A ética ambiental em Aristóteles (2015)

June 15, 2017 | Autor: Milton Torres | Categoria: Aristotle, Environmental Ethics, Ancient Greek Philosophy
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A ÉTICA AMBIENTAL EM ARISTÓTELES Originalmente publicado em TORRES, Milton L. A ética ambiental em Aristóteles. In: HOSOKAWA, Elder et al. (Orgs.). Ética ambiental: história, literatura e tradução. Engenheiro Coelho, SP: Grupo de Estudo da Antiguidade, 2015. p. 79-85. INTRODUÇÃO Juntamente com Platão, Aristóteles (384-322 a.C.) é considerado “um dos dois maiores filósofos da Antiguidade e, segundo a opinião de muitos, o maior filósofo de todos os tempos” (ROSS, 1980, p. i). Sua filosofia influenciou, de forma profunda e duradoura, toda a história do pensamento ocidental. Aristóteles nasceu em Estagira, uma antiga colônia grega, onde seu pai exercia a medicina. Apesar disso, suas conexões com Atenas, para onde se mudou aos 17 anos de idade, são bastante evidentes. Segundo Lesky (1963, p. 547), A estrada que Aristóteles trafega conecta amplas áreas da vida intelectual grega, mas passa por Atenas via Platão. As tensões que penetraram em sua obra por essa razão representam inumeráveis problemas, que constituem o charme secreto de seus livros, apesar de seu formato seco.

Lesky (1963, p. 548-549) ainda diz que Platão se tornou tanto a maior fonte de inspiração para Aristóteles quanto sua principal dor de cabeça. O filósofo só galgou as alturas intelectuais que almejava quando conseguiu superar seu velho mestre. Para Long (1985, p. 572), Aristóteles estabeleceu métodos de análise e teorias positivas sobre a natureza das coisas que, em geral, não apenas representam avanço em relação a Platão, mas merecem o título de originais em alto grau.

É por causa dessa originalidade genial e metodológica que Renan (apud DURANT, 1954, p. 62) afirma que Sócrates deu a filosofia ao mundo e Aristóteles, a ciência. Pode-se dizer que, antes de Aristóteles, a ciência era um feto e que, com ele, ela nasceu. Daí a comparação bem humorada que Pires (1960, p. 121) faz entre Aristóteles e seu velho mestre: Platão é o escravo que saiu da caverna para a luz, e que não voltou mais. Mas Aristóteles é aquele que, depois de subir a escarpa e aprender a discernir as sombras da luz, voltou para a caverna. Não se deixou embriagar pela realidade metafísica. Lembrou-se de que as sombras físicas também devem possuir a sua própria realidade, pois até mesmo a ilusão é real, para aquele que está iludido. Aristóteles voltou ao particular, sem esquecer o geral. É que, por trás do conceito, que Sócrates descobrira e que Platão erigira em suprema realidade, Aristóteles descobriu a substância. E viu, afinal, com seus olhinhos miúdos e argutos, que sombra e luz se misturam, numa realidade que não é apenas ideal, mas também sensível.

É essa perspicácia em relação à realidade das coisas que levou o filósofo a lidar tanto com a dimensão abstrata quanto com os aspectos mais práticos da vida em sociedade e da existência no mundo. Assim, Aristóteles se preocupou também com a natureza, sendo a Física a obra em que desenvolve os princípios mais fundamentais a ela pertinentes. A

obra, de fato, domina grande parte da filosofia aristotélica, juntamente com a Metafísica (LESKY, 1963, p. 558). A compreensão do filósofo acerca da natureza, naquela obra, não corresponde de forma exata à forma como hoje a vemos. Apesar disso, em uma de suas principais acepções, aquela que se refere aos seres que “se movem por si próprios” (isto é, experimentam crescimento ou transformação), o conceito aristotélico se aproxima daquele que é o objeto da preocupação de qualquer ecologista. O pequeno trecho a seguir exemplifica essa declaração e apresenta uma alegoria aristotélica em que a natureza aparece como um médico capaz de cuidar de si mesmo. Ou seja, Aristóteles vê a natureza em um estado tão grande de equilíbrio e autonomia que sua exposição, embora sucinta, nos convida a respeitá-la. Apesar disso, com a invenção da agricultura ocorrida muito antes da época de Aristóteles, Parecia que estávamos libertos do mundo natural. Não dependíamos mais de sua generosidade sazonal. Sentíamos que tínhamos escapado dele... E, por um bom tempo, parecíamos estar nos saindo bem com essa liberdade recém-descoberta. Podíamos destruir ambientes com visível impunidade. Abandonávamos os acampamentos quando o solo se tornava exaurido. Realmente estávamos deixando que a natureza reparasse os danos – o que é um sinal mais do que suficiente de que não éramos tão independentes da natureza quanto gostaríamos de crer (ELDREDGE, 1997, p. 296-297).

TEXTO A Física (199a20-199a32; 199b26-199b33) μάλιστα δὲ φανερὸν ἐπὶ τῶν ζῴων τῶν ἄλλων, ἃ οὔτε τέχνῃ οὔτε ζητήσαντα οὔτε βουλευσάμενα ποιεῖ· ὅθεν διαποροῦσί τινες πότερον νῷ ἤ τινι ἄλλῳ ἐργάζονται οἵ τ' ἀράχναι καὶ οἱ μύρμηκες καὶ τὰ τοιαῦτα. κατὰ μικρὸν δ' οὕτω προϊόντι καὶ ἐν τοῖς φυτοῖς φαίνεται τὰ συμφέροντα γιγνόμενα πρὸς τὸ τέλος, οἷον τὰ φύλλα τῆς τοῦ καρποῦ ἕνεκα σκέπης. ὥστ' εἰ φύσει τε ποιεῖ καὶ ἕνεκά του ἡ χελιδὼν τὴν νεοττιὰν καὶ ὁ ἀράχνης τὸ ἀράχνιον, καὶ τὰ φυτὰ τὰ φύλλα ἕνεκα τῶν καρπῶν καὶ τὰς ῥίζας οὐκ ἄνω ἀλλὰ κάτω τῆς τροφῆς, φανερὸν ὅτι ἔστιν ἡ αἰτία ἡ τοιαύτη ἐν τοῖς φύσει γιγνομένοις καὶ οὖσιν. καὶ ἐπεὶ ἡ φύσις διττή, ἡ μὲν ὡς ὕλη ἡ δ' ὡς μορφή, τέλος δ' αὕτη, τοῦ τέλους δὲ ἕνεκα τἆλλα, αὕτη ἂν εἴη ἡ αἰτία, ἡ οὗ ἕνεκα. *** ἄτοπον δὲ τὸ μὴ οἴεσθαι ἕνεκά του γίγνεσθαι, ἐὰν μὴ ἴδωσι τὸ κινοῦν βουλευσάμενον. καίτοι καὶ ἡ τέχνη οὐ βουλεύεται· καὶ εἰ ἐνῆν ἐν τῷ ξύλῳ ἡ ναυπηγική, ὁμοίως ἂν τῇ φύσει ἐποίει· ὥστ' εἰ ἐν τῇ τέχνῃ ἔνεστι τὸ ἕνεκά του, καὶ ἐν τῇ φύσει. μάλιστα δὲ δῆλον, ὅταν τις ἰατρεύῃ αὐτὸς ἑαυτόν· τούτῳ γὰρ ἔοικεν ἡ φύσις. ὅτι μὲν οὖν αἰτία ἡ φύσις, καὶ οὕτως ὡς ἕνεκά του, φανερόν.

TRADUÇÃO Isto é mais óbvio nos outros animais [além do homem], que não agem pela técnica, nem pela pesquisa nem pela deliberação. Daí, alguns ficam encucados se é pela inteligência ou de alguma outra forma que as aranhas, formigas e semelhantes criaturas trabalham. Se tivermos paciência, fica evidente que também o que acontece nas plantas contribui para uma finalidade. Por exemplo, as folhas servem para dar proteção à fruta. De modo que, se pela natureza e por causa de uma finalidade, a andorinha faz o ninho; a aranha, a teia; e as plantas produzem folhas por causa das frutas e as raízes crescem para baixo e não para cima por causa dos nutrientes; fica evidente que esse tipo de causa existe nas coisas que surgiram e existem na natureza. E já que a natureza é dupla (matéria e forma, sendo que a segunda é a finalidade da primeira) e já que todas as outras coisas existem por causa de sua finalidade, esta [a forma] deve ser a causa; isto é, “o porquê das coisas” [hê hou heneka]. *** É absurdo pensar que não há “um porquê das coisas” [to heneka tou] se não vemos uma agência deliberando, quando a própria técnica não delibera. Se a técnica de fabricação de navios estivesse presente na madeira, ela atuaria da mesma forma que a natureza. De modo que, se “o porquê das coisas” [to heneka tou] está presente na técnica, ele também está presente na natureza. Isso fica muito evidente quando alguém se cura a si mesmo; a natureza se parece com esse cara. Portanto, é evidente que a natureza é uma causa que, dessa forma, opera por causa de um “porquê” [heneka tou].

COMENTÁRIO Etimologicamente, a palavra “natureza” vem do verbo latino nator, que significa “nascer”. Seu equivalente grego é o verbo phyô, que tem quase o mesmo sentido: “produzir” ou “gerar”. Nos dois casos, enfatiza-se certa capacidade de desenvolvimento ou crescimento. De acordo com Jancar (1963, p. 47), “Aristóteles nunca diz exatamente o que ele quer dizer com natureza, mas a forma como emprega a palavra sugere dois significados básicos”. O primeiro sentido de natureza, em Aristóteles, seria a capacidade de realizar tudo o que um ser pode realizar (seu potencial). O segundo sentido seria a soma total de todos os seres que possuem seu próprio princípio de movimento. É nessa segunda acepção que o termo se aproxima do conceito ecológico de natureza, desde, é claro, que compreendamos que movimento, para Aristóteles, se refere à capacidade inerente de passar por transformações. Aristóteles é famoso por seu pioneirismo em várias dimensões pertinentes à preocupação ecológica de nossa época. A ele, por exemplo, se atribuem os primeiros tratados de veterinária, reprodução humana, apicultura e zoologia (MENEZES, 1997). A obra, porém, em que Aristóteles expressa de forma mais sistemática seu interesse pela natureza é o tratado intitulado Física. De fato, nos dois primeiros livros desse tratado, o filósofo define o objeto de estudo e os princípios da ciência natural bem como analisa e define, de forma geral, o movimento (visto como capacidade de transformação e crescimento). Os seis outros livros do tratado se ocupam do movimento dos corpos inanimados e são, por isso, menos interessantes para o propósito desta discussão. Aristóteles estabelece, primeiramente, os três princípios fundamentais da natureza: matéria, forma e ausência de forma. De acordo com Jancar (1963, p. 52-53), Aristóteles acreditava que nem Parmênides nem Platão haviam compreendido esses princípios. Por essa razão, esses filósofos não confiavam em seus sentidos, o que os levava a descrer na realidade das coisas. Aristóteles, por sua vez, depositava confiança nos sentidos e se via capaz de entender o movimento (ou transformações) da natureza, tema ao qual dedica o segundo livro da Física. Para ele, os seres vivos se movem pela mudança de lugar, crescimento, mudança de tamanho, geração e decrepitude. Sendo assim, para ele, “a natureza é a capacidade de se mover em direção a um determinado fim e é o próprio fim” (JANCAR, 1963, p. 54). Os conceitos de finalidade e propósito acabam informando, portanto, toda sua concepção de natureza. Para Aristóteles, “a natureza essencial de um corpo natural só pode ser compreendida plenamente em termos de seu propósito, isto é, em termos da função que deve executar”. Nesse sentido, após polemizar com Parmênides e Platão, Aristóteles também contradiz os ensinamentos de Empédocles, que postulava uma espécie de seleção natural com base no acaso. Segundo aquele filósofo, a seleção do mais apto se daria inteiramente ao acaso. Entretanto, “Aristóteles rejeita qualquer teoria de evolução” (JANCAR, 1963, p. 58). Segundo ele, só as monstruosidades ocorreriam por acaso; os processos naturais ficariam inteiramente sujeito aos propósitos da natureza. Nessa perspectiva, os propósitos da natureza seriam muito semelhantes à ideia de desígnio nas criações humanas. Ou seja, tanto a natureza quanto a técnica operariam de acordo com seus propósitos. É essa constatação que o trecho aqui selecionado ilustra. Seria somente natural que, para explicar a teleologia que propõe para a natureza, Aristóteles recorresse, como Platão, à ideia de Deus. Ele não faz isso, entretanto. Essa “falha” explica por que os filósofos medievais vão preferir o platonismo à física natural de Aristóteles.

Os conceitos aristotélicos de movimento como transformação e propósito dos processos naturais não devem ser entendidos como licença para a atuação do homem a fim de obter essas transformações e finalidades segundo sua conveniência. O foco de Aristóteles é posto nos processos naturais. Sua preocupação é com a concretização do potencial dos seres que existem na natureza (MANNION, 2006, p. 40-41). Nesse sentido, pode-se dizer que Aristóteles demonstrou preocupação ecológica comensurável com aquela evidenciada nos escritos dos ecologistas de nossa época (CRITCHLEY, 2004, v. 2, p. 105). REFERÊNCIAS CARONE, Gabriela R. The Classical Greek tradition. In: JAMIESON, Dale (ed.). A companion to environmental philosophy. Malden, MASS.: Blackwell, 2003. CRITCHLEY, Peter J. P. The city of reason. St Helens, Inglaterra: Academia, 2004. v. 2. Disponível em: http://www.academia.edu/788709/The_Ecological_Inheritance_of_Ancient_ Greece. Acesso em: 7 mar 2013. DURANT, Will. The story of philosophy. New York: The Pocket Library, 1954. EGERTON, Frank N. A history of the ecological sciences: early Greek origins. Bulletin of the Ecological Society of America, v. 82, n. 1, 2001, p. 93-97. JANCAR, Barbara. The philosophy of Aristotle. New York: Simon & Schuster, 1963. JESKINS, Patricia. The environment and the Classical world. London: Bristol Classical Press, 1998. LESKY, Albin. A history of Greek literature. Tradução: Cornelis de Heer; James Willis. 2. ed. London: Duckworth, 1963. LONG, A. A. Aristóteles. In: EASTERLING, P. E.; KNOX, B. M. W. (Eds.). Historia de la literatura clásica. Madrid: Gredos, 1985. v. 1, p. 571-586. MANNION, James. O livro completo da filosofia. Tradução: Fernanda Monteiro dos Santos. São Paulo: Madras, 2006. MENEZES, Orlando B. A zoologia de Aristóteles. Feira de Santana: UEFS, 1997. PIRES, J. Herculano. Os filósofos. São Paulo: Cultrix, 1960. ROSS, David (Trad.). Aristotle: the Nicomachean ethics. Oxford: OUP, 1980.

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