A evolução do conceito de inércia inflacionária no Brasil. Transcrição da Apresentação na Defesa da Tese de Doutorado
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Defesa de Tese de Doutorado Apresentação Oral FEA-‐USP – Prédio FEA-‐5, Sala 217, Data: Sexta-‐feira, 17 de julho de 2015 Duração: 14hs-‐17h50
A apresentação abaixo oferece uma visão panorâmica do trabalho, de maneira que
apenas os detalhes que informam essa perspectiva são levantados. Ao final do arquivo, encontra-‐se o resumo oficial da tese (em inglês e em português).
A pesquisa analisa a evolução conceitual da inércia inflacionaria no Brasil, onde,
historicamente, o padrão de comportamento rígido da inflação está associado ao amplo sistema de indexação formal e informal de preços, salários e contratos, construído ao longo dos 40 anos que antecederam o Plano Real, quando, devido a um conjunto de fatores, logrou-‐ se disciplinar a inércia e a disseminação da indexação dentro de limites toleráveis.
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O presente estudo é motivado pela pouca atenção que o tema da inércia recebeu,
curiosamente, nos debates acadêmicos brasileiros no período subsequente ao Plano Real. No apagar das luzes desse interesse acadêmico, a maneira pela qual o conceito passou a ser utilizado se transformou. Há, portanto, uma evolução conceitual da inércia inflacionária entre os debates da década de 1980, no contexto dos planos de estabilização e o período de inflação baixa no Brasil. Evolução essa até hoje não apreciada pela historiografia das ideias econômicas brasileiras, que ainda carece de não apenas caracterizar precisamente essa mudança, como também refletir sobre suas causas e suas possíveis implicações sobre o desenho de políticas econômicas.
O Problema central pode ser assim exposto: até meados dos anos 1990, predominam
duas caracterizações da inércia aplicada à inflação e aos preços. No caso da inflação, inércia é entendida como o padrão rígido do comportamento da inflação, devido a conflitos distributivos entre frações da sociedade, arranjos institucionais propagadores e realimentadores da inflação, bem como problemas estruturais como gargalos na matriz produtiva e tendência a crises no balanço de pagamentos. Esposam essa abordagem os economistas das tradições cepalina, pós-‐Keynesiana e neo-‐keynesiana, sendo esta última representada por economistas de perfil keynesiano da academia norte-‐americana, tais como James Tobin, Arthur Okun, Franco Modigliani, Robert Gordon etc.
No tocante à inércia de preços, seu uso está inserido no debate sobre neutralidade da
moeda, isto é, impactos reais de variáveis nominais. A ausência de flexibilidade total dos preços impediria o repasse direto de aumentos na oferta monetária para preços, implicando variações em grandezas reais. Destacam-‐se aqui os problemas de rigidez de preços e salários, a presença de contratos sobrepostos com vencimentos não sincronizados, indexação de preços e salários, informação incompleta etc. Coube aos Novos Keynesianos a maior contribuição nesse sentido de uso do termos da inércia.
Após o Plano Real, no contexto da formação de um consenso negociado entre os
teóricos dos Ciclos Reais de Negócio e os Novos Keynesianos, o conceito de inércia passa a descrever o demora da resposta da taxa de inflação a choques de oferta ou nominais não antecipados, agora sob a influência da hipótese de expectatiavas racionais. O problema da inflação autossustentada é agora rotulado de “persistência” inflacionária. Esse conceito não
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apenas sugere, em termos substanciais, um desvio prolongado da inflação com relação ao seu nível de equilíbrio de longo prazo, como também é apreendido como uma regularidade estatística, uma propriedade empírica do processo gerador de dados que descrevem as séries temporais de inflação. Algumas perguntas nortearam o esforço de retratar esse processo de transformação, muito embora a tese não as responda de maneira precisa ou explícita. São elas: 1. Terá o problema da inércia chamado a atenção apenas de economistas brasileiros? 2. Qual era especificamente a diferença no uso do conceito nos dois momentos da história brasileira? Como descrever o processo de transformação? 3. Teria a contribuição brasileira ao entendimento desse fenômeno um caráter estritamente teórico ou mais voltado à formulação de políticas de estabilização? Nesse tocante, seria essa contribuição uma inovação genuinamente brasileira ou a adaptação de conceitos e abordagens mais gerais às condições locais da economia brasileira?
Dessa forma, o recorte dado ao trabalho foi um de história das ideias econômicas, em
que se aprecia a contribuição tão somente acadêmica a esse debate, com o foco incidindo sobre o perfil do discurso econômico de um grupo específico de economistas que servirão como eixo central da narrativa da tese. Trata-‐se dos economistas da PUC-‐Rio, não só pela sua posterior notoriedade acadêmica, como também pelo posicionamento dos mesmos em postos de destaque da política econômica nacional durante os experimentos de estabilização na década dos 1980 e 1990.
Busca-‐se portanto mostrar uma mudança no binômio forma-‐substância das teorias
apresentadas por esses economistas, de sorte a salientar como o ferramental mais densamente matematizado adotado por eles contribuiu para suavizar a transição entre as duas conotações de inércia. A narrativa aqui empreendida contorna, portanto, os detalhes dos planos de estabilização informados pela abordagem teórica em questão, não contempla problemas associados aos canais de transmissão das políticas de estabilização nem se detém em análises sobre o suporte empírico das teorias. Estes pontos são ressaltados apenas como
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insumos da narrativa. Não se ignora sua importância, mas são temas a serem abordados em trabalhos futuros.
A estrutura narrativa assume o seguinte formato: no primeiro capítulo, aborda-‐se o
contexto histórico do período pós-‐Segunda Guerra, em que o fenômeno inflacionário recebe ampla atenção da parte dos economistas em inúmeros países. Descreve-‐se a emergência de um conceito de estabilidade de preços como sendo uma inflação diferente de zero, situação esta em que a adoção de mecanismos de indexação se torna uma necessidade para corrigir distorções causadas pela inflação. Com isso, surgiu em vários países um conjunto numeroso de teorias para explicar o problema inflacionário.
A segunda parte da tese cobre os capítulos 2 a 4, nos quais analisa-‐se mais
detidamente as contribuições teóricas no contexto da longeva controvérsia entre economistas monetaristas e estruturalistas sobre as causas da inflação e as terapias alternativas para o seu efetivo controle. Ressalta-‐se aqui a evolução metodológica centrada em versões do modelo dente-‐de-‐serra. Parte-‐se dos modelos discursivos da conexão Cambridge-‐CEPAL para descrever uma trajetória de crescente formalização matemática desses modelos até o encerramento dessa primeira rodada da controvérsia no início dos anos 1970. Salientam-‐se as contribuições de Simonsen (seu modelo sintético que, ao abarcar os dois lados do debate, deslocou a controvérsia para uma dimensão empírica) e James Tobin que em 1981 foi, como argumentamos, o primeiro economista a utilizar o termo “inflação inercial” em antecipação ao uso do mesmo aqui no Brasil em 1984. Ainda no que se refere aos antecedentes, estabelece-‐se a influência da academia norte-‐americana sobre os desenvolvimentos teóricos dos economistas da PUC-‐Rio.
O ressurgimento da controvérsia no Brasil ao final dos anos 1970 é o pano de fundo da
terceira parte. Os capítulos 5 a 7 concluem a narrativa estreitando o foco para descrever os modelos neo-‐estruturalistas dos economistas da PUC-‐Rio. Nota-‐se um gradual deslocamento da ênfase dos modelos ao longo dos anos 1980. Inicialmente, a abordagem contempla modelos inter-‐setoriais de conflito distributivo com a saliência dos mecanismos de indexação que concluíam que o componente inercial da inflação era o fator determinante do comportamento da mesma. Nessa situação, a inflação perdia sensibilidade às variações da
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demanda agregada, de forma que apenas políticas de renda poderiam gerar significativo efeito desinflacionário.
Todavia, devido a tensões internas e externas às formulações teóricas, os economistas
da PUC-‐Rio passam a adotar uma postura mais receptiva aos argumentos monetaristas, bem como abandonam o projeto de oferecer uma inovadora abordagem econômica e passam a se encaixar nos cânones da corrente central da ciência econômica. Essa virada ecumência teria seus efeitos reforçados pela posição de destaque de tais acadêmicos na formulação e na condução da política econômica brasileira da época.
A título de ilustração, o diagrama mostra na parte superior, as abordagens envolvidas
na primeira rodada da controvérsia, centrada em modelos de inflação que cobriam tanto aspectos de longo prazo quanto problemas de política monetária de curto prazo, para explicar tanto as pressões primárias sobre a inflação quanto os mecanismos propagadores das mesmas.
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Na seção inferior da figura, pode-‐se observar o conjunto de teorias que concorriam
para explicar os determinantes da inflação ao início dos anos 1980. Nessa segunda rodada, a ênfase se desloca para os fatores de propagação, com destaque para o amplo esquema de indexação. Aqui a análise se estreita para focar apenas os modelos de inflação inercial, que foram sintetizados por Simonsen.
Dentro de tais limites, aprofunda-‐se nas contribuições dos economistas da PUC-‐Rio,
com o intuito de revelar o problema da transformação estruturalista da segunda geração. Mostra-‐se que os modelos passaram a enfatizar o desequilíbrio entre os salários aspirados pelos trabalhadores e os salários de equilíbrio, representados pela média dos salários reais no período entre dois reajustamentos. O perfil analítico dos modelos dessa etapa se assemelha às contribuições dos economistas novo-‐keynesianos, elementos centrais do conceito de inércia adotado no período pós-‐Real. Os economistas em questão são exatamente aqueles conduzindo a formulação e execução do Plano Real, daí sua relevância para a narrativa.
Assim, o argumento principal é que, na passagem da primeira para a segunda rodada
da controvérsia entre monetaristas e estruturalistas, o gradual enfraquecimento das substâncias institucional e estrutural dos modelos teóricos é acompanhado por um adensamento do ferramental matemático e econométrico do aparato analítico que enquadra o fenômeno inflacionário.
Ajustamentos no binômio forma-‐substância implicou uma ênfase maior nos
mecanismos de propagação da inflação, bem como uma maior receptividade com relação aos argumentos monetaristas. Esses movimentos combinados foram protagonizados pelos acadêmicos da PUC-‐Rio e receberam suporte analítico complementar da parte de Simonsen, facilitando, portanto, a convergência do conceito de inércia inflacionária para aquele vigente no período pós-‐Real. De forma esquemática, as principais contribuições da tese são: 1. Transmissão internacional das ideias econômicas: estabelecer um canal de conexão entre as mudanças metodológicas e sociológicas sofridas pela ciência econômica no plano internacional e os desenvolvimentos teóricos no Brasil;
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2. Hipótese sobre a origem das representações verbal e gráfica no formato de “dente de serra”, amplamente utilizada nos debates sobre inflação no Brasil: conexão com o programa de Pesquisa Operacional nos EUA no pós-‐Guerra (Cowles Commission); 3. Análise detalhada dos modelos analíticos nas duas rodadas dos debates, em particular as contribuições teóricas dos economistas da PUC-‐Rio, bem como a caracterização específica da influência dos desenvolvimentos teóricos na academia norte-‐americana sobre os modelos desenvolvidos por esta escola; 4. Apreciação historiográfica dos documentos compartilhados pela equipe econômica do Plano Real: evidência da percepção dos economistas sobre a relevância e a substância do problema da inércia inflacionária após a desinflação.
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RESUMO OFICIAL DA TESE O presente trabalho busca contribuir para a literatura de história do pensamento econômico brasileiro. O foco recai sobre a evolução do conceito de inércia inflacionária no Brasil. A motivação principal é a transformação conceitual desse fenômeno que aparece no período pós-‐Real entre os debates sobre estabiliação na década de 1980, mudança essa que permanece inexplicada pela literatura. Mais precisamente, o trabalho busca verificar a hipótese de que a inflação inercial não passou de um episódio de uma longa tradição de adaptações teóricas de influências oriundas de economistas estrangeiros, em especial na década de 1970, quando a hipótese de uma inflação inercial foi levantada. Nossa narrativa revela que o fenômeno da rigidez inflacionária já havia sido previamente compreendido e teorizado nos debates na América Latina, nas décadas de 1950 e 1960, quando uma série de contribuições apareceu a partir de várias tradições de pensamento, eventualmente sintentizadas pelo modelo de rendas contratuais sob inflação no formato de “dente-‐de-‐serra”, ou mecanismo Simonsen-‐Pazos. A narrativa adota a controvérsia entre monetaristas e estruturalistas em seus dois momentos como eixo da análise, para mostrar como o desaparecimento dessa oposição coincide com a emergência do consenso macroeconômico em escala internacional. Baseando-‐se em uma análise cuidadosa e detalhada das contribuições dos economistas neo-‐estruturalistas da PUC-‐Rio e da onipresente influência de Simonsen como um sintetizador das contenciosas escolas, apresentam-‐se evidências documentais de uma transformação estruturalista da segunda geração. Ao longo dos anos 1980, esses economistas gradualmente convergiram para uma abordagem mais ecumênica com relação aos monetaristas, reduzindo a importância do componente inercial da inflação e ampliando a relevância de aspectos usualmente associados à ortodoxia econômica. Finalmente, no período pós-‐Real, passa a predominar no país um conceito de inércia inflacionária que constrasta com a visão anterior dos economistas atuando no referido plano de estabilização. Esse novo conceito está associado à emergência de uma nova síntese neoclássica, dentro da qual a inércia é compreendida como o atraso na resposta dos níveis de preço a choques monetários ou reais, adicionando-‐se o conceito de persistência inflacionária para representar desvios duradouros da inflação com relação ao seu nível de equilíbrio. Para compreender se essa mudança pode ser considerada uma ruptura com relação ao passado, analisam-‐se os artigos que circularam nos bastidores do Plano Real dentro da equipe econômica. Nosso trabalho conclui que há elementos de continuidade entre os dois momentos no que se refere ao conceito de inércia, os quais aparecem agora com uma representação analítica desprovida da substância histórica e institucional que o conceito outrora abarcava.
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ABSTRACT
This work aims to contribute to the wider body of research in the intellectual history of the economics discipline in Brazil by focusing on the conceptual evolution of inflation inertia. The motivation lies in the conceptual gap that appeared, following disinflation in 1994, between the stabilization debates carried out in the 1980s and the way economists in Brazil began to describe downwardly rigid inflation patterns from the 1990s onwards. More precisely, we purport to verify the hypothesis according to which the “inertial inflation episode” was but a chapter in a longer tradition of adaptations, to country-‐specific realities, of theoretical influences coming from the economics profession at the international level, in the late 1970s, when the inertial inflation hypothesis was brought to the fore. Our narrative reveals that this stubborn inflationary phenomenon had been previously dealt with in the debates in Latin America about growth and inflation harking back to the 1950s and 1960s, where a host of contributions sprung from various traditions, which were gradually synthesized by the saw-‐ tooth model of real wages, also known as Simonsen-‐Pazos mechanism. The central narrative line adopts the recurrent opposition between a monetarist and a heterodox structuralist-‐type of thinking in their two rounds, in the 1950s and again in the 1980s. The connection between these two opposing schools is operated by the contributions by Mario Henrique Simonsen and the self-‐declared neo-‐structuralist economists at PUC-‐Rio. Based on a careful and detailed analysis of the latter’s modeling strategies and conclusions, we provide documental evidence of a second-‐generation structuralist transformation problem. Along the 1980s, these economists gradually shift towards a more ecumincal approach, incorporating not only monetarist elements into their analyses, but also downplaying the relevance of the inertial component. Finally, when the 1990s came, the rise of a macroeconomic consensus began to conceptualize “inflation inertia” as the time delay between a real or monetary shock and the response by price level changes, leaving the concept of “inflation persistence” to account for the deviations of inflation away from its equilibrium value, making up for how Brazilian economists now understand this phenomenon. We assess how “inflation inertia” has been understood in the aftermath of the monetary reform in Brazil in 1994, by analyzing the backstage papers that circulated within the economic team in charge of the Real Plan. We conclude that there are elements of continuity between the two moments as regards the concept of inertia, but that they are now stripped from their previous dense historical and institutional substance.
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