle of Murviedro. Sagunto: Pentagraf Impresores S.L., 2009. PORTACELI, Manuel. Rehabilitación del teatro romano de Saguntum. Teatros romanos de Hispania. Cuadernos de arquitectura romana, vol. 2, Murcia, 1993, p. 43-45. RIPOLLÈS, P. P.; VELAZA, J. Saguntum, colonia Latina. In: Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik, Bd. 141, 2002, p. 285-291. SALVADOR, José L. Jiménez. Teatro y desarrollo monumental urbano en Hispania. Teatros romanos de Hispania. Cuadernos de arquitectura romana, vol. 2, Murcia, 1993, p. 225-238.

- Literária APIANO. História Romana – Vol. I. Trad.: Antonio Sancho Hoyo. Madrid: Editorial Gredos, 1980.

163

AVIENO. Orla Marítima. Trad. José Ribeiro Ferreira. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos de Coimbra,1985. CICERÓN. De Legibus - Traite les lois. Paris: Imprimerie de l'Institut de France,1869. http://remacle.org/bloodwolf/philosophes/Ciceron/lois3.htm _____. Sobre la naturaleza de los dioses. Trad. Angel Escobar. Madrid: Ed. Gredos, 1999. DIODORUS SICULUS.Bibliotheca Historica. Vol. XI. Trad.: C.H. Oldfather [et al].Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1933. DIONISIO DE HALICARNASSO. Roman Antiquities. Trad.: Earniest Cary. Vol. I (L. I-II). Cambridge: Harvard University Press; London: William Heinemann Ltd., 1937. MARCIAL. Epigramas. Vol. I e I. Trad. José Luis Brandão e Paulo Sérgio Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2000. MARCUS CORNELIUS FRONTO. The correspondence of Marcus Cornelius Fronto. Vol. I. Acessado em 29/01/2013. Disponível em: http://www.archive.org/stream/correspondencem00auregoog#page/n10/mode/2up Vol. II. Acessado em 29/01/2013. Disponível em: http://www.archive.org/stream/correspondencem00frongoog#page/n10/mode/2up MARCUS TERENTIUS VARRO. On the Latin language. Trad.: Roland G. Kent. Vol. I e II. Cambridge: Harvard University Press; London: William Heinemann Ltd.,1938. MARCUS TULLIUS CICERO. De Officiis. Trad: Walter Miller. Cambridge – Mass.: Harvard University Press, 1913. _____. De haruspicum responso. Discours. Trad.: P. Wuilleumier; Anne-Marie Tupet. Tome XIII, 2. Paris: Les Belles Lettres, 1966. PLINY THE ELDER. The Natural History. Trad.: John Bostock, M.D., F.R.S. H.T. Riley, Esq., B.A. London: Taylor and Francis, Red Lion Court, Fleet Street, 1855. PLUTARCH. Plutarch's Lives. Trad.: Bernadotte Perrin. Cambridge: Harvard University Press; London: William Heinemann Ltd., 1914. POLYBIUS. Histories. Trad.: Evelyn S. Shuckburgh. Londres; Nova Iorque; Bloomington: Indiana University Press, 1962. POMPONIUS MELA. Chorographie. Trad.: A. Silberman, Paris: Les Belles Lettres, 1988. SALLUST. Conspiracy of Catiline. Trad.: John Selby Watson. New York and London: Harper & Brothers, 1899. TITE-LIVE. Ab Urbe Condita Libri. Trad.: J. C. Yardley. Hannibal’s War. Books XXI – XXX. Nova York: Oxford University Press, 2006.

164

TITO LÍVIO. História de Roma. Livro I. Trad.: Mônica Vitorino; Júlio Cesar Vitorino. Belo Horizonte: Crisálida, 2008. VITRUVIUS. The Ten Books on Architecture. Traduzido por Morris Hicky Morgan. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1914.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ÁLAVA, Estíbaliz Ortiz de Urbina. Las comunidades hispanas y el derecho latino. VitoriaEspanha: Servicio editorial de la Universidad del País Vasco, 2000. ALFÖLDY, Géza. História Social de Roma. Lisboa: Editora Presença, 1989. _____. Los Baebii de Saguntum. Valencia: Servicio de Investigacion Prehistorica do Museu de Prehistoria, n.56, 1977. ALLISON, Penelop M. Engendering Roman Spaces. In: ROBERTSON, E. C.; SEIBERT, J. D.; FERNANDEZ, D. C.; ZENDER, M. U.(org). Space and spatial analysis in archaeology. Calgary: University of Calgary Press, 2006. p. 343-354. ALONSO, Ana Carolina Caldeira. Tito Lívio: Sua biografia e obra. In: Philía – Jornal Informativo de História Antiga. Rio de Janeiro, Ano XIII, Nº 40, out./nov./dez. de 2011, p.6. ANDO, Clifford. The matter of the Gods. Religion and the Roman Empire. Berkeley: University of California Press, 2008. _____. Exporting Roman Religion.In: RÜPKE, Jörg. A Companion Roman Religion. MaldenEUA; Oxford-Ingl.: Blackwell Publishing, 2007. p. 429-445. _____. The Administration of the Provinces. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 177-192. ANSCHUETZ, Kurt F.; WILSHUSEN, Richard H.; SCHEICK, Cherie L. An Archaeology of Landscapes: perspectives and directions. Journal of Archaelogical Research, v.9, n.2, p. 157 – 211, 2001. ASSMANN, Jan. Cultural memory and early civilization: writing, remembrance, and Political Imagination. Cambridge: Cambridge University Press, 2011. _____. Para Além da Voz, Para Além do Mito. In: Revista Humboldt, ano 45, 2003, p. 5-9. ASSUMPÇÃO. Luis Filipe Bantim de. Topografia da Lacedemônia: uma análise através da documentação Clássica. In: CANDIDO, Maria Regina(orgs). Estudos em CD do NEA / Enea do I Encontro Internacional e II Nacional de Estudos sobre o Mediterrâneo Antigo: Interações Culturais entre as Sociedades Mediterrâneas IX Jornada de História Antiga. UERJ - Rio de Janeiro, 26 -30 de abril de 2010.

165

_____. O processo de formação do jovem em Esparta, no século V a.C.: A relevância políticosocial da Agôgé. In: OLIVEIRA, Terezinha (orgs). Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais. X Jornada de Estudos Antigos e Medievais & II Jornada Internacional de Estudos Antigos e Medievais. Maringá: UEM / Departamento de Fundamentos da Educação, 21-23 de setembro de 2011. AYMARD, André; AYBOYER, Jeannine. Roma e seu império. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1963.v.1.

AYMARD, André; AYBOYER, Jeannine. Roma e seu império. Vol. III. São Paulo: Bertrand Brasil, 1993. BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (org.). Enciclopédia Einaudi. V.5. Lisboa: Imprensa Nacional, 1985. BADIAN, Ernest. Roman imperialism in the late republic. Oxford: Basil Blackwell, 1968. Publicado originalmente em 1967. _____. Foreign clientelae (264-70 B.C). Oxford: Oxford University Press, 1967. BALOT, Ryan K. Rethinking the History of Greek and Roman Political Thought. In: BALOT, Ryan K.(org.) A companion to Greek and Roman political thought. MassachusettsEUA: Wiley-Blackwell Publishing Ltd, 2009. p. 3-19. BARROW, R. H. Los romanos. Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 1950. BEARD, M.; NORTH, J.A.; PRICE, S.R.F. Religions of Rome. V. 1 (A History); v. 2 (A Sourcebook). Cambridge: Cambridge University Press, 1998. _____; CRAWFORD, Michael. Rome in the late republic. London: Duckworth, 1985. BENDLIN, A. Peripheral centres – central peripheries: religious communications in the Roman empire. In: CANCIK, H; RÜPKE, J.(org). Römische Reichsreligion and Provinzialreligion. Tübingen: Mohr Siebeck, 1997. p.35-65. BERR, Henri. Preface. In: HOMO, Léon. Primitive Italy and the beginnings of Roman imperialism. New York: Alfred A. Knopf, 1926. BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: RIOUX, Jean Pierre; SIRINELLI, Jean François (orgs). Para uma história Cultural. Editorial Estampa, Lisboa, 1998. BEUTER, Antoni. Cronica generale d’ Hispagna, et del Regno di Valenza. Baviera, 1556. Disponível em:< http://books.google.com.br/books?id=Bu87AAAAcAAJ&dq=cronica+generale+d'+Hispagna &hl=pt-BR&source=gbs_navlinks_s> Acesso em: 15 de nov de 2011. BLANCO, Antonio Gonzáles. Urbanismo romano en la región de Murcia. Murcia: Servicio de Publicaciones, Universidad, 1996.

166

BLÁZQUEZ, José María (orgs.) Historia de España antigua. Tomo I – Proto Historia. Madrid: Catedra, 1997. BLOCH, Marc. Apologia da história, ou,o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BOARDMAN, John; GRIFFIN, Jasper; MURRAY, Oswyn. The Oxford History of Classical World. New York: Oxford University Press, 1995. BOBBIO, Norberto. O Problema da Guerra e as vias da Paz. São Paulo: Editora UNESP, 2003. BODEL, John. Epigraphy and the ancient history. In: BODEL, John (org.). Epigraphic Evidence – Ancient history from inscriptions. New York: Routledge, 2006. p. 1-56. BOIX, Don Vicente. Memória de sagunto. Valencia: Imprenta de José Rius, 1865. BOWMAN, Alan K.;WOOLF, Greg. Cultura escrita e poder no mundo antigo. In: BOWMAN, Alan K.; WOOLF, Greg. Cultura escrita no mundo antigo. São Paulo: Ed. Ática, 1998. p.5 -23. BOYANCÉ, Pierre. «Fides Romana» et la vie internationale. In: Etudes sur la religion romaine. Rome: École Française de Rome, n.11, 1972, p. 105-119. _____. Les Romains, peuple de la « fides ». Etudes sur la religion romaine, Rome, École Française de Rome, n.11, p.135-152, 1972. BRAUDEL, F. As cidades. In: F. BRAUDEL, Civilização material, economia e capitalismo – sécs. XV-XVIII: As estruturas do cotidiano. V.1. São Paulo, Martins Fontes, 1997. p. 439-514. _____. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 1978. _____. História e Ciências Sociais. Lisboa: Presença, 1976. _____. Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II. Lisboa: Martins Fontes, 1983. BRISSON, J.P. Problèmes de la guerre à Rome. Paris: La Haye, 1969. BRYSSON, Luc. Mythes, écriture, philosophie. Topoi.v.6, p.48-57, 1996. BUCKE, Charles. Ruins of Ancient Cities: with general and particular accounts of their rise, fall and present condition.v.2. Londres: Thomas Tegg, 1840. BURKE, Peter. Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. ______. Testemunha Ocular – história e imagem. São Paulo: EDUSC, 2004. ______. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

167

______. Hibridismo Cultural. Rio Grande do Sul: UNISINOS, 2010. BURNS, Thomas S. Rome and the barbarians: 100 B.C- A.D. 400. Baltimore, Maryland: The Johns Hopkins University Press, 2003. BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Bellum Iustum e a revolta de tacfarinas. In: CARVALHO, Maria Margarida de (et AL). História militar do mundo antigo: guerras e representações. v.2. São Paulo: Fapesp, 2012. p.209 -226. _____. Festa das Lemuria: os mortos e a religiosidade na Roma Antiga. Anais do XXVI simpósio nacional de história – ANPUH , São Paulo, jul, 2011. _____. Práticas Culturais no Império Romano: Entre Unidade e a Diversidade. SILVA, Gilvan Ventura da & MENDES, Norma Musco (org.). Repensando o império Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad,2006. p.109-133. _____; DAVIDSON, Jorge; MENDES, Norma Musco. A experiência imperialista romana: teorias e práticas. Tempo, Rio de Janeiro, n.18, p. 17- 41, 2005. _____. Práticas religiosas nas cidades romano-africanas: identidade e alteridade. Phoinix, Rio de Janeiro, v. 5, p. 325-348, 1999. CABANES, Pierre. Introdução à história da antiguidade. Petrópolis: Ed. Vozes, 2009. CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa [et al.]. Novas Perspectivas sobre a Aplicação Metodológicas em História Antiga. In: ROSA, Claudia Beltrão (et al). A busca do antigo. Rio de Janeiro: Trarepa, 2011. p. 13-24. _____. As seis defixiones de sagunto: a vingança dos saguntinos através das práticas da magia. Revista NEARCO, n.1, 2010. p.50 - 76. _____. As tabellae defixionum de sagunto: as práticas da magia e as interações culturais na Península Ibérica, séc. I e II d.C. Monografia apresentada e aprovada na UERJ, para obtenção do título de Bacharel em História, no ano de 2009. Disponibilizada no site: http://www.nea.uerj.br/publica/monografias/MonografiaCarlosEduardodaCostaCampos.pdf _____. “A prática mágica dos defixiones de Sagunto séc. I e II d.C”. In: Anais do XVIII Ciclo de Debates em História Antiga. Rio de Janeiro: LHIA/UFRJ, 2008. Cd – ROM, ISSN 19807015. CANCIK, Hubert; SCHNEIDER, Helmuth. Brill’s New Pauly – Encyclopedia of the Ancient World. Vol.12 – Antiquity. Netherlands, Leiden: Brill, 2005. CANDIDO, Maria Regina. Interações culturais através da Memória do Mediterrâneo Antigo. In: CANDIDO, Maria Regina. Memórias do mediterrâneo antigo. Rio de Janeiro: UERJ, 2010. p.127-135. _____. A Feitiçaria na atenas clássica. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2004. _____.Magia do katádesmos: téchne do saber-fazer. Revista Hélade nº03, 2002.

168

CANTO, Alicia Maria. Una familia Betica. Los Fabii Fabiani. Habis, nº 9, 1978, p. 293-310. CARCOPINO, Jérome. Las Etapas del Imperialismo Romano. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1961. CARDOSO, Ciro Flamarion. Existiu uma economia Romana? Phoînix, Rio de Janeiro, 2011, p.15-36. CARDOSO, Ciro Flamarion. Um historiador fala de teoria e metodologia. São Paulo: Edusc, 2005. p.209. CARLAN, C. FUNARI, P. P. A. Moedas: a numismática e o estudo da história. São Paulo: Annablume, 2012. CARNEVALE, Tricia Magalhães. Katádesmos: Magia e vingança dos atenienses através dos mortos. Vida, Morte e Magia no Mundo Antigo, VII Jornada de História Antiga - UERJ . Rio de Janeiro. Ed: NEA – UERJ, 2008. CASAMENTO, Alfredo. Guerra giusta e guerra ingiusta nella Pharsalia di Lucano. ὅρμος Ricerche di Storia Antica, n.1, p. 179-188, 2009. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. _____. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed.Vozes, 1994. CHAMPION, Craige B.; ECKSTEIN, Arthur. Introduction: The Study of Roman Imperialism. In: CHAMPION, Craige B [et. al.]. Roman Imperialism Readings and Sources. Massachussets, USA: Blackwell Publishing, 2008, p.1-15. _____. Imperial Ideologies, Citizenship Myths, and Legal Disputes, in Classical Athens and Republican Rome. In: BALOT, Ryan K.(org.). A companion to Greek and Roman political Thought. Massachusetts-EUA: Blackwell Publishing Ltd, 2009. p. 85-100. CIRIBELLI, Marilda Corrêa. Teatro Romano e Comédia Palliata. In: Phoînix. Laboratório de História Antiga, UFRJ, ano II, Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996.p. 235-244. _____. A atualidade das idéias pedagógicas sobre a juventude romana na comédia Adelfos de Terêncio. Phoînix. Laboratório de História Antiga, UFRJ, ano XII, Rio de Janeiro: Sette Letras, 2006, p. 216-230. CLAUSEWITZ, Carl Von. On War. Princeton: Princeton University Press, 1984. COELLO, Joaquim Muñiz. Aspectos sociales y económicos de Malaca romana. Habis, n. 6, 1975, pp. 241-252. COLLARES, Marco Antonio. Representações do Senado Romano na Ab Urb Condita Libri de Tito Lívio: Livros 21 – 30. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da UNESP, para a obtenção de título de Mestre em História. Área de Concentração História e Cultura Política, 2009.

169

CORBIER, Mireille. City, territory and taxation. In: WALLACE-HADRILL, Andrew; RICH, John[ed.]. City and country in the Ancient world. New York: Routledge, 2005. p. 214 - 243. _____. L'écriture dans l'espace public romain. In: L' Urbs : espace urbain et histoire (Ier siècle av. J.-C. - IIIe siècle ap. J.-C.). Actes du colloque international de Rome (8-12 mai 1985). Rome: École Française de Rome, 1987, p. 27-60. CORELL, Josep. Invocada la Intervención de Iau en una defixio de Sagunto (Valencia). Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik. Bonn, 2000. CORTÉS, Juana Rodríguez. Aspectos sociales de la religion romana en el area del Guadalquivir. Studia histórica - Historia Antigua, n. 2-3, p. 177-192, 1984-1985. COULANGES, Numa Denis Fustel de. A Cidade Antiga- estudo sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia Antiga e de Roma. São Paulo: EDIPRO, 2009. COULET, Corinne. Communiquer em Gréce Ancienne. Paris: Belles Lettres, 1996. CURCHIN, Leonard Andrew. Roman Spain: conquest and assimilation. London: Routledge, 1991. DALY, Gregory. Cannae: the experience of battle in the Second Punic War. Londres: Routledge, 2002. DAREMBERG, C.; SAGLIO, E. (org.) Dictionnaire des antiquités grecques et romaines. Tomo I - Vol.: 2. Paris: Librairie, 1877-1919. D’ENCARNAÇÃO, José. A “Escola Alemã” e o estudo da epigrafia romana em Portugal. In: MINGOCHO, Maria Teresa Delgado; GIL, Maria de Fátima; CASTENDO, Maria Esmeralda. Miscelânia de Estudos em Homenagem a Maria Manuela Gouveia Delille. Vol. II. Coimbra: Edições Minerva Coimbra, 2011. _____. Epigrafia: As pedras que falam. Coimbra: Ed. da Universidade de Coimbra, 2010. _____. A menção da tribo nas epígrafes: identificação e territorialidade. Anas, 2002-2003, pp. 127-132. _____. A epigrafia latina como instrumento didático (X). Boletim de estudos clássicos, n.36, dez, p.95-98, 2001. _____. Introdução ao Estudo da Epigrafia Latina. Cadernos de Arqueologia e Arte, n.1. Coimbra: História da Arte da Universidade Coimbra, 1979. DE SANCTIS, Gaetano. Problemi di Storia Antica. Bari: Ed. Laterza, 1932. DETIENNE, Marcel. Os gregos e nós: uma antropologia comparada da Grécia antiga. São Paulo: Edições Loyola, 2008. DOMÍNGUEZ, Ramón Járrega. La vía romana de Saguntum a Caesaraugusta en la comarca del Alto Palancia: estudio arqueológico. Revista Millars: espai i història,v.24, 2001, p. 35-58.

170

DOS SANTOS, Airan Borges. A organização do espaço social no principado: um estudo de caso sobre a colônia de Augusta Emerita entre os séculos I a.C. - II d.C. Dissertação de (Mestrado em História Comparada) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010.

DUARTE, Alair Figueiredo. Paz negativa na Atenas Clássica: guerras, discursos e interesse de Estado. Monografia apresentada no Departamento de Filosofia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade do Estado do Estado do Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia, no ano de 2008. DUBOIS, Page. Ancienty Tragedy and the Metaphor of Katharsis. Theatre Journal. The Johns Hopkins University Press, n.54, 2002, p.19-24. ECKSTEIN, Arthur M. Mediterranean anarchy, interstate war, and the rise of Rome. Berkley; Los Angeles; London: University of California Press, 2006. EDMONDSON, Jonathan. Cities and Urban Life in the Western Provinces of the Roman Empire 30 BCE–250 CE. In: POTTER, David S [ed.]. A companion to the Roman Empire. Malden – USA; Oxford – UK: Blackwell Publishing, 2006, p. 250-280. ERSKINE, Andrew. Roman Imperialism - Debates and Documents in Ancient History. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2010. FEBVRE, Lucien. Honra e pátria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. FERREIRA, Tania Maria Tavares Bessone da Cruz. História e prosopografia. Anais do Encontro Regional de História – ANPUH-RJ, 2002, p.1-10. Disponível em: Acesso em: 30 de jan de 2013. FERRIL, Arther. A queda do império romano: a explicação militar. Rio de Janeiro: Zahar, 1989. FERRO, Gaetano. Sociedade humana e natural no tempo: temas e problemas de geografia histórica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. FINLEY, Moses I. A economia antiga. Porto: Afrontamento, 1980. _____. Empire in the Greco-Roman World. Greece & Rome, Second Series, v. 25, n.1, apr, p. 1-15, 1978. _____. Economy and Society in Ancient Greece. New York: Viking, 1982. FLESS, Friederike; MOEDE, Katja. Music and Dance: Forms of Representation in Pictorial and Written Sources. In: RÜPKE, Jörg. A companion roman religion. Oxford-Ingl: Blackwell Publishing, 2007. p.249-256. FLINT, V.; GORDON, R.; LUCK,G.; OGDEN, D. Withcraft and magic in europe: ancient Greece and Rome. London: The Athlone Press, 1999.

171

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1999. FRANÇA, Tiago; VENTURINI, Renata L. Biazotto. Escrita e poder na antiguidade. Nearco: Revista eletrônica de antiguidade, UERJ, v.1, n.2, p. 251-267, 2012. FRANK, Tenney. Roman imperialism. Kitchener – Canadá: Batoche Books, 2003. FRAZER, Sir James. La Rama dorada. México: Fondo de Cultura Economica:1956. FROWDE, Philip. The Fall of Saguntum. A Tragedy As it is acted at the theatre-Royal in Lincoln's-Inn-Fields. Londres: Golden Key; Little-Britain; Warwirck-Lane, 1727. FUNARI, Pedro Paulo A. Arqueologia e patrimônio. Erechim: Habilis, 2007. _____. Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2006. _____; GARRAFFONI, R. S. Economia romana no início do Principado. In: MENDES, N. M.; SILVA, G. V. (org.) Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad X; Vitória: Edufes, 2006, p.53-63. GASCÓ, Charo Marco; VALERO, Amparo Moreno. Domus Baebia Saguntina. Revista Arse, n. 42, p. 247- 254, 2008. GIARDINA, André. O homem romano. In: NICOLET, Claude (org). O homem romano. Lisboa: Presença, 1992, p.07-18. GINZBURG, Carlo. Relações de força. História, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. _____. O inquisidor como antropólogo uma analogia e suas implicações. In: GINZBURG, Carlo; CASTELNUOVO, Enrico; PONI, Carlo. A Micro –história e outros ensaios Rio de Janeiro: Bertrand-Brasil, 1991. GOETTEMS, Miriam Barcellos. A Escrita em Roma: Origem e Desdobramentos. In: BAKOS, Margaret M.; POZZER, Katia Maria Paim (org.) Anais da III Jornada de Estudos do Oriente Antigo: Línguas, escritas e imaginários. Porto Alegre: EDIPUCRS,1998. p. 173202. GOLDSWORTHY, Adrian. The Punic wars. Londres: Cassell & Co, 2001. GÓMEZ, Manuel Civera i. El forum Senatorial. Revista Arse, Valência, n.44,p.129-168, 2010. GONÇALVES, Ana Teresa Marques. As festas romanas. Revista de Estudos do Norte Goiano, v.1, nº 1, ano 2008, p. 26-68. GONZALEZ, Verónica Marsá. Inscripciones de Sagunto: Los sacerdotes Salios de Roma. Millars: espai i història. Vol.30, 2007, p.21-7.

172

GONZALEZ-VILLAESCUSA Ricardo. Bonificación de zonas palustres en el ager saguntinus.In: Catastros, hábitats y vía romana, programa INTERREG III B de la Unión Europea : Las Vías Romanas en el Mediterráneo, Generalitat Valenciana, Valencia 2006, p.212-244. GREIMAS, A. J. Semiótica e ciências sociais. São Paulo: Cultrix, 1981. GREENE, K. The archaology of the Roman economy. London: Batsford, 1986. GRIMAL, Pierre. As cidades romanas. Lisboa: Edições 70, 2003. ______. O teatro Antigo. Lisboa: Edições 70, 2002. ______. Os erros da liberdade. São Paulo: Papirus, 1990. GRUEN, Erich S. The hellenistic world and the coming of Rome. Berkeley; Los Angeles and London: University of California Press, 1984. ______. Roman Imperialism and the Greek Resistance. The journal of interdisciplinary history, v.4, n.2, p.273-286, 1973. GUARDIOLA, Rosario Rovira. El archivo sulpicio y los tituli Picti ß: Circulación de comerciantes en el Mediterraneo. In: Acta XII congressvs internationalis epigraphiae graecae et latinae. Barcelona, 2007, p. 1.263-1.268. GUARINELLO, Norberto Luiz. O império romano e nós. In: SILVA, Gilvan Ventura & MENDES, Norma Musco. Repensando o império romano: perspectiva socieconomica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória: EDUFES, 2006. _____. Uma Morfologia da História: As Formas da História Antiga. Revista politéia: história e sociologia, Vitória, v. 03, n.1, p. 41-61, 2003. _____. Imperialismo Greco-Romano. São Paulo: Ed. Ática, 1994. HABINEK, Thomas N. The politics of latin literature : writing, identity, and empire in ancient Rome. New Jersey: Princeton University Press, 1998. HACQUARD, G.; DAUTRY, J.; MAISANI, O. Guide Romain Antique. Paris: Hachette, 1996. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro:DP&A,2006. HAMMER, Dean. What is Politics in the Ancient World? In: BALOT, Ryan K.(org). A companion to Greek and Roman political thought. Massachusetts-EUA: Wiley-Blackwell Publishing Ltd, 2009. p. 20-37. HANSEN, Morgens H; NIELSEN, Thomas. An inventory of Archaic and classical poleis. Oxford: Oxford University Press, 2004. p.374-5. HARRIS. Willian Vernon. On War and Greed in the Second Century B.C. The American Historical Review, v.76, n.5, dec, p. 1371-1385, 1971.

173

______. Guerra e imperialismo en la Roma republicana ( 327/70 a.C.). Madrid: Siglo Veintiuno Editores S. A., 1989. HARTOG, François; REVEL, Jacques (Orgs.). Les usages politiques du passé. Paris: Éditions de l’EHESS, 2001. HASSINGER, Hugo. Fundamentos Geográficos de la História. Barcelona: Ediciones Omega, 1958. HEATHER, Peter. Cultura Escrita e Poder no Período Migratório. In: BOWMAN, Alan K.; WOOLF, Greg. Cultura Escrita no Mundo Antigo. São Paulo: Ed. Ática, 1998. p.216 -241. HEISS, A. Description generale des monnaies antiques de l'Espagne. Paris: Arnaldo Forni Editore, 1870. HINGLEY, R. The ‘legacy’ of Rome: the rise, decline and fall of the theory of romanization. In: WEBSTER, J.; COOPER, N. (Orgs). Roman imperialism: post-colonial perspectives. Leicester: School of Archaeological Studies of University of Leicester, 1996. HIRATA, Elaine Farias Veloso. Monumentalidade e representações do poder tirânico no Ocidente Grego. In: CORNELLI, Gabriele(org). Representações da cidade antiga: Categorias históricas e discursos filosóficos. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos , 2010. p. 23-38. HOBSBAWM, Eric. Ethnicity and nationalism in Europe today. In: ______. Anthropology Today, v.8, n. 1, Feb. 1992. HOBSON, John Atkinson. Estúdio del imperialismo. Madrid: Alianza, 1981. HOLLEAUX, Maurice. Rome, la Grèce et les monarchies hellénistiques au III siecle avant J.C. (273-205). Paris: Ancienne Librairie Fontemoing et Cie, 1935. HOPE, Valerie. The city of Rome: capital and symbol. In: HUSKINSON, Janet. Experiencing Rome - Culture, identity and power in the Roman Empire. New York: Routledge, 2005. p. 6394. HOYS, Ana María Vázquez. Ana María Vázquez Hoys analisa as práticas mágico-religiosas na Antiga Ibéria. In: ______. Philía: jornal informativo de História Antiga. Rio de Janeiro: UERJ,n.34, abr./jun, p.4-5, 2010. HUSKINSON, Janet. Élite culture and the identity of empire. In: HUSKINSON, Janet. Experiencing Rome - Culture, identity and power in the Roman Empire. London – UK; New York: Routledge, 2005. p. 95-124. IANNI, Octavio. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. JENKYNS, Richard. El legado de Roma. In: JENKYNS, Richard (ed.). El legado de Roma: uma nueva valoración. Barcelona: Ed. Crítica, 1995. p.11-42.

174

JOHNSON, Allan Chester; COLEMAN-NORTON, Paul Robinson; BOURNE, Frank Card; PHARR, Clyde Pharr (ed.). Ancient Roman statutes: translation, with introduction, commentary, glossary and index. Austin: University of Texas Press, 1961. p. 97-104. JONES, A. H. M. The roman economy: studies in ancient economic and administrative History. Oxford: Basil Blackwell, 1974. JONES, Peter. The World of Rome.Cambridge: University of Cambridge Press, 1997. JONES, R. Duncan. Economy of the Roman empire. Cambridge: Cambridge University Press, 1982. KAJANTO, I. The latin cognomina. Societas Scientiarum Fennica. Commentationes Humanarum Litterarum XXXVI.2. Roma: Giorgio Bretschneider Editore, 1982. KULIKOWSKI, Michael. Late Roman Spain and Its cities. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2004. LARAIA, Roque De Barros. Cultura um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1986. LÊNIN, Vladimir Ilich. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. Tradução Olinto Beckerman. 4.ed. São Paulo: Global, 1987. LE-ROUX, Patrick. Império romano. Porto Alegre: L&PM, 2009. LÉVI-STRAUSS, C. Tristes tropiques. London: Ed. Penguin, 1976. LEWIS, Charlton T.; SHORT, Charles. A Latin Dictionary. Oxford: Clarendon Press, 1958. LOOMBA, Ania. Colonialism / Postcolonialism. Nova York: Routledge, 1998. LORAUX, Nicole. Invenção de Atenas. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. LUCHIARI, Maria Tereza Duarte Paes. A (re)significação da paisagem no período contemporâneo. In: ROZENDAHL, Zeny ; CORRÊA, Roberto Lobato. Paisagem, Imaginário e Espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. LUCK, George. Arcana Mundi: magia y ciencias ocultas en el mundo griego y romano. Madrid. Ed: Gredos, 1995. MANGAS, Julio. Leyes coloniales y municipales de la Hispania Romana. Madrid: Ed. Arco Libros, 2001. MARQUES, Ana Carolina Marinho. Direito romano: a magistratura no período republicano. Parlatorium –Revista eletrônica da FAMINAS/BH, n.1, p.01-12, 2009. MATTINGLY, D. J. Dialogues in Roman Imperialism. Journal of Roman Archaeology, n. 23. Potsmouth: Oxbow Book, 1997.

175

MATTOSO, José. História de Portugal. Primeiro Volume: Antes de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1992. MELO, Vera Mayrinck. Paisagem e Simbolismo. In: ROZENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato. Paisagem, imaginário e espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. MENDES, Norma Musco. Prefácio. In: HINGLEY, Richard; GARRAFONE, Renata Sena; FUNARI, Pedro Paulo de Abreu; PINTO, Renato (orgs). O imperialismo romano: novas perspectivas a partir da Bretanha. São Paulo: Annablume, 2010. _____; ARAUJO, Yuri Corrêa. “Epigrafia, Sociedade e Religião: O Caso da Lusitânia”. In: Phoînix, Rio de Janeiro, nº 13, p. 261-267, 2007. _____. Império e Latinidade. In: COSTA, Dar; SILVA, Francisco Carlos Texeira da(org.) Mundo Latino e Mundialização. Rio de Janeiro: Faperj, 2004. p.17-28. _____. Roma Republicana. São Paulo: Ed. Ática, 1988. MOENO, Eduardo Sánchez; PANTOJA, Joaquín Gómez. Protohistoria y Antiguedad de la Península Ibérica: la Iberia prerromana y la romanidad. Madrid: Sílex Ediciones, 2008. MOMMSEN, Theodor. História de Roma. Rio de Janeiro: Ed. Delta, 1962. MOZOTA, Francisco Burillo. Etnias, Ciudades y Estados en la Celtiberia. In: VILLAR, Francisco; BELTRÁN, Francisco (org.). Pueblos, Lenguas y escrituras en La Hispania Prerromana. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 1999. NICOLET, Claude. O cidadão e o político. In: NICOLET, Claude (org). O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1992, p.21-48. _____. Roma y la conquista del mundo mediterráneo: 264-27 a. De J.C. Barcelona: Labor, 1982. NICOLS, John. The civic religion and civic patronage. In: BLOIS, Lukas de; FUNKE,Peter;HAHN, Johannes. The impact of imperial Rome on religions, ritual and religious life in the Roman Empire.Leiden-Boston: Brill, 2006, p.36-50. NORTH, J. A. Roman Religion. Oxford: Oxford University Press, 2000. OGDEN, Daniel. Magic, witchraft, and Ghosts in the Greek and Roman Worlds: a Sourcebook. New York: Oxford University Press, 2002. OSBORNE, Robin. The Religious Contexts of Ancient Political Thought. In: BALOT, Ryan K.(org.). A companion to Greek and Roman political thought. Massachusetts EUA: Wiley-Blackwell Publishing Ltd, 2009. p. 118-130. PALOS Y NAVARRO, Enrique. Disertacion sobre el teatro, y circo de Sagunto, Ahora Villa de Murviedro.Valencia: Fauli, 1793. PADEN, W.E. Sacrality as Integrity: “Sacred Order” as a Model for Describing Religious Worls. In: INDINOPULOS, T.Q.; YONAN, E.A. (ed.) The Sacred and its Scholars:

176

comparative methodologies for the study of primary religious Data. Leiden: Brill, 1996. p. 318.

PEARSON, Michael Parker Pearson ; RICHARDS,Colin. Ordering the world: perceptions of architecture, space and time. In: PEARSON, Michael Parker Pearson; RICHARDS, Colin (org). Architecture and order: approaches to social space. New York: Routledge, 2005. p.133. ______. Architecture and order: spatial representation and Archaeology. In: PEARSON, Michael Parker Pearson; RICHARDS, Colin (org). Architecture and order - Approaches to Social Space. New York: Routledge, 2005. p. 34-66. PEREIRA-MENAUT, Gerardo. Prólogo. In: ÁLAVA, Estíbaliz Ortiz de Urbina. Las comunidades hispanas y el derecho latino. Vitoria, Espanha: Servicio editorial de la Universidad del País Vasco, 2000. p. 11-14. PÉREZ ZURITA, Antonio David. La edilidad y las elites locales en la Hispania Romana: proyección de una magistratura de Roma a la administración municipal. Córdoba: Servicio de Publicaciones, 2011. PERLATTO, Fernando. História e geografia: um diálogo necessário. Revista Virtu. Primeiro Semestre de 2005, p.1-16. PERREAU-SAUSSINE, Émile. Imperialism. In: TURNER, Bryan S.(org.). The Cambridge dictionary of sociology. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p.280-1. POLANYI, Karl Paul. The great transformation: the political and economic origins of our time. Boston: Beacon Press,2001. _____ [et. al.]. Trade and market in the early empires. Glencoe: Free Press and The Falcon’s Wing Press, 1957. POLO, F. Pina; SIMÓN, RODRÍGUEZ, José de Remesal ;Francisco Marco (orgs.). Religión y propaganda política en el mundo romano. Barcelona: Edicions Universitat Barcelona, 2002. POZZER, Katia Maria Paim. Babel e a representação do sagrado na Cidade Antiga. In: CORNELLI, Gabriele (org.) Representações da cidade antiga. Categorias Históricas e Discursos Filosóficos. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos e Classica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis, 2010. _____. O exercício do direito na Mesopotâmia Antiga. Revista Justiça & História , v.2, n.3, Porto Alegre, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2003, p. 01-14. PUJOL, Xavier Gil. La historia política de La Edad Moderna europea, hoy: Progressos y minimalismo. In: BARROS, Carlos (ed). Historia a debate. Actas del Congresso Internacional “a Historia a debate”. Santiago de Compostela: Historia a debate, 1995, p. 195-208. PULLEYN. Simon ‘Prayer In Greek Religion.’ Oxford: Clarendon Press, p. 1997.

177

REDE, Marcelo. História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N.Sér.v.4, jan./dez. 1996, p.265-82. RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. RICHARDSON, John S. Hispaniae: Spain and the development of Roman Imperialism, 21882 BC. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. _____. The romans in Spain: history of spain. Oxford/Inglaterra: Blackwell Publishing, 1998. RIVES, James. Civic and religious life. In: BODEL, John (org.). Epigraphic Evidence – Ancient history from inscriptions. London and New York: Routledge, 2006, p. 118-137. RODOLPHO, Adriane Luisa. Rituais, ritos de passagem e de iniciação. Estudos Teológicos, v. 44, n. 2, 2004, p. 138-146. RHODES, P. J. Civic Ideology and Citizenship. In: BALOT, Ryan K.(org.) A companion to Greek and Roman political thought. Massachusetts-EUA: Wiley-Blackwell Publishing Ltd, 2009, p. 57 -70. ROLDÁN, José Manuel. História de Roma. Tomo II: la república romana. Madrid: Cátedra, 1987. RONCAYOLO, Marcel. Cidade. In: ROMANO, Ruggiero; GIL, Fernando(org). Enciclopédia Einaudi - Região.v.8. Lisboa: Imprensa Nacional, 1986. p. 396 - 487. ROSA, Claudia Beltrão da. Guerra, direito e religião na Roma Tardo-Republicana: O ius fetiale. CARVALHO, Maria Margarida de. [et al.]. História Militar do Mundo Antigo – Guerras e Representações. v.2. São Paulo: Fapesp, 2012. p.119 -138. ______. LECTISTERNIVM: Banquete Ritual e Ordem Sagrada na Roma Republicana. In: CANDIDO, Maria Regina (org.). Práticas alimentares no mediterrâneo Antigo. Rio de Janeiro: UERJ, 2012. p. 60-82. _____. Elementos da religião doméstica romana na Aulularia de Plauto. In: CANDIDO, Maria Regina; CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa (Orgs.). Práticas religiosas no mediterrâneo antigo. Rio de Janeiro: NEA/UERJ, 2011, p.48-57. ______. Interações religiosas no mediterrâneo Romano: Práticas de Acclamatio e de Interpretatio. In: CANDIDO, Maria Regina. (Org.). Memórias do mediterrâneo antigo. Rio de Janeiro: UERJ, 2010, p.42-60. _____. Tirocinium fori: o orador e a criação de “homens” no forum Romanum. In: Phoînix. Laboratório de História Antiga / UFRJ. Ano XIII – 2007. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 2007, p. 52 – 66. _____. De haruspicum responso: religião e política em Cícero. Revista mirabilia, n.3, 2003, p. 20-42. ROSTOVTZEFF, M. Historia de Roma. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1983. Publicado originalmente em 1960.

178

_____. História social y economica del imperio romano. Tomo I e II. Madrid: EspasaCalpes S.A., 1937. ROULAND, Norbert. Roma democracia impossível? Os agentes do poder na urbe romana. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. ROWE, Gregory. Epigraphical Cultures of the Classical Mediterranean: Greek, Latin, and Beyond. In: ERSKINE, Andrew (org.). A companion to ancient history. Massachussets: Blackwell Publishing Ltd., 2009, p. 23-36. RÜPKE, Jörg. Urban religion and imperial expansion: Priesthoods in the lex Ursonensis.In: BLOIS, Lukas de; FUNKE, Peter; HAHN, Johannes. The impact of imperial Rome on religions, ritual and religious life in the Roman Empire.Leiden-Boston: Brill, 2006, p.11-23. RYKWERT, Joseph. A idéia de cidade: a antropologia da forma urbana em Roma, Itália e no mundo antigo. São Paulo: Perspectiva, 2006. SAID, Edward. Orientalismo: o oriente como uma invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. _____. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. SALLER, Richard. The Family and Society In: BODEL, John (org.). Epigraphic evidence: Ancient history from inscriptions. London: Routledge, 2006, p. 95-117. SALOMIES, Olli. Names and identities: onomastics and prosopography. In: BODEL, John (org.). Epigraphic evidence: ancient history from inscriptions. London: Routledge, 2006. p. 73-94. SÁNCHEZ, María Angeles Alonso. Guerra y territorio: el caso romano. Norba: revista de historia/geografía / Facultad de Filosofia y Letras. Cáceres: Servicio de Publicaciones de la Universidad de Extremadura, número 07, 1986, p. 177-186. SANT’ANNA, Henrique Modanez de. A segunda guerra púnica e a construção da “armadilha cívica” nas Histórias, de Políbio. Revista Praesentia n.9, 2008. p. 01-13. _____.Tradição militar ocidental clássica: a manobra envolvente nas batalhas de Gaugamela e Zama. Cadernos de estudos estratégicos: centro de estudos estratégicos da escola superior de Guerra (Brasil), n.4. Rio de Janeiro: CEE – ESG, 2006. p.11-20. SANTANGELO, Federico. The Fetials and their Ius. Bulletin of the Institute of Classical Studies, n.51- 1, p.63-93, 2008. SCHEID, J. Religion, institutions et société de la Rome antique - Cours: La cité, l’individu, la religion. In: L’annuaire du Collège de France, 2008-2009. Disponível em:
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.