A Exigência do Comum Acordo para a Instauração dos Dissídios Coletivos Econômicos: afronta à Inafastabilidade Jurisdicional?

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Graduando do 10º semestre do curso de Direito do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade da Amazônia/ ICJ - UNAMA; Diretor de Ensino da Liga Acadêmica Jurídica do Pará - LAJUPA; Coordenador do Grupo de Pesquisa de Direito Material e Processual do Trabalho da LAJUPA; Embaixador do Grupo de Interesse Jurídico do Núcleo/PA da Fundação Estudar. E-mail: [email protected]
Vale a pena estudar os contornos do Poder Normativo da Justiça do Trabalho por possuir forte liame com o Comum Acordo, na medida em que o requisito limita sua efetivação. Sobre o assunto, Cf. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho - 15. ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 160-161.
Há cizânia doutrinária quanto à natureza jurídica do "comum acordo", alguns autores defendem que se trata de condição da ação sui generis, enquanto outros o entendem como pressuposto processual. Cf. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 14. ed. São Paulo: LTR, 2016, p. 1544.
A EXIGÊNCIA DO COMUM ACORDO PARA A INSTAURAÇÃO DE DISSÍDIOS COLETIVOS ECONÔMICOS: AFRONTA À INAFASTABILIDADE JURISDICIONAL?

Lucas Soriano de Mello Barroso

Palavras-chave: Comum Acordo. Dissídios Coletivos Econômicos. Inafastabilidade Jurisdicional.

RESUMO

A ação de Dissídio Coletivo de Natureza Econômica se traduz em um procedimento especial trabalhista, de cunho eminentemente sindical, em que os sindicatos profissionais e patronais (ou sindicatos profissionais e empresas) colocam sob apreciação do Poder Judiciário suas negociações, quando conflitantes, para firmar uma norma coletiva (acordo ou convenção coletiva), desde que ambas manifestem interesse, de comum acordo, no ajuizamento do processo.
Este procedimento confere à Justiça do Trabalho, no exercício de sua função normativa, a força de regular ou regulamentar direitos sociais trabalhistas mediante uma sentença normativa, a qual irá reger as relações e condições de trabalho das categorias envolvidas.
Como uma inovação trazida pela Emenda Constitucional n. 45/2004, consagradora dos princípios constitucionais da celeridade e eficiência na ordem processual pátria, o requisito do "comum acordo" se insere no §2º do art. 114 da Constituição Federal (CF). Em suma, este requisito exprime que, como condição imprescindível para o ajuizamento do Dissídio Coletivo Econômico, as partes devem manifestar o mútuo consentimento para a propositura da ação, isto é, deve coexistir autorização prévia do réu para instauração da demanda, como pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo.
Com o advento dessa inovação, duas correntes doutrinárias antagônicas tomaram frente para discutir a constitucionalidade desse requisito inserido no ordenamento jurídico pátrio: a primeira sustenta, em suma, com maior apoio na doutrina, que o Comum Acordo, fruto do Poder Constituinte Derivado, é inconstitucional por constituir óbice atípico ao acesso à tutela jurisdicional, infringindo o art. 5º, XXXV da CF, advindo do Poder Constituinte Originário, que consagrou o princípio da Inafastabilidade da Jurisdição. Nesta senda, acrescenta-se ao debate a discussão das normas constitucionais inconstitucionais (NASCIMENTO, 2013, p. 935); já a segunda corrente, com lastro predominantemente no entendimento jurisprudencial, entende que não se trata de afronta ao Direito de Ação por motivo da natureza especial que reveste o Dissídio Coletivo Econômico, uma vez que seu provimento não trata de tutelar lesão a direitos preexistentes mas de intermediar a criação de novas normas e condições de trabalho mediante uma sentença normativa, além de que o Comum Acordo estimula a negociação direta entre as categorias, priorizando a autonomia negocial das partes (LEITE, 2016, p. 1544).
Tais discussões assumiram tamanhas proporções que levaram ao ajuizamento de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade, numeradas sob os registros: 3392, 3423, 3431 e 3520. Inobstante, alcançou o crivo do Plenário do Supremo Tribunal Federal em 28 de agosto de 2015, o qual reconheceu Repercussão Geral à controvérsia de constitucionalidade do Comum Acordo por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) n. 679137.
Dessa forma, é uma tarefa salutar verificar se o requisito ainda atende às suas finalidades protetivas à livre iniciativa da Ordem Social e Econômica do art. 170 da CF, ou se fragiliza o Princípio da Inafastabilidade Jurisdicional. Para tanto, empreende-se um exame sobre os principais fundamentos das duas correntes divergentes.
Do lado mais protecionista, TEIXEIRA FILHO (2009, p. 2984) reafirma: condicionar a instauração dos Dissídios Coletivos Econômicos significa elidir o direito de invocar a tutela jurisdicional estatal, afirmando que o provimento dos dissídios coletivos visa a defesa de direitos e interesses ligados a bens da vida lesados ou na iminência de serem reduzidos, o que seria teratológico remete à infringência direta ao Direito de Ação, insculpido no art. 5º XXXV da Constituição da República. Ademais, acrescenta à discussão o fato de que uma Emenda Constitucional não poderia tangenciar direitos e garantias fundamentais, inserindo a Inafastabilidade Jurisdicional neste âmbito.
Por fim, NASCIMENTO (2013, p. 935-936) lidera a corrente doutrina desfavorável à sua constitucionalidade, ao expressar que: por ser considerado processo, os princípios gerais do processo lhes são aplicáveis, logo, condicionar o ajuizamento da ação ao Comum Acordo seria transferir a titularidade do processo ao réu, ferindo o Direito de Ação frontalmente já que ninguém concederia autorização para ser processado. Ademais, o autor também refuta a ideia de que o Dissídio Coletivo discute interesses e não a efetiva lesão de direitos, já que essa discussão adentra ao Direito Material enquanto o assunto se limitaria a uma ofensa de ordem processual.
Em suma, todos os doutrinadores protecionistas se curvam diante do entendimento que sobreleva a dificuldade na obtenção do Comum Acordo, apontando para a ausência de amparo aos trabalhadores em razão da frustração das negociações coletivas, assim como para sucessiva dificuldade dos sindicatos profissionais em colocar sob o crivo dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior seus conflitos negociais por encontrar óbice no requisito, o que tem ocorrido desde sua inserção no ordenamento jurídico (DELGADO, 2016, p. 134).
Sob o viés favorável à constitucionalidade do Comum Acordo, a jurisprudência e a doutrina afins se inclinam no sentido da necessária restrição ao Poder Normativo da Justiça do Trabalho, exercido mediante os Dissídios Coletivos.
Neste mesmo sentido, a manifestação do Partido dos Trabalhadores transcrita em artigo que retratava as primeiras impressões sobre a EC. n. 45/04:

[...] uma das teses mais caras ao Partido dos Trabalhadores é a luta contra o poder normativo da Justiça do Trabalho. Acreditamos que a negociação coletiva se constrói pela vontade das partes. Ou seja, se não tivermos no processo de negociação a garantia da exaustão dos argumentos, da busca do conflito e da sua negociação, vai acontecer o que vemos em muitos movimentos hoje, particularmente em São Paulo, como o recente caso dos metroviários em que a empresa recorre ao poder normativo antes de esgotada a capacidade de negociação. Portanto, na nossa avaliação, manter a expressão de comum acordo é uma forma de garantir que haja exaustão do processo de negociação coletiva. [...] (SPIES, 2004)

BARROS (2016, p. 830-831) reforça tal perspectiva, afirmando ainda que o Dissídio Coletivo se trata de mera faculdade para a resolução dos conflitos judiciais, e que deve ser necessariamente o último recurso a ser explorado por se tratar de uma anomalia jurídica, tendo origem no antigo regime fascista italiano.
LEITE (2016, p. 1554) reforça o sentido da inexistência de direitos lesionados a serem tutelados pelos Dissídios Coletivos, e valoriza a natureza constitutiva desse procedimento especial coletivo, que expande direitos sociais trabalhistas em abstrato, não se cogitando a pacificação de conflitos trabalhistas sobre direitos já consolidados. Sob este viés, afasta-se a afronta à Inafastabilidade Jurisdicional insculpida no art. 5º, XXXV da CF e à garantia do art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que assegura amplo acesso à prestação jurisdicional na hipótese de lesão a direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição da República ou pela legislação interna. (ONU, 1948)
Por fim, a jurisprudência nacional predominante vem adotando um sentido normativo conforme suas restrições expressas, tornando imprescindível a manifestação do comum acordo como pressuposto de admissibilidade para o regular desenvolvimento do processo (TST, 2016). Este entendimento ainda foi acompanhado na última manifestação da Procuradoria Geral da República nos autos do ARE n. 679137, em que se discute o Comum Acordo no âmbito do STF.
Diante de todas as fontes consultadas, entende-se que a limitação do Poder Normativo por força da necessidade de Comum Acordo é um efeito desejado para preservar a autonomia negocial das partes. Inobstante, tal preservação repercute na proteção à livre iniciativa privada, diminuindo a ingerência do Judiciário sobre as relações entre empregado x empregador, o que vai ao encontro dos preceitos da Ordem Econômica e Social do Brasil, insculpidos no art. 170 da Constituição Federal, e favorece o desenvolvimento das relações de trabalho pela participação democrática de ambas as categorias na negociação direta por melhores condições sociais.
Entretanto, a discussão não se encerra a partir dessa solução, é interessante explorar novos meios para adequar a importância fundamental das normas coletivas diante da negativa negocial de uma das partes, sem fragilizar a autonomia da negociação direta, para que haja pacificação definitiva da matéria.
Por fim, é necessário aguardar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade do Comum Acordo. Esta decisão encerrará discussões, podendo consagrar definitivamente a sua constitucionalidade ou causar grande impacto na prática processual trabalhista, na hipótese de ser declarado inconstitucional, após anos de processos que foram julgados extintos pela falta do pressuposto processual.

REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2016.

BRASIL. Constituição [1988]. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2016.

______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário com Agravo n. 679137. Relator: Ministro Marco Aurélio, D.J.E. 22 set. 2015. Disponível em: . Acesso em 10 set. 2016

______. Tribunal Superior do Trabalho. SDC. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo n. 0005093-16.2013.5.09.0000. Relator: Ministro Maurício Godinho Delgado, D.E.J.T. 13 mai. 2016. Disponível em: . Acesso em 10 set. 2016.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho - 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 14. ed. São Paulo: LTR, 2016.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: . Acesso em 15 set. 2016.

SPIES, André Luís. As ações que envolvem o exercício do direito de greve: primeiras impressões da ec n. 45/2004. Revista LTr-69-04/436/440. In: BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2016.

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Curso de direito processual do trabalho. Vol. III. São Paulo: LTr, 2009.




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