A exigibilidade do direito público à saúde e a necessidade de obervância da fila para internações

September 26, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Saúde Coletiva
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Nº CNJ RELATOR AGRAVANTE ADVOGADO AGRAVADO AGRAVADO PROCURADOR AGRAVADO PROCURADOR ORIGEM

: 0010919-70.2011.4.02.0000 : JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO : MARIA DE BRITO LIMA : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO : UNIAO FEDERAL : ESTADO DO RIO DE JANEIRO : JOAO FLAVIO ROTTA : MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO : SEM PROCURADOR : VIGÉSIMA QUARTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (201151010105800) RELATÓRIO

Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto por MARIA DE BRITO LIMA face da UNIAO FEDERAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO e MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO, buscando a reforma da seguinte decisão (v. fls. 12/13): Trata-se de Ação Ordinária, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, ajuizada por MARIA DE BRITO LIMA, em face da UNIÃO FEDERAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO E MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO onde objetiva sua internação para realização de cirurgia de ARTRODESE LOMBAR, em um dos seguintes hospitais: Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), Hospital Estadual Adão Pereira Nunes (Saracuruna), Hospital Municipal Salgado Filho, ou qualquer outro hospital capaz de prestar-lhe o atendimento.. Af ir ma ser por tador a de DI S COP AT I A DEGENERATIVA LOMBAR (CID 10 M51.1 e 10M54.5) e que faz tratamento desde dezembro de 2007 em hospitais particulares, mas que por sentir fortes dores foi demitida de seu emprego não tendo mais como custear seu tratamento particular apenas com o auxílio-doença previdenciário que recebe. Sustenta ter requisitado assistência do Instituto Nacional

de Traumato-Ortopedia (INTO) em julho de 2010 tendo já feito sua matrícula e passado pela triagem, e que, em consulta realizada em 27 de abril de 2011, teria sido constatada incapacidade refratária ao tratamento conservador, necessitando então de intervenção cirúrgica. Requer, em razão disso, que seja determinada a sua internação imediata e a realização de cirurgia no INTO ou em qualquer outro hospital capaz de lhe fornecer o tratamento adequado. É o relatório. Decido. É certo que o direito de acesso às ações de saúde foi objeto de especial tutela pelo legislador constituinte, como demonstra o teor do art. 196 da Constituição da República, que prevê acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção da saúde: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visam à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Tal direito de acesso às ações de saúde confunde-se com o próprio direito à vida, assegurado no caput do art. 5º da Carta Magna. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) No caso, a Autora pretende que seja antecipado seu atendimento, e que seja imediatamente submetida à cirurgia. De início, ressalte-se que não compete ao Poder Judiciário determinar ao médico responsável pelo atendimento do paciente que aplique esta ou aquela medida terapêutica, tal como cirurgia, quimioterapia ou radioterapia. Tal decisão é prerrogativa do médico encarregado do atendimento que, à luz de melhor técnica de medicina, irá decidir qual o melhor tratamento aplicável. Sendo o médico o responsável

final pelo atendimento ao paciente, podendo mesmo ser responsabilizado pessoalmente caso aplique técnicas de tratamento inadequadas, somente a ele cabe decidir a respeito da espécie de tratamento a ser ministrado ao paciente. Assim, não é possível deferir o pedido para que os médicos do INTO ou de qualquer outro hospital realizem imediatamente uma cirurgia na Autora, pois, como visto, compete a eles decidir qual o tratamento adequado para ela. Quanto ao pedido para antecipação dos procedimento preliminares, a questão deve ser decidida à luz dos dispositivos constitucionais acima reproduzidos. Pelo teor dos artigos citados, fica claro que a Constituição, ao assegurar a todos o direito de acesso aos serviços de saúde, determinou que este acesso deve ocorrer de forma igualitária e universal. Assim, o acesso dos pacientes aos serviços médicos deve ser proporcionado em condições de igualdade. A respeito da igualdade, é assaz conhecido que o princípio da isonomia, não consiste em dar a todos, indiscriminadamente, tratamento idêntico. A verdadeira igualdade consiste em se proporcionar tratamento diferente àqueles que, segundo um critério de discriminação lógico e razoável, se encontram em situações diferentes, e tratamento igual aos que estiverem em situações idênticas. No caso, a Autora pleiteia que seja antecipado o seu atendimento porque é portadora de Discopatia Degenerativa Lombar em estado grave. Todavia, sendo o INTO um hospital que serve como referência nacional em cirurgias de alta complexidade nas áreas de Traumatologia e Ortopedia, presume-se que todos os seus paciente se encontram na mesma situação da Autora. Por outro lado, é materialmente impossível prestar atendimento imediato a todos os pacientes que procuram o INTO, incidindo no caso a regra da reserva do possível. As cirurgias complexas de coluna, como no caso da autora, envolvem a realização de exames

específicos, a disponibilização de salas de cirurgias, equipes especializadas, leitos em UTI, e outros recursos escassos. Assim, cabe aos médicos avaliar os pacientes, decidindo sobre a urgência de cada caso, e atender de forma igual aqueles que estiverem em situações idênticas. De fato, caso seja determinada a antecipação do atendimento da Autora, outro paciente (talvez em estado ainda mais grave que o seu) deixará de ser atendido, naquele dia e hora, e passará ele a correr o risco de ter o seu estado de saúde comprometido pela demora no atendimento. Portanto, não tendo sido negado o atendimento à Autora; não existindo, no presente estágio do processo, prova de que ela se encontra em situação mais grave do que os outros 21.000 pacientes do INTO informados à fl. 26; e considerando que, embora não seja o ideal, não se afigura flagrantemente desarrazoada a demora no atendimento, em face de se tratar de um hospital público que acolhe inúmeros pacientes em estado semelhante ao da autora, e que a necessidade da cirurgia somente teria sido diagnosticada em 27 de abril de 2011, deve ser indeferida a antecipação dos efeitos da tutela pleiteada. Isto posto, INDEFIRO a antecipação dos efeitos da tutela. Sustentou a Agravante sofrer de discopatia degenerativa lombar, sendo necessária “intervenção cirúrgica urgente, denominada artrodese lombar” (v. fls. 02/11). Tutela recursal deferida parcialmente às fls. 41/43, sendo determinada a realização de prova pericial de urgência, devendo o juízo a quo reexaminar, posteriormente, o pedido de tutela antecipada. Em contrarrazões, defendeu o Estado do Rio de Janeiro a necessidade da observância da fila para a realização do procedimento, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade e da reserva do possível (v. fls. 55/71). Não foram apresentadas contrarrazões pela União Federal e pelo Município do Rio de Janeiro. Parecer do MPF às fls. 78/81, pelo parcial provimento do recurso É o relatório. Peço dia para julgamento.

RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado VOTO O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) É papel do Poder Judiciário delimitar o núcleo duro dos direitos fundamentais, apontando quais produtos ou serviços de saúde são essenciais. Nesse contexto, o direito à saúde é judicialmente exigível da Administração, não apenas por omissão administrativa (em que o dever de prestação está prevista em lei), mas também por omissão legislativa, sempre que a essencialidade da prestação (mínimo existencial) estiver demonstrada. Porém, com efeito, o fenômeno da judicialização da saúde pública nem sempre diz respeito à jurisdição constitucional, porque grande parte dos conflitos referentes à oferta de produtos ou serviços de saúde se relaciona com a efetivação, pela Administração, de políticas de saúde já existentes em lei (STF, Segunda Turma, AI 734487 AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ. 20.08.2010). A “reserva do possível” (unter dem Vorbehalt des Möglichen), segundo um precedente do Tribunal Constitucional Federal alemão (BVerfGE 33, 303), diz respeito a direitos de beneficiar-se de prestações do Estado já existentes, dos denominados direitos fundamentais derivados (grundrechtliche Verbürgung der Teilhabe), como por exemplo, os de participar de vagas existentes em universidades, e que se pode razoavelmente exigir da sociedade, ou seja, dentro dos recursos orçamentários. Isso não se confunde com os direitos fundamentais originários, que obrigam o legislador a criar prestações ainda não existentes. Nesse contexto, a falta de orçamento público não obsta a exigibilidade judicial do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Contudo, tratando-se de prestações de saúde vinculadas à lei (direitos fundamentais derivados), a reserva do possível deve ser observada, nos limites do orçamento, mas, neste caso, compete à Administração comprovar – e não apenas alegar - que o orçamento não comporta a satisfação da pretensão do demandante. A propósito decidiu o Ministro Gilmar Mendes, na SL 47 (STF,

AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJ 30.04.2010): “assim, a garantia judicial da prestação individual de saúde, prima facie, estaria condicionada ao não comprometimento do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), o que, por certo, deve ser sempre demonstrado e fundamentado de forma clara e concreta, caso a caso”. O princípio da igualdade a ser observado pela Administração não serve de justificativa para negar direitos subjetivos. Realmente, conceder a um cidadão um direito que também poderia ser estendido a todos os que estivessem na mesma situação, sem efetivamente estendê-lo, rompe com a ideia de igualdade. Porém, o erro está na Administração não estender esse benefício e não no Judiciário reconhecer o direito. Não pode o Estado alegar a necessidade de observância de fila para a entrega do tratamento adequado ao caso. Obviamente que não se pretende salvar a vida de alguém mediante o sacrifício de outrem. Com efeito, o deferimento da medida ora pleiteada não implica necessariamente prejuízo a outros beneficiários do SUS, competindo à Administração cumprir a decisão (prestação de fazer, internação hospitalar) mediante recursos não afetados a serviço público essencial. Ademais, a impossibilidade material do cumprimento de decisões judiciais deve ser demonstrada concretamente pela Administração, observado o devido processo legal. Quanto à prova técnica, revendo em parte a decisão de fls. 41/42, penso que o laudo constante à fl. 38, não tendo sido impugnado e tampouco refutado por outro meio de prova, a de ser considerado, ainda que em caráter provisório, em favor da Agravante. Do referido laudo, destaco o seguinte: “Paciente portadora de discopatia degenerativa lombar + arteriosclerose grau II LSSI, causando lombociatalgia incapacitante”. Assim, dou provimento ao Agravo de Instrumento, para determinar a imediata realização do tratamento cirúrgico necessitado pela Agravante. Comunique-se, com urgência, ao Juízo originário. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO À SAÚDE. EXIGIBILIDADE DO DIREITO À SAÚDE. RESERVA DO POSSÍVEL. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. FILA PARA TRATAMENTO MÉDICOCIRÚRGICO. PROVA TÉCNICA NÃO IMPUGNADA. 1. É papel do Poder Judiciário delimitar o núcleo duro dos direitos fundamentais, apontando quais produtos ou serviços de saúde são essenciais. Nesse contexto, o direito à saúde é judicialmente exigível da Administração, não apenas por omissão administrativa (em que o dever de prestação está prevista em lei), mas também por omissão legislativa, sempre que a essencialidade da prestação (mínimo existencial) estiver demonstrada. Porém, com efeito, o fenômeno da judicialização da saúde pública nem sempre diz respeito à jurisdição constitucional, porque grande parte dos conflitos referentes à oferta de produtos ou serviços de saúde se relaciona com a efetivação, pela Administração, de políticas de saúde já existentes em lei (STF, Segunda Turma, AI 734487 AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ. 20.08.2010 2. A “reserva do possível” (unter dem Vorbehalt des Möglichen), segundo um precedente do Tribunal Constitucional Federal alemão (BVerfGE 33, 303), diz respeito a direitos de beneficiar-se de prestações do Estado já existentes, dos denominados dir eitos f undamentais der ivados (grundrechtliche Verbürgung der Teilhabe), como por exemplo, os de participar de vagas existentes em universidades públicas, e que se pode razoavelmente exigir da sociedade, ou seja, dentro dos recursos orçamentários. Isso não se confunde com os direitos fundamentais originários, que obrigam o legislador a criar prestações ainda não existentes. Nesse contexto, a falta de orçamento público não obsta a exigibilidade judicial do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Contudo, tratando-se de prestações de saúde vinculadas à lei (direitos fundamentais derivados), a reserva do possível deve ser observada, nos limites do orçamento, mas, neste caso, compete à Administração comprovar – e não apenas alegar - que o orçamento não comporta a satisfação da pretensão do demandante. 3. O princípio da igualdade a ser observado pela Administração não serve de justificativa para negar direitos subjetivos. Realmente, conceder a um cidadão um direito que também poderia ser estendido a todos os que estivessem na mesma situação, sem efetivamente estendê-lo, rompe com a ideia de igualdade. Porém, o erro está na Administração não estender esse benefício e não no Judiciário reconhecer o direito. 4. Não pode o Estado alegar a necessidade de observância de fila para a entrega do tratamento adequado ao caso Obviamente que não se pretende salvar a vida de alguém mediante o sacrifício de outrem. O deferimento da

medida ora pleiteada não implica necessariamente prejuízo a outros beneficiários do SUS, competindo à Administração cumprir a decisão (prestação de fazer, internação hospitalar) mediante recursos não afetados a serviço público essencial. A impossibilidade material do cumprimento de decisões judiciais deve ser demonstrada concretamente pela Administração, observado o devido processo legal. 5. Prova técnica quanto a necessidade do produto ou serviço de saúde não impugnada nos presentes autos. 6. Dado provimento ao Agravo de Instrumento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar provimento ao Agravo de Instrumento, na forma do relatório e do voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Rio de Janeiro, 31de janeiro de 2012. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado

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