A Expansão da Ummah

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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

A Expansão da Ummah Cultura Árabe Professora Arlene Clemesha

LUCAS PASCHOLATTI CARAPIÁ No USP: 7131187 Instituto de Relações Internacionais

São Paulo Julho de 2014

Introdução Em árabe “ummah” significa “nação” ou “comunidade”. Ummah se distingue de “sha'b”, que significa “nação”, porém relacionada a uma localização geográfica e ancestral comum. Logo, a “ummah” é uma comunidade supranacional que divide uma história comum. No caso, a comunidade árabe, que divide uma mesma língua e uma história que remonta à tradição pré-islâmica, maometana e que acompanhou a expansão dos domínios árabes e da presença islâmica, que vai da Península Arábica, ao Oriente Médio, Irã e o norte da África, entre outros. Ummah também seria um sinônimo de “ummat al-islamiyah” (a nação islâmica) e é tradicionalmente usado para se referir à grande comunidade islâmica no mundo. No contexto do pan-islamismo, ummah se refere a uma comunidade que divide os mesmos traços religiosos e crenças. Buscar-se-á neste trabalho contar os primórdios da expansão da ummah para fronteiras semelhantes às conhecidas por nós atualmente, da morte do profeta Muhammad às primeiras grandes expansões do Império Árabe, até o período do Califado Omíada de Damasco. Fatores Precedentes Após a morte do profeto Muhammad (632) iniciou-se uma disputa entre três grandes grupos sobre quem seria o seu sucessor. O primeiro grupo era formado pelos seus primeiros companheiros, que fizeram a hégira (fuga de Meca para Medina) com ele, um grupo ligado pela endogamia. O segundo grupo era formado por homens importantes de Medina, que fizeram aliança com Muhammad mais tarde. O terceiro grupo era formado pelos membros das famílias mais importantes de Meca, de conversão mais recente. Numa reunião entre os líderes e principais colaboradores da comunidade fundada por Muhammad, foi escolhido um homem do primeiro grupo como seu sucessor, Abu Bakr, também um de seus primeiros seguidores, cuja filha A'isha era casada com o profeta. Este sucessor foi chamado khalifa, ou califa,

e tinha como função a de líder da

comunidade, de árbitro das disputas e de se responsável pelas decisões da mesma. Este não era profeta e não teria nenhuma pretensão de dar continuidade a suas revelações, como mensageiro de um único Deus. Contudo, ainda mantinham uma aura de santidade espiritual e de importante liderança religiosa. Antes de sua morte, supõe-se que Muhammad tenha enviado emissários aos

grandes impérios Sassânida e Bizantino, exortando-os a reconhecer sua mensagem. Além disso, expedições militares foram enviadas às fronteiras do Império Bizantino, já enfraquecido por pragas e constantes guerras, assim como o império Sassânida. Sabe-se que muitos árabes tenham participado dessas guerras como hábeis mercenários. A recém-criada comunidade islâmica, agora alijada de seu profeta, passou a ter que lidar com novos desafios após a morte de Muhammad, como alianças com chefes tribais ameaçadas, a rejeição de sua pretensão profética ou até mesmo o controle político de Medina, um desafio que seria duramente enfrentado por Abu Bakr e seus sucessores diretos, o que ficou conhecido pela história como Califado Rashidun. Califado Rashidun Conhecidos como os “Corretamente Guiados”, teve Abu Bakr (632-634) como sucessor de Muhammad e primeiro califa, exerceu, assim como os próximos califas, liderança numa escala até então jamais vista por Muhammad. Tal liderança precisou recorrer à força militar para manter estável a comunidade islâmica e a nação árabe. Foram travadas uma série de guerras com líderes tribais que confiariam a liderança da comunidade islâmica apenas a Muhammad e ninguém mais, período este que ficou conhecido como Guerras do Ridda. Em pouco mais de dois anos Abu Bakr venceu grandes batalhas dentro da península arábica e chegou a invadir

as fronteiras dos

impérios Sassânida e Bizantino. Seu sucessor, Omar (634-644) ou Umar Ibn 'Abd al Khattab, expandiu os domínios árabes por toda península, parte do império Sassânida, que continuou a ser dominada mais tarde, e as províncias Síria e Egípcia do Império Bizantino. Omar foi beneficiado pelo poderio militar árabe (típico de guerrilhas do deserto), que faziam uso de camelos e souberam sobrepujar facilmente os enfraquecidos bizantinos e persas. Assim, no espaço de

poucos anos as fronteiras políticas do Oriente Próximo

haviam mudado drasticamente. As ricas e populosas cidades do Crescente Fértil passariam a ser subjugadas por uma cidade da periferia árabe. Tal fato só poderia ser explicado pelo declínio sofrido pelo mediterrâneo, consequência de inúmeras invasões sofridas pelos chamados “povos bárbaros”, vindos do norte da Europa, o encolhimento do mercado urbano e da agricultura. Isso somado a árabes ávidos pela conquista de novas terras, riquezas e impulsionados por uma nova crença religiosa. Como demonstra Francesco Gabrieli, em “Maometto e le grandi conquiste arabe”. Para as populações recém-conquistadas pouco importava quem eram seus

governantes, se gregos, persas ou árabes, dado que os governos interviam mais diretamente no funcionamento das grandes cidades, pouco ou quase nada interferiria nas vidas dos habitantes das estepes ou dos campos, que tinham seus próprios costumes e chefes locais. Até mesmo para alguns citadinos, bastava haver segurança, paz e impostos razoáveis, não importando os governantes. Para algumas dissidências religiosas cristãs, era até preferível estar sob o domínio dos árabes, que não tinham uma religião completamente estranha ao cristianismo e também não os perseguiria da mesma forma que o domínio bizantino. Isso sem mencionar os estados clientes árabes que viviam sob territórios bizantinos da Síria, que facilmente aceitariam o domínio árabe, de forma semelhante se deu o domínio árabe no Iraque, antes dominado pelos persas. Os conquistadores árabes exerciam seu domínio a partir de acampamentos militares, que passaram a formar cidades. No Iraque se estabeleceram as cidades de Kufa e Basra. No Egito, Fustat, que se tornou o Cairo atual. Na Síria, esses acampamentos ocuparam as cidades já existentes. Todas elas recebiam diversos grupos de imigrantes vindos da Arábia e eram constituídas de uma mesquita, um espaço para assembleias públicas e um palácio dos governadores. O califa Omar buscou fomentar uma coesão entre as diferentes lideranças árabes concentradas em Medina e Meca, contudo não foi capaz de extinguir as tensões existentes entre os primeiros convertidos e os seguidores posteriores do profeta. Assim, o poder foi sendo deslocado pouco a pouco para o norte, Síria e Iraque. Todas essas tensões ainda existentes viera à tona sob o período do terceiro califa, Uthman ibn 'Affan (644-56), após o assassinato de Omar, por vingança pessoal. Uthman vinha de um pequeno grupo da tribo coraixita, era um convertido antigo e trazia esperança de união para a ummah, já largamento estabelecida em pouco tempo. No entanto, apesar de ter sido califa por 12 anos, não foi capaz de trazer essa união e obteve grande oposição, dada sua política de nomear pessoas do seu clã como governadores de províncias. Tal oposição se deu em Medina, feita pelos filhos de seus companheiros e até mesmo por A'Isha, esposa do profeta. Assim, em uma revoltada apoiada por soldados egípcios Uthman é assassinado. Guerra Civil e a Emergência do Califado Omíada Após o assassinato de Uthman, é eleito como califa 'Ali ibn Abi Talib (656-661), um coraixita de antiga conversão, primo de Maomé e casado com sua filha Fátima. Este é eleito já com forte oposição por parte de parentes de Uthman e outros dissidentes

estabelecidos em Basra. 'Ali, estabelecido em Kufa derrota seus opositores em Basra, mas acaba se deparando com a oposição do governador da Síria, Mu'awiya ibn Abi Sufyan, parente próximo de Uthman. Estes se enfrentam em uma batalha no Iraque (Siffin), até que optam por uma negociação mediada por delegados de ambas as partes. Todavia, 'Ali, ao optar pela arbitragem, é abandonado por parte de seus seguidores que não concordavam em submeter a vontade divina ao julgamento humano, questionando a atitude de 'Ali por ser um antigo convertido. Após meses de discussão entre os delegados de ambas as partes, 'Ali sai enfraquecido e é assassinado em Kufa. Assim, Mu'awiya (661-680) é eleito califa, com o consentimento do filho mais velho de 'Ali, Hasan. Assim termina a era do califado dos Rashidun, dando início ao califado Omíada de Damasco, na Síria. Califado Omíada de Damasco Tem seu nome relacionado a um ancestral comum, Umayya, e estabeleceu-se fortemente em Damasco, a nova capital do Império Árabe. Daí em diante o califado omíada passou a ser hereditário, mas mantendo ares de uma certa escolha dos novos califas. Damasco se deu como um ponto estratégico por possuir uma zona rural próxima ao mediterrâneo oriental, mais facilmente de se controlar que Medina e capaz de gerar excedentes fundamentais para manter uma corte, um governo e um exército que passaria a ser profissionalizado conforme se expandia o império até a Espanha. Com os omíadas a gestão imperial daria preferência a objetivos mundanos (como criticavam seus principais opositores), diferentemente dos primeiros califas, que se inspiravam na fé islâmica como forma de governar o império. São nesses séculos que forças muçulmanas vão além do Egito e avançam sob o Magreb, criando a base de Kairuan, na antiga província romana da África, atual Tunísia. Seguindo até o Marrocos e dominando grande parte da Espanha, no fim do século VII. Para o oriente, os muçulmanos avanços até as proximidades da Índia. Os primeiros exércitos árabes de origem tribal passam a ser substituídos por forças profissionalizadas e pagas, o que outrora revolucionaria o exército romano em tempos remotos, também é usado para revolucionar o poderio militar árabe, característico de guerrilhas no deserto, até então. Além disso, os governantes omíadas abandonam o estilo de vida tribal árabe e assumem características das cortes bizantinas e sassânidas, contanto com a lealdade de antigos soldados e administradores desses impérios, que se converteram ao islamismo como forma de se aproximar de seus governantes e de seu

poder. As famílias tradicionais de Meca e Medina perderiam sua importância com o tempo. Segundo Alberto Hourani, os omíadas se assemelhariam aos reis bárbaros do ocidente, que governariam um território estranho a eles; porém, os árabes se diferenciariam na medida em que levariam consigo uma cultura, uma fé e uma língua. Os reis bárbaros do ocidente abririam mão de suas culturas em prol da cultura romana e cristã, que muito admiravam. Um ano chave da administração omíada é o de 690, sob o califa 'Abd al-Malik (685-705), que introduziria a língua árabe como língua padrão da administração do império, dado que grande parte dos seus governadores ainda estavam sob forte influência da cultura bizantina. Assim, ocorreria um certo processo de arabização das regiões conquistadas. As moedas deixariam de conter faces humanas, típicas dos bizantinos e persas, e passariam a conter frases islâmicas escritas em caligrafia árabe. Os omíadas ousariam revolucionar a zona rural, aperfeiçoando os métodos de irrigação, arquitetura e agricultura. Nas grandes cidades seriam construídas obras monumentais, grandes mesquitas que serviriam como uma forma de mostrar o poderio do império árabe sobre as regiões conquistadas. Entre eles temos o Domo da Rocha em Jerusalém, construído no local do Templo de Jerusalém e serviria como uma espécie de autoafirmação da religião islâmica sobre sua linhagem de Abraão, ao mesmo tempo que se diferenciava dos cristãos e hebreus. As grandes mesquitas seguiriam um mesmo desenho básico, contendo um pátio aberto, que serviria também para assembleias públicas, um puxador de reza (imã) e um santuário que se voltaria para Meca (mihrab), onde todos os fieis se curvariam para rezar, entre outros detalhes. Assim, a ummah estaria cada vez mais extensa, sendo as mesquitas um de seus maiores símbolos. Os omíadas governavam cidades onde a maioria não falava árabe e não era islâmica. A Síria, mesmo após anos de conquista, ainda mantinha uma vida própria que girava em torno do comércio, com uma diversidade grande de etnias, populações e crenças, que se apresentavam afetadas pelo distanciamento imposto pela conquista à anatólia bizantina. Enquanto isso, o Iraque se fortalecia, recebendo imigrantes tanto do Irã como da Arábia, que realizavam uma espécie de simbiose em meio a correntes imigratórias. Logo, o Iraque se mostrava um território mais árabe que a Síria. Tal harmonia não poderia existir sem algumas tensões, dado que os árabes possuíam privilégios fiscais sobre os iranianos. Tensões essas que voltaram a se apoiar sobre diferenças tribais que remetiam à organizações das tribos na península arábica, na medida que correntes

imigratórias e exércitos levavam essas diferenças consigo para o resto do império. O fim do Califado Omíada foi marcado pelas tensões de cunho religioso, onde dois grupos passaram a questionar mais diretamente a forma de governo adotada pelos omíadas. O primeiro deles era composto pelos kharijis, aqueles que haviam abandonado 'Ali anos mais tarde por ter optado pela arbitragem com os governantes sírios. Segundo eles, os califas deveriam ser líderes virtuosos, caso contrário, não deveriam ter a confiança da comunidade muçulmana. Tal grupo tinha fortes raízes no Iraque, especialmente na região de Basra. O segundo grupo seria formado por aqueles que acreditavam que somente a família do profeta estaria apta para liderar os muçulmanos, dado que o eles possuiriam poderes carismáticos deixados pelo profeta como herança, que os possibilitariam a liderar a comunidade sob uma visão religiosa. Assim, 'Ali e seus descendentes seriam os legítimos lideres dos muçulmanos. Tal grupo ficaria conhecido como Shi'at 'Ali, ou xiitas. Em 680 os omíadas derrotariam uma rebelião em Kufa que apoiaria Husayn, o segundo filho do 'Ali, como legítimo califa Após anos de califado omíada, que seria marcado por um fortalecimento das bases fiscais, culturais e militares do império, acabaria em 740, quando novamente o império foi afetado por uma guerra civil, onde o sentimento xiita apoiaria os descentes do tio Abbas de Muhammad como legítimos califas. Um exército de dissidentes árabes e apoiados por iranianos derrotaria os omíadas em 749-750. Assim, o novo califa seria Abu'l Abbas, descendente de Abbas. Relação com Não Muçulmanos Francesco Gabrieli enfatiza a boa relação e a tolerância dos islâmicos com os cristãos e judeus, algo que pode ser observado desde o início da história islâmica, quando Muhammad pregava o respeito aos povos dos livros, que acreditariam no mesmo Deus que os muçulmanos. Assim, a maior pressão para conversão seria feita aos pagãos, do mesmo modo que faziam os cristãos em uma Europa Medieval ainda tomava por inúmeros povos pagãos do norte, como os escandinavos e eslavos. A conversão ao islamismo teria sido fácil para os árabes emigrados à Síria e às regiões do Iraque. Para os persas seguidores do zoroastrismo, o islamismo também foi de fácil conversão, dado que o zoroastrismo já se encontrava em grande decadência, juntamente com império Sassânida. Alguns cristãos em crise com sua fé se converteram ao islamismo sem muitas restrições, dado que ambas religiões professam à crença em um único Deus e contém diversas semelhanças. O fato do islamismo não conter uma

igreja só facilitaria o processo de conversão. A conversão de inúmeros novos adeptos disseminaria a língua árabe para novas populações, que deveriam rezar na mesma língua em que foram feitas as pregações de Muhammad. Outros se converteram por benefícios políticos e redução nos impostos. Conclusão Como demonstra Franceso Gabrieli, a expansão do império árabe não se deu por motivos religiosos, mas por uma série de fatores complexos e de um contexto histórico de expansão e enriquecimento dos povos árabes, que tiveram a oportunidade de se sobrepor à ordem bizantina e sassânida que vinham em decadência, semelhantemente ao que ocorreu na Europa pós queda do Império Romano. O mesmo espírito pré-islâmico que fazia dos árabes um povo de nômades comerciantes e mercenários, fez deles um povo conquistador e expansivo. Levando assim, consequentemente, uma nova religião, uma cultura, uma língua, capazes de criar uma comunidade supranacional, chamada ummah. Não existe nenhum consenso a respeito dos ensinamentos de Muhammad, que incentivaria uma suposta expansão massiva dos árabes pelo mundo, sob a forma de conquistas militares. A religião islâmica buscaria ser universalista, mas com fortes indícios de tolerância religiosa, como observado na Espanha, por exemplo, forte reduto cristão dos domínios árabes, que conviviam pacificante com seus conquistadores. Pode-se concluir que a expansão árabe foi um fenômeno complexo e que não pode ser reduzido a uma explicação puramente religiosa, como muitos ocidentais ousaram explicar ao longo de anos, pelo contrário, partindo de explicações geográficas, econômicas, sociais e históricas, ligadas à imigração e expansão dos povos árabes pelo crescente fértil e pelo mediterrâneo. Bibliografia HOURANI, Alberto. Uma história dos povos árabes, 2 a edição. Companhia das Letras. 2001. GABRIELI, Francesco. Maometto e le grandi conquiste arabe. Grande Tascabili Economici. 1996. BARKEY, Jonathan. The formation of Islam. Religion and Society in the Near East.

Cambridge University Press. RODINSON, Maxime. Les arabes. Quadrige. Capítulo 1. Qui sont les arabes?

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