A exceção e o fora da instituição.doc

May 29, 2017 | Autor: Raul Antelo | Categoria: Teoría Literaria
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Lido no seminário Direito e Exceção, UFSC, 26-29 set. 2016



A exceção e o fora da instituição

Raul Antelo

Política é apenas aquela ação que corta o nexo entre violência e
direito. E somente a partir do espaço que assim se abre, é que será
possível colocar a questão a respeito de um eventual uso do direito
apos a desativação do dispositivo que, no estado de exceção, o ligava
à vida. Teremos então, diante de nós, um direito "puro", no sentido em
que Benjamin fala de uma língua "pura" e de uma "pura" violência. A
uma palavra não coercitiva, que não comanda e não proíbe nada, mas diz
apenas ela mesma, corresponderia uma ação como puro meio que mostra só
a si mesma, sem relação com um objetivo. E, entre as duas, não um
estado original perdido, mas somente o uso e a praxis humana que os
poderes do direito e do mito haviam procurado capturar no estado de
exceção.


Giorgio Agamben - Estado de exceção

Petar Bojanić, autor de uma tese sobre "La guerre (dernière) et
l'institution de la philosophie" (2003) e professor na Universidade de
Rijeka (Croácia), tem um ensaio, "Biopolítica (italiana). O fora da
instituição"[1], que resume quase tudo que gostaria de aqui expor. Mas para
não me acusarem de pouco original, permitam-me, em compensação, organizar a
matéria conforme uma certa ordem conceitual-cronológica mais afim a minhas
leituras. Relembremos, então, para início de conversa, que Walter
Benjamin, como todos sabemos, dedicou-se por igual tanto às novidades
técnicas e mediáticas quanto às mudanças radicais nos significados
religiosos e profanos, aquilo que conhecemos como dialética da
secularização. Sua teoria da cultura conseguiu postular assim uma dupla
origem da cultura que, de um lado, é poiesis/techne e, de outro, é culto.
Benjamin não praticou uma suspensão completa dos significados religiosos
nas categorias históricas ou nas interpretações racionais da história, à
maneira de Adorno. Interessou-se, acima de tudo, pela incompatibilidade de
conceitos sagrados e profanos, prestando particular atenção à figuração da
pervivência (Nachleben), transformada e deslocada, das marcas ou vestígios
religiosos em conceitos seculares. Já no seu esquema sobre a teoria das
línguas, que esse ano completa um século, até as derradeiras "Teses sobre a
filosofia da história" (1940), podemos constatar, em diversos campos (a
linguagem, a estética, a teologia política, a teoria da história), uma
crítica constantemente reelaborada desses teoremas, que se inserem numa
particular recepção das conotações teológicas na modernidade ou que
estimulam o reconhecimento de um imperativo divino, em âmbitos profanos. A
questão relaciona-se aos movimentos de uma certa religiosidade que se
constatam na arte e na literatura, particularmente, na poesia, entendidos
como cultos religiosos, bem como no uso de conceitos extraídos de una ordem
divina (como justiça e redenção) por parte da filosofia política ou a
historiografia laicas. Verifica-se esse esforço, como já disse, não só no
ensaio sobre as línguas de 1916 e sua reformulação cultural e antropológica
sobre a faculdade mimética e a doutrina da semelhança, em 1933, onde se
desconstrói, numa topografia dialética, o debate acadêmico entre a
concepção mística e a moderna das línguas, ou seja, a oposição entre a tese
da semelhança da língua com as coisas e o conceito de signo arbitrário. Na
visão benjaminiana, a semelhança pertence à pré-história —na narrativa
bíblica é o paraíso ou a linguagem adâmica; nas categorias da antropologia
da cultura é o culto. Entretanto, a queda do espírito da linguagem marca
uma cesura na qual o começo do juízo e o início da história são vistos como
fenômenos simultâneos, isto é, como a entrada do homem em uma língua que
funciona como código ou como um sistema de signos. Em função dessa cesura,
a semelhança não desaparece por completo da cultura, mas pode aparecer no
meio de uma história regida por signos abstratos, como marca mágica ou
momento mimético no fundo do signo, a saber, no "comunicável" ou no
"semiótico". O "Fragmento teológico-político"(1920-1), taõ bem analisado
por Werner Hamacher, descreve assim uma configuração teórica de um
conhecimento similar, no qual a relação da ordem do profano relaciona-se
com o messiânico como "um dos elementos essenciais da filosofia da
história", enfatizando, portanto, de um lado, o anacronismo fundamental
entre o processo histórico e a direção da esfera profana, por meio da ideia
de felicidade ("a ordem do profano tem de se orientar pela ideia da
felicidade"), e apontando, de outro, o messiânico que coincide com o fim da
história ("a natureza é messiânica devido à sua eterna e total
transitoriedade. Alcançar esta transitoriedade, também para aqueles
estádios do homem que são natureza, é a tarefa de uma política universal
cujo método terá de chamar se niilismo"). Benjamin diferencia então entre,
de um lado, os conceitos de uma esfera divina, e de outro, os conceitos que
pertencem à esfera humana das coisas. Faz isso, por exemplo, na distinção
entre a justiça divina e o poder de fundação do direito em "Para uma
crítica da violência" (1921) ou na diferenciação entre queixa (Klage) e
demanda (Anklage), no ensaio sobre "Karl Kraus" (1931).
Mas essas questões não se esgotam em Benjamin. O debate perpassa a cena
europeia dos anos 20-30 e valeria a pena relembrar as elaborações que um
crítico de arte também alemão, Carl Einstein, nos propõe em 1929. Nos
célebres "Aforismos metódicos" com que se abre a revista por ele dirigida,
Documents, Einstein estipula que

A obra de arte religiosa é, por assim dizer, produzida pelo invisível,
causada pelo desaparecimento, pela não-existência de um ser. A obra de arte
é uma proteção contra o invisível que ronda por todo canto e apavora; uma
barreira ao animismo difuso que ameaça fazer o crente em pedaços. O
naturalismo do homem religioso é uma defesa contra as monstruosidades da
fantasia religiosa. Dispomos contra o infinito e as rápidas analogias da
imaginação religiosa um cânone e formas acadêmicas. Esse academicismo é o
sinal dos limites psicológicos e de uma timorata estreiteza de espírito.

Se deus morreu é lógico que a obra não seja mais presença mas
desaparecimento, ou seja, o próprio do homem moderno não é mais a obra mas
a des-obra, a in-operância, aquilo que Malevich, contemporaneamente,
reivindicava como direito à preguiça. Algo disso se verificava também no
Brasil. Quando as primeiras manifestações da elite econômica brasileira se
revoltam contra as massas que irrompem em cena, em 1930, surge a
necessidade de criar um aparelho ideológico como a Universidade capaz,
senão de frear, ao menos de otimizar essa irrupção. Ora, nesse momento, aos
olhos dos poderosos, aqueles que não protagonizavam a rebelião liberal eram
apenas monstros; e como explica Mário de Andrade, em crônica de maio de
1932, geralmente imaginamos que o monstro produz em nós tão somente um
sentimento de horror, quando, na verdade, "a gente percebe logo que o que
sentimos não é horror propriamente, asco porém" e a repugnância é tão
intensa que dela provém o horror. O monstro não causa angústia, mas a
angústia é que produz as monstruosidades imaginadas[2]. Essa proto-versão
biopolítica não nos diz, em poucas palavras, que a angústia não tenha
objeto, que seja objektlos, como supunha Freud. Afirma, porém, que ela nos
introduz, segundo Lacan, na função da falta. È o que, em ensaio pouco
posterior (1936), sobre o estágio do espelho, nos permitiria entender a
sociedade como uma organização de base utilitária que só reconhece a
angústia do indivíduo perante a forma concentracionária do vínculo social.
O mesmo Mário de Andrade, em novembro de 1930, ou seja, pouco depois de
Macunaíma, onde também assombra o monstro, admitia que a maioria da
sociedade brasileira associava o comunismo a "uma espécie de assombração
medonha"[3] e, conseqüentemente, não conseguia inscrever a reforma social
no campo da memória cultural, preferindo, porém, inseri-la no plano das
assombrações, os espectros, as miragens.
Surge, assim, uma aporia relevante entre o sonho e a memória do sonho, que
Benjamin teorizará como despertar, porque, como todos já experimentamos ao
acordar, mesmo quando lembremos daquilo que sonhamos, em forma nítida, as
imagens, ou seja, a própria experiência onírica, perdem força de verdade, e
é com pesar que constatamos, conseqüentemente, sua perda de encanto. Temos
o sonho, mas, inexplicavelmente, falta-nos a sua aura, que ficou sepultada
naquele território ao qual, já acordados, deixamos de ter acesso. Ou seja
que confia-se, a rigor, a um outro tempo ou a um outro lugar, a um
diferimento a posteriori, o segredo do sonho, porque, só ao despertarmos,
quando o sonho emerge, de fato, como uma faísca, ele existe para nós na sua
completude. A recordação que o sonho nos traz é a mesma que nos permite ver
o vazio que a atravessa, já que ambas estão contidas no mesmo gesto.
Coincidentemente, a memória involuntária nos fornece uma experiência
análoga. Nela, a recordação que nos devolve a coisa esquecida apaga-se
também ela, mas esse esquecimento é, paradoxalmente, sua própria luz. Daí,
porém, provém a saudade que a anima: há algo de elegíaco, com efeito, no
fundo de toda memória humana já que, no limite, a recordação que nada
recorda é a mais poderosa das lembranças. Nesse sentido, mais do que ver,
na aporia do sonho e da recordação, uma limitação e uma fraqueza,
deveríamos, pelo contrário, tomá-la por aquilo que ela é: uma profecia que
tem a ver com a própria estrutura da consciência. Não é aquilo que vivemos
e depois esquecemos o que retorna, na sua incompletude, à consciência;
somos nós, pelo contrário, que, finalmente, temos acesso a qualquer coisa
que nunca existiu, isto é, temos acesso ao esquecimento como parte de nós
mesmos.
Não há consciência, não há saber, que possa prescindir do inconsciente, nem
há atenção que não tenda, em última instância, a uma distração, a um
deslocamento, do qual se conclui que, no extremo, só há pensamento quando
ele inclui o estremecimento, o famoso frisson nouveau da modernidade. È por
isso que, enfrentado, de certo modo a Mário de Andrade e em sintonia com as
ideias de Carl Einstein, Flávio de Carvalho discrimina uma arte operática
(o modernismo portinariano-varguista) e uma arte anômala, ácrata e acéfala,
a dele mesmo, que seria assim, in-operática. Mas retomemos os aforismos de
Carl Einstein:

A obra de arte religiosa está em conformidade com um cânone porque ela é
mágica: o que quer dizer que essa obra de arte deve possuir qualidades
precisas para causar os efeitos mágicos desejados, e é por isso que é
preciso repeti-la fielmente em todos os detalhes, a menor mudança podendo
comprometer o resultado. Assim poderíamos em parte explicar o caráter
conservador da arte arcaica e exótica. Esse dogmatismo acaba por situar
essa arte fora dos processos históricos. E isso termina em uma mnemotécnica
das formas totalmente mecanizada.[4]

Einstein nos alerta então para o modernismo enquanto totalidade, o
modernismo estatal, patrimonialista e institucionalista, tornar-se, na
verdade, uma mera mnemotécnica das formas totalmente mecanizada, isto é,
reprodutível à exaustão e, em função do que Benjamin explora paralelamente,
não ser senão uma forma narcótica de amnésia simbólica. Essas ideias de
Einstein precipitam a entrada, na França, do pensamento de Nietzsche e quem
operará esse ingresso é o co-editor da revista que as publica, Georges
Bataille. Na importante conferência de 1938 sobre a sociologia sagrada no
mundo contemporâneo, não recolhida nas suas Obras Completas, Bataille
afirma que "l'individu s'est libéré des contraintes liées au mouvement
d'ensemble social : il ne s'en est donc libéré que pour entrer dans une
servitude tout aussi grande", o que, a seu ver, configura uma "chute dans
la servitude". A saída, para Bataille, podia encontrar-se no antagonismo,
de que a arte moderna era exemplo, e não tanto no produtivismo que o
comunismo defendia como nobreza do trabalhador (e esse será, na esteira de
Gramsci, um dos motivos fortes do operaismo italiano dos anos 60): "c'est
la lutte et non le travail qui avait fait du parti des ouvriers une forme
d'organisation possédant déjà un certain caractère de totalité"[5].
Aprimorando a hipótese, mais adiante, em "O sagrado", um ensaio de 1939,
Bataille diz que o objeto dessa busca por parte dos artistas modernos já
não é uma

realidad sustancial y que por el contrario sería un elemento caracterizado
por la imposibilidad de que perdure. El nombre de instante privilegiado es
el único que describe con algo de exactitud lo que podía encontrarse al
azar de la búsqueda: nada que constituya una sustancia a prueba del tiempo,
todo lo contrario, lo que huye apenas ha aparecido y no se deja apresar. La
voluntad de fijar esos instantes, que por cierto pertenece a la pintura o a
la escritura, no es sino el medio para hacerlos reaparecer, ya que el
cuadro o el texto poético evocan pero no sustancian lo que había aparecido
una vez. El resultado es una mezcla de exaltación y desdicha, de tedio y de
insolencia: nada parece más miserable y más muerto que la cosa fijada, nada
es más deseable que lo que desaparecerá en seguida, pero al mismo tiempo la
frialdad del desnudamiento hace temblar a aquel que siente que lo amado se
le escapa y se agotan los vanos esfuerzos por crear vías mediante las
cuales sería posible recuperar infinitamente lo que huye. (...)
Mientras se impuso la identificación introducida por el cristianismo entre
Dios y el objeto de la religión, todo lo que se podía reconocer con
respecto a ese "grial" era que no podía confundirse con Dios. Distinción
que tenía del defecto de soslayar la identidad sin embargo profunda entre
el "grial" y el objeto propio de la religión. Pero ocurre que el desarrollo
de los conocimientos referidos a la historia de las religiones ha mostrado
que la actividad religiosa esencial no estaba dirigida hacia un ser o unos
seres personales y trascendentes, sino hacia una realidad impersonal. El
cristianismo sustanció lo sagrado, pero la naturaleza de lo sagrado – en la
cual hoy se percibe la existencia flagrante de la religión – tal vez sea lo
más inasible que se produce entre los hombres, lo sagrado no es más que un
momento privilegiado de unidad comunal, momento de comunicación convulsiva
de lo que ordinariamente está sofocado.

E, a seguir, conclui:

La distinción entre lo sagrado y la sustancia trascendente (por
consiguiente, imposible de crear) abre repentinamente un nuevo campo – tal
vez un campo de violencia, tal vez incluso un campo de muerte, pero un
campo en el cual es posible entrar – para la agitación que se ha apoderado
del espíritu humano actual. Pues si el campo de lo sagrado es accesible,
ese espíritu no puede dejar de atravesar el cerco: simplemente debe
reconocer, puesto que buscó y busca sin descanso, que no buscaba y no busca
llegar sino hasta allí. El hecho de que "Dios se ha dado por muerto" no
puede provocar una consecuencia menos decisiva: Dios representaba el único
límite que se oponía a la voluntad humana, libre de Dios, esa voluntad se
entrega desnuda a la pasión de darle al mundo una significación que la
embriaga. Aquel que crea, que pinta o que escribe ya no puede admitir
ningún límite para la representación o para la escritura: dispone de pronto
por sí solo de todas las convulsiones humanas posibles y no puede
sustraerse a esa herencia del poder divino, que le pertenece. Tampoco puede
intentar saber si esa herencia consumirá y destruirá aquello que consagra.
Pero se niega ahora a dejar "aquello que lo posee" bajo el peso de los
juicios dependientes a los cuales el arte se plegaba.[6]

Na primeira edição desse ensaio, na revista Cahiers d´Art, aparece a imagem
de um túmulo lituano. É a única fotografia que Bataille não aproveitará na
edição, vinte anos posterior, de O erotismo. Há aí também uma foto tirada
por Henri Dussat, poeta que acompanhou Bataille na aventura do círculo
comunista democrático de Boris Souvarine e da revista Acéphale[7],
refugiado, durante a guerra, no Brasil. A foto reproduz um falo mutilado em
Delos, monumento de Karystios, um gramático do século II a. C. e autor das
Historika hypomnemata. Evoco então, sob essa imagem, a epígrafe do ensaio,
em que Bataille retoma observações do antropólogo inglês Robertson Smith,
em Lectures on the religion of the Semites (1889), e de Freud, em Totem e
tabu (1913), que serão reelaboradas por Émile Benveniste, em Le Vocabulaire
des institutions indo-européennes (1969) para elaborar o conceito de
sagrado, a partir da ambivalência do termo sacer:

Les mots de divers langages qui désignent le sacré signifient à la fois pur
et immonde. Le sens du sacré peut-être regardé comme perdu dans la mesure
où est perdue la conscience des secrètes horreurs qui sont à la source des
religions[8].

Daí vem o uso que desse conceito fará Roger Caillois, um dos membros do
Colégio de Sociologia, e daí mesmo provém, ainda, o uso agambeniano do
conceito sacer. Em Dieci pensieri sulla politica (2011), Roberto Esposito
faz explícita referência a Acéphale, o grupo bataillano, e à própria
Enciclopédia Acefálica, onde colaboravam todos os surrealistas heterodoxos,
como uma experiência pioneira em que o vazio ocupa o âmago do
racionalismo[9]. E, de fato, nesse texto de Bataille sobre o sagrado,
escrito no início da guerra, condensa-se a renascença nietzscheana que
caracterizaria o pensamento francês a partir dos anos 60-70: Blanchot,
Foucault, Derrida e Agamben, já que para alguns Agamben não passa de um
autor francês que escreve em italiano[10].
Tomemos o caso Foucault. Em "O pensamento do exterior", um ensaio sobre
Blanchot, publicado, justamente, na revista de Bataille, Critique (nº 229,
junho de 1966), lemos que:

O fictício não está nunca nas coisas nem nos homens, mas na impossível
verossimilhança do que está entre eles: encontros, proximidade do mais
longínquo, absoluta dissimulação lá onde nós estamos. A ficção consiste,
portanto, não em mostrar o invisível, mas em mostrar o quanto é invisível a
invisibilidade do visível. Daí sua profunda afinidade com o espaço que,
entendido dessa forma, está para a ficção como o negativo está para a
reflexão.

A questão colocada por Foucault traz como corolário a impossibilidade de
captar a lei.

Assim que é olhada, a face da lei se afasta e torna a entrar na sombra,
assim que se queira ouvir suas palavras, surpreende-se apenas um canto que
nada mais é que a mortal promessa de um canto futuro. As Sereias são a
forma inapreensível e proibida da voz sedutora. Em seu todo, elas são
apenas canto. Simples sulco prateado no mar, oco da onda, grota aberta
entre os rochedos, praia de brancura, o que são elas, em seu próprio ser,
senão o puro apelo, o vazio feliz da escuta, da atenção, do convite à
pausa? Sua música é o contrário de um hino: nenhuma presença cintila em
suas palavras imortais; somente a promessa de um canto futuro percorre sua
melodia. Aquilo com que elas seduzem não é tanto o que fazem ouvir, mas o
que brilha no longínquo de suas palavras, o futuro do que elas estão
dizendo. Seu fascínio não nasce do canto atual, mas do que ele se propõe a
ser. Ora, o que as Sereias prometem cantar para Ulisses é o passado de suas
próprias proezas, transformadas para o futuro em poema.

O canto das Sereias, já não celebra, mas lamenta, porém, a impossibilidade
de dizer. É uma elegia que marca a impossibilidade de ter acesso ao evento
da palavra, que é o que, em última instância, constitui os homens como
humanos. Daí, Foucault nos oferece uma nova definição do literário:

A linguagem se descobre então liberta de todos os velhos mitos em que se
formou nossa consciência das palavras, do discurso, da literatura. Por
muito tempo, acreditou-se que a linguagem dominava o tempo, que ela valia
tanto como ligação futura na palavra dada quanto memória e narrativa;
acreditou-se que ela era profecia e história; acreditou-se também que nessa
soberania ela tinha o poder de fazer aparecer o corpo visível e eterno da
verdade; acreditou-se que sua essência estava na forma das palavras ou no
sopro que as faz vibrar. Mas ela é apenas rumor informe e jorro, sua força
está na dissimulação; porque ela faz apenas uma única e mesma coisa com a
erosão do tempo; ela é esquecimento sem profundidade e vazio transparente
da espera.

Foucault, a diferença do memorialismo de Mário de Andrade, não teme os
monstros e, tal como Flávio de Carvalho, entende que criar é esquecer
porque, tratando-se dessa ficção que é a linguagem,

O que a retém não é a memória, é o esquecimento. No entanto, esse
esquecimento não deve ser confundido com a dispersão da distração nem com o
sono onde adormeceria a vigilância; ele é feito de uma vigília tão
desperta, tão lúcida, tão matinal que ele é mais dispersa à noite e pura
abertura para um dia que ainda não chegou. Nesse sentido, o esquecimento é
extrema atenção - atenção tão extrema que apaga cada rosto singular que
pode se oferecer a ela; quando definida, uma forma é ao mesmo tempo muito
antiga e muito nova, muito estranha e muito familiar para não ser mais
imediatamente recusada pela pureza da espera e condenada por aí ao imediato
do esquecimento. É no esquecimento que a espera se mantém como uma espera:
atenção aguda ao que seria radicalmente novo, sem ligação de semelhança e
de continuidade com o que quer que seja.

Atingimos, assim, portanto, o âmago, o ser da linguagem.

O puro exterior da origem, se é a ele que a linguagem está pronta para
acolher, jamais se fixa em uma positividade imóvel e penetrável; e o
exterior perpetuamente recomeçado da morte, se levado para a luz pelo
esquecimento essencial à linguagem, jamais estabelece o limite a partir do
qual se delinearia finalmente a verdade. Eles logo se revertem um no outro;
a origem tem a transparência do que não tem fim, a morte abre infinitamente
para a repetição do começo. E o que é a linguagem (não o que ela quer
dizer, não a forma pela qual o diz), o que ela é em seu ser é essa voz tão
fina, esse recuo tão imperceptível, essa fraqueza no coração e em torno de
qualquer coisa, de qualquer rosto, que banha com uma mesma claridade neutra
- dia e noite ao mesmo tempo - o esforço tardio da origem, a erosão matinal
da morte[11].

A linguagem é, para Agamben, o lugar da negatividade social, ideia com a
qual concorda até mesmo Alain Badiou, em outros pontos tão distante da
imanência agambeniana[12]. È que, como argumenta Andrew Gibson, Alain
Badiou propõe uma ontologia ética da irrupção intermitente do
acontecimento, ao passo que Agamben elabora uma epistemologia ética que
busca deixar de pensar como pensamos, profanar convenções e nos
libertarmos das signaturas que marcam o comum para fazermos valer as
próprias[13]. Mas vejamos, rapidamente, como repercute essa tradição no
autor de Estado de exceção.

Agamben[14]

Se Ulisses é o protagonista, para Adorno e Horkheimer, da dialética do
esclarecimento, empurrando sempre a astúcia plus ultra, para Foucault, no
entanto, a espera de Ulisses acorrentado e até mesmo o esquecimento
assassino de Orfeu (orftu, orfele, orfnós...) são o próprio ser da
linguagem moderna. Mas assim como os frankfurtianos propunham uma dialética
negativa e a teoria francesa ensaiava oposições binárias, os italianos,
porém, tendem a equacionar as forças de maneira bipolar. Apoiados, com
efeito, numa tradição que remonta a Maquiavel e a Vico, assentada no tripé
história-vida-política, recarregada em 68 pelo resgate dessa tradição
nietzscheana de conceituar o excesso e a exceção, é o pensamento italiano
que nos persuade, de fato, que uma máquina, por exemplo, em seu sentido
mais amplo, é um dispositivo de produção de gestos, de condutas, de
discursos. As máquinas agambenianas, tomadas, além do mais, de Canguilhem e
Foucault, para não dizer de Raymond Roussel, não se caracterizam, digamos,
por sua tensão dialética, mas por sua bipolaridade. A máquina-dispositivo
articula sempre dois elementos que, a primeira vista pelo menos, parecem se
excluir ou se opor: langue e parole na máquina-infância, sincronia e
diacronia na máquina rito-jogo, animalidade e humanidade na máquina
antropológica, soberania e exceção na máquina governamental. Portanto, o
funcionamento destas máquinas produz constantemente zonas de
indiscernibilidade, limiares, mas não limites, nos quais é impossível
distinguir de qual dos dois componentes articulados se trata. Assim, por
exemplo, a máquina jurídico-política do Ocidente produz essas zonas onde já
não se pode distinguir entre o animal e o humano: os campos. Por último,
cabe destacar uma questão extremamente relevante e é que o centro destas
máquinas está vazio. Para nos servir da metáfora mecanicista, a engrenagem
que articula seus elementos constitutivos, sua bipolaridade, não tem
nenhuma realidade substancial. Elas giram no vazio (o tópico do vórtice que
Agamben explorará, em 2014, em O fogo e o relato) e, por isso mesmo, apenas
se definem em termos funcionais. Poderíamos dizer, em suma, que Agamben é
um pessimista.

Pareciera que Agamben hubiese radicalizado hasta tal punto el pesimismo
antropológico que se tornase impensable toda creencia en el potencial
liberador de la acción. De este modo, un mismo dato antropológico motivaría
bien la perspectiva del jurista que, pese a todo, defiende la traducción
jurídica de la fuerza, bien la del apocalíptico, que rechaza todo derecho y
aspira a desactivarlo[15].

Por isso vale a pena observar a gênese de suas categorias analíticas. Em
Homo sacer II, 1, isto é, Estado de exceção (2003)[16], o conceito de
exceção, através de sua etimologia, ex-ceptio, significa ser e estar
"capturado fora", ou seja, ser e estar incluído, porém, através de uma
exclusão. Agamben toma a noção de exceção de Benjamin, quem já sugeria que
a exceção tornara-se regra e a regra, exceção, uma vez que a excepcional
suspensão da lei acontece tão frequentemente na nossa sociedade que já não
se pode dizer que o Estado seja um conceito sólido ou coerente. A aporia
repousa então em que a função do Estado consiste em suspender a lei para
preservar a lei.
Se analisamos com mais cuidado, veremos que todo o raciocínio de Agamben
sustenta-se na ideia de que estamos perante um debate entre Walter Benjamin
e Carl Schmitt acerca do lugar concedido à violência extra-legal. Com
efeito, Agamben argumenta no sentido de que a teoria schmittiana do estado
de exceção é uma resposta esotérica ao ensaio de Benjamin, de 1921, sobre
"Crítica da violência", já que a pura violência de Benjamin se torna agora
decisão soberana que não produz nem preserva a lei, mas apenas suspende-a.
De fato, foi Carl Schmitt, nos diz Agamben, quem tentou formular a teoria
mais ambiciosa do estado de exceção, em A ditadura (1921) e em Teologia
política (1922). Na primeira, o estado de exceção é apresentado através da
ditadura. Schmitt faz distinção entre uma "ditadura comissariada" (que
procura defender e restaurar a ordem vigente) e uma "ditadura soberana"
(uma figura da exceção). Na segunda, porém, desaparecem os termos
"ditadura" e "estado de sitio", e esse lugar é ocupado pelo "estado de
exceção". Apesar das aporias que isso representa, a finalidade perseguida
por Schmitt, em A ditadura, é inscrever o estado de exceção no contexto
jurídico, articulando estado de exceção e ordem jurídica. A tais efeitos,
no caso da ditadura soberana, que é certamente o mais interessante, a
inclusão do estado de exceção é levada adiante através da distinção entre
"poder constituinte" e "poder constituído". O "poder constituinte", para
Schmitt, não é simplesmente uma questão de força, uma vez que mantém certa
relação com a ordem jurídica e possui um mínimo de constituição. Na
Teologia política, a inclusão do estado de exceção na ordem jurídica é
levada a cabo através da distinção entre norma [Norm] e decisão
[Entscheidung, Dezision]. O estado de exceção revela assim um elemento
formal especificamente jurídico: a decisão. A partir daí, conclui Agamben,
vinculam-se indissociavelmente, estado de exceção e teoria da soberania. É
soberano quem pode decidir a respeito do estado de exceção, quer dizer, a
respeito da suspensão da norma. Neste caso, o soberano se situa fora da
ordem jurídica, mas, enquanto é responsável de sua suspensão, ele está, ao
mesmo tempo, incluído nela.
Então, podemos definir o estado de exceção, na doutrina schmittiana, como o
lugar onde a oposição entre a norma e sua aplicação alcança sua máxima
pungência irradiante. É um campo de tensão jurídica, no qual um mínimo de
vigência formal coincide com um máximo de aplicação real e vice-versa. Mas,
também, é nesta zona extrema ou, melhor dizendo, é propriamente em virtude
dela que os dois elementos do direito mostram sua íntima coesão recíproca.
Essa decisão de, através do estado de exceção, suspender a lei, mostraria a
não-relação da lei com a vida e essa ausência de relação entre a lei e a
vida significa, ainda, abrir a possibilidade de uma ação humana, a
política, que não deveria ser confundida com uma obra, porém, tomada como
potencialidade. Na sociedade contemporânea, nos diz Agamben, a política vem
sofrendo um longo eclipse a-musaico (afastado das Musas mas acompassado por
uma música banal) porque a política foi contaminada pela lei como princípio
formal ideal. Isto suscita a necessidade de reivindicar uma redenção, uma
ideia de vida ou umas formas-de-vida (Wittgenstein) que não sejam
facilmente capturadas pelos dispositivos de poder. Assim, o estado de
exceção, como instância biopolítica ou mesmo tanatopolítica, deve tornar-se
inoperante. Essa seria a intervenção política mais consistente, segundo
Agamben. Por isso mais tarde, em Homo sacer, IV, 2, ou seja, L´uso dei
corpi (2015), Agamben nos propõe o relativo como algo simultaneamente
incluído e excluído no absoluto. "Il soggetto ultimo, che si tratta di
eccepire e, insieme, di includere nella città, è sempre la nuda vita"[17].
E mais adiante, ainda, esclarece que, ao longo de toda a série Homo sacer,


la struttura dell'eccezione che era stata definita rispetto alla nuda vita
si è rivelata costituire più in generale in ogni ambito la struttura
dell'archè, tanto nella tradizione giuridico-politica che nell'ontologia.
Non si può comprendere, infatti, la dialettica del fondamento che definisce
l'ontologia occidentale da Aristotele in poi se non si comprende che essa
funziona come una eccezione nel senso che si e visto. La strategia è sempre
la stessa: qualcosa viene diviso, escluso e respinto al fondo e, proprio
attraverso questa esclusione, viene incluso come archè e fondamento. Ciò
vale per la vita, che, nelle parole di Aristotele, "si dice in molti modi"
– vita vegetativa, vita sensitiva, vita intellettiva, la prima delle quali
viene esclusa per fungere da fondamento alle altre –, ma anche per
l'essere, che si dice ugualmente in molti modi, uno dei quali verrà
separato come fondamento.
E possibile, del resto, che il meccanismo dell'eccezione sia
costitutivamente connesso all'evento di linguaggio che coincide con
l'antropogenesi. Secondo la struttura della presupposizione che abbiamo più
sopra ricostruito, il linguaggio, avvenendo, esclude e separa da sé il non
linguistico e, nello stesso gesto, lo include e cattura come ciò con cui
esso è sempre già in relazione. L'ex-ceptio, l'esclusione inclusiva del
reale dal logos e nel logos è, cioè, la struttura originaria dell'evento di
linguaggio[18].

Portanto, para conceituar a exceção, não há como separá-la da arché. Ora,
examinando, em retrospectiva, seu longo percurso teórico, Agamben resume a
questão dizendo que

la città si fonda sulla scissione della vita in nuda vita e vita
politicamente qualificata, l'umano si definisce attraverso l'esclusione-
inclusione dell'animale, la legge attraverso l'exceptio dell'anomia, il
governo attraverso l'esclusione dell'inoperosità e la sua cattura nella
forma della gloria.[19]

Vamos exemplificar essa divisão com uma aguda observação de Lima Barreto.
Em 1907, assinando como "Pingente", um homo sacer que não pertence nem ao
doméstico nem ao público mas está pendurado entre ambos, Lima observa, em
artigo para a Fon-fon, a supremacia, nos bondes, do fiscal em detrimento do
condutor e aventa, a partir desse ponto, a deriva biopolítica:

Eu me explico. A saliva, o sangue e outros líquidos orgânicos, submetidos a
agentes químicos, podiam revelar provas robustas do fundo moral e
intelectual dos indivíduos.
A bacteriologia e outras sabenças modernas podiam também vir em auxílio das
administrações, públicas e particulares, dando uma dosagem matemática
dessas aliás qualidades individuais e impedindo que um cidadão como eu
estivesse a perder o seu tempo com esta questão: por que razão o fiscal
merece mais crédito que o condutor?
A viagem acaba. Desço a rua do Ouvidor, acotovelo-me com as primeiras
pessoas da pátria, vejo a Garnier e as ciências, letras e artes nacionais
na montra sem vidro de sua porta e de sua sala, olho o Supremo Tribunal,
depois a Câmara, chego aqui e ainda pergunto: por que razão o fiscal merece
mais crédito que o condutor?[20]

Esposito

A estas bipolaridades agambenianas acrescentam-se outras, como immunitas /
communitas; dentro / fora. Detenho-me nesta última. "Il fuori" é o terceiro
capítulo de Terza persona (2007) de Roberto Esposito. Nele, ativando a
tradição francesa do pensamento do exterior, o autor relembra que, em As
palavras e as coisas, essa dimensão do fora (dehors) equivalia ao
impensado, para depois chamar-se vida, uma vez que, com o desenvolvimento
da ciência. "o ser biológico regionaliza-se e autonomiza-se; a vida é, nos
confins do ser, o que lhe é exterior e que, contudo, se manifesta
nele"[21], o que coloca a questão das relações da vida com o não-vivo. Mais
tarde, Deleuze, em sua leitura de Foucault, define esse exterior não como
"un limite fisso ma una materia mobile animata da movimenti peristaltici,
da pieghe e corrugamenti che costituiscono un dentro: non qualcosa di
diverso dal fuori, ma proprio il dentro del fuori"[22]. De fato, em
Arqueologia do saber, Foucault, esclarece que o poder

"non avrà più a che fare solo con soggetti di diritto sui quali la morte è
la presa estrema, ma con degli esseri viventi, e la presa che potrà
esercitare su di loro dovrà porsi al livello della vita stessa". Ciò non
vuol dire, egli continua, che la legge e le istituzioni giuridiche
scompaiano, ma che esse funzionano sempre più nel senso della
normalizzazione attraverso una serie di apparati di carattere medico e
amministrativo, tesi a una regolazione della popolazione nel suo insieme –
"una società normalizzatrice è l'effetto storico di una tecnologia di
potere centrata sulla vita. Nei confronti delle società che abbiamo
conosciuto fino al XVIII secolo, siamo entrati in una fase di regressione
della dimensione giuridica". Costituzioni e Codici, che dall'inizio
dell'Ottocento si susseguono a un ritmo sempre più sostenuto, non sono che
le forme di bilanciamento che rendono possibile un potere di tipo
normalizzatore. Abbiamo seguito la deriva tanatopolitica cui questo
processo ha dato luogo nel tempo del nazismo. La distruzione della persona
giuridica, in quel caso, è diventata il piedistallo di una immensa piramide
del sacrificio alle falde della quale sono stati accumulati milioni di
morti. Tuttavia, come anche si è visto in un'ottica di più lungo periodo,
questo esito mortifero, più che alla critica della categoria di persona
avviata nel secolo precedente, è addebitabile semmai alla persistenza del
suo dispositivo escludente fin dentro il progetto della sua abolizione.[23]

Mas, longe de ser uma instância distante, esse dehors dans le dedans, nos
diz Esposito, "siamo noi stessi guardati da un punto di vista che non
coincide e anzi collide, con quello, trascendente, della nostra persona per
sfociare nel piano radicalmente immanente dell'impersonale"[24]. A questão
filia-se, portanto, não só ao conceito de exceção, trabalhado pioneiramente
por Agamben, mas preanuncia também o dispositivo da pessoa em obras
posteriores de Esposito, como Due. La macchina de la teologia politica
(2013) o Da fuori. Una filosofia per l´Europa (2016). E, ainda, entronca-se
com a categoria de extimidade proposta por Lacan.
Mais recentemente, Agamben publica o volume II, 2 de Homo sacer, Stasis. La
guerra civile come paradigma politico (2015), onde reúne dois seminários
desenvolvidos em Princeton, em outubro de 2001, e ali formula duas
conclusões que acho importante relembrar aqui, complementando o conceito de
exterior de Esposito. A primeira é que

La stasis non proviene dall'oikos, non è una "guerra in famiglia", ma è
parte di un dispositivo che funzione in modo simile allo stato di
eccezione. Come, nello stato di eccezione, la zoe, la vita naturale, è
inclusa nell'ordine giuridico-politico attraverso la sua esclusione, in
modo analogo attraverso la stasis l'oikos è politicizzato e incluso nella
polis.

A esta acrescenta Agamben uma segunda conclusão que diz:

Ciò che in gioco nella relazione fra oikos e polis è la costituzione di una
soglia di indifferenza in cui il politico e l'impolitico, il fuori e il
dentro coincidono. Dobbiamo cioè concepire la politica come un campo di
forze i cui estremi sono l'oikos e la polis : tra di essi la guerra civile
segna la soglia transitando attraverso la quale l'impolitico si politicizza
e il politico si "economizza"[25].

È bom salientar que, na ordenação de sua obra, Stasis segue Estado de
Exceção e precede O Sacramento da linguagem (2008), colocando-se no ponto
crucial da seção II, dedicada às formas jurídico-políticas e ao governo, e
que conclui com a "genealogia teológica" da economia, ou seja, com O Reino
e a Glória (2006), cuja numeração correta aliás seria II, 4 e não II, 2,
como se lê, erroneamente na folha de rosto. Ainda esse ano, em 2016,
Agamben publicou um volume, O que é a filosofia?, onde lemos uma curiosa
definição do trabalho do pensamento, que recolhe, de fato, toda essa
discussão prévia a respeito do fora da instituição e a encaminha para um
ponto central do pensamento agambeniano. O fora da instituição é o resgate
da sua arché: a filosofia deve poetizar-se tanto quanto a poesia deve
abordar as grandes questões filosóficas. E isto por um motivo muito
simples, porque ambas fazem uso da linguagem. Um uso não-comunicativo, não-
instrumental. Sagrado e profano, ao mesmo tempo. Incluído e excluído das
trocas costumeiras. Em um dos ensaios de O reino e a glória já fica claro
que a poesia é precisamente a operação lingüística que torna a língua
inoperante ou, em termos de Spinoza, o ponto em que a língua, que já
desativou suas funções comunicativas e informativas, ora descansa nela
própria, contempla sua potência de dizer e se abre, enfim, deste modo, a um
possível novo uso. Portanto, Agamben conclui finalmente seu ensaio de O que
é a filosofia? dizendo:

Tutto quello che il filosofo scrive – tutto quello che ho scritto – non è
che un proemio a un'opera non scritta o – che è, in fondo, lo stesso – un
postludio il cui ludus è assente. La scrittura filosofica no può che avere
natura proemiale o epilogale. Ciò significa, forse, che essa non ha a che
fare con ciò che si può dire attraverso il linguaggio, ma col λόγος stesso,
col puro darsi del linguaggio come tale. L'evento, che è in questione nel
linguaggio, può essere solo annunciato o congedato, mai detto (non che esso
sia indicibile – indicibile significa solo im-predicibile; esso coincide,
piuttosto, col darsi dei discorsi, col fatto che gli uomini non cessano di
parlarsi l'un l'altro). Ciò che del linguaggio si riesce a dire è solo
prefazione o postilla e i filosofi si distinguono secondo che preferiscano
la prima o la seconda, si attengano al momento poetico del pensiero (la
poesia è sempre annuncio) o el gesto di chi, in ultimo, depone la lira e
contempla. In ogni caso, ciò che si contempla è il non-detto, il congedo
dalla parola coincide con il suo annuncio.[26]

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[1] BOJANI´C, Petar - "Biopolitica (italiana). Il fuori dell ´instituzione"
in GENTILI, Dario e STIMILLI, Elettra (ed) - Differenze italiane. Politica
e filosofia: mappe e sconfinamenti. Roma, Derive Approdi, 2015, p. 113-120.
[2] ANDRADE, Mário de "Os monstros do homem" in Táxi e crônicas no Diário
Nacional. Ed. Telê Ancona López. São Paulo, Duas Cidades, 1976, p. 529-30.
[3] IDEM - "Comunismo", ibidem, p.281.
[4] EINSTEIN, Carl – "Aforismos metódicos". Documents: 1929. Trad. Takashi
Wakamatsu. Florianópolis, Cultura e Barbárie, 2016, p.8-9.
[5] BATAILLE, Georges - "La sociologie sacrée du monde contemporain".
Lignes 3/2003 (n° 12) , p. 158-175 
[6] BATAILLE, Georges - "Lo sagrado" in La conjuración sagrada. Ensayos.
Trad. S. Mattoni. Buenos Aires, Adriana Hidalgo, 2003, p.262-7
[7]Ver DUSSAT, Henri - "Se mouvoir dans l'éthique". BATAILLE, Georges
–L'Apprenti Sorcier. Paris, Éditions de la Différence, 1999, p.435-436.
[8]BATAILLE, Georges – "Le sacré". Cahiers d´Art, 14e année, nº 1-4, p.48,
mais tarde em Oeuvres Complètes I. Premiers Écrits 1922-1940. Paris,
Gallimard, 1970, p.559-563.
[9] Sobre essas questões, Agamben escreveu muitos textos em sua primeira
fase. Ver "La 121a giornata di Sodoma e Gomorra". Tempo presente, vol. 11,
n. 3/4, Roma, mar.-abr. 1966, p. 59-70; "José Bergamin" in BERGAMIN, José.
Decadenza dell'analfabetismo. Trad.Lucio D'Arcangelo. Milão, Rusconi, 1972,
p.7-29; "I fantasmi di Eros, interpretazione di un emblema psicologico.
Paragone, ano 25, n. 290, abr. 1974, p. 19-41; [Sem título] in MIELO, Paola
(Org.) - Pierre Klossowski. Milão, Padiglione d'Arte Contemporanea, 1980,
p. 1; "La glossolalie comme problème philosophique". Discours
psychanalytique, n. 6, Paris, Joseph Clims, 1983, p. 63-69; "Bataille e il
paradosso della sovranità" in RISSET, Jacqueline (Org.)- Georges Bataille:
il politico e il sacro. Nápoles, Liguori, 1987, p. 115-119; "Bataille e
Benjamin". Lettera internazionale, n.11, Roma, Ediesse, inverno 1987, p. 18-
19; "Jarry o la divinità del riso" in JARRY, Alfred - Il supermaschio.
Milão, Bompiani, 1967, p.147-157; "Prefazione" in ELUARD, Paul; BRETON,
André - L'immacolata concezione. Trad. Giorgio Agamben. Milão, Forum
Editoriale, 1968.
[10] REVEL, Judith - "L´Italian Theory e le sue diffrenze. Soggettivazione,
storicizzazzione, conflito" in GENTILI, Dario e STIMILLI, Elettra (ed) -
Differenze italiane, op.cit., p.47-58.
[11] FOUCAULT, Michel - "O pensamento do exterior". Ditos e escritos III.
Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2001, p.219-242
[12] Numa resenha sobre A comunidade que vem, Badiou admite que "au cœur
du problème du propre et de l'impropre et de l'appartenance et de la non
appartenance gît le problème de la souveraineté, définie, comme le fait
Schmitt, par le pouvoir de décider sur l'état d'exception, ie de ce qui est
exclu, mais aussi de ce qui tout en étant exclu est par là même inclus dans
l'état des choses par l'Etat, puisque la loi d'exception proclame le
suspens de l'ordre juridique mais, en même temps, elle s'applique en ne
s'appliquant pas, ie en se référant à ce qui est exclu, qui est ainsi
inclus sous la forme de la suspension même de la loi. C'est encore une
figure extrême de l'état des choses. Donc penser quelque chose qui déjoue
le couple appartenance / inappartenance, propre / impropre, revient à
mettre en échec la souveraineté, ie essayer de penser une chose qui soit ni
excluable ni incluable, même pas sous la forme extrême de la souveraineté
qui exclut en incluant et inclut en excluant". E dirigindo-se a Jean
Christophe Bally diz estar completamente de acordo a respeito de "l'excès
de l'appartenance sur l'inclusion, dont le régime de l'exception véhicule
une autre figure. Je suis très intéressé par toutes les figures qui mettent
en échec le couple propre / impropre, pour penser l'en dehors exclu : cette
appropriation désappropriée, cette expropriation appropriée, qui
diagonaliserait le pb de l'appartenance et de l'inappartenance. Je suis
donc totalement d'accord avec ta critique, sauf que moi j'essaie de penser
le langage en tant qu'événement de langage, ie que l'être dit d'une chose
n'est pas le nom comme propriété de cette chose, mais une espèce
d'événement transcendantal, à condition, et c'est peut-être mon héritage
heideggerien, car, chez Heidegger, on peut accepter cette pbtique du
langage si on ne prend pas le langage du point d'une linguistique ou
grammatical". BADIOU, Alain - "Intervention dans le cadre du Collège
international de philosophie sur le livre de Giorgio Agamben: la Communauté
qui vient, théorie de la singularité quelconque".
http://www.entretemps.asso.fr/Badiou/Agamben.htm.
[13] GIBSON, Andrew - Intermittency: 
The Concept of Historical Reason in Recent French Philosophy.
Edinburgh, Edinburgh University Press, 2012, p. 26; WATKIN, William -
Agamben and indifference: a critical overview. London. Rowman &
Littlefield, 2014, p. 19.
[14] Sobre o autor, ASSELIN, Guillaume e Jean-François Bourgeault (éd.) -
La littérature en puissance. Autour de Giorgio Agamben, VLB, Montréal;
CALARCO, Matthew e Steven DeCaroli (ed.) - Giorgio Agamben. Sovereignty
and Life, Stanford University Press, Stanford, 2007; CASTRO,. Edgardo -
Giorgio Agamben. Una arqueología de la potencia, Buenos Aires,UNSAM 2008;
CLEMENS, Justin, Nicholas Heron e Alex Murray (ed.) - The Work of Giorgio
Agamben. Law, Literature, Life, Edinburgh University Press, Edinburgh 2008;
DICKINSON, Colby- Agamben and Theology, T&T Clark International, London,
2011; DURANTAYER, Leland de la - Giorgio Agamben. A Critical Introduction.
Stanford University Press, Stanford, 2009; GALINDO, Alfonso - Política y
mesianismo. Giorgio Agamben. Madrid, Biblioteca Nueva, 2005; KISHIK, David
- The Power of Life. Agamben and the Coming Politics, Stanford University
Press, Stanford, 2011 - MILLS, Catherine - The Philosophy of Agamben.
Montreal, McGill-Queen's University Press, 2008; MURRAY, Alex - Giorgio
Agamben. London, Routledge, 2010; IDEM e Jessica Whyte - The Agamben
Dictionary, Edinburgh University Press, Edinburgh, 2011; NORRIS, Andrew
(ed.)- Politics, Metaphysics, and Death. Essays on Giorgio Agamben's "Homo
Sacer". Durham, Duke University Press, 2005; WATKIN, William - The Literary
Agamben. Adventures in Logopoiesis. London, Continuum, 2010, ZARTALOUDIS,.
Thanos - Giorgio Agamben. Power, Law and the Uses of Criticism. London,
Routledge, 2010.
[15] HERVAS, Alfonso Galindo - "Deconstructing Agamben". Res Publica:
Revista de Filosofía Política, Madrid, Universidad Complutense, nº28, 2012,
p. 275
[16] AGAMBEN, Giorgio - Estado de exceção.Tradução Iraci D. Poleti. São
Paulo, Boitempo, 2004
[17] AGAMBEN, Giorgio - #:`wx{æ ì Ts
"
Ž
Ÿ
 
¡
[18]
óåóÜóÓǼ±¦± ±?± ±{±fH:h¦K h+^B*CJOJQJ^JaJfHphÿqÊÿÿÿÿ)h¦K hÊMB*CJOJQJ^Ja
Jphÿh¦K hÊM6?CJaJ

DCJaJh¦K hÊMCJ\?aJh¦K hžrøCJaJh¦K h+^CJaJh¦K hÊMCJaJh¦K h¿/ÚCJaJh¦K h¿/Ú5?CJ
aJhi 5?CJaJhi 5?CJaJhi hL'uso dei corpi. Homo sacer, IV, 2. Vicenza, Neri
Pozza, 2014, p. 266.
[19] IDEM - ibidem, p.334.
[20] IDEM - ibidem, p 336.
[21] BARRETO, Lima – "O fiscal e o condutor". Sátiras e outras subversões:
textos inéditos. Org. Felipe Botelho Corrêa. São Paulo, Companhia das
Letras, 2016, p.233.
[22] FOUCAULT., Michel - As Palavras e as Coisas. Uma arqueologia das
ciências humanas. Trad. Salma T. Muchail. São Paulo, Martins Fontes, 2000,
p. 376.
[23] ESPOSITO, Roberto - Terza persona. Politica della vita e filosofia
dell'impersonale. Torino, Einaudi, 2007, p. 167.
[24] IDEM - ibidem, p.169-170.
[25] IDEM - ibidem, p.168.
[26] AGAMBEN, Giorgio - Stasis. La guerra civile come paradigma politico.
Homo sacer II, 2. Bollati Borighieri, 2015, p.30.
[27] IDEM – "Sullo escrivere proemi". Che cos'è la filosofia?. Macerata,
Quodlibet, 2016, p.131.
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