A evolução dos métodos projetuais

August 14, 2017 | Autor: C. Manfé Ferraboli | Categoria: Design
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A evolução dos métodos projetuais The evolution of design methods

van der Linden, Júlio Carlos de Souza; Dr.; Departamento de Design e Expressão Gráfica Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] Lacerda, André Pedroso de; Mestrando; Programa de Pós-Graduação em Design Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] Aguiar, João Pedro Ornaghi de; Mestrando; Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção - Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected]

Resumo O estudo da metodologia projetual nos anos 1950 parte da percepção do aumento da complexidade dos produtos industriais. O paradigma linear dos primeiros modelos evoluiu para representações mais sistêmicas do processo projetual. Este artigo apresenta a evolução dos modelos de projeto com o intuito de contribuir para uma maior compreensão da metodologia projetual em design. Contudo, todas as representações devem ser comparadas com cautela, nunca sendo negligenciado o fato de que cada uma reflete o período em que foi desenvolvida. Palavras Chave: Metodologia Projetual; Métodos de Projeto; Modelos de Projeto.

Abstract The study of design methods in the 1950’s started from the perception of the increased complexity in industrial products. The linear paradigm of the first models evolved to more systemic representations of the design process. This paper presents the development of design models in order to contribute to a greater understanding of the methodology for design projects. However, all representations must be compared with caution, and the fact that each one reflects the period in which it was developed should never be neglected. Keywords: Design Methodology; Design Methods; Design Models.

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Introdução A ideia de projeto é relativamente recente, nasceu ao longo da Idade Moderna1, antes das revoluções industriais2, e se tornou uma característica desse período, não só no sentido restrito de projeto de artefatos, moradias ou cidades, mas também na concepção de que todas as dimensões da vida podem ser projetadas. Em Arquitetura, Design e Engenharia, o projeto apresenta características particulares que não são apenas técnicas, mas refletem e têm impacto em aspectos sociais e políticos (NAVEIRO, 2001; NAVEIRO; OLIVEIRA, 2001; MEDEIROS, 2004). A atividade projetual, em qualquer dos campos do Design, implica no atendimento simultâneo de requisitos de diferentes naturezas, que de algum modo afetarão aspectos como o desempenho, a interação com futuros usuários, o meio-ambiente ou a sociedade. A ideia de atendimento simultâneo de fatores ou de requisitos projetuais, não é nova, está presente na obra de autores como Tomás Maldonado e Joaquim Redig. Essa visão deveria conduzir a uma abordagem sistêmica que considerasse o modo como os requisitos projetuais, sejam ergonômicos ou tecnológicos, por exemplo, se relacionam e se afetam. Esse tipo de abordagem corresponde à ideia de complexidade: À primeira vista, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. (MORIN, 1991, p.17)

A percepção da complexidade inerente aos produtos desenvolvidos a partir da segunda metade do século XX foi apontada por Christopher Alexander como uma das razões para o desenvolvimento de estudos sobre métodos para projeto de produtos nas décadas de 1950 e 1960 (BOMFIM et al., 1977). Contudo, até os anos 1970 o pensamento dominante na metodologia em Design seguia as ideias de René Descartes no Discurso do Método (1637): “repartir cada umas das dificuldades que analisar em tantas parcelas quanto forem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las”. Muitos autores ainda adotam o princípio cartesiano da decomposição do problema em unidades mínimas, cujas soluções parciais darão origem à solução geral. Esse modelo deu conta das necessidades de projeto no período funcionalista, mas foi abalado pelas mudanças no cenário sócio-econômico e filosófico nos anos 1960 e 1970. Thomas Kuhn publica em 1962 o livro Estrutura das Revoluções Científicas onde postula que a mudança de um paradigma é precedida pela crise do paradigma anterior, e que essa evolução, por quebras de paradigmas, não é necessariamente progressiva. Com as ideias de Paul Feyerabend, que se opunha a um modelo determinado para uso geral, os estudos sobre métodos projetuais passaram a explorar outras possibilidades, como métodos de cenários, elaborados inicialmente por Hermann Kahn e Alvin Tofler. A partir de novos paradigmas, a metodologia projetual adotou novas abordagens que já não têm como fim o estabelecimento objetivo de funções, mas de entender como as pessoas interagem com os produtos no seu ambiente (BURDEK, 2006). Nesse contexto, este artigo apresenta a evolução dos métodos de projeto com o intuito de contribuir para uma maior compreensão da Metodologia Projetual em Design. Faz parte de uma pesquisa que investiga a prática projetual de designers de produto e visa contribuir para o ensino. Parte da premissa de que se deve ampliar estudo de métodos de projeto de modo a incluir outras abordagens, principalmente aquelas mais flexíveis, que podem ser mais adequadas para a resolução de problemas complexos e de alto grau de inovatividade, característicos dos desafios do desenvolvimento sustentável. 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design

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O caminho do projeto ao método de projeto O processo de acumulação de capital e o desenvolvimento científico e tecnológico nos séculos XVIII e XIX levaram a um modelo de organização do trabalho onde as funções de concepção e produção foram separadas, e cada uma passou a contemplar um grande número de disciplinas profissionais. Essa ruptura, que transformou o artesão em operário ou projetista, permitiu um novo modo de produção de bens, onde apenas uma parte muito pequena das necessidades do indivíduo é suprida pela ação direta do seu trabalho. Na medida em que a atividade projetual passou a ser exercida cada vez mais por especialistas, com alto nível técnico e/ou cultural, e na medida em que o desenvolvimento das técnicas de representação foi se estabelecendo como um sistema de informações confiável, os papéis de concepção e de materialização dos produtos foram se tornando cada vez mais distantes (BOMFIM, 1984; CARDOSO, 2008; FORTY, 2007; NAVEIRO, 2001). Por um longo período, desde o seu surgimento como profissão em fins do Século XVIII até meados do Século XX, o método no Design esteve restrito ao método de projetar por meio do desenho em escala: O método de design por meio de desenhos em escala é familiar a muitos leitores. A diferença fundamental entre este, o método normal de evolução das formas dos elementos feitos pela máquina, e o método primitivo de evolução artesanal, consiste em que o método de tentativa e erro está separado da produção ao utilizar a escala do desenho ao invés do próprio produto como meio de experimentação e mudança. Esta separação entre pensamento e elaboração tem importantes consequências (JONES, 1978, p. 18).

Essa prática se desenvolveu, pelo menos, desde o Renascimento não apenas em projetos de obras de arte como de mecanismos e outras inovações da época. Com o avanço e normatização das técnicas de representação, ganhou em refinamento e em verossimilhança. As tecnologias digitais, que apresentam recursos inimagináveis para os pioneiros do projeto, como criar uma simulação em ambiente de imersão virtual, levaram o métedo de projeto pelo desenho em escala a elevados graus de refinamento. Na Bauhaus (1919-1933), onde o perfil do profissional começou a se consolidar no meio acadêmico e se estabeleceram princípios pedagógicos e concepções teóricas para o Design, não houve avanço em relação ao método de projeto. O interesse pela metodologia projetual não estava presente no discurso inicial, nem surgiu como algo relevante ou notável no desenvolvimento das diversas fases da Bauhaus. O foco estava na formação do artista-artesão e na educação do público por meio de exposições que apresentassem a nova estética industrial (BURDEK, 2006; CARDOSO, 2008). O ambiente de crescimento e otimismo na década de 1920 levou a uma expansão do mercado de bens de consumo duráveis que vinha sendo construído sistematicamente desde meados do Século XIX. O avanço simultâneo das tecnologias e do mercado, associado às ideias de progresso, higiene e conforto, abriu novas perspectivas de projeto. Mesmo com a crise de 1929, na década seguinte houve uma grande atividade de formalização da prática e de profissionalização do Design nos Estados Unidos da América, com a fundação de escolas como a Cranbrook Academy of Art (1932), a Carnegie Tech (1934), hoje Carnegie Mellon’s School of Design, e a New Bauhaus - American School of Design, em Chicago (1938), hoje Institute of Design do Illinois Institute of Technology. Ao mesmo tempo, começaram a despontar os grandes pioneiros do design americano: Raymond Loewy, Norman Bel Geddes, Charles e Ray Eames, Walter Dorwin Teague, e Henry Dreyfuss. Com diferentes formações e atuando em escritórios e na indústria, a sua principal contribuição foi a implantação de uma cultura de projeto de produtos orientada ao mercado. Quanto a métodos, Henry Dreyfuss

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formalizou a sua prática no livro Designing for People, publicado em 1955 (BURDEK, 2006; CARDOSO, 2008; DREYFUSS, 2003; FORTY, 2007). Na década de 1950, enquanto os Estados Unidos e a União Soviética se confrontavam na Guerra Fria e no início da Corrida Espacial, as nações européias devastadas pela buscavam reconstruir as suas cidades e indústrias, e em alguns casos também reorganizar as suas instituições. Nesse ambiente, a Ciência e a experimentação tiveram espaço para grandes avanços em áreas ainda imaturas ou inexistentes. Áreas emergentes como a Cibernética, a Ergonomia, a Semiótica, a Teoria da Informação, e a Teoria dos Sistemas, passaram a ser de grande interesse para aqueles que estavam envolvidos com projetos arquitetônicos, de comunicação , de produtos e urbanísticos. No Design surgiram os primeiros esforços por uma racionalização do processo projetual, principalmente com os estudos sobre metodologia desenvolvidos na Hochschule fur Gestaltung Ulm (HfG Ulm). Esses estudos estavam relacionados à prática profissional e ao reconhecimento acadêmico dessa prática. No campo profissional havia o objetivo de racionalizar o processo projetual, encontrando meios para evitar o comportamento errático e para tomada de decisão. Também havia o desejo de obter respeitabilidade acadêmica para a prática projetual e para o seu ensino, o que, supunha-se, seria alcançado com um tratamento científico do processo projetual (BONSIEPE, 1978; BURDEK, 2006). Além disso, existia pressão dos estudantes das escolas de Design que desejavam “conhecer as motivações precisas de suas atividades, sem conformar-se com indicações vagas” (BONSIEPE, 1978, p. 146). Nesse contexto, a importância da HfG Ulm foi significativa: De todos os campos, o da metodologia do design, sem a HfG Ulm, não seria imaginável. O pensamento sistemático sobre a problematização, os métodos de análise e síntese, a justificativa e a escolha das alternativas de projeto – tudo isso junto, hoje em dia, se tornou repertório da profissão de design. A HfG Ulm foi a primeira escola de design que se organizou conscientemente na tradição histórico-intelectual dos modernistas. (BURDEK, 2006, p. 51)

Além da experiência da HfG Ulm, a partir nas décadas de 1950 e 1960 houve grande esforço em diversas áreas projetuais para o desenvolvimento de métodos que permitissem lidar com a complexidade e com a incerteza presentes nos problemas que se avolumavam com o desenvolvimento das tecnologias. O movimento pela racionalização do processo projetual, com investigações e debates sobre metodologia de projeto, culminou com as Conferences on Design Methods, realizadas na Inglaterra sob a coordenação de pesquisadores de diversas áreas (JONES, 1978). Uma obra de referência desse período é o livro Design Methods, de John Christopher Jones, que apresenta uma coletânea de técnicas de auxílio ao projeto, além de uma fundamentação teórica acerca do processo projetual. Após esse período pioneiro, nas últimas décadas do século XX as transformações da sociedade, conjugadas com avanços tecnológicos, alteraram os papéis das profissões ligadas à inovação. Entre outras mudanças, o seu escopo foi ampliado: engenheiros passaram a ser formados pensando também em negócios, administradores são preparados para liderar a inovação tecnológica, designers devem assumir responsabilidades pelo ciclo de vida dos produtos. Com isso, mudou a realidade do projeto: antes compartimentada, agora depende da integração entre as áreas profissionais envolvidas em todas as suas etapas. Além disso, oportunidades e desafios da globalização, simultaneamente com a emergência da questão ambiental, levaram a novas abordagens projetuais com o intuito de minimizar o impacto negativo do desenvolvimento humano e garantir a sobrevivência e expansão das organizações industriais. Essas transformações no escopo do projeto se materializaram em propostas voltadas para a sustentabilidade ambiental (MANZINI; VEZZOLI, 2002), para a visão estratégica nos negócios (SANTOS, 2000; MARTINS; MERINO, 2008) e para a preocupação

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com a sistematização do processo de desenvolvimento de produtos (ROOZEMBURG, EEKELS, 1995; BAXTER, 1998; ULRICH; EPPINGER, 2008). Com ampliação da ideia de projeto, surgiram novos métodos para gestão de desenvolvimento de produtos, que exigem alto nível de integração entre as equipes, mesmo as externas (prestadores de serviços, como escritórios e free-lancers), de modo a reduzir o tempo de tomada de decisões, minimizar erros e antecipar o lançamento de produtos no mercado. A divisão dos problemas em subproblemas por si passou a não ser suficiente para alcançar o sucesso. Para que um projeto seja levado a bom termo é necessário que sejam explicitadas e abordadas relações (vínculos, associações, dependências) que existem entre os subproblemas. Também deve haver trabalho colaborativo, muitas vezes à distância e em tempo real, envolvendo diferentes culturas.

A evolução da Metodologia de Projeto de Produto A essência dos métodos desenvolvidos nos anos 1960 está na divisão do processo projetual em passos bem definidos. Esses passos podem ser genericamente descritos como: compreender e definir o problema; coletar informações; analisar as informações; desenvolver conceitos de soluções alternativas; avaliar e reavaliar alternativas e selecionar solução(ões); testar e implementar. Suas bases estão na ideia cartesiana de método para compreensão do problema e para redução de sua complexidade, de modo a ser possível abordá-lo adequadamente. Uma das primeiras descrições do processo projetual foi sistematizada por Bruce Archer em artigos da revista Design, em 1963. Nessa ocasião, ele sugeriu que o trabalho do designer combina intuição e cognição e que, com a formalização do processo criativo, tende a ser mais científico. O modelo do processo de Design proposto por Bruce Archer contém momentos em que são necessárias diferentes abordagens: observação sistemática e raciocínio indutivo na fase analítica; e julgamento subjetivo e raciocínio dedutivo, na fase criativa (Figura 1).

Figura 1 Modelo de Archer (Fonte: CROSS, 2008, adaptado pelos autores)

Na mesma época, Morris Asimow propôs um modelo que já considerava o ciclo de vida do produto (Figura 2). Partindo da análise de necessidades, passava pelo estudo de exequibilidade, antes de ingressar nas fases características de projeto (Projeto Preliminar e Projeto Detalhado). Na sequência vinham as atividades relacionadas com produção, distribuição, consumo e descarte. Pode-se considerar esse modelo como um antecessor dos modelos de fase de desenvolvimento de produtos.

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Figura 2 Modelo de Asimow (Fonte: BACK et al., 2008,adaptado pelos autores)

Os modelos de fase, como os de French e Pahl e Beitz (Figura 3), foram desenvolvidos simultaneamente nos ambientes empresarial e acadêmico visando reduzir a incerteza no desenvolvimento de novos produtos, diante da concorrência e amadurecimento do mercado.

Figura 3 Modelos de French e de Pahl e Beitz (Fonte: ROOZEMBURG; EECKELS, 1995, adapt. pelos autores) 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design

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No Brasil, a primeira obra sobre esse tema e dirigida aos designers foi apostila Fundamentos de uma Metodologia para Desenvolvimento de Produtos, de Gustavo Amarante Bomfim, Lia Mônica Rossi e Klaus-Dieter Nagel, publicada em 1977. Nesse trabalho, os autores apresentaram um modelo de fase de desenvolvimento de produtos, baseados no estado-da-arte da época (BOMFIM et al., 1977). Na década de 1980, iniciativas do CNPq contribuíram para a disseminação de métodos e técnicas projetuais, principalmente com o livro Metodologia Experimental, de Gui Bonsiepe, Petra Kellner e Holger Poessnecker (ver BONSIEPE et al., 1984). Nesse livro, a visão de Metodologia Projetual que Bonsiepe já havia apresentado em obras anteriores foi detalhada com alguns exemplos de exercícios. Esse modelo é ainda uma referência para o ensino de graduação de Design no Brasil (Figura 4).

Figura 4 Modelo de Bonsiepe et al. (1984), adaptado pelos autores

A partir do final da década de 1970, como consequência de fatores externos à atividade projetual, entre os quais as ideias de Kuhn, Popper e Feyerabend, e da crítica aos métodos existentes, emergiu um novo paradigma na metodologia do Design. John Christopher Jones novamente ocupou um papel de destaque com a obra Essays in Design. Nesse livro, a crítica aos modelos reducionistas foi feita de modo profundo, e destacando o papel do acaso e da intuição no processo criativo e investigativo (BURDEK, 2006; JONES, 1985). Com a o esgotamento do modelo funcionalista e racionalista, a questão da Metodologia Projetual com vistas à proposição de um modelo geral do processo de Design perdeu a força, em favor de estudos sobre métodos específicos para o que eram fases ou atividades do projeto. Além disso, a integração com diversas disciplinas não projetuais gerou uma ampliação no repertório dos designers em sua prática profissional. O interesse passou para o desenvolvimento de métodos como Mapas Mentais, Técnicas de Cenário, Testes de Usabilidade, Design Participativo, entre outros (BURDEK, 2006). Contudo o interesse em descrever o processo projetual por meio de um modelo, ou método, continua presente, pelo menos na academia e em entidades ligadas ao Design. O Design Council, do Reino Unido, formulou um modelo flexível para o processo de Design, com quatro fases: Descobrir, Definir, Desenvolver e Distribuir (Figura 6). A forma adotada para o modelo inspirou o seu nome Double Diamond. Nele estão representados os processos de divergência e convergência que são associados aos momentos-chave do processo. As fases Descobrir e Desenvolver correspondem a processos divergentes, enquanto que Definir e

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Distribuir são convergentes. Para complementar e aprofundar a descrição, os elementos dispostos no interior do modelo indicam atividades exploratórias e de concentração, no “diamante” da esquerda, e ciclos de prototipagem-testagem-refinamento no Desenvolvimento.

Figura 6 Duplo Diamante (Design Council, 2007), adaptado pelos autores

Uma característica dos primeiros modelos era a linearidade. Embora vários autores indicassem a possibilidades de retornos e/ou de retroalimentação, isso era visto como um problema ou uma possibilidade de corrigir deficiências do processo de projeto. Para outra vertente, que entende a incerteza como parte da natureza do processo projetual, o caminho não pode ser linear, simplesmente porque são necessárias iterações sucessivas para que o problema e a solução sejam modelados. À ideia de evolução paralela entre o problema e solução é dado o nome de co-evolução. Este conceito é discutido por Maher et al. (1996) e observado na prática por Dorst e Cross (2001). L. J. March rompeu com a concepção linear, partindo da visão de que o problema é dependente da solução e de que o pensamento indutivo-dedutivo é inadequado para a produção da síntese no processo projetual. March buscou no filósofo Charles S. Peirce a ideia de pensamento abdutivo, que está ligada à produção (síntese) enquanto a indução e a dedução estão relacionadas com a investigação (análise). Em outras palavras “dedução prova o que alguma coisa deve ser; indução mostra que alguma coisa realmente é; abdução sugere o que alguma coisa poderia ser” (PEIRCE, apud CROSS, 2008). O modelo de March para o processo de Design (Figura 5) é um modelo cíclico que inicia com produção (requisitos preliminares e pressupostos sobre tipos de soluções que produzem ou descrevem um conceito de projeto), segue com dedução (para prever o seu desempenho) e passa por um momento de indução (indicando mudanças e refinamentos no conceito) (CROSS, 2008).

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Figura 5 Modelo de March (1984) (Fonte: CROSS, 2008, adaptado pelos autores)

A não linearidade está no processo projetual do IDEO, uma das mais importantes empresas de design no mundo: O processo de design é mais bem descrito metaforicamente como um sistema de espaço do que como uma série pré-definida de passos ordenados. Os espaços demarcam diferentes tipos de atividades relacionadas que conjuntamente formam o continuo da inovação. O pensamento projetual parecer caótico para aqueles que o experimentam pela primeira vez. Mas ao longo de um projeto os participantes percebem (...) que o processo faz sentido e alcança resultados, mesmo se a sua arquitetura difere daquele processo linear, baseado em marcos, típico de outras atividades de negócios. (BROWN, 2008, P.88)

Essa descrição, complementadas pela Figura 6, demonstra uma forma de atuação que se distancia dos modelos clássicos. O processo, ou melhor, o espaço projetual envolve três campos de atividades: Inspiração, Idealização e Implementação. A Inspiração corresponde às circunstâncias que motivam a busca de uma solução (um problema, uma observação ou ambos). A Idealização envolve geração, desenvolvimento e teste de ideias que poderão levar a uma solução. Na Implementação trata-se do lançamento para o mercado. Ao longo de um projeto, os três espaços podem ser explorados, em particular os dois primeiros, de modo a refinar ideias e tomar novos caminhos. É relevante notar que o trabalho do IDEO é feito em forte colaboração com as equipes de seus clientes e conta, pelo lado do escritório, com um grupo qualificado com diversas formações, dando às suas equipes de projeto uma natureza multidisciplinar. Esse fato permite que diversas atividades sejam feitas simultaneamente, ganhando tempo em relação a processos lineares com retroalimentação.

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Figura 6 Modelo do processo do IDEO (Fonte: BROWN, 2008, adaptado pelos autores)

Diante da necessidade de conviver com concepções aparentemente antagônicas para o problema da Metodologia Projetual, Nigel Cross desenvolveu uma abordagem flexível para a seleção de métodos para desenvolvimento de produtos. Para tanto, considerou variáveis como nível de definição do problema, estratégia a ser adotada e, algo muito importante e pouco explorado, estilo cognitivo do designer. O ponto de partida está na definição da estratégia, que descreve o plano geral de ação para o projeto e a sequência de atividades. Em função do tipo de problema, a estratégia pode ser de “pesquisa randômica”, se há um alto grau de inovação, ou “pré-fabricada”, quando se trata de situações bem-conhecidas. Assim, em alguns casos, a tática (ou método) pode ser a exploração do problema com pensamento divergente, seguida de estruturação do problema e busca de solução com pensamento convergente. Noutros, caberia o processo criativo como estrutura do projeto, com técnicas específicas para o caso. Já em outros casos, o mais adequado seria o uso de métodos estruturados em fases. Mas a escolha do método dependeria também do estilo cognitivo do designer (CROSS, 2008).

Considerações finais Entendendo os modelos como uma manifestação do discurso projetual, ou do discurso do método no Design, percebe-se no período de meio século uma significativa evolução entre o modelo linear de Bruce Archer e o cíclico do IDEO. Cabe cautela ao comparar modelos de épocas distintas, principalmente considerando a evolução das tecnologias nesse período, que certamente têm um papel importante em suas diferenças. Da época de produção em massa, passamos para a era da customização em massa (por mais que ainda sobreviva a primeira, a segunda passou a ser a referência). Se os problemas já eram complexos no tempo das pioneiras Conferences on Design Methods, hoje carregam temas como sustentabilidade, gênero, globalização, desmaterialização, entre tantos outros que emergiram como caminhos e desafios. Muitas vezes contrários ao padrão de solução conhecido, estes temas estão mais 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design

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presentes nos projetos de produtos industriais. O aumento da complexidade dos problemas de projeto se torna natural (uma vez que foram adicionados novos caminhos, muitas vezes conflitantes) na busca pelo atendimento simultâneo dos fatores projetuais. Cabe a pergunta: estão errados os que propõem modelos lineares, com fases e retroalimentação? A resposta, com base no conhecimento disponível, é que não; todas as formas propostas para modelar o processo projetual podem funcionar, dependendo do contexto em que se está trabalhando. É fundamental compreender a concepção subjacente de cada método de modo a utilizá-lo adequadamente. Isso pode parecer óbvio, mas não custa reforçar que os métodos projetuais refletem sua época, tanto seus problemas e tecnologias disponíveis, como concepções filosóficas vigentes. Para concluir, é importante lembrar que a evolução dos métodos não interessa por si. O mais relevante é entender um processo que nasceu com o objetivo de alcançar um mundo melhor, como declarou John Christopher Jones quase cinco décadas atrás. Por mais simples que possa parecer essa era a motivação de vários dos primeiros estudiosos de Metodologia Projetual. E não foi pequena a sua frustração quando viram que os seus esforços estavam conduzindo a um mundo em que o conhecimento desenvolvido para o Design estava sendo usado para otimizar resultados técnico-financeiros em detrimento das pessoas. Na continuação dessa história, brevemente descrita neste artigo, caberá aos futuros pesquisadores e profissionais fazerem uma opção, diante dos desafios que se colocam para a humanidade.

Notas 1

Tradicionalmente considera-se que a Idade Moderna teve o seu início com a queda do Império Bizantino, simbolizado pela tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos (1453) e o seu término com a Revolução Francesa, em 14 de julho de 1789. 2

Existem várias cronologias para as revoluções industriais. De acordo com Tunzelmann (2003): Primeira Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra, aproximadamente entre 1750 e 1815; a Segunda Revolução Industrial teve lugar nos Estados Unidos e na Alemanha, por volta de 1870 e 1914; a Terceira Revoução Industrial se deu no Extremo Oriente e nos Estados Unidos, a partir do início dos anos 1970.

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Agradecimento: Este trabalho contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS

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