A evolução da arquitectura tumular egípcia: da pré-História às pirâmides

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Universidade de Lisboa Faculdade de Letras

A evolução da arquitectura tumular egípcia: da préHistória às pirâmides

Eugénio José Castro Giesta

Trabalho de Projecto Seminário de Egiptologia Mestrado em História Antiga 2015

Índice Introdução................................................................................................................................... 1 1) Da pré-história às primeiras dinastias ................................................................................. 3 1.1)

Da pré-história às culturas de Nagada ......................................................................... 3

1.2)

As culturas de Nagada I, Nagada II e Nagada III ........................................................ 6

1.3)

Hieracômpolis – O início da arquitectura tumular .................................................... 11

1.4)

As sepulturas reais de Abido ..................................................................................... 13

1.5)

As mastabas – realidade de Sakara ............................................................................ 16

2) As pirâmides do Império Antigo....................................................................................... 18 2.1) Djoser – A pirâmide de degraus .................................................................................... 19 2.2) A curta vida das pirâmides de degraus .......................................................................... 20 2.3) A dinastia das grandes pirâmides: Dos primeiros protótipos... ..................................... 22 2.3.1) Meidum ................................................................................................................... 22 2.3.2) Dahchur .................................................................................................................. 25 2.4) ...À pirâmide perfeita..................................................................................................... 27 Conclusão ................................................................................................................................. 29 Banco de Imagens .................................................................................................................... 31 Bibliografia............................................................................................................................... 39

Introdução O Egipto faraónico continua a deslumbrar pelo misticismo e pela capacidade de trabalho da sua população, em especial no trabalho da pedra. As grandes pirâmides do planalto de Guiza são um dos símbolos mais emblemáticos do país e, entre outras coisas, representa o magnífico trabalho da pedra, os esforços de uma população que ali trabalhou, a burocracia real que permitiu colocar todas as rodas na engrenagem da forma mais correcta, a autoridade forte de um monarca que impunha a sua vontade e, sem esquecer, a crença na vida após a morte, a eterna viagem no Além, representado também nas pirâmides, cuja função prática era, precisamente, servir de última morada ao rei egípcio. Porém, mesmo que as pirâmides exerçam fascínio, levantam, às mentes mais críticas e curiosas, algumas dúvidas. É demasiado ambicioso, até para os egípcios do Império Antigo, pensar num monumento megalítico deste porte e construi-lo por si só. Que motivações? Que técnicas, que processos? Que antecedentes? São as perguntas mais evidentes e aquelas às quais se tentará aqui responder. Pretende-se, portanto, começar nos recuados tempos da pré-história egípcia, analisando as sepulturas, inicialmente valas escavadas no deserto, passando pela complexificação da arquitectura tumular em Abido, seguindo para o Império Antigo, a época das pirâmides por excelência. Daí, a grande divisão deste trabalho processa-se em dois blocos: um que percorre a pré-história egípcia até ao Império Antigo e outro bloco que percorre as evoluções tumulares até às pirâmides. Sobre a questão das pirâmides de Guiza por si não faltam artigos, monografias completas e trabalhos académicos sobre o assunto. Porém, o objectivo não é apresentar as referidas pirâmides qual guia turístico. É perceber como se chegou ali, ou seja, como se chega a um monumento com formato piramidal. É certo que são um marco a nível arquitectónico, cultural e até histórico. Mas convirá aqui alertar para o facto de que, por opção, elas ficarão fora do presente estudo, sendo apenas referidas quando a conveniência assim o ditar, já que a forma piramidal “perfeita” por assim dizer, atinge-se ainda antes da existência das construções no planalto de Guiza. É importante também referir o tipo de leitura seleccionada. É necessário estudar-se vários factores em simultâneo para perceber o fenómeno de criação de túmulos piramidais, 1

nomeadamente factores de ordem política, de ordem social, de ordem religiosa e de ordem arquitectónica. Para isso será importante reunir bibliografia que suporte no mínimo um destes factores. Há que haver também a consciência de que falar-se de uma história a nível cultural e ideológico pressupõe um certo cuidado já que por muito que se escreva sobre o assunto com base nos vestígios arqueológicos e históricos existentes, só alguém que viva numa determinada época a sabe retratar e por muitos que sejam os vestígios, será difícil dissertar sobre o pensamento de um egípcio do Império Antigo. Assim, questões ligadas a estas temáticas serão sempre baseadas em hipóteses verossímeis. Mais evidente para o caso do Antigo Egipto é o facto de as temáticas se misturarem, de tal forma que se tornam dissociáveis e acabam por conviver num clima quase simbiótico. A título de exemplo aponta-se a política e a religião, que para um indivíduo do século XXI é evidente que são coisas diferentes, separadas, isoladas entre si mas para um antigo egípcio não o era. O rei era um deus. A partir dessa premissa é fácil deduzir o restante. Se o dirigente político das Duas Terras era um deus, então a política será sempre influenciada pela religião. E vice-versa. É certo que, como dito acima, a função prática das pirâmides era ser o local de enterro do monarca. Porém, pergunte-se, há mais por detrás disto? Que papel tinha a religião aqui? São mais questões para juntar às já colocadas. Posto isto, e antes de avançar para o corpo textual, será importante referir, ainda, que não serão cobertos todos os túmulos reais, nomeadamente algumas estruturas da III dinastia. Tal como referido para as pirâmides de Guiza, só serão mencionados certos monumentos se se revestirem de importância para o objecto de estudo em questão, uma vez que, passar-se-ia a ter um catálogo de túmulos reais em vez de estudar as mudanças arquitectónicas que os mesmos sofreram.

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1) Da pré-história às primeiras dinastias 1.1)

Da pré-história às culturas de Nagada «The prehistory of Egypt (...) witnessed the emergence of early humans in the Nile

Valley, the first villages and towns, the introduction of agriculture and animal husbandry, craft-specialization, social complexity, early religion and funerary beliefs as well as a wide spectrum of aspects of a material culture that together laid the foundations for Pharaonic civilization»1. De acordo com o autor, é apenas no Neolítico, c.5100 – 4500 a. C., onde se podem observar sítios completamente desenvolvidos, destacando, para o Baixo Egipto as culturas de Faium A, Merimde Benisalame e el-Omari, sendo o último mais tardio que os dois primeiros. Têm em comum o facto de os seus habitantes dependerem de uma economia de subsistência que combinava o cultivo de cereais (principalmente trigo e cevada), animais domesticados (gado vacum, ovino e suíno), plantas e frutos, peixes e animais selvagens como a gazela, resultando num bom sistema económico sazonal2. Foram identificados, em locais previamente abandonados, algumas sepulturas, porém não existem provas que sugiram que, à época, se enterravam os mortos dentro dos limites da zona habitacional. Eram sepulturas, simples: poços redondos ou ovais, contendo, normalmente, um corpo, bem como um pequeno número de objectos, principalmente em cerâmica3. A área A, em el-Omari, contém duas sepulturas que exibem uma característica invulgar: fileiras de postes colocados à superfície e em volta do túmulo, possivelmente formando uma vedação ou uma tenda. Um deles, o túmulo de um homem adulto, contém ainda um bastão de madeira colocado perto das suas mãos, o que poderá ser interpretado como um símbolo de distinção social4. De acordo com a cronologia proposta por Lloyd, é na passagem do V para o IV milénio a. C. que se passa do Neolítico ao Calcolítico, passagem que é marcada por uma mudança significativa a nível da economia e da subsistência. É no Calcolítico que começa a florescer a já referida cultura de el-Omari, no Norte, e a cultura de Nagada I, no Sul. É a altura em que certas actividades passam a adquirir um estatuto de subsistência económica, especialmente a cerâmica, produção têxtil e metalurgia. Também aqui se começa a trabalhar a pedra, aparecendo recipientes líticos, iniciando-se assim uma ligação quase que umbilical entre a civilização egípcia e o trabalho da pedra. O conceito de uma cultura calcolítica, de 1

Vide Alan B. Lloyd, A companion to Ancient Egypt, p. 25. Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 27. 3 Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 28. 4 Idem. 2

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acordo com Lloyd, assinala, ainda, mudanças importantes ao nível da estrutura social das sociedades que praticam estas actividades, já que «the presence of full-time craft workers, who operate their industry as a subsistence activity, usually indicates significant social differentiation that is no longer decided by age or sex grade associations but by ability and professional skill as well as differential access to resources».5 À medida que o comércio Levantino em torno do Nilo cresce com bastante sucesso, a sociedade começa a complexificar-se e a estratificar-se, originando a emergência de líderes, «who engaged in control over resources and peer competition with neighbouring politics to enhance their strategic access to resources, and economic or political leverage».6 A sociedade calcolítica pode caracterizar-se como uma sociedade com um sistema político de chefias e as elites emergentes permitem estudar e compreender melhor as origens da ideologia da realeza e da política económica faraónica, assim o escreve Lloyd. Explica ainda que esta sociedade demonstra conceitos cognitivos e ideológicos complexos, tais como crenças funerárias elaboradas e rituais religiosos, expressos através de uma rica cultura material, arte e uma variedade de vestígios arqueológicos. Seguindo a ordem racional e lógica de Lloyd, será necessário explorar os túmulos da elite e os túmulos das classes mais baixas em separado. Grande parte das sepulturas do Calcolítico inicial são ainda relativamente pequenas e simples, contendo um esqueleto contraído (em posição fetal de acordo com Luís de Araújo) envolto em esteiras de junco ou peles de animais. Há, em média, uma pequena quantidade de objectos funerários, tais como recipientes de cerâmica para comida e bebida, adornos pessoais e, ocasionalmente, ferramentas e armas. Um número de locais fornece cada vez mais provas da variabilidade funerária relevantes para a distinção social e acesso diferenciado aos recursos. Os túmulos das elites do Calcolítico final podem ser muito grandes em tamanho, entre 3 a 4 metros de comprimento e 1 a 2 metros de largura e profundidade, e são geralmente rectangulares, envoltos em paredes de adobe cobertas de gesso e, às vezes, divididos em 2 ou 3 câmaras. Aparentemente são colocados em cemitérios separados, distanciados dos comuns, notório em locais como Hieracômpolis, Abido e Nagada, evidenciando uma distinção social deliberada. Apresentam um espólio bastante rico, passando por grandes quantidades de cerâmica (local e importada), peças requintas de joalharia em ouro, prata e cobre, contas e pendentes de pedras semi-preciosas como a ametista, lapis lazuli e turquesa, recipientes de pedra de diferentes durezas e ferramentas líticas. «The elite graves of Upper Egypt document 5 6

Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 31. Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 32.

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well the level of control and patronage that the local leaders exerted over their industries and the interregional trade».7 A exibição quase imodesta e conspícua da riqueza evidente nas sepulturas de elite do Alto Egipto é um fenómeno que só é igualado pelos túmulos monumentais de elite do Período Dinástico inicial em Sakara ou pelos túmulos dos altos funcionários nos cemitérios residenciais Mênfitas no Império Antigo.8 Lloyd salienta um factor importante: o facto destas mostras de riqueza nos túmulos do Alto Egipto, contrastantes com os do Baixo Egipto onde tal não acontece, não deve ser factor de diferenciação social entre o Norte e o Sul do Egipto, nem deve servir de base a conclusões sobre o Baixo Egipto ser menos complexo e mais «neolitizado» do que o Egipto do Sul, enfatizando a grande diferença de números de túmulos num lado e no outro. No entanto, refere a possibilidade do Alto Egipto dar mais preponderância material aos costumes funerários, referindo que tal se poderá dever ao facto de haver melhor acesso a recursos do que as populações do Norte. Paralelamente às culturas supra mencionadas (Faium A, Merimde Benisalame e elOmari), desenvolvem-se, no Alto Egipto, as culturas de Badari (mais antiga) e as culturas de Nagada (I, II e III). Em termos de centros urbanos de dimensões consideráveis, há três a destacar para o Alto Egipto: Nagada, Hieracômpolis e Abido. A cultura Badariense surge, de acordo com a cronologia apontada por Anita McHugh, c. 5000 a. C., paralela às culturas de Faium A e Merimden. Já numa fase tão recuada da história egípcia parecem estar vincadas as diferenças entre o Alto e o Baixo Egipto, quer a nível de enterramento dos mortos, quer a nível económico e de organização socio-política, já que, como McHugh refere: «during this predynastic time, there appears to have been separate, distinct cultures in Upper and Lower Egypt, although burials of the type associated with the later phase are found as far north as Gerza (...). The peoples of Upper Egypt generally lived in the flood plain and buried their dead in the desert just beyond the edge of cultivation».9 Lloyd completa, dizendo que, para o caso de Badari, a cultura material do complexo Badariense sugere um processo gradual de segmentação social e de avanço técnico geral. Os túmulos contém, geralmente, peças de joalharia, utensílios de cosmética e objectos de metal como contas e alfinetes de cobre. Com base nas sepulturas, alguns especialistas sugerem que há provas de uma distribuição desigual de riqueza como indicador de desigualdade social. Isto é notório no pequeno número de túmulos que exibem maior riqueza material que a vasta maioria.10 Ainda sobre as sepulturas

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Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 33. Idem. 9 Vide Anita McHugh, Predynastic Burials in Upper Egypt, p. 1. 10 Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 29. 8

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Badarienses, Anita McHugh escreve que o típico túmulo de Badari era um poço de formato oval ou rectangular coberto com uma esteira e contendo um ou mais corpos, deitados sobre o lado esquerdo com a cabeça voltada para Sul e olhando para Oeste. No entanto, a autora tem uma opinião diametralmente oposta à de Lloyd quanto à segmentação e estratificação social, escrevendo que, apesar das sepulturas diferirem em tamanho, não há diferença suficiente na qualidade e na quantidade dos objectos funerários para se poder concluir algum tipo de sociedade estratificada11. Acrescenta ainda que «a number of animals were also wrapped in mats or cloth and buried in separate graves like humans. Some of these animals may have been domesticated».12 Não esclarece se os animais eram sacrificados ou se apenas eram enterrados aquando da sua morte. Quanto ao número de sepulturas, Lloyd esclarece, escrevendo que no Sul foram encontradas mais de 15 000 sepulturas, enquanto o Norte conhece ainda entre 600 e 700.

1.2)

As culturas de Nagada I, Nagada II e Nagada III Ian Shaw apresenta as culturas de Nagada como a segunda parte integrante do Egipto

Pré-dinástico, devendo-se a nomenclatura destas culturas a uma cidade com o mesmo nome, onde Flinders Petrie descobriu, em 1812, um vasto cemitério contendo mais de 3000 sepulturas. Shaw escreve que «the humble Naqada burials consisted of little more than the body of the deceased in foetal position, wrapped in an animal skin, sometimes covered by a mat, and most often deposited in a simple pit hollowed out of the sand».13 Ao proceder à análise dos túmulos, Petrie conseguiu estabelecer uma cronologia em três grandes períodos que são, ainda hoje, a referência em questões de organização temporal do Egipto préhistórico: Nagada I, ou cultura Amratiense devido ao sítio de el-Amra (entre c. 4000 e 3500 a. C., de acordo com as cronologias propostas quer por Shaw quer por McHugh); Nagada II, ou cultura Gerzeana devido a el-Gerza (entre c. 3500 e 3200 ou 3300 a.C, de acordo com as cronologias propostas por Shaw e McHugh, respectivamente); Nagada III, período também incorporado na cultura Gerzeana, embora com diferenças significativas (entre c. 3200 e 3000 a. C, segundo Shaw e entre c. 3300 e 3100 a. C, de acordo com McHugh). Para Shaw, Nagada I corresponde ao desenvolvimento pleno das cerâmicas com rebordo negro e dos recipientes com fundo vermelho com motivos pintados a branco. Anita 11

Note-se, no entanto, que o artigo de Anita McHugh precede a obra de Allan Lloyd em quase vinte anos, sendo necessário ter em conta a investigação ocorrida entre os dois momentos, o que poderá justificar opiniões tão divergentes. 12 Vide Anita McHugh, op. cit., p. 1. 13 Vide Ian Shaw, The Oxford History of Ancient Egypt, p. 41.

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McHugh escreve que os centros habitacionais da cultura Amratiana, entre Deir Tasa e a fronteira Núbia, segundo a autora, eram maiores e mais prósperos do que os da cultura Badariense mas os cemitérios continham poucas alterações. Shaw acrescenta, ainda, que as semelhanças entre os costumes funerários das culturas de Nagada I e Badari são de tal ordem que «one wonders if the latter does not constitute an older, regional version of the former».14 Os mortos eram enterrados em buracos de forma rectangular (de forma oval, de acordo com Shaw), com uma profundidade variável entre cerca de 90 cm e 1,20 m, cobertos com um tecto rudimentar feito de ramos entrelaçados e plantas, e tapados com pequenos montes de terra. Em Nagada, as sepulturas eram colocadas lado a lado nos esporões do deserto, «overlooking the cultivated land of the Nile Valley».15 De forma semelhante à cultura Badariense, os defuntos eram colocados numa posição contraída, deitados sobre o lado esquerdo do corpo, as pernas flectidas num ângulo de 45º em relação ao tronco e as mãos em frente à face, a maioria com a cabeça orientada para Sul, olhando em direcção a Oeste. Shaw acrescenta que uma esteira era colocada no chão, sob o defunto e que, por vezes, a cabeça repousava numa almofada de palha ou de couro. Outra esteira de animal, geralmente cabra ou gazela, cobria ou envolvia o corpo e, muitas das vezes, cobria até os objectos funerários.16 Como salienta McHugh, apesar de não haver uma mumificação química, a areia do deserto preservou os corpos de uma forma natural, o que serviu para concluir que ambos os sexos usavam cabelo comprido, normalmente entrançado e que eram de uma estatura mais baixa do que a actual.17 Os túmulos, descreve a autora, eram miniaturas de casas, contendo objectos como facas em sílex, raspadores, pontas de setas, paletas com pigmentos de hematite e malaquite, furadores e enxós, recipientes de pedra e cerâmicas. Shaw vai mais longe na descrição tumular de Nagada I: os vestígios que restam das roupas sugerem que o vestuário usual dos mortos era uma espécie de tanga feita em tecido ou em pele. Fala também das estatuetas funerárias, estando ambos os sexos representados em pé e raramente sentados, dando especial destaque aos caracteres sexuais primários. São poucas as sepulturas que contém este tipo de estatuetas, e, regra geral, encontram-se uma por túmulo, sendo rara a presença de grupos de 2 ou três estatuetas. Porém, ressalta Shaw, o máximo de estatuetas encontrado num único túmulo foi de dezasseis e o seu significado é dúbio, colocando a hipótese de neste caso (e noutros onde se encontram grupos de estatuetas) se estar perante o túmulo do próprio escultor já que «the tombs that contained multiple statuettes were not particularly rich in other respects, and such 14

Vide Ian Shaw, op. cit., p. 45. Vide Anita McHugh, op. cit., p. 2. 16 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 45. 17 Vide Anita McHugh, op. cit., p. 2. 15

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small sculpted figures were sometimes the sole funerary offering».18 Mas, «whatever their significance, the presence of these objects indicates greater exclusivity than wealth as determined by sheer quantity of grave goods».19 Apesar dos túmulos conterem, normalmente, apenas um corpo, há sepulturas com enterramentos múltiplos, destacando, o autor, o caso de mães com um recém-nascido. Comparativamente a períodos anteriores, aparecem túmulos maiores, com um caixão em madeira ou terra e ricamente decorados. Os túmulos Amratianos de Hieracômpolis são notáveis pela sua forma rectangular e pelo seu tamanho anormal (2,50 m por 1,80 m). Em dois casos foram incluídas nas sepulturas duas cabeças de maça de pórfiro, sugerindo, para Shaw, túmulos de pessoas poderosas. «The Amratian culture particularly differs from the Badarian in terms of the diversity of grave goods and consequent signs of hierarchy, and Hierakonpolis was clearly already an important site from the point of view of such diversification».20 Completa afirmando que as diferenças entre as culturas de Badari e Nagada I podem ser observadas sobretudo na cultura material. Paralelamente a Nagada I, desenvolvem-se no norte outras culturas. Uma delas, herdeira de el-Omari e Merimde Benisalame é a cultura de Maadi, com cerca de uma dúzia de locais explorados, incluindo um cemitério. Para Shaw, os vestígios funerários desta cultura são indicativos de uma sociedade que passou por poucas mudanças a nível sociológico desde o Neolítico. Foram encontrados 600 túmulos ligados a Maadi e quer Shaw quer Lloyd explicam que isto se poderá dever à geologia e geografia do Alto e do Baixo Egipto, já que se o sul é mais seco, o norte é uma zona mais pantanosa e húmida, e ambos os autores são da opinião que muitos túmulos do Delta se encontrem, na verdade, enterrados sob grossas camadas de silte do Nilo. «This, however, does not explain everything, because there is also a contrast in the quality and quantity of funerary equipment in the north, compared with the Upper Egyptian situation».21 Estes túmulos são caracterizados por uma extrema simplicidade, compreendendo uma cova oval, o defunto colocado em posição fetal, envolvido numa esteira ou tecido e acompanhado por um ou dois recipientes cerâmicos, às vezes nem isso. No entanto, escreve Shaw, de acordo com a análise de outros cemitérios do Baixo Egipto, alguns túmulos aparentam estar melhor equipados do que outros, sem nunca atingir a riqueza e o luxo das túmulos do sul. «Nevertheless, a gradual tendency towards social stratification can 18

Vide Ian Shaw, op. cit., p. 47. Idem. 20 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 45. 21 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 55. 19

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be discerned, and it is possible that the mixing of the graves of dogs and gazelles with those of humans is part of this process of social change».22 Esta cultura de Maadi terá a sua fase final durante Nagada II, sendo a primeira absorvida pela segunda num processo de assimilação cultural e surge uma nova cultura nortenha, independente de Nagada, a cultura de Buto, cujos vestígios arqueológicos apontam para uma maior complexidade social, «eventually producing a society characterized by its own beliefs, rites, myths and ideologies».23 «The Gerzean, or Naqada II, period shows increasing social stratification»24 e as «cidades» representativas deste período são encontradas desde o Delta do Nilo até à fronteira com a Núbia. Shaw caracteriza Nagada II como a fase em que aparece a cerâmica com cabos ondulados, louças grosseiras e decorações que compreendiam o uso de tinta castanha sob um fundo de tom creme.25 Descreve ainda que «during the second phase of the Naqada culture, fundamental changes took place. These developments, however, took place not at the margins of the culture but in its Amratian heartland; in essence, they can be regarded as an evolution rather than a sudden break».26 É uma fase de expansão, extendendo-se para norte até ao Delta e para sul até à Núbia. Aqui, de acordo com Ian Shaw, é notável uma aceleração distinta relativamente aos costumes funerários Amratianos, havendo alguns indivíduos sepultados em túmulos maiores, mais elaborados e com oferendas funerárias mais ricas e abundantes. O autor apresenta o cemitério T em Nagada e o túmulo 100 em Nekhen (Hieracômpolis) como «good examples of this overall trend»27, referindo ainda que começa a ser comum sepultamentos comuns, aparecendo túmulos que contém até cinco corpos. Presente nas paredes deste túmulo encontra-se outra influência mesopotâmica, o héros dompteur, uma figura humana, vitoriosa, entre dois leões/bestas. Há uma crescente variedade no tamanho e no tipo de construção dos túmulos, alguns revestidos com madeira e alguns com reentrâncias especiais para conterem objectos funerários, escreve McHugh. Shaw reforça esta ideia de variedade, fazendo notar que os túmulos Gerzeanos desta fase podem variar entre túmulos pequenos, ovais ou redondos, com pobres oferendas funerárias e túmulos grandes, rectangulares, com subdivisões em adobe, apresentando compartimentos específicos para

22

Vide Ian Shaw, op. cit., p. 56. Idem. 24 Vide Anita McHugh, op. cit., p. 2. 25 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 43. 26 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 49. 27 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 50. 23

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oferendas funerárias28. O rebordo negro dos potes de cerâmica são mais estreitos nesta fase e estes contém, geralmente, cinzas de madeira e matéria vegetal, encontrando-se a norte do túmulo. Os recipientes cerâmicos com os cabos ondulados são maiores, contendo gordura aromatizada e posicionados em torno da cabeça do defunto. No fim desta segunda fase de Nagada a quantidade de gordura vai reduzindo, sendo gradualmente substituída por lama. Aparecem ainda facas de formato ondulado, paletas com efígies animais e um mais alargado uso de cobre, prata e ouro. Shaw escreve sobre a existência de caixões de madeira e sobre os primeiros vestígios de envolvimento do corpo em faixas de linho, o que parece preceder as técnicas de mumificação utilizadas mais tarde. Outra mudança ocorre em relação à ritualística funerária, já que parecem «to have become more complex, sometimes involving dismemberment of the body, a practice that was not attested in the preceding period».29 Acrescenta ainda que num dos túmulos em Nagada uma série de ossos e de crânios foram colocados nas paredes do mesmo e em Adaïma, um local perto de Hieracômpolis, há exemplos de crânios separados do torso. Também neste local parece haver provas de sacrifícios humanos, com dois corpos que mostram ter a garganta cortada e posterior decapitação. Shaw aventa que isto poderá ser um prelúdio aos sacrifícios humanos que irão ocorrer num período posterior em Abido. É ainda nesta fase de Nagada II que há um desenvolvimento notável do trabalho da pedra, abrindo já o caminho às grandes construções faraónicas vindouras. Desenvolve-se também o trabalho metalúrgico como o cobre, não se limitando este metal a objectos reduzidos como o era até então, começando, gradualmente, a produzir-se artefactos em cobre, substitutos dos seus congéneres de pedra. O uso e o trabalho de metais preciosos como o ouro e a prata é também notável, levando a uma prática que se tornará comum na história do Egipto: o saque dos túmulos.30 Nagada III é a última fase do Egipto Pré-dinástico e foi durante este período que o Egipto se unificou. A partir do final de Nagada II é notória a existência de túmulos bastante diferenciados no Alto Egipto, estando os túmulos das elites recheados com objectos funerários em grandes quantidades, alguns feitos de materiais exóticos como lápis-lazuli e ouro. Isto parece demonstrar uma sociedade hierarquizada, «probably representing the earliest processes of competition and the aggrandizement of local polities in Upper Egypt».31 O controlo do comércio de materiais exóticos e da produção artesanal de bens terá enfatizado o

28

Idem. Idem. 30 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 51. 31 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 57. 29

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poder dos chefes nos centros urbanos Pré-dinásticos e tais bens seriam associados a símbolos de alta posição social. Como foi supra-mencionado, Nagada II foi um período expansivo e com Nagada III a tendência continua cada vez mais para norte, com túmulos encontrados na região do Delta. Apesar da não poder corroborar a sua teoria com dados arqueológicos, Shaw acredita que tais migrações constituíram uma expansão pacífica, com fins comerciais e não uma invasão militar, pelo menos na sua fase inicial. Para Nagada III, Shaw utiliza como característica distinta o facto de surgir um novo estilo no trabalho em cerâmica, algo que parece evocar a cerâmica do período dinástico. Os túmulos desta fase do maior cemitério em Nagada e do cemitério T, das elites, são mais pobres comparativamente aos da fase anterior. A sul deste cemitério, foram encontrados, em finais do século XIX por Jacques de Morgan, dois túmulos em adobe e outro cemitério com túmulos do período proto-dinástico. Shaw acredita que «the location of this cemetery and the sudden appearance of a new style of ‘royal’ burial at the end of Naqada III, together with the more impoverished (earlier) burials in the cemeteries far to the north, all suggest a break with the polity centred at South Town (…) probably coinciding with the absorption of the Naqada polity into a larger one».32 Certos artefactos funerários parecem indicar contactos, ou influências, no mínimo, com o exterior do Egipto. Selos cilíndricos encontrados em túmulos de elite das culturas de Nagada II e III indicam algum tipo de relação com a Mesopotâmia, já que foi nesta religião que este tipo de objecto foi inventado. Os artefactos em lápis-lazuli, mostram contacto com a região do actual Afeganistão, já que é o único local de onde este material poderia ter vindo. Outras influências mesopotâmicas estão presentes na fachada palatina e no barco de proa alta, influências encontradas em artefactos de Nagada II e III, bem como na arte lítica. 1.3)

Hieracômpolis – O início da arquitectura tumular Mark Lehner coloca ênfase na cidade de Hieracômpolis como um ponto de viragem e

de partida na arquitectura funerária. Viragem por se começar a diferenciar bastante do que até então se fazia; partida por, de acordo com o autor, a partir daqui as concepções arquitectónicas fundem-se com ideais religiosos e ideais de realeza, evoluindo ao longo das primeiras dinastias, culminando na construção das pirâmides do Império Antigo. Barbara Adams partilha da mesma visão, afirmando que «the hoary antiquity of Hierakonpolis and its links with the first pharaohs were recognized by the ancient Egyptians themselves, and almost 100 years of archaeological research has confirmed the site’s central role in the transition

32

Vide Ian Shaw, op. cit., pp. 59-60.

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from prehistory to history in the Nile Valley».33 Para os antigos egípcios os montes que cobriam os túmulos pré-dinásticos podem ter sido uma imagem da colina primordial, origem de toda a vida.34 Os sacerdotes como que plantavam o corpo do rei no monte da sua sepultura para que mais tarde se pudesse reerguer. Em Hieracômpolis encontra-se a primeira associação entre rei, colina e Hórus, deus da realeza. O próprio nome grego da cidade significa “cidade do falcão” e em egípcio chamar-se-ia Nekhen.35 Como coloca Shaw «whereas Naqada was politically insignificant in the Early Dynastic Period, Abydos was the most important centre for the cult of the dead king, and Hierakonpolis remained an important cult centre associated with the god Horus, symbolic of the living king».36 Num dos cantos da cidade está um recinto rodeado de paredes de adobe37 dentro das quais se situa o mais antigo templo Egípcio em cima de uma mamoa. Terá sido aqui que surgiram os conceitos da divinização da realeza. As escavações permitiram distinguir as várias camadas: a camada 1 contém material depositado antes da construção do templo e a camada 2 contém sílex e cerâmica; ambas as camadas reportam-se ao período pré-dinástico.38 A colina circular, que continha, ou por revestimento, ou por uma parede de contenção, blocos de arenito grosso dispostos horizontalmente, foi construída em cima da camada 2 e media 49,26 m de diâmetro. A altura é desconhecida já que o topo da mamoa foi provavelmente cortado quando se erigiram construções tardias. Foi construído um templo dedicado ao deus Hórus, provavelmente nos inícios da primeira dinastia, sobre a camada 3, que cercava o monte e continha vestígios do proto dinástico ou da Dinastia 1. A colina deve ter sido um lugar alto para uma capela na forma de Per Wer, o nome do santuário nacional do sul do Egipto, em Nekhen. Já que este era o sítio mais alto, pode ter sido construído um santuário temporário para o rei. A nordeste da colina foi encontrada uma colecção de objectos, entre eles a famosa paleta de Narmer e a cabeça de maça de Narmer, bem como a cabeça de maça do rei Escorpião. «They were possibly royal donations to the temple and suggest that Hierakonpolis was still an important centre at the end of the Naqada III phase».39

33

Vide Barbara Adams, Discovery of a Predynastic Elephant Burial, p. 46. É provável que esta colina seja bastante parecida em conceito e em construção com as mamoas pré-históricas. 35 Vide Mark Lehner, The Complete Pyramids, p. 72. 36 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 60. 37 Que poderão ter substituído uma parede de madeira e junco. 38 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 72. 39 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 61. 34

12

Excavações na Localidade 6, cemitério onde pessoas de elite foram sepultadas, revelaram vários túmulos de grandes proporções, tendo cada um deles até cerca de 23 m² de área. Dos onze túmulos aí excavados por Michael Hoffman, três «were dated to the predynastic early Naqada II period, three (…) to the protodynastic, or Naqada III period (…), one was a possible reburial, and three were animal graves».40 Num dos túmulos, (túmulo II), foram encontradas contas em materiais como ouro, prata, turquesa e granada, fragmentos de artefactos de lápis-lazuli e marfim, lâminas de obsidiana e cristal e uma cama de madeira com os pés esculpidos em forma de cascos de boi. «Such a rich burial suggests that élite individuals of considerable means were being buried at Hierakonpolis, but that they were still not of the same class as the rulers at Abydos».41

1.4)

As sepulturas reais de Abido Lehner escreve que os egípcios acreditavam que os primeiros reis surgiram em Tinis,

onde Abido era o centro religioso. Na região de Umm el-Qa’ab, em Abido, contrastando com Nagada III, os túmulos de uma das zonas (cemitério U, cemitério B e aquilo a que Shaw chama de «’royal cemetery’» evoluíram de sepulturas indiferenciadas, no início de Nagada I, para cemitérios de elite nos finais de Nagada II e, finalmente, para o local onde foram sepultados os reis da chamada «dinastia 0» e da Primeira Dinastia. O cemitério U, localizado numa planície baixa do deserto, contém mais de 600 sepulturas identificadas que cobrem um espaço temporal de várias centenas de anos entre o Neolítico final e o início do período histórico. Este cemitério continua na época dinástica e vai desenvolver-se espacialmente na primeira necrópole real do Egipto. As sepulturas dos finais do Neolítico são pequenas, modestas contendo um número baixo de objectos. O corpo contraído é normalmente orientado com a cabeça para Sul voltada para Oeste e muitas vezes envolvido numa esteira de junco. Com o passar do tempo, algumas sepulturas tornaram-se maiores e tendencialmente mobilados com mais objectos. As elites continuaram a enterrar os seus mortos no cemitério U que parece evoluir gradualmente para um espaço reservado para enterros de elite no fim do Calcolítico. Muitas das sepulturas desta época são, não só, grandes em tamanho e reforçadas com paredes de adobe, mas também acompanhadas por um elevado número de objectos requintados. Como escreve Luís Araújo no Dicionário do Antigo Egipto: “essas construções de tijolo apresentam paredes com reentrâncias, num estilo designado por fachada palatina. 40 41

Vide Barbara Adams, op. cit., p. 46. Vide Ian Shaw, op. cit., p. 60.

13

(...) No seu interior existe uma cripta coberta de forma a imitar a colina primordial”. A prosperidade da qual as classes dominantes disfrutavam é reflectida na opulência e sofisticação dos objectos funerários. Estas elites em Abido demonstram o desenvolvimento local da sociedade complexa e de um estado regional inicial que compunham uma hierarquia socialmente mais complexa que a sua chefia anterior.42 O maior túmulo do cemitério U é o túmulo conhecido como U-j, que é um modelo de uma casa, com 12 câmaras que cobriam uma área de cerca de 64 m². Apesar de saqueado, continha muitos utensílios em osso e marfim, uma grande quantidade de cerâmicas e cerca de 400 vasos importados da Palestina que conteriam vinho.43 De acordo com Günter Dreyer (citado por Shaw), o excavador deste túmulo, foram encontrados vestígios de um santuário em madeira na câmara funerária e um ceptro figurativo em marfim, demonstrando que este túmulo teria uma ligação com a realeza (possivelmente o rei Escorpião). Tinha um pátio central e portas simbólicas para depósitos que continham os vasos mencionados. Aqui encontram-se alguns dos mais antigos hieróglifos, que mostram que grandes rendas já fluíam para o monarca aqui sepultado, rendas essas provenientes de estados provinciais. O túmulo como réplica da “grande casa” continuará e culminará nas pirâmides do Império Antigo.44 Por volta do ano 3000 o Egipto unifica-se, provavelmente através de campanhas militares levadas a cabo pelo Alto Egipto, conquistando o norte e originando a primeira dinastia. Sete reis e uma rainha da Primeira dinastia construíram túmulos em Abido, expandindo-se para sudoeste. A parede por cima do túmulo de Djet tem uma sobreposição no canto sudoeste, fazendo uma espécie de porta basculante correspondente a um nicho no túmulo abaixo – precursor da clássica porta falsa. Dreyer descobriu que uma segunda escadaria e câmara a sudoeste do túmulo de Den seria para uma estátua do rei, uma espécie de protótipo das câmaras serdab dos túmulos do Império Antigo. À medida que os reis iam construindo os seus túmulos o poço principal tornou-se cada vez mais fundo e o templo em volta da câmara funerária foi construído mais perto das suas paredes, não deixando espaço para depósitos. Nas palavras de Petrie, citado na obra de Lehner: «At this stage we are within reach of the early passage-mastabas and pyramids».45 Com a construção do túmulo de Kaa, revela-se aí uma nova complexidade interna: uma capela para o culto funerário construída em tijolo. Walter Emery considera isto como um protótipo do complexo piramidal de períodos

42

Vide Alan B. Lloyd, op. cit., pp. 37-38. Vide Ian Shaw, op. cit., p. 60. 44 Vide Luís Manuel de Araújo, op. cit., p. 331; vide Mark Lehner, op. cit., p. 75. 45 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 77. 43

14

subsequentes. Na dinastia II desenvolve-se o trabalho e a técnica de aproveitamento dos metais e a estatuária, complexificando os túmulos reais.46 No entanto, a quebra da sequência em Abido da segunda dinastia complica o trabalho de localizar a evolução dos túmulos reais para pirâmides. O túmulo do último rei desta dinastia, Khasekhemui, representa um nítido afastamento dos túmulos escavados quadrangulares, e consiste num longo e irregular poço, dividido em 40 depósitos.47 Apesar da pedra aparecer pela primeira vez num chão de granito do túmulo de Den, é com este rei – Khasekhemui –

que se nos depara um túmulo

inteiramente revestido de calcário.48 David O’Conner encontrou, no centro do recinto uma linha de tijolos dispostos num ângulo que sugere uma abóbada, levando O’Connor a suspeitar que se tratava de uma mamoa de adobe, uma proto-pirâmide, comparando isto com a mamoa de Nekhen e o recinto de Djoser.49 «Note-se que Walter Emery (...) não esconde o seu vivo espanto por verificar que entre este monumento funerário de Khasekhemui (...) e o grandioso e magnífico complexo de Netjerirkhet Djoser, em Sakara, distam somente alguns escassos anos».50 Entre a primeira e segunda dinastias foi construído o segundo elemento dos complexos tumulares: um grande pátio rectângular. Inicialmente era definido por túmulos secundários mas mais tarde começaram a ser fechados com paredes de adobe. Isto permite interpretações várias: o recinto como réplicas dos pátios palacianos ou o recinto como tendo um papel semelhante aos templos do vale das pirâmides. Quer na forma quer na localização da entrada, estes recintos podem ser também precursores da parede com nichos do complexo de Djoser.51 Os túmulos dos primeiro reis da dinastia I eram acompanhados por sepulturas de servos que teriam sido sacrificados, como mostram as análises ao seu esqueleto. Para os finais da primeira dinastia, o número de sepulturas secundárias decresceu acentuadamente e o poder cósmico do rei, ao invés do temporal, e destino final foram enfatizados. Enquanto os túmulos reais do início da história sugerem um padrão essencialmente terreno da vida após a morte os enterros reais da dinastia I sugerem uma vida após a morte mais transcendente. A partir do reinado de Den uma parte do túmulo real era orientado para uma fenda nas escarpas do

46

Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides do Império Antigo, p. 67. Vide Mark Lehner, op. cit., p. 77. 48 Vide Luís Manuel de Araújo, Dicionário..., p. 840. 49 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 77. 50 Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., p. 67. 51 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 77. 47

15

deserto, acreditando-se ser uma entrada para o submundo, enquanto a escadaria principal, que dava acesso à câmara funerária, apontava para Norte, em direcção às estrelas circumpolares.52 Os primeiros reis egípcios reconhecerem a tensão inerente no coração da monarquia entre privacidade e publicidade, entre segurança e ostentação. Resolveram o problema dividindo o complexo funerário real em dois elementos: um túmulo na antiga necrópole real, longe do mundo dos vivos; e um grande recinto de culto, modelado no palácio real, situado à vista da cidade. O primeiro protegia o corpo do rei, o segundo fornecia uma arena pública para celebrar o culto póstumo do rei e um monumento visível para a instituição da realeza. Tal como a arte, a arquitectura funcionava como um poderoso meio de propaganda real.53 De facto, as mudanças arquitectónicas nos túmulos reais são um dos meios para perceber a evolução das percepções antigas da monarquia.54 O sistema de governo autocrático desenvolvido no início do período dinástico estabeleceu o padrão para as dinastias sucessivas. Institucionalizou uma concentração de poder central que se projectou subsequentemente na construção de pirâmides da terceira dinastia e do Império Antigo. Mas os projectos de construção real a grande escala exigiam mais do que uma justificação ideológica e domínio político: exigiam também controlo da economia e a mobilização colossal de recursos. Estes foram feitos igualmente importantes do início do período dinástico.55

1.5)

As mastabas – realidade de Sakara Mastaba – «Palavra árabe que significa “banco”, usada para referir um tipo de túmulo

do Antigo Egipto cuja superstrutura, com paredes exteriores ligeiramente inclinadas, se assemelha aos bancos das actuais casas egípcias construídos na parte de fora da habitação».56 São estruturas maciças comparáveis às muralhas de uma cidade fortificada57 Em Sakara este tipo de construção foi realizado a partir dos reis da dinastia I e a sofisticação e o tamanho

52

Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 52. Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 53. 54 Vide Barry J. Kemp, Ancient Egypt: Anatomy of a civilization, p. 99. 55 Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 54. 56 Vide Luís Manuel de Araújo, Dicionário..., p. 544. 57 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 79. 53

16

deste tipo de construção apresenta um contraste com os túmulos reais de Abido, que eram variantes de túmulos escavados e contemporâneos aos de Sakara.58 Na verdade, o facto de haver túmulos contemporâneos em pontos distintos do país (Sakara a Norte e Abido mais a Sul) que contêm estelas com nomes de faraós originou uma discussão entre egiptólogos: Qual dos túmulos continha o corpo do rei? Shaw e Lehner são da opinião de que os túmulos reais se situam em Abido, enquanto que em Sakara se encontram cenotáfios ou túmulos de altos funcionários. Emery que escavou muitas das mastabas de Sakara é da opinião contrária. Os defensores de Sakara como o verdadeiro local de enterro real afirmam que o tamanho das mastabas e inscrições com o nome de faraós indica que foram construídas para a realeza. No entanto, os defensores do cemitério de Abido como local de enterro afirmam que se juntarmos a sepultura com o recinto murado obtem-se uma estrutura maior que a mastaba.59 As mastabas contém uma câmara funerária subterrânea, por vezes com outros compartimentos, sobrepostos por uma construção rectangular em pedra ou tijolo cuja diferença dos túmulos em Abido são as paredes de adobe com reentrâncias e os padrões aí pintados, simulando as esteiras e as estruturas de madeira formadas nos Per Wer e Per Nu, os santuários pré-dinásticos do Alto e Baixo Egipto, respectivamente.60 É possível que as mastabas combinassem numa só estrutura os dois símbolos de poder de Abido: Um túmulo subterrâneo e um recinto acima do solo com nichos. Com o passar do tempo o modelo deste tipo de túmulos tornou-se mais elaborado, com uma disposição mais complexa das câmaras (subterrâneas e acima do solo). Tal como em Abido, foram introduzidas escadas até à câmara funerária.61 As mais antigas apresentam-se com uma estela voltada para o nascente e em frente, uma mesa de oferendas, permitindo o culto funerário em honra do defunto, que mais tarde se vai deslocar para dentro da própria mastaba. A sala de culto foi gradualmente ampliada, onde se começa a colocar a estela e à sua frente a estela. Tinham também um serdab62, o que permite evidenciar o culto da vida após a morte.63

58

Vide Mark Lehner, op. cit., p. 78. Para melhor percepção deste debate confrontar Mark Lehner, op. cit., pp. 78-9; Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., p. 66; Luís Manuel de Araújo, Dicionário..., p. 545; Ian Shaw, op. cit., pp. 70-3. 60 Vide Luís Manuel de Araújo, Dicionário..., p. 544; Vide Mark Lehner, op. cit., p. 79. 6161 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 71. 62 Câmara fechada que continha uma estátua do falecido. A parede continha um pequeno buraco por onde a estátua “olhava” para o mundo exterior. 63 Vide Luís Manuel de Araújo, Dicionário..., p. 545. 59

17

No final do Império Antigo a mastaba sofre um processo de retrocesso, sendo construídas de forma grosseira e reduzindo o número de salas. Há uma renovação no Império médio acabando por desaparecer no Império Novo, quando surgem os hipogeus.64 É devido ao processo de complexificação da mastaba e sua evolução que Emery acha que surge a pirâmide de Djoser, no entanto, Shaw acha mais provável que esta tenha derivado dos recintos funerários e túmulos reais de Abido65

2) As pirâmides do Império Antigo O Império Antigo é um período de cerca de 5 séculos que compreende desde a dinastia III até à VI, inclusive. Apesar de não haver consenso, é geralmente aceite que Djoser é o primeiro rei da dinastia III, filho de Khasekhemui, um já grande construtor de complexos em Abido e Hieracômpolis. O último rei da VI dinastia é Pepi II e entre estes 2 monarcas salientam-se Seneferu, fundador da dinastia IV, e o seu filho, Khufu. É um período em que um forte poder monárquico, paternalista e divino na sua essência, reinou sobre um território cujos recursos foram utilizados para a manutenção do palácio, para o desenvolvimento de uma administração que foi infinitamente ampliada e reorganizada, e para a execução de projectos arquitectónicos.66 O termo “Império Antigo” foi inventado no século XIX, e para os antigos egípcios seria difícil encontrar diferenças entre a época Arcaica e o Império Antigo 67. No entanto, tinham noção do contributo do rei Djoser para a arquitectura funerária, e foi precisamente o desenvolvimento deste tipo de arquitectura a grande escala que originou a divisão cronológica. Durante esta época o Egipto viveu um longo e ininterrupto

período de

prosperidade económica e estabilidade política, em continuação da Época Arcaica, crescendo rapidamente num estado organizado e centralizado, governado por um rei que acreditava ser dotado de poderes sobrenaturais. Era administrado por uma selecta elite alfabetizada. O Egipto desfrutou de uma quase completa auto-suficiência e segurança dentro dos seus limites

64

Vide Luís Manuel de Araújo, Dicionário..., p. 546. Note-se que Shaw acredita que Abido é o local onde os reis foram sepultados enquanto Emery acredita ter sido em Sakara. Vide Ian Shaw, op. cit., p. 71. 66 Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 63. 67 O último rei da Época Arcaica e os dois primeiros reis do Império Antigo estavam relacionados e a residência real permaneceu em Mênfis. 65

18

naturais e os avanços nas ideias religiosas reflectiram-se nos feitos artísticos e arquitectónicos.68 As pirâmides monumentais, símbolo da monarquia do Império Antigo, foram construídas para esses governantes, absorvendo recursos humanos, materiais e dinheiro, numa empresa nacional que culminou nos gigantes de Giza.69 A época das pirâmides inicia-se na III dinastia com o túmulo de Netjerirkhet Djoser e no sentido geométrico não é propriamente uma pirâmide.70 Com este monarca chega ao fim a necrópole de Abido.71 A primeira metade da dinastia IV mostra um gosto sistemático para a migração, cada monarca escolhendo um local diferente para construir a sua pirâmide, movendo-se no sentido Norte. Esta política contrasta com a prática Tinita de oscilar entre Sakara e Abido.72 2.1) Djoser – A pirâmide de degraus «Até princípios da III dinastia menfita as diferenças entre os túmulos dos altos funcionários e os dos soberanos não eram marcantes em termos de concepção arquitectónica».73 Seria difícil exagerar o salto dramático em tamanho e sofisticação arquitectónico representada pelo primeiro complexo real do Egipto em pedra, a pirâmide de degraus de Djoser em Sakara.74 Esta pirâmide, que, como dito acima, não era no sentido geométrico uma verdadeira pirâmide, desenvolveu-se a partir das mastabas iniciais, sendo feita por Imhotep, vizir e arquitecto real. Imhotep, como sumo sacerdote de Ré em Heliopólis, procura «a petrificação das concepções heliopolitanas de ascensão do rei até ao Sol».75. Ainda segundo Luís Araújo, «a configuração de escada que ressalta da construção reforçaria claramente esta ideia».76 A pirâmide de Djoser consistia em seis mastabas sobrepostas: a primeira (maior que as demais) seria quadrada inicialmente e depois tornou-se rectangular, assim como as restantes, atingindo uma altura de cerca de 60 metros de altura77, tendo a base cerca de 140 x 118

68

Vide Ian Shaw, op. cit., pp. 83-5. Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 65. 70 Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., p. 73. 71 Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 67. 72 Idem. 73 Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., p. 73-4. 74 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 84. 75 Não deixa de ser curioso que apesar do deus por excelência de Mênfis ser Ptah, foi seguida a ideologia religiosa de Heliopólis. Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., p. 74. 76 Idem. 77 Vide Luís Manuel de Araújo, Dicionário..., p. 688. 69

19

metros.78 O complexo era cercado por uma parede de calcário de 10,5 metros de altura e 1645 metros de comprimento (545 por 277 metros)79, contendo uma área de 15 hectares, o tamanho de uma grande cidade no III milénio a. C. Dentro das muralhas, para além da pirâmide, existiam uma série de estruturas como santuários, templos e um grande pátio aberto. Na zona Sul foi encontrado uma construção que se pensava ser um túmulo, descobrindo-se depois que era um cenotáfio, o que evocava as práticas em Abido80. Podem dividir-se as estruturas deste complexo em duas partes: funcionais e ficcionais, sendo estas últimas utilizadas para servirem o ka do rei na vida após a morte e as primeiras teriam sido necessárias para realizar cerimónias fúnebres.81 A pirâmide (que continha cerca de 330 400 metros cúbicos de pedra) foi construída por fases (M1 – M2 – M3 – P1 – P1’ – P2), progredindo desde a mastaba inicial até à sexta e última. Quando os trabalhadores começaram a transformar a mastaba na primeira pirâmide construíram um núcleo bruto de pedras desbastadas, com um revestimento de calcário e uma camada de material de acondicionamento. Também as estruturas vizinhas e o recinto foram construídos por fases. Originalmente, a mastaba de Djoser estaria fora do centro do recinto, tal como a mamoa no túmulo de Khasekhmui e a de Hieracômpolis.82 «Para o Hórus Netjerirkhet Djoser foi portanto construído um imenso palácio da eternidade (per djet) onde o monarca continuaria a reinar sobre os seus súbditos – como Osíris, enquanto rei do outro mundo, com o seu ka – mantido perene e magicamente vivo pelas cerimónias rejuvenescedoras do heb-sed e pelo culto funerário».83

2.2) A curta vida das pirâmides de degraus Seria de esperar que uma série de pirâmides de degraus surgissem após Djoser. No entanto, apesar de vários elementos específicos terem passado para gerações posteriores, as pirâmides de degraus rectangulares não durariam muito tempo.84 «Os soberanos da III dinastia prosseguem o robustecimento da instituição faraónica, apoiada por uma eficaz burocracia apta a dirigir o trabalho de milhares de homens, num 78

Vide Ian Shaw, op. cit., p. 85. Idem. 80 Ou em Sakara, dependendo da posição tomada relativamente ao debate. 81 Vide Mark Lehner, op. cit., pp. 84-5. 82 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 84. 83 Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., p. 75. 84 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 94. 79

20

regime e num ritmo que as dinastias seguintes desenvolverão».85 Apesar da ordem de sucessão não estar completamente esclarecida, para além de Djoser pode-se reconhecer Sekhemkhet, Nebka e Khaba. Neste caso são especialmente o primeiro e o último que interessam, já que ambos erigiram (ou pelo menos tentaram, visto que as construções não foram acabadas) pirâmides escalonadas, o primeiro em Sakara, o segundo em Zauiet elArian.86 A pirâmide de Sekhemkhet, a sul da de Djoser, foi uma tentativa de construir um novo complexo, mas foi abandonada pouco depois de iniciada a sua construção e a sua “pirâmide” nunca subiu acima da superfície. É chamada simplesmente de “buried pyramid” mas as dimensões da sua base (120 metros) e o ângulo de inclinação sugerem que a intenção seria erguê-la a 70 metros, em sete degraus – mais alta que a de Djoser. Apesar de nunca ter sido acabada, progressos consideráveis foram feitos na sua subestrutura e as mesmas técnicas de construção foram utilizadas do que na pirâmide de Djoser87. A câmara funerária não foi também acabada. No entanto no seu interior encontrou-se um sarcófago de alabastro selado. Quando foi aberto estava vazio. Para tornar as coisas mais sinistras, os restos mortais de uma criança de dois anos foi encontrado no túmulo Sul. Como afirma Lehner: «something happened at court that ended work on the most important monument in the land. But the child is not Sekhemkhet. He reigned six years and is shown in adulthood in a relief at Wadi Maghara in Sinai. The mystery remains unsolved».88 «Em Zauiet el-Arian, a uns 7 km a norte de Sakara, foi iniciada a construção de mais um monumento que ficou incompleto».89 Sabe-se menos sobre esta contrução do que se sabe da de Sekhemkhet. Se completada teria entre 42 a 45 metros de altura e 84 m de base. Não foi encontrada qualquer tipo de sepultura e uma passagem lateral leva a galerias vazias e limpas. Talvez os trabalhadores tenham abandonado a obra devido à morte prematura do rei que se deduz ser Khaba devido a inscrições em vasos de pedra numa mastaba a norte da pirâmide90 Segundo Luís Araújo, a pirâmide concluída teria 5 andares.91

85

Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., p. 76. Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., p. 77. 87 Shaw refere que o nome de Imhotep foi encontrado numa inscrição o que poderá significar que ainda estaria activo. 88 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 94. 89 Vide Luís Manuel de Araújo, Dicionário..., p. 689. 90 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 95. 91 Vide Luís Manuel de Araújo, Dicionário..., p. 689. 86

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Merecem referência as chamadas pirâmides de degraus de província, uma série de 7 pirâmides que até hoje não se sabe que propósito serviriam. Segue em anexo, no banco de imagens, a página de Lehner dedicada ao assunto (figura 7).

2.3) A dinastia das grandes pirâmides: Dos primeiros protótipos... 2.3.1) Meidum «A III dinastia fora um tempo característico das pirâmides escalonadas (...), chegava agora o tempo das pirâmides de linhas perfeitas».92 É de facto na IV dinastia que as pirâmides atingem a forma perfeita, passando a ser, de facto, uma pirâmide no sentido geométrico. «A IV dinastia marca de facto um notório avanço, não apenas em termos de espectacularidade arquitectónica mas também no campo das inovações técnicas, que estão patentes, sobretudo, na organização do espaço interno dos túmulos reais e nos complexos envolventes». 93 Foi no reinado de Seneferu que a forma de túmulo real mudou para o de uma verdadeira pirâmide. Estas mudanças nao são puramente do âmbito arquitectónico mas também das mudanças das doutrinas relativas à vida após a morte do rei. Aparentemente, os conceitos astronomicamente orientados pelas estrelas foram gradualmente sofrendo modificações incorporando ideias centradas no deus-sol Ré.94 Quando Seneferu subiu ao trono, a única pirâmide real que subsistia era a de Djoser. Este monarca (Seneferu) tornar-se ia no maior construtor de pirâmides da história do Egipto, construindo com toda a certeza 2 pirâmides colossais, com alguma dúvida uma terceira (que na verdade terá sido a primeira) e ainda uma quarta mais pequena (uma das sete provinciais mencionadas anteriormente). A figura 8 no banco de imagens mostra claramente como o total de massa de pedra utilizado por este rei ultrapassa até a de Khufu, o construtor da grande pirâmide de Giza. Quando escreve sobre a pirâmide de Meidum, Mark Lehner afirma que «in many ways Meidum is the most mysterious of all the great pyramids. Embedded within the puzzles of this pyramid and its surrounding necropolis are distant events that transformed Archaic

92

Vide Luís Manuel de Araújo, As piramides..., p. 79. Idem. 94 Vide Ian Shaw, op. cit., p. 87. 93

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Egypt into the classic Old Kingdom pyramid age». 95 De facto, pode considerar-se que esta construção faz a transição entre a pirâmide escalonada e a de linhas perfeitas. Não se sabe ao certo se foi Seneferu quem a construiu, ou se na verdade foi o seu antecessor (Huni) quem a iniciou e depois foi acabada por ele.96 É certo que houve uma interrupção na construção deste monument e James Lowdermilk escreve que «The most common reason for stopping pyramid construction was the death of the Pharaoh. Construction may also cease because of a loss in workforce or a massive design failure». 97 No entanto, para a pirâmide de Meidum, acrescenta que se foi de facto Seneferu quem iniciou a sua construção, então o abandono precoce da obra não se deveu à sua morte. Para além disso, as obras levadas a cabo por este monarca não sugerem uma baixa na força de trabalho e se o primeiro abandono da obra se deveu a uma falha na planificação e na construção, o seu retorno significaria que Seneferu tinha uma solução. No entanto, «since work on this pyramid was again abandoned and it subsequently collapsed, his solution was either incorrect or nonexistent, and no design flaw was perceived».98 Foi também construída por fases (E1 – E2 – E3): inicialmente teria 7 andares e antes que os construtores acabassem o quarto ou o quinto, o monarca aumentou o projecto de forma a que um oitavo fosse acrescentado. As mudanças referidas acima prendem-se com a orientação dos edifícios e tal como já referido também, poderá ter a ver com a evolução dos conceitos da vida após a morte. A título de exemplo, a orientação passa a ser Leste-Oeste (em vez de Norte-Sul), a entrada passa a estar do lado Leste (em vez de a Sul) e o túmulo funerário passa a estar virado para Leste (em vez de estar virado para Norte).99 Teria cerca de 144 m de base e 92 de altura. Hoje em dia, esta pirâmide consiste numa torre de três andares, erguendo-se sobre um monte de detritos. Também aqui surge um debate académico quanto a esta configuração. De um lado defende-se que esta torre foi deixada depois de o revestimento e os detritos no interior terem sido levados para serem aproveitados para outras construções. Outra perspectiva é a de que a torre é o resultado de um colapso súbito durante a construção. «Excavations, however, have now cleared away a large part of the debris and recovered

95

Vide Mark Lehner, op. cit., p. 97. Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., p. 80. 97 Vide James R. Lowdermilk, The bend in the Bent pyramid and the collapse of the Meydum pyramid, p. 2. 98 Idem. 99 Vide Luís Manuel de Araújo, Dicionário..., p. 689. 96

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various later remains but no 4th-dynasty ropes, timbers or workers’ bodies – discounting the theory of a sudden collapse».100 «The interior arrangement of the Meidum pyramid was an innovation and one that would become standard».101 Uma passagem situada quase no centro da face norte conduzia à câmara funerária e a parte mais baixa foi construída sobre uma vala no chão que depois foi preenchida. A câmara foi construída ao nível do deserto (na época) e aumentaram a passagem para o interior da pirâmide. Os construtores experimentaram formas de criar uma sala central. Ao invés de grossas traves de granito usaram uma técnica denominada de “corbelling”, onde cada fiada de blocos a partir de uma dada altura se projectam para o interior até as duas paredes quase se tocarem. O complexo piramidal envolvia vários elementos e era cercado com um muro rectangular. Aqui, duas experiências acabariam por se tornar “standard”: a existência de uma pirâmide satélite no lado sul da pirâmide principal e o passadiço, que ia desde sudeste do complexo até ao centro da pirâmide, numa linha recta. Associada à pirâmide estava também uma necrópole, a primeira de elite desde que o Hórus Aha inaugurou o comeitério dos seus oficiais em Sakara. «Just as the pyramid of Meidum is transitional from the step pyramid to the true pyramid, so the necropolis for which it is the centerpiece represents an unfinished transition from the old to the new».102 Numa primeira fase, os construtores tentaram recriar o padrão de Sakara: o monumento funerário do rei a sul e uma série de grandes mastabas para altos oficiais a norte. A mastaba 17 situa-se perto da pirâmide e o seu proprietário é anónimo. Surgiu a ideia para um cemitério melhor organizado e situado a oeste da pirâmide. Aqui nasceu o conceito que seria consumado à sua maior expressão em Guiza.103 Sabe-se que Seneferu, nos seus últimos quinze anos de reinado, enviou os seus trabalhadores de novo a Meidum para preencher a pirâmide original e torná-la numa pirâmide perfeita mas tal não aconteceu, desconhecendo-se o motivo. «The pyramid at Meidum thus represents the very beginning and the end of Sneferu’s pyramid-building programme».104

100

Vide Mark Lehner, op. cit., p. 97. Vide Mark Lehner, op. cit., p. 98. 102 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 99. 103 Idem. 104 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 97. 101

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2.3.2) Dahchur Uma outra tentativa foi levada a cabo por Seneferu em Dahchur, a sul de Sakara, com a sua pirâmide romboidal quando abandonou a pirâmide em Meidum. Nesta altura, nas palavras de Lehner, «there was as yet no blueprint for a true pyramid». 105 Inicialmente, o corte transversal da pirâmide seria a de um triângulo equilátero já que «the design they chose would mimic that of Sneferu’s successful predecessors».106 Os blocos seriam colocados perpendicularmente à face da pirâmide com 60º, inclinando-se em direcção ao centro com um ângulo de 30º. Um diagrama de forças apresentado por Lowdermilk mostra uma falha: A existência de forças não equilibradas que foram aumentando à medida que a pirâmide crescia em altura, até cada face da pirâmide ser deslocada para fora. O autor faz um paralelismo simples de entender: se se empilharem livros num local com inclinação, o peso será directamente proporcional ao número de livros e eventualmente as forças acabarão por empurrar os livros no topo para fora acabando a pilha por ruir. Com esta pirâmide sucedeu o mesmo: «As the pyramid grew taller and the weight above the lower blocks grew heavier, these blocks had a greater tendency to move». 107 Lowdermilk fala-nos de como deverá ter parecido insólito aos construtores e ao arquitecto da pirâmide quando repararam que os blocos começavam a mover-se à medida que mais eram empilhados. Não será difícil imaginar o próprio monarca preocupado com a sua obra ou até mesmo os próprios trabalhadores, receosos que a estrutura ruísse. Fala-nos, também, do processo para tentar esconder a câmara funerária, incluindo a construção de corredores e poços para manter os trabalhadores na ignorância. Esta câmara massiva tinha cerca de 16,5 metros de altura. Aqui, o monarca mandou erigir traves de madeira de cedro na vertical e na horizontal, de forma a impedir que as forças movessem mais blocos, de nada adiantando. «Eventually Sneferu had to succumb and admit that his radical new design was a failure».108 Ordenou que os trabalhos cessassem e selou a entrada a Oeste, abandonando o projecto durante algum tempo para começar nova pirâmide, voltando aqui (tal como fez para Meidum) para, e aqui sim, concluir o que havia começado. Quando a pirâmide vermelha estava quase completa, Seneferu decidiu reiniciar os trabalhos, não se sabendo, ainda, porque motivo os blocos se moviam. Depois de analisar a estrutura interna bem como a câmara funerária, para a qual um novo túnel teve de ser escavado, já que os acessos tinham

105

Vide Mark Lehner, op. cit., p. 102. Vide James R. Lowdermilk, op. cit., p. 3. 107 Idem. 108 Idem. 106

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sido selados, repararam que não tinha havido mais danos nem movimentos e o monarca decidou concluir o projecto. Uma vez que a sua outra pirâmide estava quase completa, foi possível perceber que o problema da pirâmide romboidal estava relacionado com os ângulos internos e foi então que se alterou o ângulo original de 60º para pouco menos de 55º. Porém, à medida que os trabalhos continuavam os problemas voltavam, mesmo com a mudança no ângulo. Os blocos empilhados fizeram aumentar a magnitude das forças exercidas o que faria com que os blocos que anteriormente se moviam, fossem mover-se de novo. No entanto, uma vez que estavam envolvidos por novos blocos, resultados da expansão do projecto inicial, estes foram esmagados. Os blocos mais interiores começaram a rachar e os construtores preencheram essas falhas com estuque. Lehner aponta uma combinação do uso de argamassa deficiente, mau ajustamento dos blocos e a instabilidade do solo desértico para os problemas estruturais. O autor, bem como Lowdermilk, fala-nos também de outra mudança no ângulo da pirâmide: do ângulo inicial de 60º, houve uma mudança para um ângulo pouco inferior a 55º e, após o sucesso da pirâmide vermelha, procedeu-se a nova mudança, desta vez para um ângulo entre 43º e 44º. Com uma base de 188 metros e uma altura de 105, a pirâmide romboidal tem a particularidade de possuir 2 entradas e por isso 2 estruturas internas, nos lados Norte e Oeste.109 A entrada que foi feita quando se retomaram os trabalhos tem um túnel que acaba em outra câmara funerária, num nível mais acima da primeira. Também esta câmara demonstra problemas estruturais. Depois das duas câmaras estarem concluídas, foi feito um túnel a ligar as duas. «It was definitely built later as it was hacked through the masonry by someone who knew exactly where the two chambers were». 110 O complexo associado a esta pirâmide tem um pequeno templo no lado este, cujo tamanho contrasta impressionantemente com o tamanho do edifício central. Um passadiço liga, ainda, a pirâmide ao que Lehner chama de «first valley temple – a beautiful small, rectangular structure».111 Há ainda uma pirâmide satélite, considerada importante a nível arquitectónico, já que a sua estrutura interna e o trabalho de alvenaria «is an important link in the transition to the Great Pyramid of Khufu».112 Foi construída através de um novo método: colocando camadas horizontais de blocos de pedra. Lehner afirma que a nível interno, a pirâmide satélite é uma forma

109

Vide Luís Manuel de Araújo, Dicionário..., p. 689. Vide Mark Lehner, op. cit., p. 103. 111 Idem. 112 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 104. 110

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abreviada da grande pirâmide de Khufu, com uma passagem ascendente e outra descendente.

2.4) ...À pirâmide perfeita

Por volta do seu 30º ano de reinado Seneferu abandonou a pirâmide romboidal como última morada e iniciou o trabalho na primeira pirâmide perfeita: a pirâmide vermelha, em Dahchur, assim chamada devido à cor da pedra calcária utilizada no seu interior (inicialmente era revestida por calcário branco). No início da sua construção e após os problemas estruturais da pirâmide romboidal, «Sneferu’s dream stood incomplete and blunted just as his predecessor’s pyramid before him. Pyramid B1 113 reached almost half its intended height. At this time four large-scale pyramids stood incomplete within Egypt and only one stood complete. Sneferu, powerful and determined, mustered his workforce and had his architects redesign a new pyramid».114 Contrastando com a pirâmide romboidal, a pirâmide vermelha não mostra problemas de construção nem qualquer tipo de deficiência a nível estrutural.115 Como coloca Lowdermilk «design of this pyramid (...) would have to solve the structural problems encountered in the previous failed attempt. These problems had never been encountered in prior construction, and the architects could only guess at their cause and solutions». 116 Os arquitectos perceberam que o problema de utilizar 60º era a construção em altura, já que o objectivo da pirâmide é elevar-se até que as suas faces se encontrem. Entenderam também que para uma construção deste tipo, em altura, seria necessário um ângulo mais reduzido e desta feita, o ângulo escolhido foi de 43º (segundo Lehner) e em muitas formas tornou-se mais elegante do que a pirâmide romboidal, «where the builders obviously struggled and experimented with various solutions to the structural problems they were faced with». 117 Esta pirâmide «representa o culminar dos longos anos de experiências pontuadas de êxitos e fracassos que já vinham desde os tempos de Imhotep».118 Tal como aconteceu com a pirâmide satélite ligada à pirâmide romboidal e como acontecerá com a pirâmide de Khafré,

113

Nome dado à primeira fase de construção da pirâmide romboidal. Vide James R. Lowdermilk, op. cit., p. 3-4. 115 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 104. 116 Vide James R. Lowdermilk, op. cit., p. 4. 117 Vide Mark Lehner, op. cit., p. 104. 118 Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., pp. 80-1. 114

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em Guiza, a pirâmide vermelha foi construída sobre uma plataforma plana em calcário, resolvendo, desta forma, os problemas da instabilidade do solo. Erguendo-se a uns 105 metros, esta pirâmide é a terceira maior do Egipto, sendo ultrapassada apenas pelas pirâmides de Khufu e de Khafré. A sua base é um quadrado de 220 metros de lado, feita para ser larga o suficiente de forma a suportar o peso massivo. Porém, Seneferu morreria sem ver o seu sonho concretizado, o de construir uma verdadeira pirâmide. Isto porque apesar da estrutura estar bem planificada, o pyramidion tem um ângulo diferente do resto da estrutura, o que faz com que esta não seja uma pirâmide no verdadeiro sentido geométrico, já que Seneferu decidiu alterar o ângulo da peça final. Lowdermilk avança com a teoria de que devido ao seu desejo, Seneferu conseguiu que Khufu fosse o seu sucessor, já que seria capaz de impôr a sua vontade à população egípcia, chamando este monarca de «his most ruthless son».119 Verdade ou não, é certo que Khufu conseguiu cumprir com este objectivo. O templo funerário associado ao edifício é maior do que os anteriores, apesar de não ter o esplendor do templo funerário de Khufu. «Indeed, it seems to have been finished hurriedly, perhaps by Khufu at the time of his father’s death». 120 Apesar de existirem vestígios a este do templo funerário, não parece ter sido construído o passadiço que liga o edifício central ao “valley temple”, o que para Lehner é, talvez, a prova de que o complexo foi terminado apressadamente devido à morte de Seneferu. Foi aqui que Seneferu ficou sepultado e desde este rei até Khufu observa-se uma luta para elevar a câmara funerária do nível do chão para o corpo da pirâmide, talvez uma reflexão da crescente identificação do rei não só com Hórus mas com o Sol e os seus raios, do qual a pirâmide é um símbolo. Seneferu foi adorado como deus e o seu culto permaneceu até ao Império Novo, constrastando com os restantes monarcas construtores de pirâmides. O seu culto era centrado no “valley temple” da pirâmide romboidal, talvez, escreve Lehner, porque este complexo era completo, apesar de não estar ali sepultado o corpo do rei.121

119

Vide James R. Lowdermilk, op. cit., p. 6. Vide Mark Lehner, op. cit., p. 105. 121 Vide Mark Lehner, op. cit., pp. 104-5; Vide James R. Lowdermilk, op. cit., p. 6. 120

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Conclusão Depois de uma viagem longa, cronologicamente, foi possível tirar algumas ilações relativamente à evolução da arquitectura funerária. Acima de tudo é talvez importante salientar a preponderância que os conceitos religiosos e ideológicos tiveram neste contexto. Observou-se, para o período pré-histórico que os costumes funerários são muito variados e complexos e sugerem um crescente ênfase na religião funerária bem como a diferenciação da sociedade. Os vestígios são escassos mas podem indicar que rituais faraónicos mais tardios, incluindo desmembramento e mumificação artificial, poderão ter sido explorados durante o período pré-histórico e talvez até mesmo durante os fins do Neolítico. O tratamento do corpo pode ser associado com o conceito de liminaridade e poderá ter sido praticado de forma a preparar fisicamente o morto para uma transição ou viagem corporal e espiritual para outra forma de existência ou vida após a morte. Esta noção pode ser reflectida na posição fetal dos enterros pré-históricos que podem simbolizar o renascimento noutro mundo.122 Através das sepulturas do final da pré-história e das primeiras dinastias, e sua crescente complexificação, foi possível entender a estruturação da sociedade egípcia bem como as diferenças entre o norte e o sul do Egipto, uma idiossincrasia que acompanhará a história das Duas Terras até ao fim do período faraónico. No entanto, e devido ao facto de os vestígios funerários serem mais ricos no sul do que no norte, Ian Shaw alerta que «since the major Upper Egyptian sites were located near the Eastern Desert, from which gold and various kinds of stone (…) were obtained, they were much richer in natural resources than Lower Egyptian sites».123 Com o início do Império Novo e a entrada na época das construções megalíticas, os conceitos religiosos relacionados com o deus Ré começam a ganhar importância e uma das melhores provas para se observar a ligação da realeza com o divino (para além do facto de o faraó ser, ele próprio, um deus) é observar a titulatura real, especialmente a partir da dinastia V, onde os nomes de Hórus passam quase todos a terminar em –re. É certo que o presente estudo não cobre esta dinastia, mas este tipo de concepções vêm de trás e a construção das pirâmides mostra o desejo de aproximação ao sol, construir em altura para chegar o mais próximo possível de Ré. Como deixou assente Luís Araújo «a forma piramidal sintetizaria 122 123

Vide Alan B. Lloyd, op. cit., p. 33-4. Vide Ian Shaw, op. cit., p. 58.

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assim três concepções que não se repelem, antes se harmonizam e completam: a concepção solar (o faraó como filho de Ré ascendendo aos céus), a concepção osírica (o faraó defunto tornado Osíris sepultado no âmago telúrico, a reinar no Além, na duat, para dar lugar ao novo Hórus sobre a terra) e a concepção estelar (o faraó como uma das muitas estrelas circumpolares (...) com a entrada da pirâmide virada para a estrela mais brilhante do norte».124 Aqui está presente a importância da religiosidade de Heliópolis, “a cidade do Sol”, e Mark Lehner é o próprio a dar-lhe a devida importância como local chave para o início da arquitectura tumular em altura. Como afirma Luís Araújo «a partir de Imhotep ganham notória preponderância os ritos solares, ficando algo secundarizados os ritos estelares». 125 Com a construção megalítica observa-se, ainda, a petrificação da natureza, uma forma de preservar eternamente o ambiente vivido por cada monarca. A passagem da construção em adobe para a construção em pedra reforça este desejo de eternidade. O faraó estará eternamente vivo entre os vivos. É, talvez, seguro afirmar que a construção megalítica se deveu mais a ideologias religiosas do que propriamente à afirmação de poder. Para isso funcionava toda uma máquina administrativa que contabilizava e geria os recursos naturais e humanos à sua disposição, sempre com ordem e método, a maet levada à prática. Por último, percebeu-se que os egípcios tiveram dificuldades em conseguir erigir a pirâmide dita “perfeita” e deve-se a Seneferu o grande contributo que deu em questões de erros e soluções para os mesmos. Como afirma Lowdermilk: «had Sneferu not been such a great man, able to deal with adversity and the unknown, pyramid construction might have ended with his failures. The Egyptians were practical people, and they were able to learn from his mistakes. Their illustrious civilization continued to flourish, beginning with construction of the greatest pyramid of them all. The Great Pyramid was built with the understanding gained from Sneferu’s mistakes».126

124

Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., p. 136-7. Vide Luís Manuel de Araújo, As pirâmides..., p. 135. 126 Vide James R. Lowdermilk, op. cit., p. 6. 125

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Banco de Imagens

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1 - Sepulturas pré-históricas

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2 - Vestígios da cidade de Hieracômpolis

3 - Túmulo real em Abido

33

4 - Complexos tumulares reais em Abido

5 - Pirâmide de degraus de Djoser em Sakara

34

6 - Corte lateral da pirâmide escalonada

35

7 - As pirâmides escalonadas provinciais

36

8 - Volume de pedra utilizada pelos monarcas (em milhões de metros cúbicos)

9 - Pirâmide de Meidum

37

10 - Pirâmide romboidal, Dahchur

11 - Pirâmide vermelha, Dahchur

38

Bibliografia Obras

ADAMS, Barbara, «Discovery of a Predynastic Elephant Burial». Archaeology International 2 (1998/1999), pp. 46-50. ARAÚJO, Luís Manuel de, As pirâmides do Império Antigo. 2ª ed. Lisboa: Edições Colibri, 2003. ARAÚJO, Luís Manuel de (ed.), Dicionário do Antigo Egipto. Lisboa: Editorial Caminho, 2001. KEMP, Barry, Ancient Egypt: Anatomy of a civilisation. 2ª ed. Oxon: Routledge, 2006. LEHNER, Mark, The complete pyramids. Londres: Thames & Hudson, 2008. LLOYD, Alan B. (ed.), A companion to ancient Egypt. Reino Unido: Blackwell Publishing, 2010. LOWDERMILK, James R., «The bend in the Bent pyramid and the collapse of the Meydum pyramid». The ostracon, volume 9, nº 4, 1999, pp. 2-6. McHUGH, Anita, «Predynastic Burials in Upper Egypt». The Ostracon, volume 3, nº 3, 1992, pp. 1-2. SHAW, Ian (dir.), The Oxford history of ancient Egypt. Oxford: Oxford University Press, 2003.

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Bibliografia de Imagens:

Figura 1 - LLOYD, Alan B. (ed.), A companion to ancient Egypt. Reino Unido:

Blackwell Publishing, 2010.

Figura 2 - LLOYD, Alan B. (ed.), A companion to ancient Egypt. Reino Unido:

Blackwell Publishing, 2010. p. 47

Figura 3 - LEHNER, Mark, The complete pyramids. Londres: Thames & Hudson, 2008.

p. 75

Figura 4 - LEHNER, Mark, The complete pyramids. Londres: Thames & Hudson, 2008.

p. 77

Figura 5 - LEHNER, Mark, The complete pyramids. Londres: Thames & Hudson, 2008.

p. 91/86

Figura 6 - LEHNER, Mark, The complete pyramids. Londres: Thames & Hudson, 2008.

p. 87

Figura 7 - LEHNER, Mark, The complete pyramids. Londres: Thames & Hudson, 2008.

p. 96

Figura 8 - LEHNER, Mark, The complete pyramids. Londres: Thames & Hudson, 2008.

p. 15

40

Figura 9 - LEHNER, Mark, The complete pyramids. Londres: Thames & Hudson, 2008.

p. 99

Figura 10 - LEHNER, Mark, The complete pyramids. Londres: Thames & Hudson,

2008. p. 103

Figura 11 - LEHNER, Mark, The complete pyramids. Londres: Thames & Hudson,

2008. p. 14

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