A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE PACTA SUNT SERVANDA E REBUS SIC STANTIBUS: APLICAÇÃO NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS ATRAVÉS DAS CLÁUSULAS DE FORCE MAJEURE E HARDSHIP

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Mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais: Menção em Direito Empresarial Disciplina: Direito dos Contratos Professor: Senhor Doutor Alexandre Libório Dias Pereira

A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE PACTA SUNT SERVANDA E REBUS SIC STANTIBUS: APLICAÇÃO NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS ATRAVÉS DAS CLÁUSULAS DE FORCE MAJEURE E HARDSHIP.

Hélio Lucas de Figueiredo Correia Morais

Julho / 2013

A Evolução dos Conceitos de Pacta Sunt Servanda e Rebus Sic Stantibus: Aplicação nos Contratos Internacionais através das Cláusulas de Force Majeure e Hardship.

Sumário: 1. Introdução. 2. Histórico e Evolução dos Contratos. 3. Conteúdo da Cláusula Pacta Sunt Servanda. 4. Conteúdo da Cláusula Rebus Sic Stantibus. 5. Os Contratos Internacionais de Comércio e as Cláusulas de Readaptação ou Manutenção do Contrato. 5.1. Cláusula de Força Maior (Force Majeure). 5.2. Cláusula de Hardship. 6. Conclusão.7. Referências Bibliográficas.

1. Introdução O contrato em sua acepção clássica, era a exata tradução de um monismo valorativo1. Esta feição lhe era dada pelo fato de que no conceito de contrato edificado no direito francês a autonomia da vontade era absoluta, não concorrendo com qualquer outro princípio. Esta tendência se agravou, posteriormente, com a edição do Bürgerliches Gesetzbuch – BGB, em 1896, tendo a escola pandectística forjado a teoria do negócio jurídico numa categoria lógico-jurídica, excluindo toda e qualquer característica de sociabilidade do fenômeno contratual. Ocorre, no entanto, que desde a época do liberalismo clássico a sociedade passou por imensas transformações econômicas, sociais e politicas que demandaram uma nova análise acerca da vetusta visão oitocentista dos instrumentos contratuais e do próprio direito dos contratos. Esta nova visão conduz a uma percepção do contrato não mais como um simples instrumento de materialização de relações meramente econômicas, mas abrange as ocorrências sociais circundantes. Esta perspectiva fez com que vários princípios de matriz clássica fossem, aos poucos, sendo relativizados, tais como o pacta sunt servanda, que passou a conviver com a cláusula rebus sic stantibus, que funciona como uma verdadeira exceção a regra da força obrigatória dos contratos, baseando-se na teoria da imprevisão. Os contratos internacionais de comércio sofreram sensível influencia, como não poderia deixar de ser, dos princípios basilares do direito dos contratos, mas receberam outras matizes, em decorrência da relação negocial a que se prestam regular. 1

Centrado em um conceito jurídico-formal, mostrava-se como mero instrumento de materialização de uma relação negocial, de caráter econômico, alicerçado num princípio de igualdade meramente formal, descurando de toda e qualquer categorização do fenômeno social que lhe circundava.

Neste sentido, o presente trabalho visa apresentar as principais decorrências da relativização da função contratual no sistema dos contratos internacionais de comércio, mormente no que diz respeito a relação trazida pelas cláusulas de estabilidade contratual, dentre as quais podemos citar duas das mais conhecidas e utilizadas: a cláusula de força maior e a cláusula de hardship. Abordaremos, inicialmente, a visão contratual centrada numa nova ótica principiológica que relativiza a rigidez contratual, numa ótica geral, abordando as principais inferências nos contratos internacionais de comércio. Em seguida apresentaremos as principais vicissitudes contratuais que podem inquinar a realização dos contratos de longa duração e as condições jurídicas que permitem a manutenção da relação obrigacional entre os contratantes. Terminaremos o trabalho apresentando as principais cláusulas de readaptação contratual, mormente as de force majeure e hardship. 2. Histórico e Evolução dos Contratos Em sua matriz romanística o contrato era tido como um instrumento materializador das relações negociais realizadas entre duas partes, centradas no princípio denominado pacta sunt servanda, pelo qual o contrato deveria ser cumprido conforme o pactuado. Note-se, ainda, que não eram todas as relações negociais que poderia ser realizadas mediante um contrato, mas somente aqueles contratos nominados, ou seja, aqueles cuja teoria era formalizada. ORLANDO GOMES2, defendia que o princípio da força obrigatória dos contratos consubstanciava-se na regra de que o contrato é lei entre as partes, desde que tenha sido celebrado com a observância de todos os pressupostos e requisitos, devendo ser executados pelas partes daquela forma. Esta força obrigatória atribuída pela lei aos contratos é o fundamento que suporta a segurança das relações jurídicas.

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GOMES, Orlando. Contratos, 7ª ed. Forense, Rio de Janeiro, 1979, p. 40

Nesta concepção clássica a vontade é o elemento essencial, a fonte de legitimação da relação contratual. A vontade é, portanto, o motor fundamental da relação entre os indivíduos. É neste sentido que CLÁUDIA LIMA MARQUES3 afirma: Na concepção clássica, portanto, as regras contratuais deveriam compor um quadro de norma supletivas, meramente interpretativas, para permitir e assegurar a plena autonomia de vontade dos indivíduos, assim como a liberdade contratual. Esta concepção voluntarista e liberal influenciará as grandes codificações do Direito e repercutirá no pensamento jurídico do Brasil, sendo aceita e positivada pelo Código Civil Brasileiro de 1917.

Mais tarde, o direito romano passou a admitir outros contratos, classificados de inominados, desde que as partes cumprissem suas obrigações 4. Fora desses casos os acordos eram desprovidos de força jurídica. Inexistiam ações que os amparassem, caso descumpridos. Para atender a realidade, e por influência dos canonistas, as leis tiveram o sentido alterado, concedendo à simples troca de consentimentos a produção de efeitos jurídicos obrigatórios, mesmo que não sendo contratos típicos ou nominados. Neste espírito nasceu, por exemplo, o Código Civil Francês de 1804. A teoria contratual tradicional defende, com base nos princípios oitocentistas, a sanctity of the contracts (santidade dos contratos), ou seja, a imutabilidade dos contratos, devendo as partes limitarem-se a cumprir aquilo que foi pactuado, com fundamento no pacta sunt servanda, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido.5 Obviamente, o direito clássico, admitia alterações nas obrigações contratuais com base na regra do rebus sic stantibus6, que deu origem a teoria da imprevisão, que, incluída nesta cláusula, deve ser entendida como exceção, sendo a regra o rigoroso cumprimento dos contratos. Segundo CRETELLA NETO, por essa teoria: 3

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995. p. 39 4 Contratos do tipo ut des (ex: troca), ut facias (ex: doação com encargo), facio ut des (ex: contrato estimatório) e o facia ut facias (ex: transação). 5 CRETELLA NETO, José. Contratos Internacionais de Comércio. Millenium: Campinas, 2010. p. 12. 6 Deriva da fórmula contractus qui habent tractum sucessivum et dependentium de futuro rebus sic stantibus intelliguntur.

(...) a execução das obrigações contratuais passa a não ser exigível nas mesmas condições pactuadas antes das alterações, o que leva a uma ideia diversa de exigibilidade: a execução das obrigações contratuais continua sendo exigível, mas não nas mesmas condições que antes e, para tal, necessário proceder um ajuste no contrato.7

É o que se pode denominar de mutabilidade essencial dos contratos. Para esta teoria as alterações contratuais somente serão possíveis em condições bem precisas, tais como a) mudança nas circunstancias que envolvem a execução do contrato; b) excessiva onerosidade para uma das partes; c) imprevisibilidade da mudança nas circunstancias em relação ao momento da celebração do contrato; d) o fato não deve ser imputável a qualquer das partes e; e) deve haver nexo causal entre a circunstancia alterada e a onerosidade excessiva daí resultante, que implica, dispêndio acima do previsto, para uma das partes, dando a outra, determinada vantagem injusta.8 Hodiernamente a concepção contratual deu uma guinada relevante em relação a teorização clássica. É bem verdade que houve um processo de constitucionalização do direito civil que deu a este ramo do direito uma feição mais principiológica em contraposição as posições duras e firmes adotadas pelo civilistas. Esta concepção traz, imanente, uma ótica social segundo a qual o contrato passa a ser também um instrumento de pacificação social, desde que a igualdade existente entre as partes não seja meramente formal mas admita a posição de igualdade substancial nas relações contratuais negociais. Nesta senda, a liberdade contratual em tempos atuais pode assumir duas vertentes basilares: a) binômio autodeterminação / Justiça Social e; b) liberdade contratual como elemento de concorrência. No liberalismo não se cogitava uma igualdade substancial entre os contratantes. Cogitava-se a então denominada “liberdade negativa”. A liberdade era

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Idem. Ibidem.

considerada como uma ausência de intervenção/restrição do Estado na orbita jurídica do indivíduo. Esta vertente não subsiste na concepção presente no Estado Democrático de Direito. Se, em virtude de uma disparidade de situações jurídicas que emanem maior poder a determinado contratante, for excluída a liberdade de decisão da outra parte, inexistirá liberdade como justiça contratual, visto que a autodeterminação requer uma equânime conformação de vontades. A outra concepção vê a liberdade contratual como instrumento de concorrência. A existência de interesses dignos de tutela nas relações contratuais não é desconsiderada pelo paradigma do direito e da economia. Ora, não se pode olvidar que os interesses sociais privilegiados em determinado contrato estão, indubitavelmente, alicerçados no mercado que o circunda. Ainda na senda da nova ótica contratual pode-se ainda lastrear esta nova concepção numa ótica da constitucionalização do direito civil ou, mais amplamente, do direito privado. Com efeito, no paradigma do Estado Liberal a Constituição não se imiscuía na campo das relações privadas, que ficavam a cargo da legislação ordinária gravitando entre o Código Civil e legislação, centrando-se na segurança jurídica. Com o advento do Estado Social, a intervenção do legislado no campo privado sofreu uma certa multiplicação, principalmente na edição de normas de ordem pública que limitavam a autonomia da vontade dos sujeitos. Foi, neste particular, que a Constituição se projetou na ordem civil, consignando valores solidarísticos.9 É bem verdade que esta abertura do direito civil para receber os princípios constitucionais ainda não é bem aceitado em alguns ordenamentos jurídicos de determinados Estados, face a arraigada concepção de que a doutrina civilística é completamente hábil para atender aos ditames da sociedade.

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Insere-se ainda nesta senda o fato de se ter assumido a força normativa das normas constitucionais com o conseqüente desapego a concepção de que aquelas eram apenas projetos políticos que necessitavam da intervenção do legislador ordinário para a sua necessária concreção. Hodiernamente se entende que as normas constitucionais tem força normativa e, dependendo de sua categoria, aplicabilidade imediata sem necessidade de interferência de qualquer ator político.

No Brasil, por conta da atuação do Supremo Tribunal Federal, que faz as vezes de Corte Constitucional, é admitida a penetração do direito constitucional nas relações privadas, conforme se pode depreender da leitura da ementa do RE 201819/RJ: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As

associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que nãoestatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.

Em Portugal, diversamente, há expressa previsão no art. 18, da CRP, segundo o qual: Artigo 18.º Força jurídica 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Todas essas formulações contaram para que o direito dos contratos sofresse uma sensível modificação no que concerne ao núcleo de suas obrigações e, por conseguinte, a realização de novas tarefas no âmbito das impossibilidades de manutenção das obrigações conforme pactuadas.

3. Conteúdo da Cláusula Pacta Sunt Servanda Todos

os

ordenamentos

jurídicos

conhecidos

consagram

a

obrigatoriedade dos contratos, ou o pacta sunt servanda, pelo que entendemos que esta não é uma determinação arbitrária, inserida por simples coincidência em todas estas legislações. Embora a ideia seja sempre a mesma, a origem pode ser das mais diversas, com base no acatamento de uma ou de outra teoria que dê embasamento a determinação legal. Adotaremos aqui, para exemplificar as teorias mais conhecidas, o trabalho realizado por Giorgi Giorgio, apresentado por Darcy Bessone10. A Teoria do Pacto Social, ou da Sociabilidade, prega que o fundamento do pacta sunt servanda residiria em uma convenção tácita e primitiva de fidelidade as próprias promessas, celebrada pelos seres humanos, com base nos princípios inerentes ao Contrato Social. Pela Teoria da Ocupação, Posse ou Tradição, a promessa constituiria uma abdicação de direito e a aceitação importaria na ocupação do direito abdicado, operando-se assim a tradição. Desta forma a contratado abdicaria de um direito em favor do contratante, até que se ultimasse o objeto do contrato. Uma outra teoria é a de Ahrens segundo a qual a consciência e a razão mandam fazer o bem, consequentemente sendo correto respeitar as promessas. Se estas pudessem ser violadas sem qualquer sanção a ordem social seria impossível, a sociedade inútil e o home ficaria resumido as suas próprias e frágeis forças. A Teoria do Neminem Laedere prega que a ofensa a outrem, através do descumprimento de uma promessa é intolerável. Por fim, a Doutrina de Cimballi, defende que a natural liberdade de disposição da própria liberdade estaria a essência da força obrigatória dos contratos.

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GIORGIO, Giorgi. Teoria de las obrigaciones em el derecho moderno, trad pela Red. Da Revista General de Legislacion y Jurisprudencia, apud BESSONE, DARCY. Do contrato. Teoria geral. 4ª ed. Saraiva, São Paulo: 1997, p. 19.

Conforme citado alhures, OLANDO GOMES, a força obrigatória dos contratos se consubstancia na regra de que o contrato é lei entre as partes. Tendo sido o seu conteúdo estipulado de forma adequada o contrato torna-se intangível, havendo a necessidade de um novo concurso de vontades para modificação de suas cláusulas não havendo qualquer justificativa para que uma consideração de equidade tivesse força para modificar as cláusulas estipuladas. Esta força obrigatória é exatamente o que fundamenta a segurança jurídica. Assim, de acordo com o entendimento tradicional dos contratos, uma vez celebrados pelas partes, na expressão de sua vontade livre e autônoma, os contratos não podem mais ser modificados, a não ser por mútuo acordo. Esta é a conceituação do pacta sunt servanda. É fora de dúvida e mesmo despiciendo comentar que este princípio, o do pacta sunt servanda, só é válido para os contratos firmados em consonância com a lei não sendo aplicável aos contratos contrários a lei. Embora se possa assinalar a autonomia da vontade como o princípio basilar do pacta sunt servanda, aduz-se em épocas mais recentes que o contrato é firmado em razão da sua função social o que traduz o acatamento do princípio da boafé11 em sua matiz objetiva, além de uma atuação dos contratantes que seja coerente com as expectativas razoáveis, movido pela lealdade e vedado o abuso. A concepção moderna é de que a sociedade deve ser responsável pelo bem-estar social dos cidadãos e regular o direito dos particulares, sendo que a consequência disso é a relativização dos direitos subjetivos com a utilização do princípio da função social nas relações privadas. 4. Conteúdo da Cláusula Rebus Sic Stantibus Deriva da fórmula contractus qui habent tractum sucessivum et dependentium de futuro rebus sic stantibus intelliguntur12 e trata da possibilidade de, nos contratos de longa duração, sobrevenham fatores que que possam modificar os fatos sobre os quais o contrato foi constituído, gerando uma excessiva onerosidade a uma das partes.

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A boa-fé funda-se nos princípios éticos, na lealdade, confiança e probidade. Cuja tradução pode ser assim engendrada: os contratos de execução sucessiva, dependentes de circunstâncias futuras, entendem-se pelas coisas como se acham. 12

Nos séculos XIV à XVI, os juristas medievais, observando que circunstancias externas eram de extrema importância nos contratos de longa duração, uma vez tornando-se o ambiente diverso do pactuado inicialmente, a execução do contrato deveria se adaptar a nova sistemática fenomenológica vivida. Com efeito, dando origem a teoria da imprevisão, o rebus sic stantibus veio para relativizar o dogma do pacta sunt servanda, posto que pretende alterar a situação contratual, em virtude de situação de desequilíbrio entre as partes. Sobre a origem deste postulado, existem algumas teorias que valem a pena serem mencionadas. Segundo Windscheid e Pisko, defensores da Teroria da Pressuposição, as partes, ao celebrarem um contrato fazem uma representação mental da situação negocial em que estão se envolvendo. Assim, quem manifesta a vontade em determinado sentido quer que o efeito jurídico pretendido só venha a existir se existir se ocorrer um certo estado de relações. Já a Teoria da Superveniência, defendida por Osti, considera que como a promessa é para ser cumprida no futuro o promitente, ao se vincular, faz a representação mental abstrata dos efeitos que posteriormente serão concretizados. Opera-se, então, a simples determinação de vontade, destinada a se traduzir em atos de vontade no momento da execução do prometido. Assim, ocorre a distinção da vontade contratual (vontade de se obrigar) da vontade marginal, que é a vontade de realizar a prestação, apenas determinada no momento da formação do contrato, mas cuja efetivação, por meio da prestação prometida, depende de uma atividade voluntária ulterior. A vontade marginal compreende a consecução efetiva da contraprestação, mas enquanto não se traduzir em atos, esta vontade não é perfeita e definitiva, porque até ela pode ser modificada a situação que constitui seu pressuposto, pela superveniência de eventos não previstos pelas partes. 13 Por fim, mas não esgotando as teorias que tratam do tema, podemos citar a Teoria da Base Negocial Objetiva. Preceitua esta teoria que todo contrato é celebrado na expectativa de que certa situação presente permaneça, tendo os contratantes consciência disso ou não. Se ocorrer uma alteração total da situação não prevista por 13

BESSONE, Darcy. Do Contrato. Teoria Geral. Saraiva, São Paulo, 1997. p. 215

nenhuma das partes, e não levada em conta na celebração do contrato, pode ser que a manutenção do contrato se revele uma injustiça. A manutenção do conjunto de circunstâncias e o estado geral das coisas são necessários para que o contrato, segundo o significado dos contratantes, possa subsistir como relação dotada de sentido. A realidade atual é de que a revisão dos contratos é plenamente possível, com base na teoria da imprevisão. Diferentemente se mostra situação na qual a onerosidade excessiva para uma das partes pudesse ser razoavelmente prevista. Para que o contrato possa ser afastado, o acontecimento deve ser extraordinário e imprevisível. Mas não basta. Necessário que a alteração determine dificuldade do contratante cumprir a obrigação, pela prestação ter se tornado excessivamente onerosa. Não é necessário que haja a impossibilidade de cumprimento da obrigação, basta a dificuldade. 5. Os Contratos Internacionais de Comércio e as Cláusulas de Readaptação ou Manutenção do Contrato O fenômeno da globalização trouxe, dentre outras consequências, o incremente das relações comerciais entre Estados diferentes. Aumentou, sobremaneira, o comércio internacional de mercadorias. Nas palavras de CRETELLA NETO, o contrato internacional é o instrumento jurídico que serve de substrato as relações negociais travadas entres partes situadas em países diferentes com instrumentos jurídicos diversos.14 Um contrato internacional de comércio consiste em a) reconhecer um fenômeno que o legislador nacional não consegue regulamentar em sua inteireza; b) determinar um tipo de relação que a lei nacional, mesmo que seja aplicada a ela, não contempla nas suas disposições; c) confrontar-se com um tipo de exegese dos textos normativos que é fixado por padrões internacionais.15 Em suma, podemos caracterizar contrato internacional de comércio com sendo toda relação jurídica de caráter mercantil que se estabelece entre pessoas físicas

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CRETELLA NETO, José. Contratos Internacionais de Comércio. Millenium: Campinas, 2010. p. 12. SOARES, Guido. Contratos Internacionais de Comércio: Alguns Aspectos Normativos da Compra e Venda Internacional, in: Contratos Nominados – Doutrina e Jurisprudência. CAHALI, Youssef Said, coord. Ed. Saraiva, 1995, pp. 151-198. 15

ou jurídicas, que apresenta, ao menos em tese, diversos pontos de contato com mais de uma ordem jurídica estatal e cuja internacionalidade é revelada por meio de critérios jurídicos e/ou econômicos relevantes para o contexto do contrato e que vai ao encontro dos interesses do comércio internacional.16 Os contratos internacionais via de regra são contratos com duração diferida no tempo, ou seja, tem longa duração e estão, por esta razão, sujeitos a inúmeras vicissitudes que podem lhe causar a cessação, com desastrosos efeitos econômicos e financeiros para as partes contratantes. Neste sentido, BRUNO OPPETIT, aduz que: La dureé de certains contrats sucessifs permet de penser que leur exécution soulèvera des difficultés croissantes au fur et à mesure que s’eloigne leur date de conclusion.17

Vivemos em uma sociedade de risco18 o que nos impõe a consciência do risco, visto que o homem cada vez mais interfere nas forças naturais. É imanente a própria existência humana o conceito de risco. Assim, verifica-se que o ser humano, diariamente lida com riscos das mais variadas montas. Em situações não usuais, no entanto, a vulnerabilidade humana é exponencialmente aumentada. Ao celebrar um contrato internacional deve-se estar ciente da existência e inúmeros riscos representados pelo surgimento de por fatos ou circunstancias impossíveis de prever antes da conclusão do acordo.19 Leve-se em conta, ainda, que os contratos internacionais são, em sua maioria, de longa duração o que aumenta ainda mais a possibilidade de eventos externos e imprevisíveis assolarem a execução do contrato. É neste cenário, das vicissitudes contratuais que nascem as regras de readaptação dos contratos, que visam, primordialmente, a manutenção do contrato, com o intuito de minimiza os prejuízos que suportariam as partes no caso de terem que suportar o rompimento da relação negocial.

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CRETELLA NETO, José. Contratos Internacionais de Comércio. Millenium: Campinas, 2010. pp. 124125. 17 18 19

BECK, Ulrich. Risikogesellschaft – Auf dem Weg in eine andere Moderne, Suhrkamp, 1986. Op. Cit. p. 454.

Genericamente podemos aduzir que a readaptação contratual pode se dar de formas diversas. BRUNO OPPETIT,20 aduz que, pode-se definir, de forma genérica, algumas cláusulas de manutenção de valor como um método de repartição do risco monetário entre as partes numa transação internacional. Aqui remetemos o leitor a obra do referido autor, visto que não nos interessa, por ora, a análise de referidas cláusulas. As cláusulas de readaptação propriamente ditas podem ser, segundo OPPETIT, entendidas como aquelas que, mediante uma situação inesperada pelas partes e que contenham basicamente as mesmas características da teoria da imprevisão, serão aplicáveis com vista a manutenção do instrumento negocial internacional. Cita referido autor, por exemplo: a) Government Take Clause, comumente inseridos em contratos de fornecimento de petróleo, pela qual permite o repasse aos clientes finais qualquer aumento nos preços do petróleo engendrado pelo país produtor; b) First Refusal Clause, é uma cláusula segundo a qual há um alinhamento no contrato na qual o vendedor se compromete a dar ao comprador uma redução de preço igual as aplicadas pelos seus concorrentes; c) De Hausse et de Baisse, segundo a qual é permitida a revisão das condições financeiras do contrato em caso de alta ou baixa dos níveis salariais ou do custo de matérias primas; d) Force Majeure, é uma cláusula que permite a manutenção do contrato, em certos termos, desde que haja a superveniência de eventos extraordinários; e) Hardship Clause, pode ser definida com aquela no cerne da qual as partes poderão demandar uma reorganização do contrato que as liga, se uma mudança produzida nos dados iniciais, em vista dos quais elas se comprometeram, vem modificar o equilíbrio desse contrato ao ponto de fazer uma das partes suportar um rigor injusto.

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Com efeito, as cláusulas aqui mencionadas são as que mostram maior utilização na prática contratual em relação a tentativa de manutenção da relação negocial. Dentre elas podemos citar, com maior rigor, a cláusula de força maior e a cláusula de hardship. Não bastam, no entanto, somente a ocorrência de eventos imprevisíveis para que as cláusulas em comento entrem em ação. É necessário adicionalmente que causem um certo desiquilíbrio contratual e que este seja de tal ordem que impeça a execução das obrigações ou que tornem a execução do contrato onerosamente excessiva. São nessas cláusulas que iremos no deter com maior amplitude neste estudo. 5.1. Cláusula de Força Maior (Force Majeure) De origem romanística a noção de força maior é clássica nos Estados cujos sistemas jurídicos tem esta feição romanística. Nos contratos internacionais, no entanto, a prática contratual contemporânea tem proposto soluções um bocado divergentes do conceito clássico. Podemos conceituar a cláusula de força maior como sendo aquela que exonera das consequências de uma inexecução contratual determinado contratante desde que este prove que essa falha no cumprimento do contrato é fruto de um impedimento fora de seu controle e que não pôde, razoavelmente, esperar que este o levasse em consideração no momento da conclusão do contrato. Assim, ainda, a Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, em seu art. 79, I, apresenta um conceito de força maior, nos seguintes termos: Seção IV. Exoneração Artigo 79 1) Uma parte não é responsável pela inexecução de qualquer uma das suas obrigações, se provar que esta inexecução é devida a um impedimento independente de sua vontade e que não poderia razoavelmente dela

esperar que ela o tomasse em consideração, no momento da conclusão do contrato, o prevenisse ou o ultrapassasse, ou que prevenisse ou ultrapassasse as suas consequências.

Os princípios UNIDROIT, por sua vez apresentam um conceito nos seguintes temos: ARTIGO 7.1.7 (Força maior) (1) A parte inadimplente isenta-se de responsabilidade se provar que o inadimplemento foi causado por um obstáculo que escapa ao seu controle e que não poderia, razoavelmente, tê-lo levado em conta ao tempo da formação do contrato, ou ter-lhe evitado ou superado as consequências.

A força maior pressupõe evento cuja causa seja conhecida mas o traço da irresistibilidade impere, ultrapassando qualquer meio humano de resistência. A mera dificuldade não é capaz de trazer a aplicação da clausula em estudo. Pode-se depreender que os eventos que se enquadram no conceito de força maior são caracterizados pelos seguintes elementos: a) são impossíveis de prever à época do contrato; b) não são causados pelas partes, sendo-lhes exteriores; c) independem da vontade das partes; d) as partes não tem controle sobre estes eventos (beyond the control of the parties); e) são inevitáveis; f) são extraordinários e excepcionais; f) tornam a execução impossível ou retardam exageradamente o contrato. A jurisprudência francesa, no entanto, vem afastando o caráter da imprevisibilidade, privilegiando a exterioridade e a irresistibilidade.21 A existência da cláusula de foça maior nos contratos internacionais é, hoje, quase que obrigatória, haja vista a crescente instabilidade nas relações econômicas, políticas, jurídicas, etc, existente nos Estados contratantes. Mostra-se, ainda, de suma importância, nestes contratos internacionais a completa delimitação do que será entendido como evento consubstanciador de força maior, posto que uma delimitação geral pode deixar de fora do manto desta cláusula eventos que causariam uma fissura no contrato. Neste sentido, por exemplo, a cláusula

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Cass. Com. 31.01.1983: D. 1984 IR.

de força maior editada pela ICC (International Chamber of Commerce), aqui reproduzida a título explicativo: 1. Unless otherwise agreed in the contract between the parties expressly or impliedly, where a party to a contract fails to perform one or more of its contractual duties, the consequences set out in paragraphs 4 to 9 of this Clause will follow if and to the extent that that party proves: [a] that its failure to perform was caused by an impediment beyond its reasonable control; and [b] that it could not reasonably have been expected to have taken the occurrence of the impediment into account at the time of the conclusion of the contract; and [c] that it could not reasonably have avoided or overcome the effects of the impediment. 2. Where a contracting party fails to perform one or more of its contractual duties because of default by a third party whom it has engaged to perform the whole or part of the contract, the consequences set out in paragraphs 4 to 9 of this Clause will only apply to the contracting party: [a] if and to the extent that the contracting party establishes the requirements set out in paragraph 1 of this Clause; and [b] if and to the extent that the contracting party proves that the same requirements apply to the third party. 3. In the absence of proof to the contrary and unless otherwise agreed in the contract between the parties expressly or impliedly, a party invoking this Clause shall be presumed to have established the conditions described in paragraph 1[a] and [b] of this Clause in case of the occurrence of one or more of the following impediments: [a] war (whether declared or not), armed conflict or the serious threat of same (including but not limited to hostile attack, blockade, military embargo), hostilities, invasion, act of a foreign enemy, extensive military mobilisation; [b] civil war, riot rebellion and revolution, military or usurped power, insurrection, civil commotion or disorder, mob violence, act of civil disobedience; [c] act of terrorism, sabotage or piracy;

[d] act of authority whether lawful or unlawful, compliance with any law or governmental order, rule, regulation or direction, curfew restriction, expropriation, compulsory acquisition, seizure of works, requisition, nationalisation; [e] act of God, plague, epidemic, natural disaster such as but not limited to violent storm, cyclone, typhoon, hurricane, tornado, blizzard, earthquake, volcanic activity, landslide, tidal wave, tsunami, flood, damage or destruction by lightning, drought; [f] explosion, fire, destruction of machines, equipment, factories and of any kind of installation, prolonged break-down of transport, telecommunication or electric current; [g] general labour disturbance such as but not limited to boycott, strike and lock-out, go-slow, occupation of factories and premises. 4. A party successfully invoking this Clause is, subject to paragraph 6 below, relieved from its duty to perform its obligations under the contract from the time at which the impediment causes the failure to perform if notice thereof is given without delay or, if notice thereof is not given without delay, from the time at which notice thereof reaches the other party. 5. A party successfully invoking this Clause is, subject to paragraph 6 below, relieved from any liability in damages or any other contractual remedy for breach of contract from the time indicated in paragraph 4. 6. Where the effect of the impediment or event invoked is temporary, the consequences set out under paragraphs 4 and 5 above shall apply only insofar, to the extent that and as long as the impediment or the listed event invoked impedes performance by the party invoking this Clause of its contractual duties. Where this paragraph applies, the party invoking this Clause is under an obligation to notify the other party as soon as the impediment or listed event ceases to impede performance of its contractual duties. 7. A party invoking this Clause is under an obligation to take all reasonable means to limit the effect of the impediment or event invoked upon performance of its contractual duties. 8. Where the duration of the impediment invoked under paragraph 1 of this Clause or of the listed event invoked under paragraph 3 of this Clause has the effect of substantially depriving either or both of the contracting parties of what they were reasonably

entitled to expect under the contract, either party has the right to terminate the contract by notification within a reasonable period to the other party. 9. Where paragraph 8 above applies and where either contracting party has, by reason of anything done by another contracting party in the performance of the contract, derived a benefit before the termination of the contract, the party deriving such a benefit shall be under a duty to pay to the other party a sum of money equivalent to the value of such benefit.

Funciona, portanto, a cláusula de força maior como uma cláusula que visa a manutenção da relação contratual internacional, com vistas a redução ou eliminação de prejuízos financeiros as partes contratantes, nos casos de impossibilidade de execução do contrato de forma temporária. Funciona ainda, como cláusula de exoneração do dever contratado quando a impossibilidade de execução do contrato seja definitiva. Tem, portanto, uma bidismensionalidade. Entendemos, assim, que a cláusula de força maior tem suma importância na redação de um contrato internacional de comércio e deve ser delineada de forma mais clara e abrangente possível com vistas a eliminar duvidas em caso de os contratantes terem de socorre-se da mesma. 5.2. Cláusula de Hardship É necessário, primeiramente, a guisa de introito, aduzir que hardship e força maior se assemelham bastante, tendo em vista que em ambos os casos os eventos que alteram o equilíbrio contratual são dotados dos fatores de imprevisibilidade, inevitabilidade e exterioridade. Diferenciam-se, tipicamente, no entanto, pelo fato de que na força maior a execução do contrato terá se tornado impossível, temporária ou definitivamente, não havendo como prosseguir na execução do contrato enquanto durarem os eventos que o consubstanciam, cessando o cumprimento das obrigações anteriormente pactuadas. Já na hardship as circunstancias implicam que a execução contratual se torne onerosa excessivamente ou desprovida de utilidade para uma ou ambas as partes, sendo possível o prosseguimento do contrato, mas em patamar econômico mais elevado que o pactuado orginalmente.

No caso da hardship é possível o prosseguimento do contrato, embora em condições financeiras mais dispendiosas. Depreende-se que hardship indica uma modificação substancial das circunstâncias iniciais do contrato, surgidas durante a execução, provocando uma significativa perturbação do equilíbrio econômico do contrato.22 Hardship, em tradução livre e literal, significa endurecimento, dificuldade. Por esta razão alguns autores23 traduzem o termo como cláusula de readaptação diante do aumento das dificuldades para prosseguir na execução do contrato. É, portanto, diferente da cláusula de correção de preços, no sentido de que estipula uma correção em termos contratuais. A correção de preços (value maintenance), por seu turno, ajusta os preços automaticamente, de acordo com algum índice ou padrão monetário ou econômico. É, também, diferente da teoria da lesão pelo fato de que esta se refere ao desiquilíbrio deste o momento da formação do contrato, enquanto a hardship cuida do desequilíbrio na execução do contrato, ou seja, em momento posterior ao da formação do contrato. Note-se, por oportuno, que a cláusula em comento é, na verdade, um instrumento de manutenção da relação contratual. E assim é pelo fato de que se entende que o rompimento de um contrato não afetará tão somente as partes contratantes mas trará sensíveis consequências para o meio que com ele tem ligação. Desta forma podemos citar todos os problemas com os recursos que foram alocados (empregados, meios físicos, relações transversais, etc), bem como o efeito econômico negativo quando um contrato é rescindido.24

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O Unidroit Principles of International Commercial Contracts define hardship em seu item 6.2.2. MATRAY, Didier; VIDTS, Françoise. Les Clauses d’Adaptation de Contrats. In: Les grandes Clauses des Contrats Internationaux, 55º Séminaire de la Comission Droit et Vie des Affaires, Bruxelas, FECBruylant, 2005. 24 Os contratos internacionais não são somente os de compra e venda de mercadoria. É interessante notar que também existem contratos internacionais, e estes são a maioria, de investimento em determinados mercados emergentes, como os contratos de investimento em energias renováveis no nordeste do Brasil. Estes contratos engendram uma série de relações transversais que, havendo a rescisão do contrato principal, causará a rescisão destas relações trazendo prejuízos para a economia e para a própria população. 23

Interessante notar que, a semelhança do que propôs com a cláusula de força maior, a ICC (International Chamber of Commerce), apresenta um modelo de cláusula de hardship que podem ser inseridas nos contratos internacionais. Esta é assim redigida: 1. A party to a contract is bound to perform its contractual duties even if events have rendered performance more onerous than could reasonably have been anticipated at the time of the conclusion of the contract. 2. Notwithstanding paragraph 1 of this Clause, where a party to a contract proves that: [a] the continued performance of its contractual duties has become excessively onerous due to an event beyond its reasonable control which it could not reasonably have been expected to have taken into account at the time of the conclusion of the contract; and that [b] it could not reasonably have avoided or overcome the event or its consequences, the parties are bound, within a reasonable time of the invocation of this Clause, to negotiate alternative contractual terms which reasonably allow for the consequences of the event. 3. Where paragraph 2 of this Clause applies, but where alternative contractual terms which reasonably allow for the consequences of the event are not agreed by the other party to the contract as provided in that paragraph, the party invoking this Clause is entitled to termination of the contract.

Nota-se, de pronto, que a ICC tomou por base preceitos contidos no Código Civil Italiano, bem como no Unidroit Principles of International Commercial Contracts. 6. Conclusão O presente trabalho teve o intento de demonstrar a evolução dos conceitos de pacta sunt servanda e rebus sic stantibus culminando no acatamento da evolução destes conceitos na prática comercial internacional, culminando nas cláusulas de readaptação contratual. Com efeito a dogmática dos conceitos de pacta sunt servanda centrada primordialmente no primado da vontade das partes sofreu evoluções com o passar das

eras em atendimento aos ditames sociais imperativos, fato este que não pode deixar de ser levado em consideração no estudo das cláusulas de readaptação contratual nos contratos internacionais de comércio. Assim, o reconhecimento de que fatores externos a vontade das partes poderia causas sérios prejuízos a execução dos contratos fez assumir-se como possível a teoria da imprevisão plasmada na cláusula rebus sic stantibus, cuja principal característica está centrada na imprevisibilidade do evento causador da anomalia contratual. Nos contratos internacionais de comércio, por excelência contratos cujo risco está presente de forma mais assente, posto serem contratos de longa duração, as cláusulas de readaptação contratual assumem importância nevrálgica, a fim de manter a relação contratual em execução, sem que haja prejuízos demasiados as partes contratantes. Neste sentido, embora existam outras cláusulas que permitam a readaptação contratual, as mais comuns e que frequentemente aparecem nos textos dos contratos internacionais são as de force majeure e de hardship. Estas funcionam, a nosso sentir, como uma verdadeira barreira que impede a fissura do contrato mediante uma anomalia em sua execução. Óbvio que em casos extremos essas barreiras serão transpostas pelo evento danoso que, porventura, terá maior força que a vontade das partes em manter hígido o acordo firmado. 7. Referências Bibliográficas ALMEIDA COSTA, Mario Julio de. Direito das Obrigações. 12. ed. Almedina: Coimbra, 2009. ANTUNES VARELA, João de Matos. Das Obrigações em Geral, vol. I e II. 5. ed. Almedina: Coimbra, 2008. BECK, Ulrich. Risikogesellschaft – Auf dem Weg in eine andere Moderne, Suhrkamp, 1986.

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