A evolução da notação rítmica

September 23, 2017 | Autor: Ana Sofia | Categoria: Music Theory
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A evolução da notação rítmica O surgimento da notação rítmica ocorreu, inicialmente, devido à música vocal e, principalmente, pelo aparecimento da polifonia, pois era necessário coordenar as várias vozes. Nos primeiros anos da música gregoriana, o repertório era cantado uniformemente e o ritmo dependia da métrica da palavra, pelo que não há um conhecimento profundo acerca do modo com se executavam os ritmos nesta altura, pois não existem muitas fontes de notação rítmica. Apenas no século XIII, em Paris, onde começa a aparecer música mais complexa, é que se constata o aparecimento de uma notação rítmica, apesar de ainda rudimentar. Este sistema foi sendo desenvolvido ao longo dos dois séculos seguintes pelos mais diversos teóricos, de forma a adaptarse à cada vez mais complexa música polifónica, até se tornar no sistema de notação rítmica que hoje conhecemos por sistema de compassos. O primeiro tipo de notação rítmica no Ocidente surgiu no século XIII e baseouse num sistema de notação modal. Este sistema foi descrito em vários tratados de diversos teóricos, sendo que o mais importante foi “De mensurabili musica”, escrito em 1250, por João de Garlandia, professor na Universidade de Paris. O termo “musica mensurabilis”, descrito neste tratado, refere-se à música polifónica notada ritmicamente, sendo assim o oposto do cantochão (“musica plana”). João de Garlandia divide este tipo de música em três categorias: o “discantus”, que foi a mais afetada pela notação rítmica e que Garlandia definiu como o som simultâneo de diversas melodias com o mesmo modo, copula e “organum purum”. Uma vez que, neste tratado, descrevia um sistema baseado na notação rítmica modal, este teórico tinha assim a necessidade de explicar o termo “modus”, que definiu como tudo aquilo que toca ao mesmo tempo durante um determinado tempo, nomeadamente durante “longas” e “breves”. Distinguiu seis tipos de modo, ou seja, seis formas diferentes em que as longas e as breves se podem alternar uma com a outra. Cada modo estabelece um padrão rítmico com batimentos, ou “tempora”, com uma unidade comum de três “tempora” (“perfectio”), que é repetida sucessivamente. O primeiro modo funciona como modelo para os outros cinco, em que a “brevis recta” é constituída por um batimento, ou “tempus”, e a “longa recta” por dois. Garlandia considera os modos 1, 2 e 6 de “modi recti”, pois neles existe uma dupla proporção entre a breve e a longa. Os modos 3, 4 e 5 são chamados de “modi ultra mensuram”, pois a breve pode valer uma ou duas “tempora” e a longa três, ou seja, a longa passa a

ser constituída por uma longa binária (com duas “tempora”) e uma “brevis recta”. Assim, se nos modos 3 e 4 há duas breves, estas devem equivaler a uma longa, ou seja, a segunda breve será mais longa que a primeira,

tendo

duração

de

“tempora”.

a

duas Mais

tarde, alguns teóricos denominam processo “alteratio”.

este de Figura 1 - Modos Rítmicos de Garlandia

Neste sistema de Garlandia, os modos também se podem dividir em perfeitos e imperfeitos, dependendo do valor das notas com que a frase (“ordo”) termina. O modo é perfeito se o “ordo” acaba com o mesmo valor rítmico com que se iniciou. Pelo contrário, se termina com um valor rítmico diferente com que começou, então o modo é considerado imperfeito. Um “ordo” é uma frase modal que repete um padrão rítmico e termina com uma pausa e que conta o número de repetições do padrão rítmico realizado. Relativamente à notação dos modos, João de Garlandia distinguiu entre notação com texto e notação sem texto. Quando a música tinha texto, eram usados sinais separados uns dos outros para designar cada nota. Introduziu, também, uma notação para as pausas, que podiam ser perfeitas, se estivessem inseridas no modo perfeito, mantendo o modo em que estavam previamente, ou imperfeitas, se estivessem no modo imperfeito, mudando de modo.

Figura 2 - Figuras rítmicas de Garlandia para notação com texto

A notação sem texto era baseada em correntes de ligaduras, em que o modo rítmico era determinado pelo tipo de padrão de ligaduras usado.

Nesta altura, a interpretação da notação era baseada na relação de uma linha melódica com as outras da música polifónica e apenas a coordenação dessa voz com as outras permitia determinar o padrão rítmico modal, pois nesta altura a principal função dos padrões rítmicos era ajudar a memorizar. No mesmo século, aparece aquele que seria um dos teóricos mais importantes desta época, Franco de Colónia, o inventor da música mensural. Escreveu, por volta de 1280, “Ars Cantus Mensurabilis”, um

Figura 3 - Notação rítmica para música sem texto, com ligaduras

dos tratados mais claros e melhor organizados, o que o tornou tão popular. Além disso, apesar de também se basear em modos rítmicos, é um desenvolvimento radical em relação à notação modal de João de Garlandia, pois, ao contrário do sistema modal, em que o valor da nota dependia do modo, o modo depende das figuras que o constituem, que têm uma duração invariável. Para Franco, a “longa perfeita” é a unidade e todos os outros valores rítmicos derivam deste. A divisão ternária desta figura tornar-se-ia a unidade básica de mensuração na música francesa. Franco “apodera-se” de todos os sinais de Garlandia e mudou os nomes e até por vezes os seus valores (por exemplo, a semibreve já não vale metade da breve, mas sim um terço) e ainda aumenta o número de pausas, pois Garlandia não incluía a pausa de semibreve.

Figura 4 - Figuras rítmicas de Franco de Colónia

Como Franco de Colónia considerava a longa perfeita a unidade primária de mensuração, ele adapta os modos rítmicos para refletir esta sua prioridade. Desta forma, o modo que consiste apenas nas longas perfeitas ou a sua divisão trocaica é o ponto de partida para

os

Figura 5 - Modos de Franco de Colónia

outros

modos. Além disso, expandiu as regras de Garland para a imperfeição da longa e a alteração da breve, para

formuladas manter

a

perfeição. Primeiro, como regra básica, dizia que uma longa antes de outra longa criava sempre um modo perfeito, o que deu origem ao modo 1. Quando uma longa é seguida de uma breve, sem estarem separadas por uma pequena barra, o sinal de perfeição ou de fim do modo, a longa é sempre imperfeita, ou seja, não é constituída por três “tempora”. No entanto, quando uma longa é separada de uma breve por essa pequena barra, então essa longa será perfeita e a que virá a seguir da breve será imperfeita. Quando há duas breves entre duas longas, a segunda breve é alterada, tornando-se duas vezes mais longa que a primeira. Por último, quando há três semibreves entre breves ou longas, as semibreves são menores, e quando há duas semibreves, então a primeira será uma semibreve menor e a segunda uma semibreve maior. Com esta notação, os cantores já podiam ler as partituras sem conhecimento dos modos rítmicos, que se tornaram obsoletos, pois a notação estava a tornar-se cada vez mais importante. No entanto, as possibilidades rítmicas ainda eram governadas pelos padrões, devido à existência apenas da divisão ternária, uma vez que a divisão binária apenas surgiu mais tarde. No início do século XIV, alguns teóricos e compositores franceses aumentaram o número de figuras existentes, introduzindo também a divisão binária para todas elas. Estas divisões foram combinadas e originaram os grupos percursores do sistema simples e composto. Philippe de Vitry é geralmente referido como o inventor deste novo sistema, mas foi o seu contemporâneo Jehan des Murs que oferece um tratamento mais simples e sistemático. No seu primeiro tratado acerca da notação mensural, denominado de “Notitia artis musicae”, de 1321, introduz a divisão binária da longa, da breve e da semibreve, reforçando, no entanto, a superioridade da divisão ternária, pelo que não explica, ainda, com muito detalhe, o seu novo sistema de notação. Mais tarde, em 1340, no seu tratado “Libellus”, apresenta cinco valores básicos: máxima, longa, brevis, semibrevis e mínima.

Figura 6 - Figuras rítmicas de Jehan des Murs

Com exceção da mínima, que apenas podia ser divida em três partes, todas as outras figuras podiam ser divididas em duas ou três partes. À divisão da longa chama-se “modus”. Se a longa tiver divisão ternária, então o modo é perfeito. Se tiver divisão binária, o modo é imperfeito. A divisão da breve é o “tempus” e também este se divide em perfeito e imperfeito, de acordo com o tipo de divisão. A divisão da semibreve chama-se “prolatio” e pode ser maior, se tiver divisão ternária, ou menor, se tiver divisão binária. Des Murs apresenta, assim, quatro sinais, que indicam as várias divisões do “tempus” e do “prolatio”. O círculo e o semicírculo indicam o “tempus” perfeito e imperfeito, respetivamente, os dois pontos o “prolatio” menor e os três pontos o “prolatio” maior.

Figura 7 - Sinais de mensuração de Jehan des Murs

As regras para a interpretação do valor das notas num determinado contexto são as mesmas que as de Franco de Colónia. Por exemplo, uma longa seguida de uma breve, no modo perfeito, tinha o valor de duas breves, mas se fosse seguida de duas breves, também no modo perfeito, as duas breves seriam interpretadas como uma “brevis recta” e uma “brevis altera”. Na época de Jehan des Murs, as reduções de figuras rítmicas eram apenas usadas no tenor quando este tinha notas mais longas que as outras vozes. Assim, ele recomenda substituir a figura pela mais rápida a seguir, o que significa que o ritmo original podia não ser preservado. No entanto, a confusão aumenta, pois quando os ritmos são perfeitos em qualquer divisão, des Murs diz que eles deviam ser reduzidos “per tertium”, que se traduz para “por um terço”. No entanto, se se substituir uma figura pela mais rápida, a antiga é reduzida por dois terços. Por exemplo, uma longa, que vale vinte e sete mínimas, é equivalente a uma breve de nove mínimas, o que sugere que que “per tertium” deveria ser traduzido para “para um terço”, e não “por um terço”, o que causou muita polémica.

Des Murs dá, assim, espaço para uma discussão acerca da talea e da color. Deste modo, o motete isorrítmico foi o primeiro género dependente da notação, pois o compositor não podia realizar uma redução, diminuição, inversão e retrógrados sem visualizar ou escrever as notas. Assim, o seu sistema dava aos compositores uma maior liberdade rítmica. Também no início do século XIV, surgiu outro sistema de notação que permitia ainda melhores interpretações e mais variedade rítmica, a escola italiana de notação mensural. Apesar de não ter conseguido tanto impacto como a escola francesa, oferecia boas soluções a alguns problemas aos quais os teóricos franceses não conseguiam responder. Marchetto de Pádua foi o teórico mais importante a descrever este sistema. Marchetto divide a breve, o centro do seu sistema mensural, de quatro formas diferentes. Na primeira divisão, o “tempus perfectum secundum divisionem duodenariam”, a breve é dividida em três semibreves maiores, cada uma dividida em duas semibreves menores, por sua vez cada uma dividida em duas semibreves “minimae”, pelo que a breve acaba por ser dividida em doze semibreves. Na segunda divisão, chamada de “tempus imperfectum secundum ytalicos”, a breve é dividida em oito partes, no “tempus perfectum secundum divisionem novenariam”, a terceira divisão, em nove e, por último, no “tempus imperfectum secundum gálicos”, em seis partes. Tal como no sistema francês, as breves do tempo imperfeito são um terço mais pequenas que as do tempo perfeito. O sistema italiano foi responsável por mais inovações, uma delas a introdução da divisão binária, já no século XIII. Além disso, defendia que, num grupo de semibreves com durações diferentes, a última do grupo seria a mais longa, a não ser que fosse adicionada uma pequena barra. Os valores das semibreves de uma breve, quer seja ela perfeita ou imperfeita, dependem da sua quantidade. Se há duas ou quatro semibreves num tempo imperfeito, elas serão iguais. Pelo contrário, se houver três semibreves num tempo imperfeito, a última será a mais longa. No entanto, se o compositor quiser que a primeira seja a mais longa, terá que acrescentar uma pequena barra descendente à primeira semibreve. Se houver seis semibreves no tempo imperfeito, as duas últimas serão as mais longas, podendo sempre ser acrescentada uma pequena barra a qualquer nota para que esta regra seja alterada. Uma barra descendente provoca um prolongamento da nota e uma barra

ascendente faz com que a nota seja mais curta. Os teóricos italianos separavam, ainda, os grupos de semibreves por notas mais longas, “punctum divisionis” ou por “pontelli”, o equivalente à barra de compasso atual. Desta forma, o sistema italiano é construído à volta da breve central, multiplicada para atingir notas mais longas e dividida para criar notas mais curtas. No entanto, apesar de mais desenvolvida, continua a apresentar falhas, pois tal como no sistema de Jehan des Murs, a mesma nota pode apresentar valores diferentes. Durante a Idade Média, o sistema de frações romano teve uma influência decisiva nos teóricos musicais, particularmente na conceção e notação da música mensural. Assim, é possível reparar em várias semelhanças entre o sistema de notação mensural e o sistema de medidas romano. Por exemplo, uma “uncia”, que deriva da divisão da “libra” em doze partes, identifica-se por um círculo ( ) e uma “semiuncia” por um semicírculo (C), assim como no sistema de notação mensural de Jehan des Murs o círculo representa o tempo perfeito e o semicírculo o tempo imperfeito. Tanto a breve como a “uncia” estão no centro dos seus respetivos sistemas e podem ser multiplicadas ou divididas. A duração da breve mantém-se inalterada, enquanto que o valor das outras notas varia. Da mesma forma, o valor da “uncia” mantém-se sempre igual. Outra grande semelhança entre o sistema romano de frações e o sistema medieval de notação mensural é o facto de em ambos os sistemas haver uma corrente decrescente de valores que podem ser divididos. No sistema de notação a corrente é constituída por máxima, longa, breve, semibreve e mínima, enquanto que no sistema romano é constituída por “uncia”, “scrupulus” e “calcus”. Além disso, ambos os sistemas eram baseados em valores divisíveis por dois e por três. Relativamente às medidas de tempo, não havia muitos aspetos semelhantes. No entanto, julga-se que daqui derivam os sinais que representam a prolação maior e a prolação menor. Os romanos chamavam à unidade de tempo mais pequena e indivisível de “atomus”, “momentus” ou “punctum”. Na notação mensural do século XIV, a mínima era considerada a figura com o valor mais pequeno, pelo que os teóricos escolheram o “punctum” para representar a mínima. Assim, três pontos simbolizavam a prolação maior e dois pontos a prolação menor. No fim do século XIV e início do século XV, os compositores começaram a usar também a semibreve como unidade inalterável. Assim, foi introduzido um

sistema de proporções rítmicas que permitia a equivalência da breve e da semibreve. O primeiro teórico a descrevê-lo foi Prosdocimo de Beldomandi, em “Tratatus practice cantus mensurabilis”, em 1408. Os teóricos e compositores do século XV usavam, geralmente, as proporções de 2:1, 3:1, 4:1, 3:2, 4:3, 9:8, 9:4 e 8:3. Tinctoris, no seu tratado “Proportionale musices”, de 1473-74, expandiu drasticamente esta lista, descrevendo vinte e cinco proporções rítmicas e as suas inversões. As proporções são mostradas por uma fração com uma certo número de notas no numerador, que serão equivalentes a outro número de notas do denominador, com figuras do mesmo tipo. Por exemplo, no “tempus” imperfeito, prolação menor, a fração 3/2, chamada de “sesquiáltera”, simboliza que três semibreves depois da fração valem o mesmo tempo que duas antes da fração. Esta proporção pode ser representada pelo uso de notas vermelhas, processo chamado de coloração. Havia outra forma de representar esta proporção, mas que não era usada frequentemente, em que duas semibreves brancas, cada uma com três mínimas brancas, substituíam duas semibreves pretas, cada uma com duas mínimas pretas. Além disso, as proporções podiam ser indicadas por sinais mensurais, que recebem, agora, novas interpretações. Por exemplo, nesta proporção “sesquiáltera”, o círculo simboliza que três semibreves valem o mesmo que duas anteriormente, que estavam no semicírculo. Por último, as proporções podiam ser mostradas por sinais “modus-cumtempore”, que consistiam num círculo ou semicírculo com ou sem “punctum”, que representava a prolação, e os números 2 e 3. Os teóricos do século XV e XVI ofereceram duas interpretações diferentes para estes sinais. John Hothby defendia que o círculo ou semicírculo indicava o modo maior, ou seja, quantas longas existiam numa máxima, o primeiro número referia-se ao modo menor, quantas breves havia numa longa, e o segundo número sinalizava o “tempus”. Por outro lado, Nicarius Weyts, dizia que o círculo ou semicírculo indicava o “tempus”, enquanto que os números indicavam o modo maior e menor. No entanto, estes sinais eram usados como sinais de redução pela maioria dos teóricos. Eles localizavam o “tactus” na breve, e não na semibreve, tal como era sugerido por este sistema. Além disso, consideravam o sinal O2 igual ao círculo cortado, que servia para reduzir.

O uso das proporções aumentou consideravelmente as possibilidades rítmicas, e os compositores do século XIV e XV tomaram partido disso. No entanto, continuava a haver inúmeras ambiguidades ao nível da interpretação, especialmente quando as relações mensurais se tornaram mais complexas e a sua interpretação variava de acordo com a região, o compositor e até a tradição teórica. Foi Johannes Tinctoris quem tentou resolver estes problemas. Tinctoris escreveu seis tratados acerca da notação mensural: “Proportionale musices” (c. 1473-74), “Liber imperfectionum notarum musicalium” (1474-75), “Tractatus de regulari valore notarum” (1474-75), “Tractatus de notis et pausis” (1474-75), “Tractatus alterationum” (depois de 1477) e “Scriptum super punctis musicalibus” (depois de 1471). Antes de Tinctoris, quando havia duas proporções sucessivas, a segunda estava relacionada com o sinal mensural inicial e não coma proporção anterior. Um exemplo dado no seu tratado “ Proportionale musices” é uma obra em “tempus” imperfeito e prolação menor em que se usasse uma proporção 2:1 e de seguida uma proporção 3:2. Neste caso, Tinctoris multiplicaria o 2:1 pelo 3:2, resultando numa fração de 6:2 ou 3:1, uma proporção “tripla”. Isto ocorre porque Tinctoris trata as proporções como frações e não como sinais mensurais, como era feito anteriormente. Antes de Tinctoris, os teóricos e compositores não se preocupavam que as mensurações das figuras comparadas numa proporção fossem semelhantes. Por exemplo, Guillaume Dufay, na “Missa Sancti Anthonii”, justapôs três breves perfeitas com duas breves imperfeitas, designando a proporção O3, de 3:2. Tinctris criticou-o dizendo que a proporção utilizada deveria ser O9/4 a nível da semibreve, pois a proporção O3/2 mostrava a relação entre breves e não entre semibreves, como Dufay pretendia fazer. Mais uma vez, está presente a influência de sistemas externos à música. Existia um método muito importante utilizado no comércio, chamado a “Regra de Três”, também conhecido como a Regra de Ouro, um método simples para calcular proporções entre termos não-equivalentes. Esta regra ajudava os compositores a encontrarem a proporção correta entre figuras de duração diferente. Para o fazer, tinham que responder a duas perguntas: quantas notas de um determinado valor, por exemplo semibreves, estão depois do sinal de proporção, a substituir quantas notas

do mesmo valor antes do sinal, e qual é o número de notas mais curtas após do sinal de proporção. A resposta à primeira pergunta é óbvia, pois é indicada pela fração. Por exemplo, no “tempus” perfeito e prolação menor seguido de uma proporção de 4:3, compara-se quatro semibreves a três. Por outro lado, a resposta à segunda pergunta, não é tão simples, pois antes de Tinctoris o valor da nota podia ser alterado após o sinal de proporção. No entanto, este teórico decide que a mensuração de cada figura mantém-se inalterada após a proporção, pelo que a Regra de Três serve para encontrar a resposta à segunda pergunta. Assim, se se tiver o sinal O (“tempus” perfeito e prolação menor) com três semibreves, ou seja, seis mínimas, uma secção 4/3 teria quatro semibreves, ou seja, oito mínimas. Deste modo, o número 3 relaciona-se com o número 6 da mesmo forma que o número 4 se relaciona com o número 8, pelo que 3 X 8 = 4 X 6, ou seja as condições para que a Regra de Três seja cumprida foram todas realizadas. Voltando ao exemplo de Dufay, que compara duas breves imperfeitas com três breves perfeitas, constata-se que a Regra de Três não foi cumprida, pois duas breves imperfeitas têm oito mínimas e três breves perfeitas têm dezoito mínimas, ou seja, o número 2 não se relaciona com o número 18 da mesma forma que o número 3 se relaciona com o 8. Assim, Dufay teria primeiro que reduzir as breves para semibreves e realizar a proporção 9:4, pois quatro semibreves relacionavamse com nove da mesma forma que oito mínimas se relacionam com dezoito. Desta forma, constata-se também que Tinctoris exigia a equivalência da mínima quando os tempos perfeitos e imperfeitos estava justapostos. Tinctoris tentou também alterar o uso dos sinais “modus-cum-tempore”. Ele opunha-se ao uso destes sinais pois o círculo e o semicírculo indicavam o “modus”, enquanto que ele defendia que deviam indicar o “tempus”. Além disso, dizia que os números 2 e 3 eram sinais de redução apenas dentro de uma fração. Assim, os únicos sinais “modus-cum-tempore” que Tinctoris permitia eram as pausas, para indicar o modo, o círculo ou semicírculo pra indicar o “tempus” e uma fração ou uma barra para indicar uma redução. A sua reforma nesta área não foi muito bemsucedida pois confundiu muitos compositores e teóricos acerca do significado dos vários sinais.

No século XVI, os músicos já não compreendiam o significado dos sinais de mensuração e proporção, dada a enorme complexidade que estes tinham nesta altura. Assim, para eles, qualquer figura era binária na sua conceção, a não ser que houvesse indicação do contrário, tal como acontece no sistema de notação moderno. Concluindo, desde o século XIII houve uma evolução do sistema de notação rítmica, que começou por ser um sistema muito rudimentar, funcionando à base de modos e padrões de divisão ternária e apenas com duas figuras distintas. Este sistema, ao longo dos séculos foi sendo desenvolvido por muitos teóricos, tornandose cada vez mais complexo, com o aparecimento de novas figuras rítmicas, da divisão binária e da equivalência das diversas figuras. Assim, ao longo dos anos, o sistema de notação mensural medieval foi dando as bases para a construção do sistema de notação que utilizamos atualmente.

Referências bibliográficas: The Cambridge History of Western Music Theory (2006) (pp.628-655). Editado por Thomas Christensen, em Maio 2006

Ana Sofia Ferreira Coelho – 1º ano – Fundamentos Teóricos da Música

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