A expansão das empresas de segurança privada em São Paulo

July 17, 2017 | Autor: V. de Oliveira Cubas | Categoria: São Paulo, Private Security
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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Sociologia

A Expansão das Empresas de Segurança Privada em São Paulo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia para obtenção do título de Mestre em Sociologia

Viviane de Oliveira Cubas Orientador: Prof. Dr. Sérgio Adorno

São Paulo 2002

Sumário Resumo _________________________________________________ 3 Abstract _________________________________________________________ 3 Agradecimentos ___________________________________________ 4 Introdução _______________________________________________ 5 Capítulo 1. O público e o privado na tradição social brasileira ______ 15 A sociedade brasileira _____________________________________________ 20 Capítulo 2. Segurança privada e políticas de segurança em São Paulo 42 A questão da segurança privada _____________________________________ 53 Capítulo 3. O processo de expansão das empresas de segurança privada em São Paulo___________________________ 71 Os reflexos do processo de expansão _________________________________ 79 Tecnologia ______________________________________________________ 79 Recursos Humanos _______________________________________________ 88 Cursos e Feiras __________________________________________________ 92 Fiscalização _____________________________________________________ 96 Clandestinas____________________________________________________ 100 O processo de terceirização________________________________________ 104 Segurança Pública versus Segurança Privada__________________________ 114 Capítulo 4. Estrutura e funcionamento das empresas de segurança privada: seleção, recrutamento e treinamento dos profissionais em segurança privada._______________________________________ 127 Vigilantes: recrutamento e seleção __________________________________ 143 Vigilantes: treinamento ___________________________________________ 147 Considerações Finais _____________________________________ 154 Bibliografia ____________________________________________ 162 Anexos ________________________________________________ 167

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Resumo Os serviços de segurança privada vêm se expandindo cada vez mais nos últimos anos. Tal serviço é geralmente solicitado para reforçar a vigilância de espaços públicos e privados com a justificativa baseada no aumento da criminalidade, no medo da violência e na ineficiência da polícia. Entretanto os vigilantes privados não estão submetidos a regras e limites em suas ações assim como o estão os policiais. Dessa maneira, abrem-se espaços para atitudes arbitrárias e contrárias à lei que prevê ao Estado o monopólio legítimo da violência. Outra característica é o frágil controle do Estado sobre tais empresas que detêm um poder de polícia na esfera privada mas que está livre dos formalismos que protegem os indivíduos no espaço público. Neste trabalho é apresentada uma pesquisa sobre as empresas de segurança privada existentes em São Paulo. Procurou-se descrever a estrutura de funcionamento dessas empresas e identificar o que o Estado permite e quais os limites estabelecidos por ele para a atuação de tais empresas no mercado. Abstract Increased crime and violence added to police’s ineffectiveness have increased the demand for private security services to protect both private and public places in recent years. Nevertheless the private security forces are not submitted to rules and limits to their actions as the public police forces are. But because private security companies are not regulated by the State, which has the legitimate monopoly of the violence, a loophole that induces inadequate actions and abuse of authority by the companies was created. Another point is the fragile control the State has over such private security companies, which have police powers in the private sector but don’t abide by the regulations that protect citizens from police abuse. A research about the private security companies eradicated in São Paulo is present in this paper. The work is intended to describe the structure and the functioning of such companies and identify the exact control and limits the State has over the companies. 3

Agradecimentos Várias pessoas foram fundamentais para a realização deste trabalho. Agradeço, em primeiro lugar, a meu orientador, Sérgio Adorno, com quem compartilhei os bons e os não tão bons momentos dessa trajetória. Agradeço também à Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, que financiou este trabalho de pesquisa. Sou também muito grata à disponibilidade e atenção dispensadas pelos empresários que entrevistei. Outro grande diferencial foi a experiência que adquiri trabalhando no Núcleo de Estudos da Violência. Entre os coordenadores e pesquisadores, agradeço especialmente a Nancy Cardia e Paulo Sérgio Pinheiro, com quem aprendi sobre as dificuldades e os desafios de um trabalho acadêmico, e a Luis Antônio de Souza, que sempre se interessou e colaborou com meu trabalho. Na graduação, conheci meus companheiros mais fiéis e que também mais me ajudaram a refletir sobre este trabalho: Celinho e Helder. Tenho ainda dois outros queridos amigos que estiveram presentes nesses anos de trabalho: Chico e Régia. Devo também muita ajuda a Cris, Érica e Jonnie que, várias vezes, me socorreram com suas leituras e com o apoio técnico. Márcio é outra pessoa, muito especial, que surgiu no final do caminho para me apoiar, em todos os sentidos. Além desses, agradeço a meu pai e minha mãe, que sempre aceitaram as minhas escolhas e acreditaram no meu trabalho.

São Paulo, 12 de Agosto de 2002.

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Introdução A

oferta

por

serviços

de

segurança

privada

tem

aumentado

consideravelmente nos últimos anos. Diariamente são encontrados anúncios sobre empresas e cursos de segurança em jornais, revistas, cartazes e em várias residências ou escritórios é possível encontrar as placas de identificação das empresas contratadas para prestarem os serviços. O objetivo do presente trabalho é estudar o serviço de vigilância oferecido por empresas da cidade de São Paulo, nos anos 90 e verificar a sua rápida expansão no mercado e a aceitação deste serviço por parte da população. Vários estudos apontam que os moradores das grandes cidades têm passado por um período de grande sentimento de medo em relação à violência. Casos de roubos, furtos, estupros, seqüestros, assassinatos e agressões fazem parte de um cenário violento que tomou conta do espaço público, tornando estas áreas temidas e evitadas pela população. Diariamente são divulgados inúmeros casos de violência que acabam sendo incorporados ao histórico da população tornando a violência uma de suas principais queixas. Quanto à criminalidade em São Paulo, segundo Feiguin & Lima, verifica-se que houve, no período de 1984 a 1993 um aumento de 20,5% do total de registros delituosos e que os crimes praticados contra o patrimônio foram os que mais cresceram, cerca de 30,3%. É possível verificar a predominância de um padrão violento da criminalidade por ocorrer maior crescimento dos casos de roubo do que de furto1 (crescimento de 39,5% e 24,4% respectivamente). O armamento cada vez maior da população é outro indicador desse aumento de medo e insegurança. Em 1994 o percentual de portes de arma expedidos aumentou cerca de 112% em relação ao total de portes concedidos em 1988.

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É relevante nesta abordagem definir a diferença entre os dois delitos. Segundo o Código Penal, Art. 155, constitui furto "subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia ou móvel"; e roubo, Art. 157, é definido como "subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência." Nesta diferença é que predomina a gravidade do roubo sobre o furto.

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Todo esse sentimento de insegurança seria o reflexo de um real aumento da criminalidade urbana, que pode ser entendido a partir de uma combinação entre duas tendências: a recessão econômica (desemprego, deterioração das condições de vida das camadas trabalhadoras) e a deficiência dos aparelhos de segurança e repressão da polícia ou do judiciário. (Caldeira, 1989) Alguns estudos recentes enfatizam a segunda tendência. Nas grandes cidades, segundo Adorno, o sentimento de medo e insegurança diante dos crimes, sobretudo os violentos, é alimentado por um sentimento de desproteção, tanto material como institucional. Tais organizações não estariam sendo eficazes na proteção das vidas e dos bens da população. Isto também reflete a descrença nas autoridades, inclusive no tocante a segurança pública. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que os cidadãos cumprem suas funções cívicas, também recorrem a meios privados de solução dos conflitos. Tal recurso ocorre não apenas em contextos de aumento da violência mas, também, num contexto de crise da Justiça. O crime “passou a freqüentar o universo das classes médias seja através dos furtos e arrombamentos, inicialmente esporádicos, depois contínuos e sistemáticos, seja através das intermináveis trocas de tiros entre gangues constrangendo a adoção de expedientes e arranjos transitórios de proteção como disposição de móveis contra janelas, seja através de investimento em esquemas profissionais de segurança interna, como portões, grades, guardas privados, circuito interno de TV.” (Adorno, 1996:133) Neste contexto de aumento da criminalidade, sensação de insegurança e de incapacidade das forças oficiais em conter esse avanço, abre-se espaço para o desenvolvimento de atitudes individuais para prevenção e resolução dos conflitos. Neste trabalho, a ênfase é dada na expansão da oferta e da procura pelos serviços privados de vigilância. "Em 1994, o contingente de vigilantes, no Brasil, era de 1 milhão de trabalhadores, sendo que 600.000 homens atuavam em empresas devidamente legalizadas e 400.000 naquelas clandestinas, sem autorização para funcionarem. No Estado de São Paulo, neste mesmo ano, o total de vigilantes em empresas autorizadas pelo Ministério da Justiça a exercerem tal função chegou a 6

90.000 homens (contra cerca de 70.000 homens da Polícia Militar do Estado, em 1993), distribuídos em 250 empresas privadas, segundo levantamento realizado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Vigilância". (Feiguin&Lima, 1995:74) Estas empresas, além dos serviços de vigias, contam com equipamentos cada vez mais modernos e em muitas vezes de alto custo como alarmes, sensores, circuito de TVs, portões automáticos, blindagem de veículos, entre outros, tudo para proporcionar maior proteção aos seus clientes. O sentimento de insegurança acaba moldando a paisagem das cidades e os comportamentos de seus habitantes que se “adaptam” a uma rotina marcada pela desconfiança e pela ameaça. Outro exemplo são os casos de ruas bloqueadas pelos próprios moradores que criam bolsões residenciais, fecham vias públicas e contratam vigias particulares, às vezes com a autorização da própria prefeitura. A justificativa dos moradores é sempre a prevenção a assaltos e a proteção contra a degradação da cidade. De acordo com matéria publicada pela revista Veja, calcula-se que existam aproximadamente 400 ruas bloqueadas na cidade de São Paulo. Também é cada vez maior, a segregação gerada pelos “enclaves fortificados”, seja para residência, consumo, lazer ou trabalho, que atraem, sobretudo as classes média e alta devido aos seus altos custos e por contarem com os mais variados e modernos equipamentos de proteção. (Caldeira, 2000) As hipóteses a serem verificadas são que, como a sociedade brasileira ainda preserva suas características particularistas, a expansão destas empresas seria uma radicalização de característica tradicional da sociedade brasileira. Como o Estado não atinge a eficácia necessária ou desejada para assegurar a vida e o patrimônio de seus cidadãos, estas pessoas passam a realizar, a partir de sua própria iniciativa, a sua segurança, seja contratando empresas especializadas, seguranças particulares, equipamentos de segurança ou mesmo se armando e fazendo cursos de defesa pessoal. Isto poderia ser considerado como mais um reflexo da indiferença entre o público e o privado, da “crise da modernidade” e da “crise contratual”, usando os termos de Boaventura de Souza Santos pois, ao contrário de se buscar soluções coletivas em uma “crise da modernidade” para a 7

questão da segurança, cada um procura defender a sua “parte”, individualmente. Dessa forma, a segurança privada surge como algo que possibilita manter a segurança pessoal e material numa época de aumento da criminalidade e de descrédito da população perante as instituições encarregadas de manter a ordem e controlar os conflitos. Porém, a isto se deve acrescentar que a expansão destas empresas teria um estímulo próprio de mercado. Ao exigirem uma ação mais enérgica da polícia e não encontrarem resposta, forma-se uma clientela disposta a investir em sua própria segurança e então surge um negócio que parece ser muito lucrativo. Paralelamente à procura por estes serviços, que incorporam uma estrutura empresarial, ocorre a contínua privatização de atividades antes subordinadas apenas ao Estado. É a transformação de um problema social em problema de mercado, sendo muito provável que também sejam encontrados policiais atuando neste setor da segurança privada, seja como empresários, funcionários (fazendo os chamados “bicos”) ou instrutores de cursos. Assim, a síndrome do medo, usando o termo de Seabra, favorece a sua larga expansão, proporcionando “arranjos de poder” próprios a uma ordem patrimonial. Desta maneira, aliando o aspecto da tradição patrimonialista e de mercado, o setor privado encontra um campo favorável ao seu desenvolvimento pois tem uma clientela - é um fenômeno do mercado, não encontra grandes barreiras para o seu desenvolvimento, e ao mesmo tempo concorre com o Estado, pois coincidem os seus campos de atuação. O primeiro capítulo, O público e o privado na tradição social brasileira, foi elaborado a partir da leitura de textos sociológicos e históricos que abordassem a questão do público e do privado na sociedade e na cultura política brasileira. O segundo capítulo, Segurança privada e políticas de segurança pública em São

Paulo, relata os estudos realizados sobre segurança pública, as políticas públicas existentes e as formas de accountability das forças públicas e dos efetivos da segurança privada em outros países. No terceiro capítulo, O processo de expansão

das empresas de segurança privada em São Paulo, há um enfoque histórico das empresas de segurança, sobre o seu surgimento e desenvolvimento, as 8

conseqüências da sua expansão, inclusive uma discussão sobre os serviços clandestinos. Por fim, o quarto capítulo, Estrutura e funcionamento das empresas

de segurança privada : seleção, recrutamento e treinamento dos profissionais em segurança privada, aborda os processos de seleção e treinamento dos profissionais do setor e suas formas de accountability. O trabalho conta ainda com um anexo, onde está parte do material de propaganda de empresas de segurança e de equipamentos, recolhido nas visitas às feiras de segurança e retirado da imprensa. Para a elaboração dos dois últimos capítulos, foram levantados alguns dados sobre os serviços de segurança privada através do Ministério da Justiça e Polícia Federal - que são os órgãos encarregados do controle sobre as empresas e junto ao Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica e Cursos de Formação do Estado de São Paulo – SESVESP. O levantamento histórico foi realizado através de publicações oficiais e não oficiais, inclusive com material da imprensa e material divulgado pelas próprias empresas. Parte do material de divulgação das empresas foi obtido durante as visitas às feiras de segurança – EXPOSEC, realizadas em São Paulo. As informações específicas sobre as empresas, foram coletadas através de entrevistas realizadas com executivos das quatro maiores empresas de São Paulo – Columbia, Estrela Azul, Pires e Protege. A seguir há um resumo do histórico e das atividades destas empresas. A empresa Columbia vigilância e segurança foi fundada em 28 de janeiro de 1955, sendo uma das pioneiras no segmento. Neste período, além da Columbia havia apenas mais duas outras empresas do setor. Inicialmente, em 1955, como não existia a regulamentação específica na área de segurança, a empresa era encarregada dos serviços de limpeza, conservação e vigilância para empresas, condomínios, indústrias e bancos. A partir de 1969, com o advento da Lei 1034 a empresa obteve o alvará para atuar no segmento da segurança privada. Atualmente a empresa oferece serviços de vigilância patrimonial em todo o seu segmento, segurança eletrônica, limpeza e conservação, serviços de portaria e recepção. O grupo Columbia conta com 3 mil funcionários, dentre os quais 9

aproximadamente dois mil atuam como vigilantes enquanto os outros mil funcionários se distribuem entre as atividades de serviços gerais, atuando com filiais nas cidades de Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, São José dos Campos e Baixada Santista. A empresa Estrela Azul foi fundada em 1970 por Roberto de Mesquita Sampaio, ex-funcionário da Polícia Federal. Começou suas atividades com a prestação de serviços de vigilância e transporte de valores para a Caixa Econômica e o Banco Banespa. Dez anos depois foi aberta a empresa que oferece serviços de recepcionistas,

telefonistas,

ascensoristas,

secretárias,

operadoras

de

telemarketing, e há cinco anos iniciou as atividades no ramo da segurança eletrônica. Ao todo, o grupo Estrela Azul tem aproximadamente 8.000 funcionários e é formado pelas empresas de segurança patrimonial; segurança eletrônica; serviços terceirizados e por um Centro de Formação Profissional, também fundado no início das atividades da empresa. Neste, são formados, treinados e reciclados os funcionários operacionais da empresa. Está instalado numa área 6.000 metros no município de Embu. O Centro possui dormitório, cozinha industrial, quadra poliesportiva, centro de condicionamento físico, cursos de aperfeiçoamento para segurança pessoal, aperfeiçoamento de tiro para segurança pessoal, treinamento de condutores e executivos, treinamento de direção defensiva e segurança pessoal para executivos. Além destes, há o treinamento de segurança contra incêndio, de serviços auxiliares, entre outros. O Centro conta também com um módulo para simulado de agência bancária. A empresa oferece serviços de vigilância (masculino

e feminino), de

segurança pessoal, bombeiros, porteiros, recepcionistas, telefonistas, garçons, copeiras, office-boys, além da empresa de serviços eletrônicos como, instalação e manutenção de equipamentos, monitoramento realizado pela central, situada no bairro Armênia. Esta central monitora bancos em todo o território brasileiro. Mesmo não cobrindo os serviços de vigilância dos bancos aos quais presta este serviço de monitoramento, no caso do aviso de um alarme, a empresa Estrela Azul 10

entra

em

contato

com

a

empresa

responsável

pela

vigilância

daquele

estabelecimento. Sua atuação divide-se entre os estados de São Paulo, com seis mil funcionários, Rio de Janeiro, com dois mil funcionários, Espírito Santo, com duzentos funcionários e outros 30 funcionários no Paraná. A empresa tem projetos de ampliação para os estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A empresa Pires teve os primeiros trabalhos realizados nos anos 30 pelo imigrante português Manuel Pires Correia prestando serviços de limpeza e conservação. Em 1959 seu filho Manuel Correia Botelho, juntamente com seu cunhado Antonio dos Santos Cigarro regularizaram suas atividades e fundaram a Empresa Limpadora Pires. Em 1968, outra geração criou a Pires Serviços Gerais a Bancos e Empresas Ltda. Atualmente o grupo Pires, o maior no setor de segurança, conta com oito empresas: Pires Serviços de Segurança Ltda. (especializada em segurança); Pires Serviços Gerais a Bancos e Empresas Ltda. (especializada em limpeza, serviços de ascensoristas, copeiras, telefonistas etc.); CFAPP – Centro de Formação Profissional de Segurança Pires; Salvaguarda Serviços de Segurança (especializada em proteção de transportes de cargas, escoltas e monitoramento satelial); Salvaguarda Serviços Auxiliares (também especializada em secretárias, recepcionistas e porteiros); Pires Equipamentos Eletro-Eletrônicos Ltda. (importa, distribui, instala e garante a manutenção de equipamentos de segurança); M&P Sistemas Eletrônicos e Recepções de Alarmes Ltda. (especializada no monitoramento de alarmes e de imagens via telefone e rádio freqüência), além das representantes no exterior, a Pires del Argentina e uma filial no Paraguai, ambas atuando em vigilância patrimonial. O Centro de Formação da empresa fica localizado no município de Guarulhos, numa área de 137.000 metros quadrados e já está em atividade há 15 anos. Tem capacidade para abrigar 405 alunos e alojar 224 alunos. Conta com salas de aula, auditório, ginásio de defesa pessoal, três stands de tiro, pista de treinamento de combate a incêndio e de direção preventiva e defensiva, quadra poliesportiva, pista de atletismo, campo de futebol, e canil. Conta também com os 11

dormitórios para os alunos que ficam em regime de internato, refeitório, cozinha industrial, lavanderia industrial, biblioteca, capela e áreas de convívio e lazer. O CFAPP presta serviços a clientes diretos do grupo Pires e a clientes terceiros. Entre os cursos estão o de formação de vigilantes e o de reciclagem; curso de extensão para vigilantes e segurança pessoal privada e extensão para vigilantes em transporte de valores. Também há os treinamentos e reciclagens em segurança patrimonial para supervisores, escolta armada; vigilantes com cães de segurança (no CFAPP há um canil com mais de 200 cães das raças pastor alemão,

rottweiler e pittbull), tiro em segurança patrimonial; auxiliares de portaria. Para a área de segurança pessoal há os cursos de aperfeiçoamento para profissionais ao serviço de executivos, segurança para motoristas de executivos e reciclagem; tiro em segurança pessoal e direção defensiva aplicada à segurança. Além destes existem ainda os treinamentos destinados à formação de reciclagem de profissionais do setor de segurança contra incêndios. O centro conta ainda com um espaço especial, que simula um espaço confinado, para o treinamento de trabalhadores de plataforma marítima e tubulações. O objetivo é dar todo o treinamento de segurança do trabalho e esse projeto é feito em parceria com a empresa canadense Surviver System. Todo o grupo é formado por aproximadamente 18 mil funcionários, sendo 9 mil trabalhando na área de segurança. A empresa tem inclusive, sua própria fábrica de uniformes pois, conforme a lei, a empresa é obrigada a fornecer o uniforme, devidamente padronizado, ao vigilante. Há três anos a empresa iniciou as atividades de blindagem de veículos e atualmente também trabalha com o sistema de rastreamento de cargas através do sistema de geomonitoramento por satélite. O Grupo Protege reúne empresas especializadas na prestação de serviços ligados à área de segurança. A empresa foi fundada em 1979 quando foi comprada de uma outra empresa que atuava apenas na área de segurança privada e possuía em torno de 80 a 100 vigilantes, treinados apenas para exercer segurança

patrimonial.

Atualmente

o grupo Protege compreende 10.500 12

funcionários e oferece os serviços de transporte de valores, terceirização de serviços bancários, terceirização de serviços de auto-atendimento vigilância e segurança, serviços especiais de segurança e apoio, treinamento e formação de profissionais de segurança. A Provig – Formação de Profissionais de Segurança é a empresa do Grupo Protege responsável pela formação, treinamento e reciclagem de profissionais especializados na área de segurança. Oferece cursos de atendimento de portarias ; atendimento telefônico; brigada de incêndio; chefe de equipe de carro-forte; condução de cães; direção defensiva; especialização em vigilância bancária; curso de extensão em transporte de valores; formação básica e reciclagem de vigilantes, segurança pessoal privada e supervisão de segurança. A empresa atua nos setores de vigilância bancária, industrial, comercial e residencial, condomínios residenciais, além de desenvolver projetos especiais de segurança para empresas, personalidades e eventos. Atualmente, conta com aproximadamente 10.500 funcionários, 5.500 apenas no setor de segurança, 600 carros fortes e uma frota de veículos de apoio. Para a região metropolitana de São Paulo conta com um efetivo de 3500 funcionários. Nos estados de Minas Gerais, Paraná, Goiás, Rio Grande do Sul e Tocantins, o grupo Pires é representado por sua coligada, a empresa Proforte. Outra empresa integrante do grupo Protege, a Proair, é responsável pela terceirização de serviços aeroportuários tanto no setor de segurança, de controle de acesso de passageiros e bagagens, proteção de aeronaves e cargas como também em atividades operacionais como carregamento e descarregamento de aeronaves, limpeza, transporte de passageiros e tripulantes, entre outros serviços. Em São Paulo atua nos aeroportos de Cumbica e Viracopos, em Campinas. Usando a definição de Paixão para segurança privada, “tanto as empresas que vendem a seus clientes serviços de vigilância (de residências, condomínios, lojas, centros comerciais e plantas industriais) ou equipamentos de prevenção (como cães treinados e aparelhos de alarme e autodefesa) quanto os departamentos e divisões de segurança interna de empresas e instituições” 13

(Paixão, 1991:131) este trabalho se resume em uma pesquisa empírica sobre as empresas de segurança de São Paulo. De maneira mais geral, a proposta foi determinar o funcionamento destas empresas para poder verificar em que medida suas ações tornam-se compatíveis com as ações de segurança pública.

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Capítulo 1. O público e o privado na tradição social brasileira Tentar entender como a sociedade brasileira trabalha com as noções de público e de privado e como isso se caracterizou ao longo de nossa formação é fundamental para a compreensão do processo de expansão dos serviços de segurança privada. Dessa maneira, torna-se pertinente realizar um esboço que mostre como a cultura brasileira se apresenta marcada pela fluída divisão entre esses dois mundos. Primeiramente, buscou-se uma teoria para a formação do Estado moderno, onde será dada ênfase ao trabalho de Norbert Elias. Em seguida, o enfoque é dado aos autores que trabalharam com diferentes abordagens sobre a colonização do Brasil e a formação do Estado brasileiro, suas características, o uso dos poderes locais, a ausência do poder público e, sobretudo, a fraca definição das fronteiras entre a esfera do público e a esfera do privado, justamente no tocante à segurança pública. A escolha por estes temas se justifica pela necessidade de se entender o processo de formação do Estado que, relacionado às particularidades brasileiras, possa elucidar o problema desta pesquisa. Parte da explicação da crescente demanda por serviços privados de segurança nos dias de hoje, provavelmente, será encontrada a partir do estudo dessa literatura. A intenção não é fazer uma abordagem histórica dos fatos, apesar de seguir certa orientação cronológica, mas apontar como diferentes autores tratam estas questões, destacando suas motivações e conseqüências. Para se pensar a questão do público e do privado na sociedade brasileira é fundamental ter, como ponto de partida, orientações sobre a formação do Estado moderno nas sociedades ocidentais, que possibilitará entender, de maneira mais ampla, as particularidades do nosso processo de formação. Elias (1984) explica que, anterior à fase de formação do Estado, está o período feudal que se caracterizou pela descentralização do governo e do território e pela transferência da terra do controle do suserano para a casta guerreira. Numa economia predominantemente de troca, de menor interdependência entre as pessoas de uma região, “as funções política e militares ainda não se haviam 15

diferenciado das econômicas (...) o desejo ardente de aumentar a riqueza sob a forma de terras equivalia à mesma coisa que ampliar a soberania territorial e aumentar o poder militar”. (Elias, 1984b:46) O grande senhor ou príncipe feudal, que era o homem mais rico e o detentor dos principais meios de produção, detinha todas as funções que hoje são separadas e exercidas por diferentes pessoas. Assim, acumulava a função de grande latifundiário e de chefe de governo, constituindo uma espécie de propriedade privada, baseada nas relações de autoridade tradicionais. Segundo Bendix (1996), ao mesmo tempo em que tem autoridade sobre seus súditos, o rei tem a responsabilidade de protegê-los e cuidar de seu bem estar, desenvolvendo toda uma estrutura de poder. Para ele é o que Weber conceitua como “dominação tradicional”.2 Elias destaca duas fases do processo de feudalização, primeiro a de desintegração total e depois a fase em que esse movimento começou a se reverter, emergindo as primeiras formas de reintegração. Assim, numa sociedade de oportunidades abertas, na qual cada pessoa luta com outras pelas oportunidades disponíveis, sempre haverá aquela que triunfará sobre as demais. Este processo se repete, sucessivamente até maiores oportunidades se acumulam nas mãos de grupos cada vez menores, enquanto que as pessoas eliminadas dessa competição passam a depender dessa minoria. Os reis e as instituições passam a adquirir maior importância, acompanhado de uma renda crescente gerada pelos impostos e do excesso de potencial humano que permitiram a existência de um exército permanente. O rei não precisava mais ceder suas terras como forma de pagamento dos serviços que necessitava, evitando assim a redução de suas posses territoriais. Passa-se de uma situação em que todos os nobres eram guerreiros, para outra, na qual, um nobre era oficial assalariado a serviço do suserano. Tal supremacia militar acompanhada da

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Neste tipo de dominação, segundo Weber, o tipo mais puro é o de dominação patriarcal, na qual a associação dominante é de caráter comunitário. Aquele que ordena é o “senhor”, os que obedecem são os “súditos” e o quadro administrativo é formado por “servidores”. Obedece-se ao “senhor” por fidelidade, sua legitimidade é fundamentada na tradição e sua ação varia de acordo com pontos de vista e preferências puramente pessoais.

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supremacia financeira permitiu o poder central de uma região adquirir caráter absoluto. A modernização da sociedade é que tornou possível a existência de órgãos centrais estáveis, organizando os pagamentos monetários que mantinham todos dependentes do poder central, pondo fim às tendências centrífugas de poder. Esta monopolização da força física e da tributação formam a espinha dorsal da organização do Estado3. Entretanto, a liberdade de decisão do poder monopolista era cada vez mais restringida pela imensa teia humana em que, gradualmente, se transformaram suas propriedades. “Sua dependência do pessoal administrativo aumentou e com ela a influência deste último (...) e no fim desse desenvolvimento, o governante absoluto, com seu poder aparentemente ilimitado, era num grau extraordinário, governado, sendo funcionalmente dependente da sociedade que governava.” (Elias, 1984b:102)

Somente com o aumento da interdependência é que

instituições estáveis puderam ser estabelecidas. Entretanto, “o orçamento do absolutismo não continha ainda uma distinção entre as despesas “públicas” e “privadas” do rei” e era sua a prerrogativa da distribuição da renda gerada pelos recursos monopolizados. (Elias, 1984b:102) O monopólio que antes era restrito a um único indivíduo ou família passa para o controle de um estrato social mais amplo, transformando-se como órgão central do estado, em monopólio público. Em seguida, a burguesia é que conquista os monopólios da força física e da tributação, juntamente com todos os outros monopólios governamentais que nele se baseiam. O que eles procuram não é a divisão desses monopólios, mas uma nova distribuição de seu ônus e benefícios. Elias afirma que então, “dá-se um passo nessa direção quando o controle desses monopólios passa a depender de uma classe inteira, e não de um príncipe absoluto” e que representa um avanço o 3

De maneira um pouco distinta daquela adotada por Elias, Weber define que a violência é instrumento específico do Estado e é o instrumento de poder do agrupamento político. Deve-se “conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território (...) reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física. É, com efeito, próprio de nossa época o não reconhecer, em relação a qualquer outro grupo ou indivíduos, o direito de fazer uso da violência, a não ser em nos casos em que o Estado o tolere: o Estado se transforma, portanto, na única fonte do "direito" à violência". (Weber, 1993:56)

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fato das oportunidades geradas pelo monopólio passarem a “ser distribuídas cada vez menos segundo o favor pessoal e no interesse de indivíduos, e cada vez mais de conformidade com um plano mais impessoal e exato, no interesse de muitos associados independentes e, finalmente, no interesse de toda uma configuração humana independente” (Elias, 1984b:105). A tarefa do governante passa de uma atividade privada para uma atividade pública. Não havendo mais a necessidade da disputa violenta pelas oportunidades, torna-se possível um planejamento da conduta humana. O monopólio não é mais decidido através das lutas, mas por provas de eliminação reguladas pelo Estado, formando o “regime democrático”. Somente quando existe um monopólio centralizado e público é que a competição pelos meios de produção e consumo pode se desenvolver sem o emprego da violência física. Tudo isso vai contribuir para a criação de espaços sociais pacificados e para a separação entre formas de violência não físicas que até então estavam fundidas com a força física. A ameaça física vai se despersonalizando, não dependendo mais de afetos momentâneos. Gradualmente as pessoas se submetem à regras e leis cada vez mais rigorosas, tornando cada vez menor a ameaça física e proporcionando uma maior “segurança” às pessoas. Sob essas regras, há um maior controle da ameaça entre os homens, tornando mais previsíveis as condutas dos outros, e “a vida diária torna-se mais livre de reviravoltas súbitas da sorte”. As sociedades com os monopólios mais estáveis são aquelas nas quais há uma maior divisão de funções e em que as cadeias de ações que unem as pessoas são mais longas, proporcionando uma maior dependência entre elas. Ao mesmo tempo em que o indivíduo é protegido, ele também necessita regular seus impulsos, moderando suas ações espontâneas e controlando os sentimentos. A monopolização da violência física sob uma única autoridade força os homens a controlarem a sua própria violência por precaução ou reflexão, impondo um autocontrole mais desapaixonado. Isto, segundo Elias, acarreta a “ampliação do espaço mental além do momento presente, levando em conta o passado e o futuro, o hábito de ligar os fatos em cadeias de causa e efeito - todos estes são distintos aspectos da mesma 18

transformação de conduta, que necessariamente ocorre com a monopolização da violência física e a extensão das cadeias da ação e interdependência social. Ocorre uma mudança “civilizadora” do comportamento” (Elias, 1984b:198). Disto é que conceitua o “processo civilizador”, como uma mudança na “conduta e sentimentos humanos rumo a uma direção muito específica”. Entretanto, ressalta que tais mudanças não foram planejadas e nada indica que tenham sido realizadas racionalmente. Aconteceu sem nenhum planejamento, o que não significa que não tenham tido uma ordem ou que não eram estruturadas. Pessoas, isoladamente, se entrelaçam em planos e ações, configurando um tecido básico que vai resultar em mudanças e modelos que nenhuma pessoa, individualmente, havia criado. De tal interdependência surge uma ordem particular e esta ordem é que determina o curso da mudança histórica. Assim, “toda a reorganização dos relacionamentos humanos”, nos processos de feudalização e de formação do Estado, “se fez acompanhar de correspondentes mudanças nas maneiras, na estrutura da personalidade do homem, cujo resultado provisório é nossa forma de conduta e de sentimentos “civilizados”. (..) A civilização não é razoável, nem racional, como também não é irracional. É posta em movimento cegamente e mantida em movimento pela dinâmica autônoma de uma rede de relacionamentos, por mudanças específicas na maneira de como as pessoas se vêem obrigadas a conviver.” (Elias, 1984b:195) Porém, o campo de batalha foi transportado para dentro do indivíduo e parte dos sentimentos apaixonados tem que ser elaborada no interior do ser humano. Esse processo civilizador é que amarra a interdependência entre as pessoas, e que faz como que as atitudes passem de um estágio em que eram motivadas por impulsos pessoais e subjetivos, para outro em que as motivações objetivam o interesse de várias pessoas. Toda essa previsibilidade acaba reduzindo a ameaça física, proporcionando maior segurança às pessoas.

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A sociedade brasileira Em suas pesquisas sobre a colonização do Brasil, vários autores destacam as dificuldades encontradas pelos portugueses em povoar uma terra tão vasta, “selvagem” e repleta de novidades. Igualmente, é importante lembrar a ausência de um sistema regular de colonização, não havendo uma ação oficial, impulsionado quase que exclusivamente, apenas com a iniciativa particular. Isso proporcionou que a família fosse o grande “fator colonizador do Brasil, a unidade produtiva , o capital que desbrava o solo”. (Freyre, 1997) Dessa maneira, é em torno dela que vai girar toda a sociedade colonial, grande parte de nossa história política no 2º Império e também na República (Viana, 1973). Em nosso território forma-se uma sociedade “agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio - e mais tarde de negro - na composição” (Freyre, 1997:32). Este autor ainda destaca a miscibilidade, mobilidade e aclimatabilidade característicos do colonizador português, do qual não se tinha um “tipo dinâmico” determinado. Tal predisposição do português ao impulso colonizador, de base híbrida e escravocrata, seria o resultado de seu passado étnico ou cultural, de “povo indefinido entre a Europa e a África”. Ainda por sua influência, desenvolveu-se uma sociedade defendida mais pelo “exclusivismo religioso desdobrado em sistema de profilaxia social e política” do que pela consciência de raça. A dispersão pelo território se dá, primeiramente, pela penetração nos sertões em busca de índios, depois pela expansão pastoril nos planaltos e por fim, pela conquista das minas (Viana, 1973). Isso vai colaborar com a dispersão da população, afastando-a dos centros urbanos e proporcionando à vida nas fazendas uma particularidade própria. Freyre defende que o colonizador português do Brasil foi o primeiro a desenvolver, numa colonização tropical, a criação local de riqueza, sem se fundamentar apenas na pura extração de riqueza mineral, vegetal ou animal. Entretanto essa atividade de criação de riqueza logo foi desviada, com a exploração do trabalho escravo. Formou-se uma “colônia de plantação”, caracterizada pela base agrícola e pela permanência do colono na terra. “A 20

ausência de riqueza organizada, a falta de base para uma organização puramente comercial leva os portugueses a se dedicarem à exploração agrícola”. (Freyre, 1997:46) E essas grandes plantações não foram obra do Estado, mas da iniciativa particular, contando somente com a política social da sesmaria, que se dispunha a povoar e defender militarmente o território, como era exigido pelo rei. Assim

desenvolve-se

a

sociedade

colonial

brasileira,

patriarcal

e

aristocraticamente, fixa na terra, sob uma estrutura latifundiária, criando grandes plantações de açúcar conduzidas pelo trabalho escravo, possibilitando o desenvolvimento de grande e estável colônia agrícola nos trópicos. Esta colonização particular promoveu a mistura de raças pois, a gente nativa foi aproveitada tanto para instrumento de trabalho como também como elemento de reprodução e formação de família. Ainda segundo Freyre, o sucesso dessas grandes plantações proporcionaram ao senhor de engenho concessões e prestígio por parte da Coroa, o que também contribuiria, a partir dessa iniciativa particular, para estimular os instintos de posse e mando, abusos e violências dos autocratas das casas-grandes e o exagerado privatismo ou individualismo dos sesmeiros. A ocupação baseada no latifúndio, isolando o homem do meio urbano, fortalece a vida da família, permitindo que ela absorva toda a vida social ao seu redor. O senhor rural “faz da sua casa o seu mundo” e dentro do latifúndio “passa a existência como dentro de um microcosmo ideal”, como se não existisse a sociedade, assim a nobreza rural torna-se “uma classe fundamentalmente doméstica. Doméstica pelo temperamento e pela moralidade, pelos hábitos e pelas tendências.” (Viana, 1973:53) A família colonial reuniu ainda, sobre a base econômica da riqueza agrícola e do trabalho escravo, diversas funções sociais e econômicas, inclusive a de mando político, fazendo com que a colonização tomasse rumos diferentes daqueles idealizados pelos jesuítas que queriam “fundar no Brasil uma santa república de índios domesticados para Jesus”. É importante salientar que tal

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domínio da família colonial não teria sido possível sem a existência da base agrícola. (Freyre, 1997) É enorme o poder que o senhor de terras exerce sobre filhos, esposas, parentes e agregados, além dos escravos. É ele quem “dá noivo às filhas, escolhendo-o segundo as conveniências da posição e da fortuna. Ele é quem consente no casamento do filho, embora já em maioridade. Ele é quem lhe determina a profissão ou lhe destina uma função na economia da fazenda.” Ele disciplina os filhos, quando menores com extremo rigor. “O filhos têm pelos pais um respeito que raia o terror. (...) as esposas chamam os maridos de “senhor”. O sentimento de respeito aos mais velhos e de obediência à sua autoridade é também resultado dessa organização da antiga família fazendeira.” (Viana, 1973:54). Pensando nesse grande poder exercido pelo senhor de terras, convém reportar-se a Roberto DaMatta que, em seu estudo sobre a casa e a rua, refere-se a ambos espaços como esferas de significação social que fazem mais do que separar contextos e configurar atitudes porque contêm visões de mundo ou éticas particulares. São esferas de sentido que constituem a própria realidade e que permitem normalizar e moralizar o comportamento por meio de perspectivas próprias. Assim, “qualquer evento pode ser sempre “lido” ou interpretado por meio do código da casa e da família, que é avesso à mudança e à história, à economia, ao individualismo e ao progresso; pelo código da rua que está aberto ao legalismo jurídico, ao mercado, à história linear e ao progresso individualista”. (DaMatta, 1991:96) Para ele, todos que habitam uma casa brasileira representariam uma metáfora da própria sociedade brasileira, onde o relacionamento se dá por meio de laços de sangue, vínculos de hospitalidade e simpatia. Diz ainda que quando a visão da sociedade parte da casa e de sua ética, forma-se um discurso “prépolítico” ou politicamente “alienado”. Isto porque, fundamenta-se num espaço que entende o mundo como algo assentado em preferências, laços de simpatia, lealdades pessoais, complementaridade, compensações e bondades ou maldades, ou seja, o espaço da casa. Por sua vez, o espaço público é aquele que representa 22

o perigo. É, além disso, um espaço negativo porque expressa um ponto de vista autoritário, impositivo, falho, fundado no descaso e na linguagem da lei que, ao igualar as pessoas, impõe a subordinação e a exploração. Acrescenta que, na constituição da identidade social do brasileiro, o isolamento e a individualização somente ocorrem quando não existe nenhuma possibilidade de definir alguém socialmente por meio de sua relação com alguma pessoa, instituição ou localidade, objeto ou profissão. A instituição da família colonial, da casa-grande, habitua-se a exercer um poder considerável sobre uma grande massa de homens, formada por um certo número de bastardos e dependentes em torno dos patriarcas. Segundo Viana (1973), estes senhores, criados em plena liberdade dos campos, acostumam a mandar e a serem obedecidos, não criando nenhuma característica de obediência de cortesão e, por isso, fundam a monarquia sem nunca chegarem à sevilidade. Outro fato é a constante ameaça de ataque e destruição que paira sobre os domínios desses senhores. Em áreas vastas e pouco povoadas, “emboscam-se hordas de gentio indomável, prontas para assaltos dizimadores”, obrigando a uma organização militar para sua auto defesa. Aos proprietários de terras cabia a responsabilidade pela segurança de suas posses frente à possíveis ataques ou assaltos. Forma-se então, dentro de seu domínio, um pequeno exército “permanente, pronto, ágil, mobilíssimo, talhado à feição do inimigo. Da massa de mestiços ociosos é que saem aqueles que vão se transformar nos capangas, a milícia rural.” (Viana, 1973:78) São essas as pessoas encarregadas de manterem a segurança do senhor e de sua família como também de suas propriedades. Franco (1983) realiza uma pesquisa na qual projeta a figura do homem livre e pobre no sistema social do séc. XIX. A eles, caberiam os serviços residuais, aqueles que não poderiam ser realizados por escravos e aqueles que não interessavam aos homens de patrimônio. Deste meio é que saíam os tropeiros, os vendeiros, sitiantes, agregados e camaradas que estabelecem uma relação de dependência em relação aos senhores de terras.

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Dos tropeiros, destaca que esta foi uma das atividades mais importantes para o movimento de mercadorias devido à pobreza da estrutura material para suportá-lo. Trouxe impresso sobre sua figura o mundo primitivo e violento do homem pobre e livre e se situa entre o grande empreendimento mercantil e a tecnologia rudimentar. Acrescenta que “...sua atividade firmou-se por ser indispensável a um momento das operações comerciais, que dependiam, contudo, de um deslocamento no espaço com o equipamento tecnológico conservado da fase em que a produção tendia para o nível de subsistência.” (Franco, 1983:62) Assim, para subsistir e alcançar seus objetivos o tropeiro supõe a existência do senhor de terras. Embora itinerante e submetido circunstancialmente a proprietários diferentes, haverá sempre um senhor, sob cuja égide se encontrará e de cuja mercê dependerá o êxito de seu trabalho.” (Franco, 1983:64) Estes ainda proporcionavam outras ocupações ao homem livre, como às ligadas ao pouso e abastecimento de caravanas. O vendeiro, por sua vez, ligava-se às camadas dominantes e aos estratos inferiores e, assim como o tropeiro, seu objetivo era enriquecer. Sua atividade transcorria na “intersecção dos planos em que desdobrava a economia - mercantil e o de subsistência”. Seu comportamento também demonstrava características dos estratos superiores e inferiores. Dos primeiros, com a exploração hábil dos esquemas de dominação e dos últimos, participando de sua moralidade. Sobre os sitiantes, estes tiveram com o grande proprietário, relações que aparentemente os tornavam semelhantes, entretanto, estas relações não deixavam de se fundamentar na dominação pessoal. Através do sistema de compadrio, ocorria uma aparente quebra das barreiras sociais entre as pessoas, havendo a dominação nos laços que uniam padrinho e afilhado. Este sistema também supõe um certo grau de indeterminação na forma da estratificação social e dele, deriva uma rede de dívidas e obrigações infindáveis. Neste contexto, “a admissão do dependente como pessoa é essencial para sua integração a uma ordem social que aniquila seus predicados de ser humano. Vê-se por aí, a brutalidade da alienação a que está exposto. Essa dominação implantada através da lealdade, do respeito e 24

da veneração estiola no dependente até mesmo a consciência de suas condições mais imediatas de existência social, visto que suas relações com o senhor apresentam-se como um consenso em uma complementaridade, onde a proteção natural do mais forte tem como retribuição honrosa o serviço e resulta na aceitação voluntária de uma autoridade que, consensualmente, é exercida para o bem.” (Franco, 1983:88) Tal dominação não aparece como imposição do mais forte sobre o mais fraco pois suas tensões estão profundamente ocultas, não emergindo à consciência das dominados. Para este, seu mundo é formalmente livre e tal sujeição aparece como natural e espontânea, transformando-o numa criatura domesticada. Essa dominação pessoal fundamenta-se na proteção e benevolência concedidas em troca de fidelidade e serviços. Outra parcela de homens livres puderam se tornar agregados e camaradas devido às terras improdutivas restantes das grandes propriedades, que podiam ser cedidas em favor, sem prejuízo para o proprietário. O mais importante é que o destino de todos esses homens definiu-se regido por dois princípios divergentes de ordenação da relações sociais - associações morais e ligações de interesses. A aquisição econômica como objetivo fundamental, “a ausência de privilégios juridicamente estabelecidos, a falta de uma tradição de tornar firmemente estereotipadas as relações sociais,” (...) “colocaram frente ao homem pobre a possibilidade de integrar-se aos grupos dominantes”. (Franco, 1983:103) Nesse contexto, baseado nas relações de favor, o homem livre considerava a dominação como uma graça, reafirmando ele próprio, ininterruptamente, a cadeia de lealdades que o prendia aos poderosos, sua sujeição foi suportada como benefício, recebida como gratidão, não havendo a possibilidade de sequer perceber a situação de domínio a qual estava submetido. Outra característica importante, apontada por Freyre, foi o processo de equilíbrio e antagonismos desenvolvidos em nossa colonização, “sendo o mais geral e o mais profundo” aquele que concerne à relação entre senhor e escravo. Lembra que desde pequenos, os filhos dos senhores, os “sinhozinhos”, já possuíam um escravo para companhia ou simplesmente para lhe satisfazer todas as 25

vontades, proporcionando desde cedo o exercício do mando. Esse sadismo do senhor para com o escravo excede a esfera sexual e doméstica e vai recair também na esfera social e política onde a tradição conservadora se sustenta no “sadismo do mando”, justificando-se por “princípio de autoridade” ou “defesa da ordem”. A solidariedade intra-familiar, baseada em vínculos sentimentais e morais será determinante na indistinção entre os domínios do privado e do público na sociedade brasileira. O grupo familiar estava isolado, podendo refutar qualquer princípio superior que o abalasse. Assim, “o quadro familiar torna-se tão poderoso e exigente, que sua sombra persegue os indivíduos mesmo fora do recinto doméstico. A entidade privada precede sempre, neles, a entidade pública. (...) O resultado era predominarem, em toda vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família.” (Holanda, 1995:82) O mandonismo local expressava isso, onde os interesses particulares dos senhores se confundiam com o interesse municipal. “O resultado a que se chegou foi curvar-se sempre o governo diante dos interesses privados, deixar-lhes carta branca tanto nos seus negócios particulares quanto nos negócios de interesse público, e a execução de melhoramentos e benfeitorias desta ordem partiu quase sempre da iniciativa privada; a conseqüência lógica foi desenvolver-se em todo o país, como acompanhante do excessivo orgulho, individualismo e independência dos proprietários, a confusão entre as esferas públicas e privadas.” (Queiroz, 1969:127) Isolados num território imenso, os fazendeiros têm a necessidade de desenvolver sua auto-subsistência, gerando na economia das fazendas uma complexidade de aparelhos de produção. Tal independência econômica foi extremamente

importante

pois

possibilitou

uma

ação

poderosamente

simplificadora sobre toda a estrutura das populações rurais impedindo a emersão de uma poderosa burguesia que pudesse contrabalançar a hegemonia dos latifundiários. Tudo se concentra na área dos latifúndios agrícolas e, portanto, os 26

pequenos ofícios e as pequenas indústrias não têm razão de existir. A classe comercial ou industrial que se instala nas aldeias e vilas vive uma vida parasitária, irregular e miserável (Viana, 1973). Acrescenta o autor que, toda a população rural fica sujeita à situação de agregados pois, numa situação de mandonismo e permanente desamparo legal, todos os desprotegidos tentam abrigar-se, por impulso natural de defesa, nos domínios dos poderosos. Depois da solidariedade parental, a única forma de solidariedade social é o clã fazendeiro. Os senhores são acaudilhados por sócios, amigos, camaradas e capangas. “O clã rural possui caráter mais patriarcal que guerreiro, mais defensivo que agressivo e sua estrutura é menos estável” e “entre o chefe e o seu clã se forma uma espécie (...) de tributo patriarcal isolada do mundo, tamanha é entre um e outro a comunidade de sentimentos e o espírito de obediência e união”. (Viana, 1973:149) Este autor ainda afirma que, a obediência voluntária aos representantes locais do poder público demonstra não haver discriminação entre o poder público como tal e os indivíduos que os exercem e também não haver um conceito de Estado “na sua forma abstrata e impessoal.” É o que Franco vai demonstrar, da sociedade do séc. XIX., que a conduta do servidor público, movido mais pelos interesses particulares do que pelo seu empregador distante e imaterializado explica-se em grande parte pelo caráter rudimentar deste último. A carência de fundos público foi compensada pelo patrimônio particular do cidadão comum ou do próprio servidor público, fugindo de todas as medidas peculiares a uma ordem burocrática. A escassez de meios financeiros

dos

órgão

públicos

foi

um

dos

principais

empecilhos

no

desenvolvimento de uma administração burocrática, o que reforçava a falta de instrumentos que ampliassem tais finanças. Mesmo pequenos serviços, como o reparo das vias públicas, ficavam à cargo da iniciativa particular. “Essa mistura entre a coisa pública e os negócios privados fundamenta, sem dúvida, a extensão do controle pessoal a todo o patrimônio do Estado. A passagem é rápida: o homem que sustenta com recursos particulares as realizações próprias do governo está subjetivamente pronto para considerar como seu o conjunto de bens públicos 27

confiados à sua guarda. Assim como se improvisavam, nos serviços públicos, o dinheiro e as instalações, também se admitia precariamente boa parte de seu pessoal. No tocante à segurança pública, várias ações policiais, por exemplo, eram realizadas por pessoas comissionadas no momento das ocorrências e não por membros regulares das corporações governamentais. Tal amadorismo estendia-se também a funções que requeriam conhecimentos especializados.” (Franco, 1983:122) Assim, as coisas públicas continuaram a ser usadas pelo grupo no poder através da dominação pessoal. O setor onde essa influência da esfera privada se exerceu com mais força e por mais tempo foi o da justiça e segurança. O poder de uma entidade impessoal e suas disposições abstratas não eram vistas como necessárias, pois cabia ainda ao indivíduo e seu próprio discernimento pesar as situações enfrentadas e orientar sua conduta de modo socialmente legitimado. A defesa ou o ataque sobre interesses materiais, morais ou físicos eram definidos por prerrogativas pessoais. Não cabia ao Estado ditar as regras e executá-las para a resolução dos conflitos. Os membros dos grupos dominantes podiam desfrutar mais ainda das imunidades devido a sua situação privilegiada e, além disso, podiam ter ao seu dispor “um conjunto de homens cujas vidas não tinham muito valor, nem encontravam muita razão de ser naquela sociedade”: os agregados das fazendas. Estes, destituídos de meios próprios para subsistência, tudo deviam e nada podiam oferecer, a não ser a obediência. Transformavam-se então em instrumentos usados até para a resolução dos conflitos, cumprindo nas fazendas, também o papel de vigilante. Segundo Franco, isto aumentou a precariedade do agregado pois, além da poderem ser desalojados a qualquer momento pelos fazendeiros que defendiam, também sofriam uma constante ameaça dos inimigos. Costa Pinto, ao estudar as lutas entre famílias na sociedade brasileira, afirma que estes conflitos resultam da ausência de um poder “suprafamilial” capaz de impor coercitivamente o interesse coletivo sobre o interesse privado e que atribua a si o direito e o poder de único distribuidor de justiça e de mantenedor do equilíbrio e da segurança da sociedade. Cabia então, ao poder privado a prevenção 28

e a reparação dos delitos, a segurança, através das represálias exercidas pela família contra todos que atentam contra a vida, o interesse ou a honra de seus membros. É a família que determina o status4 de uma pessoa. A vingança privada é uma violência coletiva, sendo uma luta entre grupos e não entre indivíduos. Para que o estrangeiro consiga se manter inserido, torna-se necessário fazer-se cliente, buscando a proteção de uma família. A pressão da família não se expressava de forma anárquica ou arbitrária mas, pelo contrário, buscava manter a ordem e para isso, atuava de forma automática e violenta. Com o fortalecimento do poder público, as peculiaridades da vingança resultam do fato de ser uma forma ilegal, mas efetiva, de repressão ao delito, coexistindo com formas legais. Ao mesmo tempo, essas duas formas se opõem e, não raras vezes, se complementam uma à outra. Toda essa estrutura doméstica e familiar só é superada com a formação e institucionalização do poder político. Isto, segundo Costa Pinto, só acontece com a crise que atingiu a economia dos engenhos, com o aparecimento de outros núcleos econômicos, o desenvolvimento das comunicações que quebra o isolamento das populações rurais, a urbanização, a politização e educação do povo e o aparecimento de uma classe média e de um proletariado, que aumentaram a competição política e a luta de classes. Outro estudo marcante que aborda a manifestação do poder privado nos assuntos públicos é sobre o “coronelismo”, termo usado pelos sertanejos a todo e qualquer chefe político. O fenômeno do coronelismo pode ser definido como o resíduo do poder privado que coexiste com um regime político de extensa base representativa e que está profundamente relacionado à estrutura agrária brasileira, ou seja, tem o isolamento como fator fundamental de formação e manutenção. Entretanto, este fenômeno não corresponde à fase áurea do privatismo, o patriarcalismo, onde havia a concentração do poder econômico, social e político no grupo parental. É característico do regime republicano, corresponde à decadência 4

Segundo Costa Pinto (1980), sociologicamente o conceito de status é a posição relativa, categoria e importância de uma pessoa em um grupo, ou de um grupo em relação a um agrupamento maior.

29

do poder privado e funciona como processo de conservação de seu conteúdo residual. (Leal, 1975) Durante o período colonial, o regime representativo era muito limitado e a administração pública era controlada pela Coroa. Após a independência do Brasil, com o sufrágio baseado no censo econômico, o corpo eleitoral era muito restrito e manipulável, proporcionado eleições fraudulentas e repletas de atos violentos. Com o fim da escravidão e depois, na República, com a extensão do sufrágio, cresceu a importância do voto dos trabalhadores rurais (o eleitorado rural era a maioria no Brasil) e, devido a estrutura agrária de dependência vigente, na mesma proporção, cresceu a influência política dos donos de terras em razão da dependência dessa parcela do eleitorado. O coronel comanda um grande número de votos de cabresto e resume, em sua pessoa, importantes instituições sociais. É ele quem exerce jurisdição sobre seus dependentes, “compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, arbitramentos que os interessados respeitam.” A ele também são incumbidas funções policiais, legitimadas por sua ascendência social (do status de proprietário rural) e que torna-se efetiva com o auxílio de empregados, agregados ou capangas. O compromisso coronelista era o de manter apoio incondicional aos candidatos do oficialismo nas eleições estaduais e federais. Em contrapartida, ao coronel era dada carta branca nas decisões sobre todos os assuntos relativos ao governo municipal. A partir do poder obtido pela submissão política, os donos de terras podiam negociar e fazer acordos com os governantes que dependiam desses votos para se eleger. O autor afirma que apesar das críticas quanto à falta de “espírito público” dos chefes políticos locais, graças a eles é que foram possíveis os melhoramentos relativos à saneamento, saúde, e serviços de correios, por exemplo, desenvolvidos nos municípios. Durante a primeira República, considerando que a organização policial se baseava em sistemas livres de nomeação, este representou um dos mais sólidos sustentáculos do “coronelismo”. Duas instituições que tinham o exercício de funções policiais – as ordenanças e a Guarda Nacional - manifestavam visíveis 30

transições entre os poderes público e privado. A incorporação dos senhores locais ao aparelho administrativo do Estado foi feita através de indicações de nomes para postos de delegados e subdelegados dos postos de comando das ordenanças. Estes, tinham como dever, agirem em aliança com os chefes locais, “fazendo justiça com os amigos e aplicando a lei aos adversários. Daí a ligação indissolúvel que existe entre o “coronelismo” e a organização policial”. (Leal, 1949: 217). De seus dependentes (agregados) os chefes locais constituíam os exércitos particulares que desempenhavam papel extremamente importante nas lutas de famílias, recurso este que já havia sido estimulado pela própria Coroa portuguesa, durante o período de colonização, que incentivou a criação, pelos sesmeiros, de uma força armada que garantisse a defesa dos núcleos coloniais. Resumindo-se, o fenômeno do “coronelismo” atua no reduzido cenário do governo local, com a ausência ou rarefação do poder público e trata-se de um sistema político dominado por uma relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido. Pelos mesmos motivos apontados por Costa Pinto – surgimento de núcleos econômicos, de uma burguesia e proletariado, desenvolvimento das comunicações, urbanização, politização e ampliação do sistema educacional é que a estrutura econômica e social na qual se sustenta o “coronelismo” é abalada e pode-se implantar mudanças na conduta política. Além disso, Uricoechea (1978) afirma que o desenvolvimento político do Brasil do século XIX avançou em caminho inverso àquele seguido pelas democracias liberais da Europa ocidental, que consistia na desagregação contínua de antigas solidariedades. O que ocorreu aqui foi a agregação de solidariedades de radiação cada vez maior, até atingir um nível nacional, processo que não eliminou o poder local e simplesmente tirou dele a legitimidade de sua coerção. Isso se reforçava pela necessidade de, não raras vezes, ser necessário recorrer às formas patrimoniais de governo devido às condições precárias da administração pública que, em alguns casos, simplesmente não podia pagar seus funcionários. Havia solicitações

de

funcionários

devidamente

nomeados

para

substituir

os 31

administradores que não tinham nenhuma prática na atividade que exerciam, tornando difícil a institucionalização de procedimentos e expectativas ordenadas e havia queixas sobre a ausência total de magistrados, condições precária das cadeias, ausência de ordem pública e de segurança pessoal. O autor acrescenta que o estado calamitoso do tesouro real proporcionou “situações patéticas”, que demonstravam a precariedade de seu aparato burocrático, como no caso de 1843 em que o juiz de direito de uma cidade informou o presidente da província sobre a necessidade de retirar do local um destacamento policial. Por não terem recebido seus salários “...muitos praças se degradaram a ponto de andarem pedindo esmolas, o que reunido ao estado de embriagues em que quase sempre se acham tem alheado do destacamento toda a espécie de confiança, quer da autoridade, quer da população.” (Uricoechea, 1978:155) Entretanto, outros ramos da administração pública também não escapavam do pauperismo do Estado, criando condições que fortaleceram a patrimonialização do governo local e a falta de distinção entre a esfera doméstica e administrativa. Reis afirma que, na experiência brasileira, a “nação” como ideologia política aparece antes mesmo da independência, porém, somente no primeiro período da República é que os projetos de construção da nação adquiriram maior especificidade e sob o governo autoritário de Vargas é que uma ideologia nacional ganhou relevância política. Ressalta as disputas relativas a ideologias na construção do estado nacional após a queda da monarquia e que, de início, tal competição se situa em termos de positivismo versus liberalismo. Os oficiais, influenciados pela doutrinação da Academia Militar, defendiam a superioridade dos recursos de autoridade sobre os de solidariedade na promoção do progresso científico do estado nacional, enquanto que os defensores do liberalismo eram os cafeicultores de São Paulo, que argumentavam que o papel das autoridades deveria ser o de garantir a propriedade e a liberdade de iniciativa. Mas assim que o problema da superprodução tomou grandes proporções, a elite agrária concorda com a regulação do mercado pelo Estado, propiciando a legitimação à expansão do poder público mesmo num contexto oligárquico. A ditadura Vargas consolidou um 32

padrão autoritário de interação entre o Estado e a sociedade e a sua legislação, permanecendo como o instrumento mais avançado de cidadania, mas descrita como componente populista, afirma a persistência da ideologia autoritária sobre as iniciativas de solidariedade. A relação direta entre a figura do líder e seus seguidores, típica do populismo, reflete a desvalorização de “laços horizontais de solidariedade”. Para entender a crise do Estado-nação, na qual a solidariedade parece estar se restringindo, é que Reis destaca a perspectiva histórica. Que o modelo de cidadania desenvolvido aqui promoveu uma identidade coletiva em torno da autoridade e não da solidariedade. Os limites da unidade de solidariedade têm-se estreitado, diminuindo também os espaços de confiança mútua. Sugere ainda que a forma como alguns problemas sociais têm sido tratados na América Latina se aproxima a um familismo amoral5, gerando conseqüências perversas sobre a solidariedade. Dessa forma, as iniciativas privadas que visam compensar o fracasso do Estado na manutenção da ordem pública e da segurança acabam agravando o problema. “A generalização da prática de contratar segurança particular e serviços de guarda-costas, o pagamento de dinheiro em troca de proteção, a criação de esquadrões da morte, a privatização dos espaços públicos através do bloqueio de ruas e medidas semelhantes, tudo isso evidencia o que poderíamos chamar de uma espécie de “pretorianismo social” na região, para usar uma expressão de Huntington: a generalização do recurso a meios violentos, e a competição por esses meios, que desmoralizam ainda mais a autoridade pública.” (Reis, 1998:127) Nesse sentido, aqui se faz necessário reportar-se ao trabalho de Christie, que em seu livro A indústria do controle do crime cita o trabalho de 5

Reis cita a pesquisa que Banfield realizou numa cidade no sul da Itália, durante a década de 50, em que ficou impressionado com a maneira pela qual o senso de identidade dos habitantes do povoado se limitava ao âmbito de suas famílias imediatas. É esse familismo amoral, que, preso a sua lógica familista privada, acabaria por tornar impossível a vida social. Sem a cooperação generalizada, as sociedades estão condenadas a reproduzir um pesadelo hobbesiano. A situação sugere que uma falta de confiança generalizada levava os membros da comunidade a considerar o recuo para a esfera privada como sua escolha mais racional. As pessoas são incapazes de adiar a satisfação de necessidades a fim de obter maiores benefícios por meio de ações políticas, ou de atividades conjuntas porque acreditavam ser mais urgente defender seus interesses materiais imediatos ou o de seus parentes próximos. As pessoas se recusavam a tomar parte nas atividades públicas porque automaticamente calculavam os custos de oportunidade de se associarem.

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Shearing e Stenning sobre polícia privada. Consideram que a polícia privada não é algo novo pois, historicamente, a polícia passou de organismo privado para se tornar um instrumento do Estado. Diz ainda que as polícias privadas contemporâneas são “prova do ressurgimento das autoridades privadas que por vezes efetivamente desafiam o monopólio do Estado sobre a definição da ordem”. (Christie, 1998:111) Também ressalta dois principais defeitos da polícia privada: a discriminação social e a possibilidade de abuso em situações de conflitos político sérios. Ainda segundo Reis, quanto mais os atores recorrem à formas privadas torna-se mais provável que se produzam formas ampliadas de familismo moral. Mesmo que a pobreza e a desigualdade não representem ameaças à democracia, as instituições democráticas só ganharão estabilidade se for encontrada a solução para os problemas de participação social. Também o fato do Estado revelar-se cada vez mais incapaz, coloca em risco o monopólio estatal da força física. A diminuição da eficácia das políticas sociais promovem um afastamento da arena política, levando a um encolhimento da esfera pública e a uma desconfiança generalizada em relação à política. Ao invés da busca da cidadania, as pessoas recorrem a redes alternativas de solidariedade que podem até prejudicar a democracia política. “O fato de a democracia não conseguir conquistar a confiança dos desfavorecidos representa uma ameaça à própria democracia”, porque implicaria a institucionalização de alguma forma de democracia altamente restritiva que pode acarretar a “cristalização de um sistema político muito restritivo que sancione o apartheid social de fato existente.” (Reis, 1998:233) A propósito, convém lembrar que, segundo Souza Santos, a obrigação política moderna é fundada no contrato social, estabelecida para maximizar a liberdade. É a opção de abandonar o estado natural - no sentido hobbesiano, violento e anárquico - para formar a sociedade civil. O contrato é que vai organizar a sociabilidade e a política nas sociedades modernas. Entretanto, o autor afirma que este paradigma vem passando por grande turbulência há mais de uma década. Ele ainda pressupõem que “o regime geral de valores parece não resistir à 34

crescente fragmentação da sociedade, dividida em múltiplos apartheids, polarizada ao longo dos eixos econômicos, sociais, políticos e culturais”. (Santos, 1998:9) Dessa maneira, o Estado perde a centralidade e o direito oficial passa a coexistir com o não oficial, e fragmentado, que disputa com o Estado o monopólio da violência e do direito. O poder econômico desigual - fundamental para se entender este período de crise do contrato - dá à parte mais forte o poder de impor as condições que lhes são favoráveis. “A crise da contratualização moderna consiste na predominância estrutural dos processos de exclusão sobre os processos de inclusão”. (Santos, 1998:14) Acrescenta-se a isso o que o autor denominou a emergência do fascismo societal ou fascismo do apartheid social que é a fragmentação social, dividida em zonas selvagens e civilizadas, entendendo que zonas selvagens são aquelas que estão em estado de natureza hobbesiano e zonas civilizadas aquelas que estão sob o contrato social. Estas, por viverem sob a constante ameaça representada pelas zonas selvagens, necessitam então fecharem-se, dando forma a nova segregação urbana. Neste sentido, outro ponto importante é uma pesquisa realizada por Reis na qual fica demonstrado que para as elites, uma categoria social específica, a dos pobres6, representa uma séria ameaça à ordem estabelecida e que mais da metade dos entrevistados acreditam que as conseqüências mais negativas da pobreza nas maiores cidades do Brasil são a violência, o crime e a insegurança. Sobre as conquistas sociais, Telles (1996) afirma que estão sendo devastadas e que a destituição dos direitos é uma erosão das mediações políticas entre o mundo do trabalho e as esferas públicas. Estas não mais se caracterizam como esferas de explicitação de conflitos e dissensos, como espaço de 6

Como complemento vale lembrar que, segundo Martins (1997), é errôneo utilizar o conceito de exclusão pois o que existe na realidade, são vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes. É o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária e instável, marginal. Para ele, o processo chamado de exclusão cria uma sociedade paralela que é includente em relação ao econômico mas excludente em relação ao social, moral e político. Para exemplificar, cita as favelas do Rio de Janeiro onde existe um poder paralelo próprio no qual o poder do Estado é ausente. Neste poder paralelo coloca os justiceiros e os traficantes, e que o surgimento de uma justiça paralela, onde não há a figura do juiz entre as partes litigiosas, restaura o justiçamento sumário e sem apelo.

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representação e negociação. Com a erosão dos direitos se constrói o consenso de que o mercado é o único regulador da sociedade e da política e assim, cabe aos indivíduos se ajustar às exigências do mercado. É o que ela chama de desmontagem das esferas públicas de ação e representação. Tal destituição gera fragmentação e exclusão ao mesmo tempo que ocorre em um cenário de encolhimento do horizonte de legitimidade dos direitos sociais. “Neste cenário, os arranjos neoliberais ganham terreno, acenando com perspectiva de uma privatização dos serviços públicos que, se efetivada, haverá de institucionalizar e sacramentar a segmentação da cidadania pela clivagem entre os que têm acesso aos serviços fornecidos pelo mercado e aqueles que são destinados aos precários serviços públicos estatais, vistos cada vez mais como “coisa de pobre, signo da incompetência ou fracasso daqueles que golpeados pelos azares do destino não puderam ou não souberam provar suas virtudes empreendedoras no mercado” (Telles, 1996:91). Também completa que direitos não significam apenas garantias mas estruturam um campo de relações de responsabilidades e obrigações. Articulam uma esfera institucional na qual é possível, em casos de litígios, proceder à imputação de responsabilidades, apelar às instâncias da Justiça e definir os termos da arbitragem. Na erosão dos direitos não fica claro quem são os protagonistas , as responsabilidades não são definidas claramente e as esferas de deliberação não existem. Wanderley Guilherme dos Santos (1992) completa esse quadro dizendo que, no Brasil, a poliarquia - elevado grau de institucionalização da competição pelo poder, associado a extensa participação política - restringe-se a uma pequena mancha circunscrita por uma gigantesca cultura da dissimulação, da violência difusa e do enclausuramento individual e familiar. Em casos de conflito, coloca que são encontradas três opções: não fazer nada, procurar as instituições competentes ou resolver o conflito por si mesmo, o que ele diz ser a própria definição do estado de natureza hobbesiano. E, no universo brasileiro, as funções básicas de uma poliarquia eficaz, como provisão de segurança, proteção, previsibilidade e administração de justiça não chegam a 36

alcançar extensão considerável. Para isso cita a enorme parcela da população que é vítima de roubos ou furtos e que não recorre à polícia ou daqueles que resolvem a questão “por conta própria”. Segundo o autor a sociedade brasileira transita com muita facilidade entre instituições poliárquicas e não poliárquicas. Ao mesmo tempo em que exerce seu direito ao voto, as mesmas pessoas deixam de recorrer à justiça institucional e até apelam a meios ilegais para resolver os conflitos. “A crescente certeza da ineficácia das normas gerais como determinantes da conduta individual, associada à ignorância sobre os comportamentos possíveis, instauram a dinâmica de uma descrença e desconfiança generalizadas (...) que se faz acompanhar do temor da convivência social. Os laços de solidariedade se diluem e os indivíduos voltam-se para si próprios, recusando-se ao convívio social. O privado se sobrepõe ao público. (...) A segurança e a confiabilidade só existem no âmbito do privado, da reclusão familiar (...) A vida pública é tecida por desconfianças, asperezas, ofensas inesperadas. Em uma palavra, a sociedade retorna ao estado da natureza hobbesiano, no qual inexistem normas gerais universalmente aceitas. No estado de natureza, sem lei nem ordem, o homem é o lobo do homem em processo perverso de retroalimentação: a desconfiança gera o isolacionismo que provoca desconfiança e hostilidade em outros, confirmando a desconfiança e o isolacionismo dos primeiros”. (Santos,1992:108-109) Aumentando a taxa de imprevisibilidade do mundo, o que passa a prevalecer são os códigos privados de comportamento assim, os microagrupamentos passam a definir para si próprios o que é certo e o que é errado, justo ou injusto. A isto acrescenta-se DaMatta que afirma que a sociedade brasileira tem um sistema social no qual convivem diferentes concepções de sociedade, de política, de economia e cidadania e que a palavra cidadão é sempre usada em situações negativas pois marca a posição de alguém que está em desvantagem ou inferioridade. A obediência às leis significa uma situação de anonimato e a ausência de relações influentes. Outro fator é o das instituições brasileiras sofrerem pressão tanto das normas burocráticas quanto das redes de relações pessoais a que todos estão submetidos e os recursos que essas redes mobilizam e 37

distribuem, onde sempre há uma superestrutura ideológica e jurídica plenamente oficial e coerente, interpretada por uma infra-estrutura formada por teias de relações pessoais. Na nossa sociedade existem “moralidades”, dotadas de “éticas múltiplas”. Dessa forma, há códigos específicos para cada esfera da sociedade, onde se age de maneiras diferentes na casa, na rua ou na igreja, criando zonas de ambigüidade e, o mais importante, ninguém percebe que essas mudanças radicais de comportamento possuem alguma implicação político-moral ou ideológica. Outra característica é a capacidade de englobamento, ou seja, de totalizar um elemento em outro em situações específicas, tornando possível englobar a rua na casa, “tratando a sociedade brasileira como se fosse uma grande família, vivendo “debaixo de uma amplo e generoso teto”, obedecendo, naturalmente, às leis e seguindo a liderança de quem produz o discurso e que é, naquele momento, o “nosso líder” e o “nosso guia e pai”. A semântica onde o eixo da vida pública é englobado pelo eixo da casa é típico do discurso populista onde as questões são tratadas debaixo de um prisma pessoal e caseiro, familiar e doméstico.” (DaMatta, 1991:104) Assim, quando diz que “casa” e “rua” são categorias sociológicas para os brasileiros, está afirmando que, entre nós, “estas palavras não designam simplesmente espaços geográficos ou coisas físicas mensuráveis, mas acima de tudo entidades morais, esferas de ação social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios culturais institucionalizados e, por causa disso, capazes de despertar emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas.” (DaMatta, 1991:21) Tudo isso fica muito próximo ao que Kowarick (1991) denomina como subcidadão público e o cidadão privado. Sendo o espaço público o da desordem e da violência, nele o cidadão não tem respeitados os seus direitos e é no seu espaço particular, na sua casa, o lugar onde ele encontra a ordem, o respeito e se sente uma pessoa realizada. Este seria o único lugar em que ele teria a sua "cidadania" reconhecida. A partir disto, é possível esboçar algumas indicações que estão melhor explicitadas nos capítulos seguintes. Passando por todos os autores, fica claro que 38

a sociedade brasileira é profundamente marcada por relações orientadas por interesses particulares em detrimento dos interesses coletivos. Verificou-se que é muito usual o trato da coisa pública como algo particular e que isso seria o legado de uma colonização realizada, em maior parte, por uma ação não oficial, pela importância da estrutura familiar na rede de relações e pela precariedade de recursos públicos que marcou a história brasileira. Com a sociedade brasileira ainda preservando suas características particularistas, a expansão das empresas de segurança privada pode representar uma radicalização de uma característica tradicional desta sociedade no tocante à questão da segurança pública. Esta expansão, que aparentemente sugere ser algo novo, na verdade, como já citado por Christie, seria um ressurgimento de “autoridades privadas” no contexto do Estado moderno. Talvez seja possível afirmar ainda que, no caso brasileiro, o monopólio da violência física nunca esteve totalmente centralizado no poder do Estado. Isso se confirma pela permanência constante, ao longo da história, de atitudes privadas para resolução dos conflitos, ou seja, constantemente, em nossa história, como apontou Franco, a precariedade dos recursos públicos foi compensada pelo patrimônio particular e mesmo quando essa precariedade não representava um entrave, a opção por formas particulares e privadas na resolução dos conflitos sempre foi bem vinda. Esta é uma característica que se radicaliza numa situação de “crise da modernidade” e de “crise contratual”, lembrando Souza Santos, onde fica evidente a indiferença entre o público e o privado, contribuindo para o chamado “hobbesianismo social” pois, ao contrário de se buscar soluções coletivas para a questão da segurança, cada um procura defender a sua “parte” individualmente. Num contexto de diminuição dos espaços de confiança mútua, a principal conseqüência é o recuo à esfera privada. Dessa maneira, estando em risco a integridade física, agrava-se o processo de degradação, trazendo uma nova forma de segregação social que é a “evitação” do outro, problema também apontado por Christie e Souza Santos. Isto se torna ainda mais grave quando o sentimento de insegurança é visto como uma conseqüência direta da pobreza. 39

Quando o indivíduo não tem mais a garantia da segurança, é gerada uma precarização das condições de vida, sobretudo quando isto ocorre nas grandes cidades. Os espaços que, na teoria do Estado moderno, seriam pacificados, permitindo o convívio entre os homens não oferecem segurança. Não é possível prever a ação do outro e o Estado, na maioria das vezes, ou é o responsável direto pelas violências ou não se mostra capaz de administrar os conflitos. A ausência de canais institucionais para resolução desses conflitos ou o seu funcionamento precário, incentivam que cada um, à sua maneira, se molde à nova realidade e garanta sua própria segurança. Enquanto alguns podem pagar pelas ofertas de segurança existentes no mercado, nas áreas de maior índice de criminalidade, onde a presença do Estado é rarefeita, as populações também apelam para esquemas privados de proteção. Não podem contar com os caros equipamentos eletrônicos, mas com a ação de justiceiros que atuam como “juizes” dos conflitos locais, grupos de extermínio e quando necessário, eles próprios se manifestam diretamente através dos linchamentos. São momentos em que se revela a necessidade de “fazer justiça com as a próprias mãos” em virtude da ausência de um poder oficial que garanta, por meios legais, a segurança e a justiça. Considerando que a violência é um fenômeno que toca no cerne da cidadania, pois incide na integridade física das pessoas, a credibilidade e legitimidade do Estado, como o provedor dessa integridade, ficam abaladas num contexto de iniciativas particulares para a resolução do crescente aumento da violência. Ao invés de se adotar medidas coletivas e democráticas para a resolução dos conflitos os meios são escolhidos individualmente, indo em caminho contrário àquele que determina às instituições públicas a tomada das soluções para problemas dessa natureza. Forma-se um círculo vicioso no qual, formas enfraquecidas de cidadania tornam-se cada vez mais frágeis, ao mesmo tempo em que se fortalecem as iniciativas particulares. A resolução dos conflitos não é mais tomada por um poder público e democrático resultante das conquistas sociais, mas sim por vários núcleos de poderes individuais e tradicionais. No momento em que um determinado grupo garante sua segurança por conta própria, não lhe resta mais motivação para 40

reivindicar melhorias na segurança pública, dando continuidade à sobreposição do privado sobre o público.

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Capítulo 2. Segurança privada e políticas de segurança em São Paulo Discute-se hoje em dia a formação de um novo paradigma da violência pois as antigas teorias já não seriam suficientes para se explicar a violência contemporânea. Wieviorka (1997) sustenta a idéia de que, após as profundas mudanças dos anos 60 e 70, chegou-se a uma nova era em que é válido acentuar as rupturas da violência para se pensar sobre esse novo paradigma. Assinala como as principais mudanças ocorridas a redução da violência política e do terrorismo depois dos anos 80, a redução da importância das lutas de libertação que deram origem a novos regimes e a novos Estado a partir dos anos 50, e também destaca que o fim das lutas operárias contra a relação de exploração e o conseqüente declínio do movimento operário levou a uma não relação social e a exclusão social. Segundo o autor, a mais notável renovação em relação a violência é aquela relacionada a uma identidade étnica ou religiosa para fins políticos. Outra importante característica é que a violência, que anteriormente invocava uma certa simpatia entre os políticos e intelectuais de tradição revolucionária, não tem mais qualquer legitimidade no espaço político. “Não somente a violência não possui hoje legitimidade no espaço público das democracias ocidentais, em seus debates políticos e intelectuais, em sua capacidade de também se engajar em intervenções armadas que poderiam fazer mortos de seu lado, mas além disso e essa é uma segunda característica importante da época contemporânea, ela funciona cada vez mais como categoria geral para apreender a vida social bem como as relações internacionais. Ela constitui assim uma categoria bem mais central do que era para pensar o interno e o externo, a sociedade e o meio que a cerca” (...) “Enfim, tais percepções e representações da violência podem mudar consideravelmente, como se vê, por exemplo em países onde ela é tolerada ou suportada, percebida quase como inscrita no funcionamento normal da sociedade. Assim é, por exemplo, no caso do Brasil ou na Rússia. Mas no conjunto estamos bem longe dos debates dos anos 60 e 70.” (Wieviorka, 1997:10) 42

As rupturas também são encontradas no que o autor chama de níveis de análise da violência, tão comuns nos anos 60, que são o sistema internacional, os Estados e as sociedades. O sistema internacional foi afetado com o fim da guerra fria que tinha o controle parcial da violência permitindo que, hoje, conflitos localizados tenham mais espaço para surgirem e tomarem grandes proporções. A questão da globalização da economia que está vinculada ao neoliberalismo e à violência também acarretou mudanças, pois a violência se alimenta das desigualdades e da exclusão, que são agravadas com o livre comércio. O Estado, que geralmente está no centro das análises sobre violência, encontra-se enfraquecido e parece cada vez mais incapaz de cumprir com suas funções clássicas, entre as quais a de cobrar impostos, ao mesmo tempo em que a economia e a violência se privatizam. O autor também acrescenta que um debate sobre a expansão da privatização da segurança merece ser aberto pois os efeitos dessa privatização do uso da força não têm necessariamente sentido unívoco. “Alguns falam, senão do declínio do Estado, ao menos do declínio do modelo que ele pode constituir, evocando como exemplo um retorno à Idade Média, um “neomedievalismo” para descrever o enfraquecimento dos Estados-nações e para dar conta de uma imagem que se fixaria em uma pluralidade de comunidades e de investiduras, hierarquias ou entrelaçamentos.” (Wieviorka, 1997:19) As sociedades também sofreram rupturas e nelas podem-se encontrar modelos de desenvolvimento distintos. Mesmo assim não existe uma relação direta entre desenvolvimento e violência. Apesar dos progressos econômicos e políticos conquistados em várias sociedades, isso não implicou em uma regressão da violência. A violência hoje deve ser pensada a partir da ausência de mediações e do enfraquecimento dos sistemas de relações que criam o espaço da violência. A idéia de um novo paradigma deve ser construída através de suas novidades radicais, como o fato de a violência ser ao mesmo tempo globalizada ou localizada, não apresentando diferenças relevantes entre o que se encontra no centro ou na periferia, como também pelo fato de haver um enfraquecimento dos espaços 43

públicos e fragmentação dos espaços políticos. A violência mudou e mudou o perfil do Estado. Hoje as atividades criminosas são caracterizadas por uma organização que não existia no passado. As atividades estão voltadas para o tráfico de drogas e de órgãos, de objetos roubados entre outros, e para o seu sucesso os protagonistas da violência precisam de um Estado enfraquecido. Desta maneira, a violência parece constituir a característica principal da pane do Estado. Duas perspectivas são sublinhadas pelo autor. A primeira é a do crescimento da violência instrumental, funcionando como uma forma hobbesiana, de luta de todos contra todos, de resolução dos conflitos quando a ordem se desfaz e a lógica da crise é levada ao extremo. A outra perspectiva trata da violência quando seus significados não são apenas instrumentais mas expressam a defasagem entre as demandas subjetivas das pessoas ou grupos e a oferta política, econômica e institucional. A violência passa, portanto, a ser a voz do sujeito não reconhecido, vítima da exclusão social e da discriminação racial. Porém, ao mesmo tempo, a violência se torna a negação daquele que a exerce pois é a expressão desumanizada do ódio que pode tender à barbárie dos purificadores étnicos ou dos erradicadores. Por fim, Wieviorka encerra seu texto afirmando que a violência surge e se desenvolve através das carências e dos limites do jogo político e que a alternativa para a superação do estado atual seria a imposição, pelos atores políticos, de fórmulas de negociação e debate. A intenção é transformar a não-relação constituída pela violência em comunicação e relação, mesmo que tensa e conflitiva. Segundo este autor, o declínio dessa violência contemporânea está freqüentemente condicionado pela conjunção de fatores próprios aos atores capazes de serem sujeitos e se afastarem de lógicas de puro ódio ou barbárie - e de fatores próprios ao sistema no seio do qual eles evoluem, e aos atores políticos que sobre ele exercem uma influência. Essa reflexão é de grande valia para se pensar as mudanças na percepção explicativa sobre a violência contemporânea no Brasil, que também passa por um processo de continuidades e rupturas. Talvez o principal deles, apontado por vários 44

autores, seja o processo de reabertura democrática após um longo período ditatorial

que,

desenvolvimento

apesar das

de

tantas

práticas

expectativas,

democráticas

não

como

significou também

o

pleno

não

atuou

imediatamente na redução dos conflitos e da violência. Apesar da Constituição de 1988 ter sido um enorme avanço em relação à garantias de direitos civis e políticos, e de proteção contra o arbítrio do Estado autoritário, persistiram as violações aos direitos humanos seja por parte do poder público ou de seus cidadãos. Tal distância entre o que é determinado por lei e as práticas seria um dos principais empecilhos à efetiva consolidação democrática e ao controle efetivo da violência não só no Brasil como em outros países da América Latina onde a violência é usada pelas elites como forma de manutenção da ordem social. (Pinheiro, 1997) Nesse período autoritário é que foram formadas as forças policiais cuja organização se mantém até hoje, a despeito das inúmeras mudanças introduzidas no aparelho repressivo, especialmente na última década. Tanto a extinção das guardas civis uniformizadas e sua unificação com os exércitos estaduais em 1967 quanto a retirada da alçada da justiça civil para a justiça militar dos crimes civis do policiamento ostensivo tiveram por propósito formar uma estratégia de repressão política, de enfrentamento contra as dissidências porque o que estava em jogo era a segurança do Estado e dos detentores da ditadura. O que se tem é a criação de uma polícia arbitrária, que usa de meios ilícitos para a condução de suas atividades, tendo a tortura como sua principal “técnica” de investigação7. Tais práticas acabaram migrando para o domínio da segurança pública e da contenção do crime comum. Outra prática que se torna rotineira são as execuções sumárias praticadas pela polícia, seja na atuação do policiamento ou em atividades paralelas como os esquadrões da morte. Nesse mesmo período, os movimentos de defesa dos direitos humanos tomaram impulso a partir da defesa contra os abusos praticados aos presos políticos. 7

Somente em novembro de 1995 foi instalada a Ouvidoria de Polícia em São Paulo, um órgão independente que recebe as denúncias sobre abusos cometidos por policiais.

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Paralelamente a essa persistência do legado autoritário nas instituições e na sociedade, o aumento da criminalidade, principalmente em suas modalidades mais violentas como os crimes contra a vida e a integridade física, é outra característica desse período de transição. Segundo Coelho (1987), até a primeira metade da década de 60 o tráfico de drogas não havia ainda desenvolvido uma rede bem estruturada de organização. A criminalidade era uma atividade individual, não existindo ainda o padrão coletivo e de organização empresarial que a caracterizaria nas décadas seguintes. Assim como os padrões do crime sofreram alterações, as taxas de criminalidade também se elevaram, tornando-se uma das principais preocupações das populações das grandes cidades. Porém, segundo Adorno (1998), apesar do crescimento dos delitos, não houve uma elevação proporcional do número de inquéritos e processos penais instaurados. O que indica que o número percentual de condenações decresceu nos anos 80 e conseqüentemente, aumentou as taxas de réus isentos da aplicação de sanções penais. Também grande parte dos inquéritos policiais instaurados para apurar a responsabilidade em crimes de morte não chegam a ser convertidos em processos penais. Ainda, segundo Adorno (1998), as forças policiais vêm sofrendo alterações ao longo dos anos e nos últimos quarenta anos a modernização da segurança pública se restringiu à expansão física, com novas instalações e aumento de seu contingente, profissionalização através de cursos especializados, de ampliação do raio de intervenção e alterações em sua estrutura, de renovação da frota de veículos e dos sistemas de comunicação. Todavia, todas essas medidas adotadas não têm sido suficientes para adequar a atividade das forças policiais às exigências do Estado democrático de direitos como também não têm exercido grande impacto na diminuição e contenção da criminalidade.8

8

Com o aumento da criminalidade, cada vez mais a população espera que o Estado garanta a sua segurança. Segundo Coelho, para isso, o poder público pode adotar uma entre duas posições. A da justiça distributiva, em que o criminoso seria menos algoz do que vítima das precárias condições sócio-econômicas ou a da justiça retributiva, onde o criminoso deve assumir plena responsabilidade pelos seus atos e responder por eles perante as instituições do sistema de justiça criminal.

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As forças policiais são regulamentadas por legislação federal, entretanto, os governos estaduais é que são os responsáveis pelo seu funcionamento, o que acaba lhes conferindo inúmeras particularidades. A autoridade pública responsável pela formulação e execução de políticas públicas de policiamento e vigilância é o Secretário de Estado dos Negócios da Segurança Pública. A ele estão subordinadas a Polícia Militar, encarregada do policiamento ostensivo, processado através do patrulhamento de ruas e espaços públicos como também na apreensão de objetos roubados e proteção da atividade bancária, e a Polícia Civil, que exerce o papel da polícia judiciária, de investigação criminal na identificação dos autores dos delitos e os serviços de expedição de documentos. Já à Polícia Federal cabe a apuração de infrações de âmbito interestadual e a repressão e prevenção ao tráfico de entorpecentes. Geralmente a Polícia Militar fica sob o comando de um coronel (mais alto grau da hierarquia militar) e, em cada uma das suas instâncias, as áreas são rigidamente definidas, com poderes centralizados, promoção segundo critérios de mérito e antiguidade sob a disciplina militar. Já a Polícia Civil é chefiada pelo Delegado Geral que é indicado pelo Secretário de Segurança Pública e nomeado pelo Governador do Estado. A delegacia de polícia é formada por uma chefia de plantão, composta pelo delegado titular, delegado assistente, chefe do cartório e chefe dos investigadores e as equipes de plantão, composta pelo delegado, pelo escrivão, investigadores e um carcereiro. Em ambas as polícias os candidatos passam por exames físicos, escritos e psicológicos para iniciarem o treinamento adequado a sua atividade. Também são vinculados à Secretaria de Segurança Pública o Instituto de Identificação “Ricardo Gumbleton Daunt”, os institutos médicos-legais, o Instituto de Polícia Técnica e Científica. (Adorno, 1998) De acordo com Beato (1999), o fluxo da justiça criminal no Brasil é extremamente complexo e muitas vezes moroso. Ele tem início com uma ocorrência realizada pela Polícia Militar comunicada à Polícia Civil, que a registra. Registrada a ocorrência, a Polícia Civil dá início ao inquérito policial em que será averiguada a materialidade dos crimes, indicadas as testemunhas e tomados os 47

depoimentos. Terminado o inquérito policial, ele é remetido ao Ministério Público, que avaliará se atende ou não aos requisitos legais e processuais para apresentação da denúncia a ser remetida à Vara Criminal, onde se inicia a fase judicial. Entretanto, apesar de toda a modernização, a precariedade material ainda é um grande empecilho ao bom funcionamento das polícias, e um traço marcante em suas estruturas é a fragilidade dos mecanismos formais de inspeção que acabam favorecendo métodos informais e ilegais de investigação. Afirma Beato (1999) que há uma carência muito grande de conhecimento sobre o sistema de justiça criminal e sobre as organizações policiais, que se deve não apenas ao desprestígio do tema nos meios acadêmicos, como, também, ao próprio isolamento dessas organizações que não estão abertas a análises e avaliações. Em razão desse desconhecimento, acabam-se propondo idéias que geralmente giram em torno da existência de um modelo ideal de polícia a ser alcançado. Porém, a questão central nessa discussão está no incômodo causado pela existência de uma polícia militar, que parece ser incompatível com os requisitos de funcionamento do regime democrático moderno. No interior das estruturas policiais, um dos pontos de conflito decorre dos atritos e tensões a respeito de onde começam e terminam o policiamento ostensivo e a atividade investigatória, além das várias culturas organizacionais existentes nas polícias civis ou militares. Apesar da estrutura hierárquica e disciplinada, idealizada pela concepção de seus membros mais graduados, desenvolve-se uma atividade profissional altamente arbitrária que, para ser adequadamente realizada, exige um grande grau de autonomia. Segundo Pinheiro (1997), as forças policiais militarizadas do Brasil estão entre as mais letais do mundo; os mais atingidos por essa violência arbitrária são os desempregados e os marginalizados do sistema educacional, como vítimas ou da violência policial ou de crimes comuns contra a vida ou contra a propriedade. Isto pode indicar que houve um afrouxamento dos mecanismos de controle social. Este é o espaço propício para que a violência se legitime como meio de defesa e 48

de resolução de conflitos, como um elemento da carência social. O alto índice de vítimas jovens e de seu envolvimento com o crime revela um elo claro entre pobreza e violência. Não que exista uma relação mecânica e direta entre pobreza e crime violento, mas deve-se considerar que os fatores de desigualdade afetam o problema do crime na América Latina. O crime se torna a maneira mais fácil e rápida de ter mobilidade social, já que canais “respeitáveis” para tal mobilidade são amplamente limitados ou restritos para esses segmentos sociais. Coelho (1987) também reforça tal idéia afirmando que as recompensas da alternativa nãocriminosa geralmente situam-se no futuro, enquanto as do crime estão freqüentemente muito mais próximas. Este mesmo autor, entre outros, reafirma que a pobreza, o analfabetismo, o desemprego e as crises econômicas não constituem fatores causais ou determinantes da criminalidade. Chega a inferir a hipótese de que o aumento da criminalidade não estaria relacionado a um aumento do número de pessoas envolvidas com práticas ilegais, e sim a um sofisticado esquema de organização, fazendo com que as mesmas pessoas cometessem muito mais crimes. O crime se torna algo altamente rentável, sobretudo em vista das reduzidas possibilidades de que venha a ser investigado e esclarecida a sua autoria. Isto se expressa na enorme quantidade de inquéritos policiais que acabam arquivados por falta de provas. Continua o raciocínio afirmando que, se as taxas de criminalidade crescem ao mesmo tempo em que são baixas as probabilidades de punição, “ao crescer elas mesmas funcionam como redutores da capacidade dissuasória do sistema de justiça criminal se o nível de recursos à disposição deste manteve-se constante ou diminuiu, isto é, a um nível constante ou declinante de recursos, taxas altas de criminalidade sobrecarregam a administração da justiça criminal, tornando-a crescentemente ineficiente. A longo prazo, a solução consiste em reajustar o nível desses recursos a uma taxa estimada de criminalidade no futuro, a curto prazo, o mínimo recomendável seria não reduzi-lo, exatamente o inverso do que vêm fazendo.” (Coelho, 1987:25) O contexto formado por altas taxas de criminalidade e impunidade estimula o sentimento de anomia e de vitimização da população. Isto 49

se reflete na ineficácia das leis e sua expressão moral, que acabam perdendo credibilidade. Pinheiro (1997) também aponta que, apesar do fato de muitas vítimas da violência serem das classes mais baixas, as classes média e alta vêem o crime como um problema que atinge apenas a elas próprias. Como se existisse uma constante ameaça das chamadas “classes perigosas” que precisam ser mantidas sob controle.9 Afirma que tal percepção é reforçada pelo sistema judiciário que pune com mais rigor as classes mais baixas enquanto que os crimes que envolvem pessoas da elite, muitas vezes, ficam impunes. A polícia tende a agir como guarda de fronteira entre ricos e pobres enquanto que as políticas de prevenção contra o crime são menos eficientes em controlar o crime e a delinqüência do que em diminuir o medo e a insegurança das classes dirigentes. Ainda segundo Pinheiro, Poppovic e Kahn (1994), a falta de ações que favoreçam os grupos mais destituídos é uma das causas de conflitos sociais e da violência. A Declaração Universal adverte que “os direitos humanos devem ser protegidos pelo império da lei, caso contrário a “rebelião contra a opressão” será o último recurso do homem. A conjuntura mundial de recessão, desemprego estrutural e crescentes disparidades sociais contribuem para a marginalização dos setores mais pobres e vulneráveis da população, não lhes deixando nenhum espaço, a não ser o caminho da violência e das atividades ilegais.” (Pinheiro, Poppovic & Kahn, 1994:192) Beato (1999) acrescenta que, receosas de serem vítimas da violência, as pessoas passam a adotar precauções e comportamentos defensivos na forma de seguros, sistemas de segurança eletrônicos, cães de guarda, segurança privada, 9

Um caso exemplar é o da ocupação dos morros do Rio de Janeiro pelo exército em dezembro de 1994, justificada como uma forma de se ter de volta o controle da região, em mãos de traficantes que efetivamente controlam extensas áreas das favelas. Na verdade, segundo Pinheiro (1997), elas não são territórios ocupados que precisam ser libertados pelas forças armadas, pois a situação atual de desrespeito à lei continua a existir por causa da poderosa associação entre crime organizado, funcionários públicos, comerciantes e agentes do Estado.

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grades, muros altos e alarmes. Entretanto, tais atitudes privadas não são suficientes para amenizar a violência crescente. A violência deve ser percebida como um problema público, que deve envolver a ação conjunta do Estado e das diversas instituições encarregadas de apresentar as possibilidades de resolução. Um aspecto preocupante, no Brasil, é a questão da violência e da criminalidade virarem objeto de discussão entre os governantes apenas quando elas avançam das periferias em direção à região central das cidades.10 Para Pinheiro (1997), o descrédito pela polícia e pelo sistema criminal vem provocando uma onda de privatização da justiça, onde grupos fazem justiça com as próprias mãos através de vigilantes ou linchamentos. E a forte presença dessas resoluções privadas indicam a ineficiência das instituições do Estado encarregadas do controle da violência e do crime e o nível em que o Estado abdicou de seu papel de provedor da ordem e da segurança para todos os cidadãos. Nesse sentido, esses atos privados de justiça consolidam o ciclo de ilegalidade e de violência. Beato (1999) afirma que não é estritamente necessário identificar as causas do crime para haver a formulação de políticas públicas de segurança. Políticas devem pautar-se por metas claras e definidas a serem alcançadas através de medidas confiáveis para a avaliação desses objetivos e pelos meios disponíveis para sua realização de forma democrática. A análise de políticas públicas em segurança envolveria a formulação de componentes informacionais dos programas a serem implementados, bem como métodos analíticos de monitoramento e avaliação de seu desempenho. A formulação de problemas, alternativas, ações e resultados é essencialmente uma questão de natureza teórica, enquanto que a avaliação, monitoramento, recomendações e estruturações são questões de ordem 10

Um bom exemplo foi a divulgação do Plano Nacional de Segurança Pública do Governo Federal, oito dias depois do caso que ficou conhecido como o seqüestro do ônibus 174 em que pessoas foram feitas reféns, dentro de um ônibus no Rio de Janeiro. O caso teve repercussão internacional devido ao trágico desfecho. Após horas de negociação, quando o seqüestrador estava se rendendo, uma das reféns foi atingida por disparos efetuados por um dos policiais, integrante do BOPE (considerada polícia de elite) e no dia seguinte descobriu-se que o infrator, sobrevivente da chacina da Candelária de 1993, havia sido assassinado também por policiais, já preso, dentro da viatura.

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técnica, envolvendo a utilização de modelos de custo/benefício, de efetividade, eficiência e de eqüidade. (Beato, 1999) Uma questão importante a ser lembrada é que sob o conceito de violência estão vários eventos e fenômenos muito distintos entre si e que isso traz uma grande dificuldade para a formulação de políticas públicas. Todavia, segundo Coelho (1987), enquanto a criminalidade for definida e tratada como efeito direto da pobreza, do desemprego ou de qualquer outra situação de injustiça social, mais se adia e se dificulta a formulação de políticas de segurança pública, pois apenas uma pequena fração de pobres ou desempregados escolhe a alternativa criminosa e não, necessariamente, por ser pobre ou estar desempregado. O autor formula também a hipótese de que um componente importante das altas taxas de crimes está representado por um número relativamente reduzido de criminosos mais ativos que, por permanecerem impunes, intensificaram sua atividade. A criminalidade é uma questão de polícia e de justiça criminal e reflete a capacidade dissuasória do sistema de justiça. A tendência é a polícia responder ao crime ao invés de se antecipar a ele e a insuficiência de recursos, particularmente homens e equipamentos, é a explicação dos organismos policiais para a adoção da alternativa repressiva. A resposta do Estado à demanda por segurança é aplicar recursos adicionais em caráter de emergência, na ação policial repressiva em busca de resultados de curtíssimo prazo. Atende-se com isso aos interesses institucionais da polícia, mas o sistema de justiça criminal como um todo permanece nas mesmas condições de saturação. (Coelho, 1987) Adorno (1998) segue a mesma linha de raciocínio quando afirma que o funcionamento das agências de controle e repressão pode agravar o sentimento de insegurança da população. Isto fica claro na incapacidade do poder público em “formular e implementar políticas de segurança e justiça capazes de conter o crescimento da criminalidade urbana e enfrentar os padrões emergentes de organização delinqüente dentro dos marcos da legalidade. Há portanto uma crise no sistema de justiça criminal, que exacerba os dilemas do controle social. 52

Seguramente, o principal deles consiste em combinar as funções repressivas das agências de contenção da violência criminal sem abdicar de uma política de respeito aos direitos civis.” (Adorno, 1998:184) Esses dilemas são também agravados pela persistência de um autoritarismo social herdado de uma passado escravista que dificulta os avanços democráticos. Além disso, há ainda as desigualdades sociais e a baixa participação política dos cidadãos que mantêm a sociedade profundamente dividida, impedindo que se compartilhem reivindicações para o bem comum. Tais características dificultam a institucionalização dos conflitos que, muitas vezes, acabam ficando restritos ao mundo privado, não obedecendo aos princípios que regulam o Estado democrático de Direito. Por fim, a história contemporânea, de acordo com Pinheiro (1997), tem demonstrado que a pacificação da violência nas sociedades só foi obtida, com poucas exceções, naquelas mais desenvolvidas econômica e socialmente. Em países mais pobres e com concentração de riqueza, a luta por recursos escassos e o uso da repressão para refrear o descontentamento aumentam o grau de confronto, o que acaba afetando a legitimidade desses regimes. Isso porque ao mesmo tempo em que não têm êxito em fazer cumprir suas próprias leis e os acordos internacionais, têm dificuldades em mobilizar apoio popular para suas reformas. A questão da segurança privada Considerando que no Brasil as iniciativas privadas de segurança encontramse em larga expansão, torna-se importante verificar experiências semelhantes desenvolvidas em outros países. Dessa forma, os próximos parágrafos tentam estabelecer um diálogo com a literatura internacional sobre privatização da segurança. Para tanto, são relatadas as experiências descritas em três textos. Um deles, publicado pela Policing and Society, em 1995 aborda o enfoque dado às pesquisas sobre segurança privada. Outro, descreve os resultados obtidos a partir da realização, pela Fundação Canadense para as Américas (FOCAL), de um

workshop sobre a privatização da segurança na América Latina. O evento realizado 53

em outubro de 1998 solicitou três estudos sobre a situação e as reações políticas frente ao aumento da segurança privada. Foram relatadas as experiências da Argentina, Honduras e México. A discussão envolveu oficiais dos governos, juízes, especialistas sobre polícia, acadêmicos, representantes de movimentos de direitos humanos e organizações policiais. Também, o texto preparado pelo Vera Institute

of Justice, publicado em Agosto de 2000, discute a questão do accountability no caso da segurança privada e, para isso, conta com os exemplos de três experiências desenvolvidas em Nova Iorque, Joanesburgo e Cidade do México. Segundo Trevor Jones e Tim Newburn (1995), pesquisadores do Policy

Studies Institute, apesar do fato da segurança privada não ser algo novo, não há pesquisas detalhadas sobre o setor e não é dada a devida atenção à sua expansão. Alguns estudos abrangem o inter-relacionamento entre o setor privado e a polícia pública mas faltam análises mais profundas sobre a questão da fronteira entre os setores público e privado. O problema estaria no fato da discussão acabar ficando restrita a argumentos contra ou a favor, sem existir uma análise consistente do assunto. Os poucos estudos existentes abordam a estrutura e funcionamento da indústria de segurança privada nos quais a maioria das informações não são precisas pois se baseiam em fontes dotadas de pouca fidedignidade. Um dos problemas apontado pelos autores diz respeito ao uso dos termos “público” e “privado”, que acabam sendo tratados de uma forma muito simplista, pois a distinção entre o espaço público e o espaço privado é algo particularmente ambíguo no contexto do policiamento contemporâneo. Para isto, citam Shearing and Stenning (1980), que ressaltam a congruência cada vez menor entre propriedade privada e espaço privado que exemplificam com os shopping centers, que são propriedades privadas onde o público tem livre acesso. O que estaria acontecendo seria o crescimento da quantidade de espaços “públicos” localizados em propriedades privadas, policiados por organizações privadas. A confusão na distinção e divisão do público-privado, é causada pelo aumento de agências e na dificuldade em classificá-las em uma ou outra categoria. Os autores incluem 54

também o problema em se verificar exatamente a área de atuação do setor de segurança privada em relação aos outros setores devido à diversificação de suas funções. Apontam também para o problema da falta de pesquisas com outros enfoques. A grande maioria dos trabalhos abordam as teorias de parceria entre os tipos de segurança pública e privada ou as teorias econômicas do policiamento privado. Alguns comentadores descrevem a expansão da segurança privada como a demanda por serviços de segurança que não podem ser atendidos pelo Estado devido aos seus recursos escassos. Neste sentido, a relação entre os setores público

e

privado

na

esfera

da

segurança

seria

essencialmente

de

complementaridade. Na visão das teorias de parceria, não existe diferença entre os objetivos do policiamento público e privado. Já, a teoria econômica enfatiza a importância da “justiça privada” e a resolução de conflitos na esfera privada sem os recursos do sistema oficial de justiça. Vê o crescimento da segurança privada relacionado com a emergência de uma “massa de propriedade privada”, na forma de grandes indústrias e shopping centers. Trevor Jones e Tim Newburn (1995) ressaltam também a ausência de dados sobre o tamanho e forma atuais do setor de segurança privada, pois, em sua maioria, as discussões giram em torno dos contratos de guardas de segurança. Enfatizam ainda que este é um setor que está em declínio devido aos avanços tecnológicos e conseqüente expansão na área referente aos equipamentos para segurança. O relatório resultante do workshop realizado pela FOCAL, descreve que, em alguns países, o contingente da segurança privada é maior do que o das forças policiais ou militares. Tal necessidade de segurança está diretamente vinculada ao aumento de crimes e violência nas Américas. O objetivo do workshop consistiu em estudar o impacto da privatização da segurança no funcionamento do Estado, particularmente no que concerne à eficácia policial e judicial, assim como sua própria legitimidade. De forma geral, o que se notou foi que a importância do 55

fenômeno da privatização da segurança é pouco reconhecida pelos governos e pelas organizações não-governamentais. Para tanto, definiu-se privatização da segurança como: “in the context of

rapid growing violence and crime, the privatization of security is a trend by which businesses and other entities, even individuals, opt to ensure their security through private organizations. This is done in the absense, relative absense, or impotence of the estate and state security apparatus”11 (FOCAL, 1999). Durante as discussões foram seguidas algumas questões, entre outras, como e quais as conseqüências de um Estado que não é responsável em assegurar a segurança de seus cidadãos? As forças privadas competem com as do Estado e a segurança se torna algo disponível apenas àqueles que podem pagar por ela, assim, o que pode acontecer quando os ricos têm acesso à segurança e a classe média e os pobres não? O que pode acontecer quando o Estado não tem o monopólio do uso da força? Quais as conseqüências quando centenas ou milhões de pessoas treinadas têm acesso irrestrito a armas? Há alguma relação entre a privatização da segurança e o crescimento do problema das drogas nas Américas? O quanto a privatização da segurança agravou o tráfico de armas nas Américas, já que nem todas são registradas, e freqüentemente não se tem informações sobre a sua procedência? Abaixo segue o relato das três experiências apresentadas no workshop. O caso da Argentina Rut Diamint, da Universidad di Tella, em Buenos Aires, enfatiza que a pobreza é a maior causa do crime e da violência nas sociedades da América Latina. Particularmente na Argentina, as reformas políticas e as novas políticas econômicas de livre mercado não diminuíram a pobreza crônica da região, resultando no aumento da privatização da segurança. Dados apresentados 11

“No contexto de um rápido crescimento da violência e do crime, a privatização da segurança é uma tendência na qual as empresas e outras entidades, e até indivíduos, optam por garantir sua segurança através de organizações privadas. Isto é feito na ausência, relativa ausência, ou impotência do Estado e do aparato de segurança do Estado.”

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mostram uma relação entre crescimento do desemprego e crescimento da criminalidade, seguido por uma elevação no consumo de drogas e da redução de da efetivação da segurança pública. Entretanto, a privatização da segurança não é a solução para as altas taxas de criminalidade na Argentina. A autora descreve o fenômeno como um círculo vicioso, que favorece a divisão da sociedade com a marginalização das classes baixas as quais não podem pagar por sua própria segurança. Este processo de marginalização acaba provocando maiores conflitos sociais e aumento da criminalidade. Ao mesmo tempo, as classes mais ricas da Argentina usam sua força policial privada para reforçar seus interesses e protegerem seus bens. Outro fator é o envolvimento cada vez maior de agentes da segurança privada contribuindo com o crime e a corrupção, pois prestam conta de suas ações somente aos clientes e não à comunidade. Ou seja, para a diminuição da criminalidade na região, a autora sugere que é necessário se reformar a polícia e uma maior regulação do Estado sobre as forças de segurança privada. O caso de Honduras Letícia Salomón, da Universidad Nacional Autonoma de Honduras, relatou que a ineficiência do governo em conter o aumento da criminalidade e a percepção de insegurança levaram muitos cidadãos a assegurarem sua própria segurança. Isto induziu à aquisição de sistemas de alarmes, cães de guarda, armas, à prática de defesa pessoal e à contratação de guardas para a proteção de bens valiosos. Os cidadãos que não podem contar com o acesso a esses serviços têm ficado expostos à ineficiência do sistema público de segurança do país. Aqui também aparece a expressão “círculo vicioso”, fazendo referência ao fato de que a privatização da segurança produz cidadãos armados, prontos a responder à violência com mais violência, o que não resolve o problema, mas, pelo contrário, o agrava ainda mais. A solução estaria em centrar esforços nas raízes do crime e da delinqüência. O objetivo é a prevenção do crime através de sistemas de vigilância de vizinhança para minimizar algumas das causas percebidas através de trabalhos sobre delinqüência juvenil e outros grupos de risco. Este processo deve também 57

ser visto como parte da consolidação da democracia em Honduras. Igualmente, há a necessidade urgente de leis para regulamentar a privatização da segurança, e para isso é extremamente importante a participação da sociedade civil na decisão do processo a ser aplicado para o fortalecimento da segurança em Honduras. O caso do México Raúl Benítez Manaut, da Universidad Nacional Autónoma de México, relatou a experiência sobre a institucionalização da segurança privada na cidade do México. Assim como nos casos anteriores, a criminalidade, em especial o crime organizado, cresce cada vez mais naquele país. O autor questiona, ao contrário da pesquisadora argentina, se o crime e a delinqüência são produtos da pobreza ou se resultam de uma debilidade das instituições e da corrupção de funcionários responsáveis em combatê-los. Continua, dizendo que a democratização não traz necessariamente uma ótima segurança pública e que mesmo a oposição sendo mais democrática e tendo as melhores intenções, é necessário reformar as instituições de segurança pública e justiça. Outro fator é o reconhecimento de que o crime tem estreitas ligações com as autoridades mexicanas, desde os primórdios do sistema político moderno, e que a corrupção é o que mantém esse sistema em movimento. O governo tem tentado fortalecer a segurança pública através da militarização das forças policiais em vários estados. Entretanto, essa estratégia é vista como contraprodutiva pois apresenta o risco de violação da Constituição do México e de infringir os direitos humanos. A situação dominante resultou num sentimento de insegurança da população contra o que a única opção para a sobrevivência é a autodefesa através do desenvolvimento das forças privadas de segurança. Destas experiências chegou-se à conclusão de que a privatização da segurança nas Américas é um sintoma de insegurança pública frente ao crescimento da criminalidade. É um importante fator da perda de capacidade das instituições do Estado em cumprirem com sua principal obrigação da segurança 58

individual e coletiva de seus cidadãos. A privatização da segurança também vem abalando a governabilidade e as instituições democráticas na América Latina e Caribe, pois as estruturas de accountability são insuficientes ou não existentes para as forças de segurança privada. A segurança privada ameaça a democracia também porque introduz métodos de mercado para a justiça e serviços policiais, criando duas camadas de cidadania, aqueles que podem e aqueles que não podem pagar pela segurança. E por último, há várias causas para o fenômeno, como a falta de recursos do Estado, falta de competência, tráfico de armas, criminalidade, entre outras. O relatório “The public accountability of private police” do Vera Institute of

Justice apresenta três experiências distintas da aplicação da segurança privada e suas respectivas formas de accountability. É importante lembrar que este termo tem o significado de responsabilização, ou seja, a prestação de contas de ações da segurança privada ao público. A argumentação para o expressivo aumento da privatização da segurança é quase o mesmo já apresentado no relatório da FOCAL. Inclui o aumento da massa de propriedade privada na era pós-industrial, o aumento da sensação de insegurança das classes mais abastadas principalmente durante os processos de transição de governos autoritários para a democracia, e a maior visibilidade colocada no patrulhamento pelas forças privadas em comparação às polícias públicas. Da mesma forma, acrescenta a divisão da sociedade causada pela privatização da segurança entre aqueles que podem e aqueles que não podem pagar por sua segurança, assim, dilui as fronteiras entre espaço público e privado. Porém, a grande questão discutida é que, em todo mundo existem vários mecanismos de controle público das ações da polícia pública, mas já não acontece o mesmo com as polícias privadas. Quando há esse controle, ele se restringe também às instituições privadas, excluindo a participação pública.

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Criou-se então um quadro ilustrativo dos modelos possíveis de policiamento público e privado, da seguinte maneira: Espaço \ Tipo de polícia

Privada

Pública

Privado

A

B

Público

C

D

Cada letra corresponde a uma combinação entre um tipo de policiamento e o seu local de atuação. O modelo A é o tipo mais comum de policiamento privado, enquanto o modelo C corresponde aos casos em que o policiamento privado atua como reforço ao policiamento público. O modelo B ocorre quando o forças públicas estão autorizadas a atuarem como reforço ao policiamento privado enquanto o modelo D se encaixa nos casos de policiamento tradicional. Em relação ao controle sobre o policiamento são apontadas três linhas distintas de accountability: o controle interno, que inclui treinamento, comportamento policial, supervisão administrativa ou investigativa; controle estatal, com supervisão através dos administradores municipais, acusações criminais, conselhos de revisão de queixas, comissões especiais ou comitês legislativos e estatutos que cuidem da qualificação e treinamento dos funcionários; e o controle da sociedade, com a supervisão da mídia, organizações comunitárias e monitores de direitos humanos. Outro quadro foi idealizado para mostrar como se distribui a possibilidade de accountability em cada modelo de policiamento:

Controle interno Controle estatal

Modelo A

Modelo B

Modelo C

Modelo D

polícia privada/

polícia pública/

polícia privada/

polícia pública/

espaço privado

espaço privado

espaço público

espaço público

alta aplicabilidade

alta aplicabilidade

alta aplicabilidade aplicabilidade limitada

Controle social

alguma aplicabilidade

Controle/ cliente

alta aplicabilidade

alta aplicabilidade

alta aplicabilidade não se aplica

aplicabilidade limitada alguma aplicabilidade alta aplicabilidade

alta aplicabilidade alta aplicabilidade

alta aplicabilidade não se aplica

60

Para a pesquisa foram escolhidas três experiências e cada uma delas corresponde a um modelo. A experiência de Nova Iorque corresponde ao modelo C; a experiência de Joanesburgo corresponde ao modelo A e o caso do México corresponde ao modelo B. Foram entrevistados administradores e funcionários da polícia privada, clientes e administradores da polícia pública local. Também foi pesquisada a legislação e o material veiculado na imprensa referentes ao assunto. O caso de Nova Iorque A experiência de Nova Iorque é escrita por Robert C. Davis e Sarah Dadush. Diz respeito à atuação do Metro Tech Area Business Improvement District (BID), no bairro do Brooklyn. BIDs são corporações não-comerciais formadas pelos proprietários estabelecidos numa determinada região com a finalidade de estimular o seu desenvolvimento. Existem 41 BIDs na cidade de Nova Iorque que variam no tamanho, orçamento e tipo de vizinhança a que atendem. Geralmente os BIDs tentam tornar suas regiões mais atrativas para o comércio e para empregos, e cada um deles decide as necessidades e prioridades a serem atendidas nos seus limites de atuação. No caso do Metro Tech Area BID (Metro Tech), criado em 1992 no Brooklin, um dos bairros com as taxas mais altas de criminalidade de Nova Iorque, a principal atividade é a segurança pública. O programa de segurança pública da Metro Tech conta com vinte e oito funcionários, entre eles vinte e seis homens e duas mulheres. Quatro sargentos e três supervisores organizam as funções. As operações são administradas por um diretor de segurança pública, que anteriormente era encarregado da segurança das embaixadas, e um assistente de diretor, um sargento aposentado do Departamento de Polícia de Nova Iorque (NYPD), com experiência em controle de narcóticos e assuntos internos. Já os oficiais de segurança pública não são especializados. Cada funcionário patrulha um setor e o monitora através de um circuito fechado de televisão num turno de duas horas. O programa é discutido nos encontros do comitê de segurança pública que representa todos os envolvidos no BID, incluindo os chefes do próprio BID, 61

comandantes do distrito policial do Departamento de Polícia de Nova Iorque, chefes da corporação de segurança, representantes do corpo de bombeiros e funcionários de escolas. Os candidatos ao programa da Metro Tech passam por um competitivo e rigoroso processo. Eles devem ter no mínimo 21 anos e dois anos de experiência nas instituições de justiça ou exército. Também não podem ter tido nenhum envolvimento com drogas e serem aprovados em um exame psicológico. Todavia, os funcionários do programa não costumam ficar mais que três anos pois acabam conseguindo melhores cargos nas agências de polícia pública ou nas empresas privadas. Ambas as polícias, do programa BID e do NYPD, patrulham a mesma área sem, no entanto, haver um acordo prévio de coordenação dos esforços. A principal função dos funcionários da Metro Tech é fazer com que as pessoas se sintam seguras através da vigilância. O programa oferece a presença visível de segurança, o que o departamento de polícia não o consegue por não contar com uma equipe grande o suficiente. Desta forma, o programa promove segurança às pessoas que estão a caminho do trabalho e aos clientes das lojas da região, desencorajando os roubos e combatendo os vendedores ambulantes. Também existem outros interesses como o de minimizar os sinais de desordem social nas ruas. Assim, seus funcionários atuam também na supervisão do lixo, do fluxo de tráfego e das condições de iluminação. A qualquer problema, entram em contato com as agências responsáveis por aquele serviço. Orientam e encaminham os sem-teto aos abrigos e, quando encontram pessoas sob efeito de drogas, encaminham-nas ao serviço de emergência médica. As câmeras de monitoramento são camufladas e quando ocorre algum crime e as cenas são gravadas, o programa cede as fitas ao departamento de polícia para ajudar a encontrar os suspeitos. Quando algum novo comerciante se instala na região, ele recebe a orientação do programa sobre quais as atitudes a serem tomadas em relação à segurança, inclusive sobre a instalação de equipamentos. 62

Geralmente, devido à proximidade, os oficiais do programa são os primeiros a chegarem aos locais de conflito ou de acidente e, depois de chamada a ajuda, cabe a eles as primeiras providências até a chegada de bombeiros ou paramédicos. Em alguns casos, os comerciantes preferem chamar os funcionários do BID do que os do departamento de polícia pois sabem que a resposta será mais rápida. Como não são autorizados a portarem armas, apenas algemas, os funcionários do programa não são treinados para prender suspeitos que possam estar armados. Nestes casos, os vigilantes passam as informações, inclusive as obtidas com as câmeras, ao departamento de polícia. Em relação ao accountability interno existem cinco mecanismos de controle. O primeiro são os exames escritos pelos quais cada funcionário é submetido a cada ano; o segundo são as admissões ou demissões conforme o desempenho de cada um; terceiro, a constante vigilância a que estão sujeitos os oficiais em patrulha, através do sistema fechado de televisão; quarto, as investigações de denúncias contra funcionários realizadas pelos próprios assistentes de diretoria da

Metro Tech; e, quinto, é a supervisão mantida pelo comitê de segurança pública do BID e seu conselho, que têm o poder de rever vários aspectos da operação de segurança. Quanto ao accountability externo, os funcionários do BID podem ser responsabilizados criminalmente caso prejudiquem alguém ou tenham praticado algum crime. Outro acompanhamento é realizado pelo Department of Business

Services e pelo departamento de polícia quando há uma conduta criminal. E por último o accountability realizado pelos clientes do serviço e pela mídia. Segundo o relatório, o que se percebe é que a atividade dos funcionários da

Metro Tech é bem diferente da atividade do policial. A sua missão não é a de aplicar a lei em si, mas de tranqüilizar as pessoas. Para tanto o programa conta com bons mecanismos de accountability tanto interno como externo.

63

O caso de Joanesburgo Jenny Irish é o responsável pelo relatório sobre o policiamento privado na África do Sul. Segundo alguns dados, existem no país 350 mil guardas de segurança privada registrados, entretanto, apenas 160 mil estão efetivamente empregados. Também afirma que a maioria dos cidadãos urbanos do país preferem os serviços privados de segurança aos serviços do South African Police

Officers. O mesmo argumento, do aumento da criminalidade, reaparece neste relatório como o propulsor da expansão da segurança privada. Também faz referência ao fato de que alguns elementos da indústria da segurança privada têm uma relação estreita com a repressão exercida pelas agências oficiais durante o

apartheid. Em 1996 uma reportagem denunciou o envolvimento de pessoas ligadas ao setor em casos de violência política, treinamentos paramilitares e contrabando de armas. Na África do Sul as empresas de segurança privada são regulamentadas pelo Security Officers Act, criado em 1987, onde todas as empresas, proprietários e vigilantes devem ser registrados. Um dos problemas apontados é que, às vezes, membros do conselho deste órgão também têm alguma atividade no setor privado e acabam tirando proveito próprio da situação. Os serviços de segurança privada são procurados pelas indústrias, comércio e também por um grande número de pessoas que os contratam para suas residências. O setor ganhou espaço devido à ineficácia do atendimento policial às demandas de segurança de parte da população. A pesquisa contemplou um levantamento sobre o funcionamento de uma das principais empresas de segurança do país, o Sentry Security, criada em 1982 em Joanesburgo. Uma das principais características observadas pelo autor é o legado do

apartheid na empresas. Notou-se que a maioria dos guardas são negros, enquanto os gerente e proprietários são brancos e que a empresa estudada havia inclusive criado um sistema de promoção de gerentes negros na companhia. Outro 64

problema é a grande desconfiança da população em relação a devida qualificação das pessoas contratadas para os serviços de segurança. Isto faz com que as pessoas optem com maior freqüência pelos equipamentos de segurança do que pela contratação de vigias. Procurando evitar problemas, algumas empresas chegam a usar detectores de mentira durante a seleção de candidatos. Os serviços oferecidos pelas empresas são os de vigilância, equipamentos eletrônicos e de escolta armada. A função dos vigias é de responder prontamente ao chamado dos clientes. No caso dos funcionários da Sentry Security, eles são treinados para que, num confronto com um suspeito, fiquem apenas com a mão nas armas, mas ainda no coldre, se identifiquem e peçam ao suspeito que coloque as mãos sobre a cabeça e dêem um passo para trás. O guarda deve então algemar o suspeito e notificar a sala de operações. Quando os guardas usam suas armas, a recomendação é para que primeiro atirem sobre a cabeça do suspeito. Sobre o accountability interno, os funcionários são os responsáveis pelas armas e munições que são registradas em nome da empresa. Armas e veículos são checados e são passadas as instruções antes da saída para a ronda. Ao final de cada turno, as armas e munição são novamente inspecionadas e guardadas em local apropriado. Se um guarda utilizar sua arma, deve comunicar imediatamente seus supervisores. A companhia também conta com uma disciplina interna para evitar casos de má conduta que podem chegar a processos disciplinares de demissão do funcionário. Já o accountability externo é majoritariamente exercido pelos clientes das empresas. Também há a supervisão do Security Officers’ Board, porém vários fatores limitam o seu controle, pois o conselho é dominado por representantes do setor, o que leva a uma tendência à proteção de seus próprios interesses. Outro problema é que o conselho conta com apenas 28 inspetores em todos país para verificar as denúncias de abuso e por último, a maioria da população desconhece a existência do conselho. Assim como nos casos anteriores, também há o controle exercido pela mídia que denuncia os abusos, as denúncias contra guardas e empresas realizadas na própria polícia e o controle exercido pela sociedade civil. 65

O que se conclui no artigo é que a segurança privada tem um importante papel na manutenção da segurança pública, entretanto esse papel deve ser rigidamente controlado e monitorado para que não se apague a divisão entre proteção e exposição ao perigo. O caso do México A experiência da Cidade do México é descrita por Arturo Alvarado e Diane Daves e diz respeito à segurança bancária que une tanto a polícia pública como a privada. A segurança bancária no México estava a cargo exclusivamente do Policía

Bancaria e Industrial (PBI), um serviço de polícia pública subcontratada no qual os bancos arcavam com os custos do serviço que eram pagos diretamente ao Ministério da Segurança Pública. Em 1992, com a privatização dos bancos houve uma redefinição da segurança bancária. Entre 1995 e 1997, além do dramático aumento no número de assaltos a bancos, a confiança na polícia pública foi abalada após a descoberta do envolvimento de oficiais da polícia nos crimes contra os bancos. Em resposta ao aumento dos assaltos, em 1990 foi criado o Banker’s

Association of Mexico, uma associação de bancos particulares, públicos, nacionais e estrangeiros, responsáveis pelas estratégias utilizadas na segurança bancária. Além disso, cada banco formou seu próprio comitê de segurança que atua de acordo com as determinações do banco. Outra medida tomada foi a contratação de empresas para cuidarem do serviço de segurança no sistema bancário e o investimento em estrutura, equipamentos, assistência técnica e treinamento de pessoal para evitar os roubos. Tais medidas reduziram os custos e reforçaram a segurança e, em vista disso, vários bancos decidiram parar de pagar pelo policiamento público. Os autores também reforçam que a legislação sobre o assunto é relativamente nova e escassa. Determina que as empresas devem ter um registro público e obedecer às normas que regularizam a seleção e treinamento de pessoal, o uso de armas, equipamentos e a supervisão de pessoal. Para monitorar as 66

empresas e obrigá-las

a cumprirem a lei, foi criado um escritório, o Private

Security Services Record Office. O accountability do PBI é exercido tanto pelo departamento de polícia quanto pelos conselhos governamentais de disciplina. Já a polícia privada contratada pelos bancos é controlada pelas próprias empresas e pelos comitês de segurança dos bancos que estabelecem o alcance da autoridade dessa polícia privada. Entretanto, no caso de uma conduta irregular de um funcionário da polícia pública, são claros os procedimentos pelos quais ele será responsabilizado; no caso da polícia privada, tais procedimentos são pouco conhecidos. As três experiências apresentadas permitiram que se chegasse às seguintes conclusões. Há várias maneiras de se estabelecer o accountability sobre as polícias privadas e, enquanto o governo tem um papel limitado nesse controle, ele próprio deve estimular as próprias empresas a desenvolverem controles internos. Os autores também reconhecem que a privatização da segurança é algo irreversível e que a privatização de alguns serviços podem ajudar a polícia pública a centrar esforços nas atividades que requerem maior conhecimento e treinamento. Outro aspecto é que através dessas experiências percebe-se que as polícias privadas estão desempenhando papéis quase idênticos aos da polícia pública. Os funcionários da Metro Tech não fazem apenas um reforço na vigilância como também removem sinais de desordem, reforçam normas de comportamento, auxiliam pessoas em necessidade, ajudam os comerciantes na prevenção do crime e prestam auxílio nos casos de acidentes e incêndios. Os serviços armados de Joanesburgo e a proteção de bancos no México são os maiores exemplos de empresas privadas exercendo as mais complexas funções da polícia pública. Porém, acrescentam que, nos bons serviços de policiamento privado, os treinamentos obedecem a um exigente padrão. Os serviços de segurança privada podem também ser altamente fiscalizados mesmo que não seja pelas mesmas agências governamentais encarregadas da supervisão da polícia pública. Nos casos do Estado Unidos e da África do Sul, os serviços estão sujeitos a um maior controle externo do que as próprias polícias 67

públicas. Não são apenas fiscalizados pelas agências governamentais, como também estão sujeitos a investigações criminais, processos e responsabilização civil. Tais controles externos incentivaram as empresas a estabelecerem um forte mecanismo de accountability interno. O caso do México reforçou a importância de haver incentivos internos e externos à conduta profissional nos serviços de segurança privada. Estes incentivos podem ser criados quando o governo assegurar que os funcionários das policias privadas sejam periodicamente reciclados por uma agência de supervisão; que seja feita uma publicação a respeito do parecer sobre o desempenho da empresa; que os funcionários tenham que responder judicialmente no caso de má conduta; que o treinamento dado ao funcionário seja adequado à função que ele irá desempenhar entre outras. Ao final do relatório, a conclusão a que se chega é que a regulamentação do governo e o controle social e da mídia são necessários, pois são mecanismos diretos que mantêm as ações da polícia privada sob fiscalização. Porém, estes mecanismos podem funcionar com muito mais força quando são criados incentivos para que os próprios clientes exerçam o controle. *** Assim como em outros países da América Latina, também no Brasil a segurança privada se expande num momento em que o Estado não consegue atender à demanda da população por segurança. Este processo se desenvolve num contexto de mudanças dos padrões de violência e de enfraquecimento do Estado. A medievalização, como foi definido por Wieviorka (1997) parece tratar-se de um fenômeno global e irreversível. Hoje a violência está marcada pela ausência de mediações dos conflitos e pela pouca participação política nos assuntos referentes à segurança. A crise do sistema de justiça e a ineficiência da polícia na contenção da criminalidade resultam no sentimento de insegurança da população, e isto agravase quando toda essa insegurança é considerada como resultado direto da pobreza. 68

Essa dificuldade em resolver os conflitos através das instituições responsáveis conduz, como explicou Adorno (1998), a uma retração da solução desses conflitos ao mundo privado. Dessa maneira, a população tem o sentimento de insegurança como a principal justificativa para a adoção de meios privados para a resolução dos conflitos. Não só o sentimento de insegurança, mas também o aumento da massa de propriedades privadas, principalmente aquelas destinadas ao público, têm enorme influência na demanda pelos serviços de segurança particulares. No entanto, o aumento da oferta desses serviços implica diretamente na necessidade da criação de mecanismos eficientes de controle sobre eles. Da mesma maneira como foi visto nas experiências de outros países, esse controle deve ser realizado internamente, pela própria empresa, e mais importante, externamente, através do controle público. Esse controle é fundamental justamente pelo fato desses serviços serem fundamentais em espaços públicos localizados em propriedades privadas. São espaços que necessitam de uma segurança própria, mas que não pode ser atendida pela força pública do Estado. A disponibilidade de serviços privados de segurança é algo que realmente pode auxiliar a segurança pública, desde que seus limites sejam claramente estabelecidos. O grande problema é a rápida expansão desses serviços em sociedades de extrema desigualdade social como a brasileira. Corre-se o risco, como já mencionado pelos outros autores, de se criar uma cisão na sociedade entre os que podem e os que não podem garantir a sua segurança. Porém, é relevante salientar que a população que não puder arcar com os custos dessa modalidade de segurança vai procurar outras maneiras de garantir a sua integridade física, o que pode agravar ainda mais os conflitos. No caso brasileiro, cabe perguntar, como um Estado que se mostra incapaz de conter a violência e a criminalidade, às vezes envolvendo seus próprios agentes, poderá garantir um controle efetivo sobre a massa de exércitos particulares armados que se formam? Vários trabalhos indicam que não existem sistemas de accountability eficientes, tanto para as polícias privadas quanto para 69

as polícias públicas no Brasil. Apesar da escassez de políticas públicas de segurança efetivas, alguns exemplos, sejam os promovidos pela iniciativa privada, organizações não-governamentais ou sociedade civil, podem modificar essa falta de participação pública na questão da segurança. Um exemplo são os CONSEGs, Conselhos Comunitários de Segurança, formados por grupos de pessoas do mesmo bairro ou município que se reúnem para discutir e analisar, planejar e acompanhar a solução dos problemas locais de segurança, além de desenvolverem campanhas educativas. Outro agravante para esse processo de expansão dos serviços particulares de segurança, num país de enormes desigualdades sociais, é que assume-se a lógica de mercado para um problema social. Isso vai em caminho contrário ao que vários autores indicam como sendo uma das saídas para a questão da violência: a sua percepção como um problema público e, conseqüentemente, como algo que requer decisões públicas e conjuntas, tanto no que diz respeito ao comportamento das polícia públicas, quanto das polícias privadas, cada uma delas dentro de seus respectivos campos de atuação, para que atendam aos objetivos e necessidades da comunidade.

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Capítulo 3. O processo de expansão das empresas de segurança privada em São Paulo O grande desenvolvimento, nas três últimas décadas, da indústria da segurança privada nos grandes centros urbanos, inclui tanto o aumento da oferta por serviços de vigilância e monitoramento quanto o aperfeiçoamento e a popularização dos equipamentos eletrônicos. Os serviços de segurança privada podem ser definidos como serviços de vigilância e segurança patrimonial de estabelecimentos públicos e privados como também segurança privada de pessoas físicas e o transporte de valores. Estes serviços podem ser realizados através da contratação e treinamento de pessoas qualificadas para a atividade, através do uso de equipamentos eletrônicos ou, o mais usual, através da combinação destes dois elementos. Os serviços de segurança podem ser vendidos por empresas especializadas na área, devidamente regulamentadas, como também podem fazer parte do quadro organizacional de qualquer empresa que tenha outra atividade econômica diverso da vigilância. Neste caso, tais serviços são denominados serviços orgânicos de segurança, ou seja, são atividades realizadas pela própria empresa que utiliza quadro funcional próprio, sem recorrer ao processo de terceirização do serviço. Da mesma maneira como as empresas que vendem serviços de segurança, aquelas que optam por ter seu pessoal próprio para a execução dessa atividade necessitam cumprir as mesmas obrigações e regulamentos estabelecidos por lei às empresas de vigilância, porém não estão autorizadas a comercializar estes serviços. A atividade de segurança privada no Brasil teve início na metade da década de 60 e a primeira legislação sobre o assunto surgiu em 21 de outubro de 1969, com a instituição do Decreto Lei 1.034/69. Este decreto autorizou o serviço privado em função do aumento de assaltos a bancos, relacionados aos movimentos de oposição política durante o governo militar, regulamentando uma atividade que até então era considerada paramilitar. A partir disto, ficou estabelecido que todos os estabelecimentos financeiros eram obrigados a contar com um sistema de 71

segurança próprio ou de terceiros, ou seja, um sistema contratado por uma empresa especializada em serviços de segurança. Este decreto foi um estímulo às empresas que prestavam outros tipos de serviços às instituições financeiras. Empresas que antes eram encarregadas da limpeza e manutenção desses estabelecimentos passaram a investir na criação de um setor especializado em serviços de segurança. Nessa época, as empresas que exerciam a atividade foram limitadas a um número de cinqüenta no Estado de São Paulo e eram controladas pela Secretaria de Segurança Pública e pelos chefes de polícia civil. Segundo Caldeira (2000), neste período, a polícia civil era responsável pela instrução e capacitação dos vigilantes, o que acabava definindo que guardas particulares no cumprimento do dever tinham status de policiais. Paralelamente, durante o mesmo período, o segmento específico de transporte de valores surgiu no país depois de um assalto ao antigo Banco Moreira Salles, atual Unibanco, ocorrido em 1964, quando foi levado o equivalente a 500 mil dólares e se fortaleceu com a onda de ataques a bancos no final dos anos de 1960 e início dos anos 70. Este assalto ficou conhecido como “o assalto dos gregos” pelo fato de ter sido liderado por um grupo de ladrões da Grécia. Nessa época, o transporte de dinheiro era realizado pelos funcionários do banco, muitas vezes em seus próprios veículos ou em táxis. Após a crescente onda de assaltos, a então Associação de Bancos que congregava as instituições financeiras, hoje FEBRABAN, recorreu a uma empresa norte-americana e em janeiro 1965 instalouse no Brasil a empresa Brink’s, fundada em 1859. O serviço de transporte de valores passou então a ser realizado por profissionais especializados, através de carros-fortes. Até 1983 as empresas de segurança eram fiscalizadas pelos governos estaduais, cada um seguindo suas próprias portarias. Isso se tornava um impedimento às empresas que pretendiam expandir seus negócios em estados diferentes. A intenção em instalar uma filial, em outro estado, significava encontrar

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inúmeros bloqueios políticos e judiciais que eram superados através do lobby entre empresários e políticos. Com o aumento da demanda por segurança privada ela deixou de ser exclusividade das instituições financeiras, passando a atuar também em órgãos públicos e empresas particulares. O auge da demanda por serviços de segurança ocorreu no final dos anos 70 e essa crescente procura exigia uma normatização, pois o decreto lei de 1969 já não comportava todos os aspectos da atividade e em 20 de junho de 1983 a atividade foi regulamentada através da Lei 7.102. Esta lei, que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabeleceu normas para a constituição e funcionamento de empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, transferiu o treinamento dos vigilantes da polícia para o setor privado, o que retirou dos vigilantes o status de policial, estimulou a exploração do setor de cursos de formação e aperfeiçoamento de profissionais, e passou a fiscalização de responsabilidade estadual para responsabilidade federal - Ministério da Justiça, por intermédio da Polícia Federal. Foi atualizada pelas Leis 8.863, de 1994 e 9.017 de 1995. Esta última, de 30 de março de 1995, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso estabeleceu que o Departamento da Polícia Federal passaria a ser o único órgão responsável pela fiscalização dos serviços privados de segurança, e instituiu a cobrança de taxas pela prestação dos serviços prestados por esse Departamento. Estas taxas são cobradas sobre os serviços de vistoria, renovação de certificados, autorização para compra de equipamentos, expedição de alvará, entre outros, e destinam-se ao custeio e a manutenção das atividades fim do Departamento de Polícia Federal. O departamento responsável pela fiscalização é a Divisão de Controle de Segurança Privada, com sede em Brasília, que tem o auxílio das delegacias regionais, denominadas Delesps. As Delesps são delegacias de segurança privada, instaladas em cada estado e têm a função de autorizar, controlar e fiscalizar as empresas de segurança. No estado de São Paulo há uma Delesp, além de nove comissões de vistorias instaladas no interior e litoral.

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Através dos conteúdos das leis e portarias percebe-se os processos pelos quais atravessaram os serviços de segurança privada no Brasil. “Inicialmente, eles estiveram subordinados a uma política de segurança nacional e a um restrito controle da polícia. Com a segunda lei, esse controle foi relaxado e os regulamentos trabalhistas aumentaram. O que tinha sido um instrumento para lutar contra a oposição política foi adaptado para lutar contra a criminalidade. A terceira lei, assinada durante o regime democrático e seguindo a rápida expansão dos serviços de segurança em resposta às crescentes preocupações da população, tenta estender o controle do Estado para compreender todo o mercado de serviço de segurança.” (Caldeira, 2000:198) Até o ano 2000 foram publicados, no Diário Oficial da União, 1400 alvarás de funcionamento para empresas de segurança em todo o Brasil. Conforme o quadro 1, durante onze anos, entre 1982 e 1993 (os dados para este período estão agregados), foram publicados 533 alvarás de empresas de segurança. Para os anos seguintes, é possível perceber a evolução desses números. Enquanto entre 1994 e 1995 há uma queda no número de alvarás publicados, os números de 1996 representam mais que o dobro do ano anterior e a partir desse ano os números permanecem aproximados, apresentando apenas em 1999 um aumento mais significativo que continua em 2000. Quadro 1. Número de empresas por ano, a partir da data de instituição de cada uma: Ano

N.º de alvarás publicados para Brasil

1982/93

533

1994

84

1995

54

1996

126

1997

132

1998

130

1999

155

2000

186

Total

1400

Fonte: SESVESP

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Quanto a distribuição das empresas, os serviços de segurança privada concentram-se, principalmente, nos estados economicamente mais desenvolvidos das regiões Sul e Sudeste. São Paulo e Rio de Janeiro são os estados que concentram mais de um terço do total de empresas em todo o Brasil. Em seguida, destacam-se os seguintes estados: Bahia, Rio Grande do Sul, Brasília e Paraná. Quadro 2. Número de empresas nos estados brasileiros: Estado São Paulo Rio de Janeiro

N.º de empresas 323 138

Bahia Rio Grande do Sul Brasília Paraná Santa Catarina Ceará Amazonas Goiás

91 83 62 58 50 49 44 43

Minas Gerais Pernambuco Pará Maranhão Espírito Santo Paraíba Alagoas Mato Grosso

43 42 35 23 16 16 14 14

Amapá Mato Grosso do Sul Rio Grande do Norte Rondônia Piauí Sergipe Tocantins Acre

13 13 13 10 9 9 9 5

Roraima Total*

5 1230

Fonte: SESVESP *Dados atualizados até novembro de 2000

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A expansão das empresas de segurança acaba estimulando outras entidades e eventos relacionados a este setor. Atualmente, existem feiras e exposições voltadas para este segmento como, por exemplo, mostras e feiras de segurança; feiras de segurança e construção; automatização e manutenção predial; feiras regionais sobre segurança, além de eventos internacionais, como a EXPOSEC -

International Security Fair, realizada anualmente em São Paulo. Também já existem consolidadas várias associações e sindicatos, entre eles, ABESE – Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança; ABREVIS – Associação Brasileira das Empresas de Vigilância e Segurança; ABS – Associação Agência Brasil de Segurança; ATESP – Associação dos Técnicos em Segurança Patrimonial; FENAVIST – Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores; Seevissp - Sindicato dos Empregados em Empresas de Vigilância, Segurança e Similares de São Paulo; SESVESP – Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica e Cursos de Formação do Estado de São Paulo12. Este último conta com uma página na Internet que visa auxiliar tanto aos empresários e filiados quanto aos consumidores que desejam obter informações. O sindicato recebeu sua Carta Sindical em 1988 e hoje tem 60% das empresas autorizadas associadas à entidade. Existem em São Paulo 300 empresas regularizadas, das quais 180 estão sindicalizadas. O sindicato mantém três departamentos de atendimento aos seus associados: o Departamento Jurídico, que oferece consultas e informações sobre legislação, convenções trabalhistas e outras entidades sindicais; Departamento Analítico e Informativo de Licitações, que presta informações sobre custo de serviços, legislação pertinente, encargos sociais, editais e tomadas de preços; Departamento de Comunicação e Evento, que realiza eventos, cursos palestras. Para auxiliar o atendimento às empresas, também foram

12

A ABREVIS foi fundada em 1970, 18 anos antes da fundação do sindicato. A associação teve grande influência na elaboração da Lei 7.102 que regulamenta e padroniza o exercício da atividade de segurança privada para todo o território brasileiro.

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criadas as delegacias regionais do sindicato em Campinas, Santos, Bauru e do ABC que visam buscar soluções para os problemas específicos das regiões onde foram instaladas inclusive aqueles relacionados às empresas clandestinas. O sindicato mantém também um Balcão de Empregos para atender as empresas que precisam de funcionários especializados em segurança, enviando currículos de profissionais, da área, exceto vigilantes. Mantém uma publicação interna, a Revista SESVESP, bimestral, que traz notícias políticas, governamentais e de interesse geral da categoria. Ainda em sua homepage, há espaço dedicado a uma explicação sobre as normas que regulam a atuação de uma empresa de segurança para auxiliar os consumidores sobre os problemas de se contratar uma empresa clandestina. Conta, inclusive, com um espaço para denúncias de empresas clandestinas e com o arquivo de todas as empresas filiadas para consultas. O quadro 3 indica as maiores empresas, em ordem alfabética, existentes no estado de São Paulo, segundo o SESVESP. Informações não oficiais indicam que a empresa Pires seria a maior empresa não só do Estado de São Paulo mas também a maior do país. Quadro 3. As maiores empresas no Estado de São Paulo: N.º 1 2 3 4 5 6

Empresa Belfort - Segurança de Bens e Valores Columbia - Vig. e Seg. Patrimonial Elmo - Segurança Pres. Valores Ltda. Estrela Azul - Serv. de Segurança e Transp. de Valores Gocil - Segurança e Vigilância GP - Guarda Patrimonial de São Paulo

7 8 9 10 11 12 13 14

Graber - Sistemas de Segurança Ltda. Itatiaia - Segurança de Crédito Offício - Serv. de Segurança e Vigilância Pires - Serviços de Segurança Pollus - Serviços de Segurança Power - Segurança e Vigilância Protege - Transportes de Valores Salvaguarda - Segurança

15

Sebil - Serviços de Vigilância

Fonte: SESVESP

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Além de todas as entidades encarregadas de representar o setor, há um novo empreendimento que tem atraído grande parte do empresariado brasileiro. Em novembro de 2000, em Bangkok, na Tailândia, foi realizado o World Security

Congress, Congresso Mundial de Segurança Privada. Através da participação desse evento, empresários brasileiros conseguiram trazer para o Brasil o Congresso Mundial de Segurança Privada de 2002, que foi realizado em São Paulo e, o mais importante, participaram da proposta de criação da Federação Mundial de Segurança Privada, que está sendo liderada pelos representantes da África do Sul. A criação da Federação Mundial de Segurança, World Security Federation –

WSF, tem como objetivo estabelecer um centro mundial de comunicações entre as federações, associações e organizações de segurança privada. O intuito é que essa organização possa favorecer a troca de experiências e um aprendizado sobre as diferentes culturas e interesses operacionais. Faz parte da proposta a possibilidade da Federação ser assistida pela ONU que estabeleceu em assembléia geral, de 1994, uma Convenção sobre assuntos de segurança para seus países membros e que passaria a enquadrar a segurança privada em seus quadros oficiais. A idéia básica é conseguir que a segurança privada passe a fazer parte dessa Convenção. Por parte da ONU, a sugestão é que seja criada uma Organização NãoGovernamental (ONG) sob a bandeira da segurança privada no mundo. Dessa maneira, a World Security Federation seria uma ONG reconhecida e apoiada pelos governos de cada país com reconhecimento oficial da ONU. Para a constituição dessa ONG, a ONU exige um mínimo de seis Projetos Técnicos distribuídos entre onze especialidades na área de segurança, que deverão ser apresentados e formalizados com a anuência dos países-membros.

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Os reflexos do processo de expansão

Tecnologia Um indicador desse processo de expansão está no barateamento e “popularização” dos equipamentos eletrônicos de segurança13. Com as facilidades das importações os equipamentos ficaram mais baratos e proporcionaram um estímulo ao desenvolvimento da indústria brasileira de equipamentos eletrônicos de segurança que disputa o mercado com os produtos importados. Além disso, estando aberto aos equipamentos estrangeiros, os produtores brasileiros ficaram muito próximos dos componentes e circuitos de ponta que não eram feitos aqui. Isto resultou no investimento da indústria nacional em novas tecnologias e processos de produção e na sua procura por novos mercados consumidores. A EXPOSEC - International Security Fair é a vitrine de novas tecnologias em equipamentos para segurança. Normalmente o maior destaque é dado aos novos equipamentos ou às inovações de equipamentos já conhecidos como circuitos fechados de TV, alarmes, sensores, fechaduras elétricas, portões automáticos, entre outros. Os sistemas de observação e de alarmes são os mais populares entre os consumidores. Câmeras com grande definição de imagem, câmeras camufladas (com microfone, escondidas em relógios, detectores de fumo, e de movimento) câmeras encobertas (para uma vigilância “discreta e dissuasiva”), caixas de cobertura para a proteção de câmeras, matrizes de vídeo que maximizam a utilização

das

câmeras,

lentes

e

monitores,

micro-câmeras,

sensores

13

Segundo matéria do Jornal da Segurança n.º 64, numa assembléia realizada em 23/11/99 o SESVESP, antigo Sindicato das Empresas de Segurança Privada, passou a responder também pelas empresas que fazem segurança eletrônica, mudando o nome para Sindicato das Empresas de Segurança Privada e Eletrônica e Cursos de Formação. Segundo seu então presidente, José Luiz Fernandez, antes, a segurança eletrônica era um mercado restrito devido aos preços dos equipamentos eletrônicos e que, hoje, com a abertura das exportações os custos dos aparelhos diminuíram e várias empresas entraram nesse segmento. Cita, por exemplo, que a segurança patrimonial perdeu em 1999, 20 mil homens, motivada pela própria economia atual como também pelos serviços que utilizam cada vez mais equipamentos eletrônicos e menos o homem.

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infravermelhos, central de alarmes, receptor para alarme, teclado para controle de acesso (para acionar fechaduras ou alarmes), controles eletrônicos de portões, rádios transmissores são parte dos equipamentos à disposição dos consumidores. Para aqueles que não estão satisfeitos em terem uma porta comum em sua residência ou escritório há, por exemplo, portas totalmente blindadas, com sete pontos de travamento (nas quatro direções da porta) que é feito através de chave computadorizada, com isolante térmico e acústico e visor telescópico de amplo alcance. Cópias de chaves dessas portas são feitas apenas por computador e através das informações contidas em um cartão confidencial do cliente. Além dos próprios equipamentos para segurança, há equipamentos que permitem monitorar a atividade dos vigilantes. Trata-se de um alarme para vigia com temporizador, um equipamento que permite controlar as rondas feitas pelo vigia Outro equipamento amplamente divulgado é a proteção perimetral, uma versão do arame farpado, feito de aço e dotado de lâminas “concebidas para penetrar e agarrar”, que impede a entrada de pessoas através de obstáculos limítrofes. Alguns ainda são ligados a uma central de choque pulsativo que, além de eletrificar, pode funcionar na supervisão caso alguém tente cortar a barreira. Uma das novidades em equipamentos, apresentadas nas últimas edições da feira, são os equipamentos de biometria. São equipamentos de alta tecnologia que permitem o controle de acesso físico pelo reconhecimento da íris ou dos traços da face. O diferencial destes equipamentos é a alta confiabilidade do sistema. No caso da identificação pela íris, segundo diretores da empresa LG, a probabilidade de duas íris gerarem o mesmo código de segurança é de 1 em 1078 sendo que toda a população do planeta é de 1010. O controle de acesso físico pela íris humana utiliza quatro processos: localização do olho, captura da imagem, processamento e codificação da íris e registro e gravação do padrão da íris. Baseado nessa gravação, o sistema precisa de 1 segundo, para dados de até 4 mil pessoas, para comparação e reconhecimento completo da pessoa. Outro equipamento possibilita o reconhecimento de pessoas através do monitoramento de uma determinada área do corpo. No caso do reconhecimento de faces, o equipamento é eficaz mesmo 80

que sejam feitas modificações como uso de óculos, bronzeamento, mudanças na cor do cabelo, envelhecimento etc. Isto é possível porque o aparelho pode fazer o reconhecimento através de 80 pontos característicos da face. Este processo de monitoramento pode ser aplicado em áreas abertas ou fechadas e tem sido utilizado para o monitoramento das ruas da cidade de Londres. Um serviço muito difundido entre as empresas de segurança compreende os projetos personalizados de instalação de equipamentos e as promoções que oferecem “pacotes” de serviços. A Graber, uma das maiores empresas em serviços prestados à residências, oferece uma catálogo com os planos de segurança disponíveis. São três as opções: o plano básico - instalação de equipamentos ligados à central de monitoramento que a qualquer sinal avisa a polícia; o plano especial - inclui os serviços do plano básico mais a disponibilidade da chegada de uma Unidade Volante de Atendimento no local; o plano VIP - são todos os serviços anteriores e mais uma Unidade Volante Móvel de Atendimento circulando várias vezes, dia e noite, na rua do imóvel protegido. No mesmo catálogo há ficha para a solicitação de uma análise de risco, gratuita, do imóvel. Um dos sistemas muito procurados pelos clientes e que desperta certa polêmica é o botão de pânico, um equipamento que através de ondas de rádio auxilia o usuário no pedido de ajuda a uma empresa de segurança em caso de assalto ou ameaça à sua casa. Quando o botão é ativado, o sinal é emitido até à empresa que liga para a casa do cliente para checar a veracidade do alerta. Se o cliente não mencionar uma senha combinada previamente, a empresa chama a polícia. A polícia também é acionada se o telefone estiver ocupado, não for atendido ou se a ligação for atendida por algum estranho. Para dispor desse serviço paga-se no mínimo R$600,0014 para a instalação, mais as taxas mensais de R$70,00. As estimativas, segundo as empresas, são de que os botões de pânico estão presentes em nove de cada dez sistemas de segurança eletrônica instalados 14

Considerando que as quantias monetárias citadas neste trabalho possam se tornar desatualizadas, é relevante informar que esta pesquisa foi realizada em um período onde o valor de câmbio de um dólar oscilou entre dois e três reais.

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no país. Porém, em entrevista veiculada no jornal Folha de S. Paulo de setembro de 2000, o major Ricardo Tavares Franco, chefe do Copom - Centro de Operações da Polícia Militar, questiona a eficácia do equipamento. O major afirma que, ao invés de se utilizar o botão, pode-se simplesmente discar o número 190 da polícia, e em caso de perigo, discar e deixar o telefone fora do gancho. Afirma que isto seria o mesmo esforço de se ativar o botão e que em ambos os casos o atendimento será feito pela Polícia Militar. Já o presidente da Abese - Associação Brasileira da Empresas de Segurança Eletrônica alega que o botão é mais eficiente, principalmente em situações extremas pois é um pedido de socorro mais discreto. Outro item constantemente lembrado nos projetos de segurança refere-se à iluminação. Considerando que tanto a iluminação interna como a externa funcionam como um inibidor, pois locais bem iluminados são mais seguros também existem várias opções no mercado, de equipamentos para serem utilizados de acordo com os sistemas de segurança do local. Há sistemas de iluminação focalizados com acionamento automático, que mostram que há um monitoramento no local; ou sistemas que atuam integrados a detectores de presença que acionam instantaneamente os projetores, iluminando a área invadida. Os fabricantes destacam que além do quesito segurança, esses equipamentos também seriam eficientes no consumo de energia, evitando o desperdício e estariam dentro das metas estabelecidas pelo Plano de Segurança lançado pelo Governo Federal que inclui a necessidade de uma iluminação eficiente como um dos recursos no combate à violência. Outro equipamento muito encontrado nas residências dos bairros de classe média e alta são as cercas pulsativas. Entretanto, no Brasil, não existe qualquer legislação que proíba ou discipline a instalação desses sistemas de segurança. As cercas são instaladas de acordo com a vontade do cliente, pois não há nenhuma fiscalização mas, segundo os empresários do setor, a solução encontrada por algumas empresas é ter as normas internacionais, geralmente as normas francesas, como base.

82

Frente a toda tecnologia imposta também aos locais de circulação pública acirra-se o debate acerca da invasão dos sistemas de monitoramento, principalmente sobre o que pode e o que não pode ser visto e controlado pelos sistema eletrônicos de segurança. Na cidade de Londres os habitantes são monitorados por câmeras colocadas nas ruas e há uma estimativa de que no ano de 2015, com exceção às residências, não haverá nenhum lugar que não seja monitorado. Especialistas no assunto alegam que esse projeto trará vários benefícios como a dissuasão de futuros agressores, redução da mão de obra efetiva da segurança, gerenciamento de situações de risco em tempo real, entre muitas outras. Entretanto questiona-se a necessidade da perda da privacidade das pessoas em troca da sensação de segurança. Alguns críticos do sistema fazem alusão ao livro 1984, de George Orwells, onde tudo é controlado pelo Grande Irmão. Segundo a opinião do sociólogo Luis Antônio de Souza, em entrevista ao

Jornal da Segurança de novembro de 1999, nos regimes autoritários há uma grande repressão, já na democracia há a vigilância, onde cada cidadão controla as atitudes do outro para que a ordem seja preservada. Para ele, o lado negativo desse sistema de controle é o fortalecimento da suspeição mútua mas esta polêmica só surge quando as câmeras estão em lugares freqüentados pela classe média que se julga fora de qualquer grupo de suspeição. Nas ruas paulistanas, as câmeras existentes são de controle de trânsito, monitoradas pela CET - Companhia de Engenharia de Tráfego, usadas apenas para auxiliar os engenheiros nos projetos de melhoria do tráfego. Entretanto, o delegado

do

DEPATRI

-

Departamento

de

Investigações

Sobre

Crimes

Patrimoniais, Dr. Manoel Camassa, defende que, apesar do desconforto e constrangimento

causado

pela

exposição,

a

aceitação

desse

tipo

de

monitoramento é uma contribuição que cada pessoa presta para uma maior segurança, ora beneficiando e ora sendo beneficiado. O benefício seria a inibição que os circuitos de TV geram na prevenção do crime patrimonial. Consultores de segurança afirmam que os CFTV (circuito fechado de televisão), quando 83

empregados de forma correta e integrados com a tecnologia, são armas imbatíveis para a segurança. Outro exemplo de uso dos sistemas de segurança no auxílio à segurança pública são o Parque da Luz, no centro de São Paulo, e algumas estradas privatizadas do Estado de São Paulo. Desde o dia 29 de julho de 2000, funciona no Parque da Luz um novo modelo de segurança, com um esquema de vigilância 24 horas por dia. Aberta licitação pela prefeitura, a Emtel foi a empresa de segurança contratada. Os valores mensais gastos com a manutenção dos vigilantes e do monitoramento totalizam R$29.134,26. Tudo o que acontece no parque da Luz é gravado por um aparelho e cada fita utilizada tem capacidade para 960 horas de imagens. Se algum crime acontece, o material gravado e a pessoa detida são enviados à polícia. Há a previsão para a instalação de serviços semelhantes em outros parques da cidade e algumas empresas já foram contatadas para apresentarem projetos para os parques Trianon, Ibirapuera e Aclimação. O mesmo se aplicou à duas estradas que ligam a cidade de São Paulo ao interior do estado. Após passarem por um processo de privatização e receberem investimentos em sua infra-estrutura, as estradas

Castelo Branco e o sistema

Anhanguera-Bandeirantes passaram a ser chamados de “rodovias inteligentes”. Nestas rodovias, equipamentos de fibra ótica e circuitos fechados de televisão permitem que se saiba, em tempo real, tudo o que acontece na estrada, o que parece proporcionar maior segurança aos motoristas tanto para casos de acidentes como para os casos de assaltos. A Castelo Branco, por exemplo, está equipada no trecho até a cidade de Sorocaba, com 66 câmeras, instaladas em torres de 15 metros, com zoom que amplia a imagem até dez vezes. Operam em 360 graus e alcançam o raio de 1,5 quilômetros, funcionando também à noite. Refletindo esse aumento na procura por equipamentos eletrônicos de segurança, foi criado, em maio de 2000 o Sindicato das Empresas Monitoradoras, Instaladoras e Mantenedoras de Sistemas Eletrônicos de Segurança do estado de São Paulo. O sindicato atua paralelamente à Abese - Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança. Enquanto esta tem propósitos 84

mais amplos, de âmbito nacional, o sindicato tem propósitos mais específicos e mais direcionados. Além do uso de equipamentos eletrônicos, outra “solução” encontrada pelos moradores para sua proteção são os bolsões, criados a partir do fechamento das ruas próximas às residências. Segundo a CET, todos os pedidos de fechamento de ruas são negados mas as associações de bairro tentam negociar a privatização do espaço público com as administrações regionais que, dificilmente, fiscalizam as ações ilegais. Há, por exemplo, casos publicados pela imprensa do fechamento de praças realizado por associações de moradores, da construção de um muro de 300 metros para separar os moradores do bairro City América de duas favelas vizinhas, de vigias que trabalham armados em frente a um prédio no bairro do Pacaembu, e de condôminos do bairro de Higienópolis que mantêm um segurança na calçada e os “zeladores de rua” que circulam pela praça Buenos Aires com walkie-talkies. Um caso curioso foi publicado em uma matéria do jornal Folha de S. Paulo de novembro de 1992, sobre um comerciante que, por medo da violência, cercouse de equipamentos eletrônicos. Segundo a notícia, ao chegar em casa, ele usa um controle remoto que aciona uma sirene caso demore mais de dois minutos para cruzar o portão. Se for imobilizado por alguém, aciona um dispositivo que desliga os alarmes e uma “central de monitoramento” recebe um sinal que indica que o alarme foi desligado sob coação. Caso alguém entre em sua casa (antes vivia em uma apartamento, mas por não confiar nos porteiros preferiu se mudar, aumentando os muros, reforçando-os com espetos e sobre eles feixes de sensores) será detectado por um sistema de raios infravermelhos que dispara os alarmes e informa a central. Por último, se ainda assim alguém conseguir entrar na residência, o comerciante e sua esposa possuem um microtransmissor silencioso, que carregam em algum lugar do corpo, que informa a central em caso de assalto. Além destes, o comerciante declarou que se preocupa com outros cuidados como evitar andar a pé e, no trânsito, manter distância do carro da frente. Todo esse

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esquema se encerra com o seu desabafo: “Esse é o preço pago por se viver em São Paulo”. Entre todos os serviços que se expandiram, o de blindagem de veículos é o que causa maior impacto porque além de ser um serviço que requer um grande investimento, ainda não está sob nenhuma fiscalização governamental. Atrelado à expansão dos serviços privados de segurança, as classes média e alta pagam por mais este serviço com a justificativa de se protegerem da violência. Entretanto, o uso de blindados não se restringe apenas à veículos mas está se difundindo também como mais uma opção de segurança para condomínios e residências. O que antes era de uso restrito a instituições financeiras, consulados, casas lotéricas e pedágios, passou a ser comercializado para residências e empresas em geral. Algumas construtoras passaram a integrar aos seus projetos arquitetônicos os vidros blindados para guaritas, fachadas, portas e janelas, vitrines etc. Estas empresas especializadas atuam com consultores de segurança, engenheiros e arquitetos, oferecendo uma assessoria completa, sobretudo na aplicação dos níveis de blindagem e no uso correto dos produtos pois, além da questão da segurança, a estética se torna fundamental no resultado final. A blindagem, aliada ao monitoramento realizado por vigilantes e equipamentos, é vista como mais um dispositivo de segurança. Para o gerente de marketing da Blindex, uma das empresas do ramo, o vidro à prova de balas não pode “reduzir a violência mas humaniza a metrópole, além de ser mais uma opção de segurança que pode ser aliada à estética”. (Jseg, nº90) Empresários do setor sugerem até que as faculdades de arquitetura incluam em seus currículos de graduação ou pósgraduação a matéria de segurança, garantindo a homogeneidade do nível de segurança da aplicação da blindagem com a construção civil. Dados publicados pela AGP - American Glass Products, que pretende instalar uma fábrica no país, indicam que o Brasil lidera o ranking mundial em volume de carros blindados. Apesar da entrada de blindadoras no país ser algo recente, a partir de 1997, houve um salto nas vendas de vidros blindados para automóveis. Atualmente existem 40 empresas especializadas neste serviço. As vendas de carros 86

blindados para os consumidores de classe média no primeiro bimestre de 2.000, aumentaram 36% em relação a igual período de 1999, ano em que as 25 empresas existentes blindaram 3.000 carros. Hoje já existem inclusive consórcios de blindagem e facilidades para o pagamento. O serviço de blindagem de veículos, há alguns anos, era utilizado apenas pelas Forças Armadas, por transportadoras de valores, por políticos ou altos executivos. Os números de crimes registrados, especialmente aqueles referentes a assaltos e seqüestros seriam os responsáveis, segundo os empresários do setor, para a crescente demanda de veículos blindados. Em 1998, a procura de blindados por pessoas “comuns”, era de 50 automóveis por mês; em 1999, passou para 300 automóveis. O perfil destes novos clientes reúne médios empresários, profissionais liberais, advogados, médicos, executivos, comerciantes e industriais. Outra tendência observada é que, apesar da maioria dos carros blindados serem modelos importados, devido à violência nas ruas os clientes estariam requisitando blindagem de automóveis mais simples, modelos como Vectra e Golf, visando equipar todos os carros da família. Há também casos de famílias que vendem o segundo carro e optam em ficar com apenas um, mas blindado. Outra tendência verificada é que os proprietários de carros blindados quando decidem vender o veículo, o transferem para algum familiar e adquirem um novo modelo, também blindado. Em matéria sobre blindagem de veículos, publicada no jornal Folha de S.

Paulo, (16/03/99) um empresário faz o desabafo: “Não consigo viver sem um blindado. Quando estou no carro de um amigo que não tem a proteção me sinto inseguro” e acrescenta que a blindagem é a garantia de que sairá de casa e encontrará a família de novo no fim do dia. Por tratar-se de um mercado novo, a blindagem particular não possui um órgão fiscalizador no Brasil e as empresas afirmam seguir as normas internacionais. Quanto aos veículos de empresas transportadoras de valores, seus veículos têm blindagem especificada pela legislação que regulamenta os serviços privados de segurança. Também não há regras específicas para o controle dos serviços de blindagem, permitindo que qualquer pessoa, sem nenhum empecilho, 87

possa blindar um veículo. Nem mesmo a Polícia Federal tem um controle ou cadastro de pessoas que possuem carros blindados. A própria lei que regula atividade da segurança privada não tem nenhuma ligação com os serviços de blindagem que se expandem cada vez mais. A empresa de blindagem, no máximo, informa a Secretaria de Segurança Pública de que um determinado carro é blindado para que essa informação possa ser repassada às companhias de seguro, isto porque, caso o veículo seja roubado, o valor a ser pago pelo seguro é maior do que o de um veículo comum. Porém, não existe nenhuma obrigatoriedade, este procedimento é feito apenas para garantir ao proprietário uma prova de que seu carro tem um valor maior do que os carros que não receberam a blindagem. Além do serviço de blindagem, algumas empresas indicam aos clientes determinadas medidas de prevenção. Entre elas, orientam que o motorista tenha consciência de que a blindagem somente serve para a segurança nas ruas, que não significa que o cliente possa “provocar” o ladrão por estar dentro de uma estrutura resistente a tiros. Para a blindagem de um veículo, o serviço custa em média de 30% a 50% do valor do automóvel e o preço varia conforme o nível de blindagem utilizada; são utilizadas placas de aço, uma espécie de manta confeccionada com várias camadas de fibras de alta resistência balística e os vidros, a parte mais cara, são de cristal balístico revestido por camadas de policarbonato transparente. Outra opção para reforçar a segurança é o uso de uma espuma especial, colocada entre o pneu e a roda do veículo que, em caso de furo, procura tapar o buraco e permite que o veículo rode por mais alguns quilômetros. Segundo o ranking da AGP, depois do Brasil, com 4.000 veículos blindados no ano 2000, vêm México, com 2.200 veículos, Estados Unidos, com 1.800 veículos e Colômbia, com 1.600 veículos.

Recursos Humanos Toda essa estrutura requer uma grande massa de pessoas qualificadas para a execução de atividades técnicas e especializadas como a de vigilantes, guarda88

costas, técnicos em eletrônica, técnicos em segurança e especialistas nas mais diversas áreas. Como ocorre em todas as áreas, os serviços de segurança privada também são afetados pela substituição dos recursos humanos por recursos tecnológicos porém, apesar disto, ainda exigem um grande número de pessoas capacitadas para atividades, tanto administrativas quanto técnicas. Entretanto, os serviços não tendem a acompanhar o barateamento que ocorreu com os equipamentos. Cerca de 90% dos serviços necessitam de mão de obra, o que implica em um conjunto de gastos como salários, uniformes, armamentos e impostos. Como existe um gasto fixo, que é o piso salarial estipulado para a categoria, ele é o principal item na definição do preço dos serviços. O piso salarial atual de um vigilante é de R$600,00 e as empresas definem seus preços a partir desse valor: valor do salário mais 100% que são a parte de encargos, ou seja, são pagos outros R$600,00 de encargos sociais, o que resulta num custo de R$1.200,00 por vigilante. Sobre este valor há uma prática de mercado que varia de empresa para empresa, em torno de 30% e 18%. Neste percentual é que estão todas as despesas que não são mão de obra, como por exemplo, manutenção, uniforme, despesas administrativas, entre outras. Como a margem de lucro fica em torno de 3 a 4%, o ganho da empresa está no volume dos serviços prestados. Considerando que o piso salarial é redefinido anualmente, a tendência a ser verificada é o aumento do preço desses serviços. O sindicato dos vigilantes tem forte atuação na defesa dos profissionais do setor. Uma das críticas feita pelos empregadores é que a legislação brasileira não permite que os empresários estabeleçam contratos com vigilantes “autônomos”, que recebem pagamento por hora trabalhada. A categoria “vigilante autônomo”, legalmente, não existe. Uma empresa só pode dispor dos serviços de um vigilante regularmente contratado por ela. Isso obriga as empresas a terem um quadro de vigilantes contratados para suprir a demanda e quando a empresa necessita de mais vigilantes para um determinado posto, ela é obrigada a contratar novos funcionários.

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Quanto aos clientes, estes procuram reduzir os custos com os serviços através da interação entre o homem e a tecnologia ou até mesmo no aumento do uso de equipamentos em detrimento da contratação de vigilantes. Segundo o depoimento de proprietários de empresas desses equipamentos, há alguns anos as indústrias eram seus únicos clientes enquanto hoje, cerca de uma quarto de suas vendas são para condomínios e residências. O sucesso desses equipamentos estaria no fato deles serem vistos como um inibidor de possíveis assaltos. Apesar do desenvolvimento cada vez maior da tecnologia disponível, o número de pessoas que atuam no mercado da segurança ainda é muito grande. Isto pode ser percebido quando se comparam os números dos efetivos da segurança pública e da segurança privada. Como mostra a tabela 1, existe no estado de São Paulo cerca de 95.000 vigilantes regularizados. Há que se considerar também o contingente de vigilantes clandestinos que, apesar de ser impossível o cálculo exato do seu efetivo, estimativas apontam a existência de aproximadamente 100.000 homens trabalhando irregularmente como vigilantes. Para todo o país, os números são de 1,1 milhão de vigilantes, legalizados e não legalizados, enquanto as polícias Civil e Militar totalizam, aproximadamente 485 mil homens para todo o Brasil e 115 mil homens no estado de São Paulo. (Ver tabela 2). Cabe ressaltar que, enquanto os números da segurança privada se referem apenas ao número de vigilantes, os números da segurança pública englobam tanto os policiais que fazem parte do policiamento ostensivo ou investigativo quanto aqueles que são alocados para funções burocráticas. Além disso, é importante lembrar que boa parte desse efetivo da segurança pública, principalmente entre os integrantes da Polícia Militar, atua, irregularmente, nas duas forças. É o chamado “bico”, serviço realizado pelos policiais nos momentos de folga. Para o delegado Paulo Fortunato, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do estado de São Paulo, o motivo da grande procura pelos serviços privados de segurança é a falência do Estado, e o “bico” é a oportunidade do policial mal remunerado aumentar sua renda.

90

Conforme a tabela 1, não se percebe grandes variações, no período de 1994 e 2000, entre os números de vigilantes regulares, tanto no que se refere a Brasil quanto ao estado de São Paulo. São 450.000 pessoas exercendo legalmente a atividade de vigilante em todo o país, sendo 95.000 somente no estado de São Paulo. Entre estes, cerca de 10% é formado pelas vigilantes femininas, conhecidas como guardetes. Tabela 1. Número de vigilantes regulares: Ano

São Paulo

Brasil

1994

100.000

400.000

1995

120.000

400.000

1996

120.000

400.000

1997

120.000

400.000

1998

100.000

400.000

1999

100.000

400.000

2000

95.000

450.000

Fonte: SESVESP

Tabela 2. Número dos efetivos das polícias civil e militar: Polícia Civil UF’s

N.º absoluto

Taxa por 100mil hab.

Polícia Militar Hab. por policial

N.º absoluto

Taxa por 100mil hab.

Total Hab. por policial

N.º absoluto

Taxa por Hab. 100mil por hab. policial

Brasil

112.067 66,10

1.513

372.957 219,98

455

485.024 286,07

350

São Paulo

36.594

1.559

78.483

471

115.077 311,30

321

64,16

212,31

Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública MJ/SENASP/DECAASP/Coordenação de Estatísticas e Acompanhamento das Polícias IBGE – Censo 2000 1. Dados enviados no 1º semestre de 2001. 2. Incluído o total de servidores dos Institutos de Criminalística, de Identificação e Médico Legal. 3. Nestes dados, o efetivo do Corpo de Bombeiros está incluído no efetivo da Polícia Militar.

Diante dos crescentes índices de desemprego, a carreira de vigilante se torna algo muito atrativo. Representa a possibilidade de um rendimento em torno

91

de R$600,00 exigindo dos candidatos a conclusão do 4º ano primário e o curso de formação, com duração de quinze dias, ao custo de R$220,00. Uma das principais questões acerca dos serviços de segurança envolve a definição precisa entre as atividades desenvolvidas pelo vigilante. A palavra vigia, oficialmente, não existe porque quem exerce a atividade de segurança é o vigilante, que é um homem devidamente instruído através do curso de formação, fiscalizado pela Polícia Federal e que possui toda documentação. Outra diferença existe em relação a função de porteiros, funcionários encarregados de controlar a passagem de pessoas pelos portões e que, no limite, exercem apenas um monitoramento do local, como um apoio aos serviços de segurança. Além da diferença de formação e qualificação, conseqüentemente, há a diferença de custo entre eles.

Cursos e Feiras A dimensão e importância do mercado de segurança privada, principalmente no que diz respeito a equipamentos e cursos pode ser verificada na realização anual da Exposec, International Security Fair. Sua quarta edição foi realizada em novembro de 2000. É considerada a maior feira sul-americana de segurança, que mostra as últimas novidades em produtos, tecnologias e serviços para segurança física e patrimonial. Sua primeira edição reuniu 72 estandes, a segunda, 160 expositores, a terceira 350 e a quarta, 300 expositores, nacionais e internacionais. Trata-se de uma exposição das empresas do setor que vendem aparelhos para esquemas de segurança, oferecem treinamento de pessoal especializado, acessórios diversos e publicações sobre o tema. Além das novas tecnologias em equipamentos, a feira é uma oportunidade às empresas que oferecem cursos especiais aos profissionais da segurança. Há cursos voltados para as atividades básicas de vigilantes, para aqueles que já possuem algum curso de especialização, principalmente em segurança pessoal,

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além de cursos voltados para gerentes e administradores da atividade de segurança. Entre os cursos básicos, há o de técnicas para o manuseio de Tonfa, um instrumento que substitui o cassetete e é exigido pela maioria das empresas. O público alvo são os vigilantes, agentes da segurança e profissionais da segurança privada de proteção ao patrimônio e a pessoa. Outro curso ensina a administrar conflitos entre clientes e os vigilantes que controlam o acesso em portas com detectores de metais Neste curso o vigilante aprende a evitar ou gerenciar tais conflitos, minimizando os constrangimentos causados. O público alvo é o mesmo do curso anterior. A empresa Emforvigil S/A e Uzil Treinamento de tiro e Consultoria, uma das principais escolas do setor, oferece vários cursos, dentro de modalidades específicas. O destaque é dado principalmente àqueles mais sofisticados como os que ministram técnicas israelenses anti-seqüestro para a proteção de executivos. O objetivo do curso, segundo sua divulgação, era proporcionar a familiarização com “as mais modernas” técnicas israelenses de proteção de executivos e medidas antiseqüestro, através de instrutores especializados nos Estados Unidos, Israel e Japão. Outros cursos especializados aos profissionais de segurança pessoal são oferecidos pelo C. A. T. I. - Centro Avançado em Técnicas de Imobilização. Entre os cursos oferecidos há aqueles destinados a grupos de operações especiais das polícias Civil, Militar e Federal, Forças Armadas e a pessoas autorizadas pelos órgãos governamentais competentes que visam o preparo de policiais para a atuação em situações de risco como os de resgate de reféns, rebeliões, abordagens de suspeitos sob efeito de entorpecentes entre outros. Ensinam ao aluno técnicas de mobilização tática para serem usadas em ocasiões em que não é possível fazer uso de armas de fogo. Outra empresa, US-Carephone, oferece curso de segurança em Israel. Com aulas ministradas em três cidades, Cesaréia, Jerusalém, e Tel Aviv, todo o curso é ministrado em português. O curso custava, em outubro de 1999, U$5.700,00, o que incluía hospedagem e refeição, visitas 93

técnicas profissionais, translados, passeios e podia ser financiado pelo sistema bancário em até 12 vezes. Para tentar suprir a necessidade de profissionais especializados, outros cursos também estão sendo desenvolvidos, de nível superior, na área de gerenciamento em segurança privada. Considerando que grande parte de consultores e instrutores de empresas de segurança privada e de cursos de formação é formada por pessoas que migraram das polícias públicas, a emergência desses cursos se deu para suprir a necessidade de formação de pessoas qualificadas por cursos voltados especificamente para a área de segurança pessoal e patrimonial. É uma tentativa de se profissionalizar também a formação de pessoas que vão exercer essa atividade. Entre esses cursos, há o curso avançado de segurança empresarial - Master

Business Security, um curso de extensão universitária com carga horária de 222 horas, realizado pela Emforvigil, pelo Centro de Estudos Álvares Penteado, e pela Brasiliano e Associados Consultoria em Segurança. O objetivo desse curso é proporcionar o conhecimento de conceitos e técnicas de gestão de segurança para serem aplicados nas atividades profissionais e é voltado para aqueles que ocupam funções de chefia, supervisão, média e alta gerência de empresas ou departamentos de segurança. O curso compõe-se de 18 módulos com os seguintes conteúdos: análise conjuntural; métodos de pesquisa; finanças e custos; administração e controladoria; marketing em segurança; recursos humanos; qualidade na segurança; análise de risco; sistemas eletrônicos de segurança; sistemas de comunicações; segurança física; segurança pessoal; organização dos serviços de segurança; planejamento em segurança; segurança em informática; delitos corporativos; inteligência e contra-inteligência competitiva e seminário de conclusão de curso. Além deste, há cursos de extensão universitária em segurança empresarial, como o Master in Business Administration - Gestão em Segurança Empresarial, um curso de pós-graduação, latu sensu, com ênfase para a gestão de segurança que tem o objetivo de preparar os alunos em como conceber e liderar programas e 94

ações de segurança no cenário empresarial. Tem duração de 360 horas aula divididas entre os módulos: finanças, marketing, inteligência competitiva, tecnologia da informação, segurança da informação, planejamento e estratégia empresarial, tecnologias em segurança empresarial, logística, direito aplicado e trabalhos de campo. Durante a feira Exposec é possível perceber o quanto as empresas investem em marketing. As empresas de segurança contam com sistemas sofisticados de propaganda como jornais, revistas e boletins informativos. Neles as empresas divulgam os prêmios e certificados de qualidade recebidos pela empresa, lançamento

de

novos

uniformes

para

seus

funcionários,

instalação

de

departamentos para controle de qualidade que visam identificar o nível de satisfação dos clientes, perfil de seus funcionários bem como regras para seleção e formação, campo de atuação, fotografias dos centros de formação profissional, de treinamento e de cursos de reciclagem. Toda a parte de comunicação e apresentação das empresas, sobretudo nas de grande porte, tenta apresentar seus serviços como uma alternativa confiável para os consumidores, tanto no que se refere ao treinamento cada vez mais rigoroso de funcionários, quanto no investimento em tecnologia, equipamentos e uniformes modernos. A propaganda das empresas é um forte aliado na consolidação desses serviços e, apesar de alguns especialistas ressaltarem a função dos serviços privados como o de auxiliadores dos serviços públicos, essa propaganda transmite a idéia da segurança privada como uma necessidade quase “natural” para o bem estar das pessoas. A razão de ser é quase sempre a mesma, a preservação do patrimônio e da integridade física de executivos e de famílias inteiras e a defesa dessa integridade vira sinônimo de prevenção, realizada através de todo o aparato tecnológico. Não só há o interesse individual por equipamentos como também há o caso das próprias construtoras que passaram a integrar tais equipamentos como um diferencial para seus condomínios. Nos anúncios de vendas de imóveis, sobretudo naqueles de alto padrão, é comum haver destaque para os esquemas 95

de segurança instalados no imóvel e até para a empresa encarregada da segurança no local. A idéia de que vivemos num mundo caótico, desordenado e violento, e que isso nos obriga a tomar alguma atitude em relação à segurança, justifica a opção por iniciativas individuais e isoladas de contratos de segurança.

Fiscalização Para uma empresa de segurança poder atuar é necessário enviar um requerimento ao Superintendente Regional do Departamento da Polícia Federal, solicitando uma visita nas instalações e atender a uma série de exigências desse órgão fiscalizador. A empresa legalizada deve possuir habilitação legal, verificada através do certificado de segurança – emitido pelo Departamento de Polícia Federal, que certifica que a empresa foi fiscalizada e está em condições técnicas de prestar serviços; e pela autorização de funcionamento – emitida pelo Ministério da Justiça, com publicação no D.O.U. (Diário Oficial da União) que permite que a empresa possa atuar nesse segmento econômico. Quanto ao vigilante, deve estar registrado numa empresa especializada e possuir o certificado de conclusão do curso de formação para vigilantes, devidamente registrado na Polícia Federal, registrado na D.R.T. (Delegacia Regional do Trabalho) e possuir a Carteira Nacional do Vigilante para exercer a atividade. A atividade de vigilantes autônomos é totalmente ilegal. O vigilante regular deve ter vínculo empregatício com uma empresa, usar em serviço o uniforme dessa empresa e estar devidamente identificado. As empresas também são proibidas de prestarem serviços de segurança utilizando policiais como seguranças. No Brasil, a Constituição Federal atribui à Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Guardas Municipais a competência para exercer atividades de polícia em vias e áreas públicas. A qualquer outra pessoa fica vetada a atividade de segurança em áreas públicas e quando a lei não é respeitada, o ato se classifica como crime de usurpação de

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função pública. Quanto às empresas de segurança privada, podem exercer segurança patrimonial em estabelecimentos e áreas privadas como também podem ter serviços de proteção de bens na via pública através da autorização para transporte de valores e escolta armada ou na proteção de pessoas através de uma autorização específica para atuar em segurança pessoal. Nos casos de segurança particular na rua, seria possível um contrato para serviço de segurança pessoal, para clientes especificados no contrato, mas nunca a todos os moradores ou comerciantes de uma mesma rua. Os vigilantes das empresas legalizadas não estão autorizados a trabalhar nas vias públicas, fora dos prédios, condomínios ou empresas. Dessa forma, são ilegais as ações de vigilantes fora dos limites dos prédios ou residências, assim como a presença de vigilantes nas ruas ou a instalação de guaritas nas calçadas. O mesmo acontece com os condomínios fechados onde é permitido que exista segurança particular apenas em sua parte interna mas nunca nas vias públicas. Somente a presença física de uma pessoa que exerce a função de vigilante de uma determinada rua, os conhecidos vigilantes de rua, não é ilegal, ilegal é o uso, por parte destas pessoas, de equipamentos que são restritos aos vigilantes regulares como armas, rádios e coletes de identificação. O vigilante regular possui um documento de identificação da categoria, a Carteira Nacional do Vigilante, lançada em 13 de agosto de 1999 que, durante o serviço, pode ser utilizada em todo território nacional. Esse é o documento oficial dos trabalhadores qualificados pelo curso de formação profissional e contratados por empresas de segurança legalmente constituídas. A carteira é expedida pela Divisão de Controle de Segurança Privada da Coordenação Central de Departamento de Polícia Federal, após exame de cada solicitação. Além da identificação do vigilante, a carteira facilita a fiscalização por parte das delegacias especializadas da Polícia Federal. Quanto ao porte de arma, é facultativo ao vigilante em serviço. O seu uso ou não é determinado através de uma avaliação de risco feita pelos consultores de segurança da empresa. As armas usadas são de propriedade e responsabilidade das empresas ou, no caso de guarda-costas, dos contratantes dos serviços. Este 97

tipo de regulamentação entra diretamente em choque com a lei de porte de armas. Tornam-se incompatíveis porque, enquanto esta determina que o porte está vinculado diretamente a uma pessoa e respectiva arma, a lei sobre empresas de segurança estabelece que a arma deve ser propriedade da empresa especializada. Para o vigilante, esta incompatibilidade faz com que, muitas vezes, tenham atritos com policiais que exigem deles uma documentação que não têm. No estado de São Paulo existe uma delegacia da Polícia Federal, Delesps, situada na capital, encarregada da fiscalização dessas empresas. Quando a área a ser fiscalizada é menor, as delegacias são substituídas por comissões de vistoria como as existentes em Bauru, Presidente Prudente, Santos, Ribeirão Preto, São Sebastião, São José do Rio Preto e Campinas. Todos os serviços prestados pelas Delesps são cobrados através de taxas pré determinadas. Essas taxas cobradas pela Polícia para os serviços de atualização e autorização de funcionamento são destinadas a um fundo comum, a FUNAPOL – fundo para aparelhamento e operacionalização das atividades-fim da Polícia Federal. Porém, as taxas não são revertidas diretamente para a Polícia Federal para manutenção de pessoal encarregado da fiscalização das empresas e, com isso, hoje há uma estrutura ainda precária e um número muito reduzido de policiais disponíveis para esse serviço. A Delesp de São Paulo conta com 20 pessoas em sua equipe, sendo que apenas três é que são encarregadas de averiguarem as denúncias sobre empresas clandestinas em toda Grande São Paulo. Isso faz com que esse órgão fiscalizador exerça um controle mais rígido sobre as grandes empresas já que reconhecem que é quase impossível fiscalizar a atuação das empresas clandestinas. Ao mesmo tempo, pessoas que exercem a atividade de maneira ilegal, como vigilante clandestino por exemplo, dificilmente são denunciadas porque é muito difícil identificar apenas uma pessoa quando não há um espaço físico ao qual estejam ligadas (no caso a uma empresa de segurança). Os executivos do setor, sobretudo das empresas de maior porte se queixam da fiscalização severa que a Polícia Federal exerce sobre as grandes empresas 98

enquanto que as de menor porte mantêm-se, mesmo irregulares, porque a fiscalização simplesmente não chega até elas. Ao mesmo tempo em que a fiscalização não é o suficiente para abranger todas essas empresas, as empresas clandestinas acabam tendo vida curta no mercado porque normalmente não têm capacidade de garantir todos os encargos aos seus funcionários e acabam fechando suas portas sem quitar suas dívidas. Além da fiscalização, uma medida recente, aprovada no estado de São Paulo, gerou protestos por parte dos empresários das empresas de segurança privada. Em dezembro de 2000 foi aprovada pela Assembléia Legislativa de São Paulo, o Projeto de Lei 563/2000, do governo do Estado que estabeleceu a taxa para serviços de segurança particular em condomínios. Pela lei, as empresas de segurança são obrigadas a pagar 22 Ufesp15, o equivalente a R$203,94 enquanto aos condomínios caberá uma taxa de 11 Ufesp, que corresponde a R$101,97. Este valor passa a ser cobrado para a expedição de um certificado de regularidade de situação que deverá ser renovado anualmente. Estas taxas seriam destinadas ao Fundo de Incentivo à Segurança Pública. Dessa forma, todos os condomínios que tenham um corpo de segurança próprio ou as empresas de segurança terão que recolher uma taxa para o Estado. Esta lei se aplica a indústrias, estabelecimentos comerciais, autarquias e condomínios. A decisão gerou grande polêmica entre os empresários do setor que alegam que, além das várias taxas já pagas à Polícia Federal, a atividade está regulada pela União e a fiscalização cabe à Polícia Federal. Argumentam que o estado não exerce nenhum poder de fiscalização sobre as empresas de segurança e, portanto, trata-se de uma cobrança por uma fiscalização que não existe. Tal atribuição é do Ministério da Justiça, através do Departamento de Polícia Federal nos termos da Lei 7.102

15

UFESP - Unidade Fiscal do Estado de São Paulo, é reajustada de seis em seis meses e seu valor

atual é de R$ 9,83 (dados de maio de 2001).

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Clandestinas Um dos principais problemas apresentados pela demanda crescente de serviços de segurança é o desenvolvimento do mercado paralelo de segurança clandestina, que agrega tanto empresas irregulares, que não possuem autorização necessária para o funcionamento, quanto os vigilantes autônomos, muitas vezes, policiais à paisana. Além desses prestadores de serviço não serem autorizados, geralmente exercem suas atividades fora do que é especificado por lei. Em vários bairros de São Paulo pode-se encontrar homens vestidos com jaleco preto, com a inscrição “segurança particular” nas costas, fazendo segurança em ruas de comércio ou residências, principalmente aqueles de classe média e alta. Muitos fazem uso até de armas de fogo sem terem a devida autorização ou, o que é mais grave, sem nenhum tipo de treinamento. Os serviços clandestinos de segurança têm sido a principal preocupação dos executivos das grandes empresas que, freqüentemente, comparam esses serviços clandestinos ao comércio irregular dos camelôs. Afirmam que seus negócios são diretamente afetados pela concorrência feita pelos serviços clandestinos que atuam por preços muito menores que os seus e pela desqualificação da atividade porque estas empresas colocam em risco a integridade física de várias pessoas ao disporem de pessoas não qualificadas para o serviço16. Outro agravante é a presença de policiais e ex-policiais que atuam em todos os níveis desse mercado da segurança. Há aqueles que possuem sua própria empresa de segurança e comandam o negócios como uma atividade paralela à função de policial. Outros, apenas se oferecem no mercado como seguranças, atividade que, geralmente, exercem em seu horário de folga. Outros ainda utilizam seu status de autoridade policial e as comodidades que essa condição proporciona para fazer “bicos” em empresas como consultores de segurança, como “despachantes” encarregados da organização e atualização de documentos

100

perante a Polícia Federal ou como investigadores de antecedentes criminais dos candidatos às vagas de vigilante. Alguns policiais chegam até a fazer o curso de especialização de vigilância para trabalhar como segurança nas horas de folga. Apesar da criação recente de cursos cada vez mais especializados que visam qualificar administradores e gerentes de segurança, essa constante presença de policiais acontece em razão da ausência de pessoas especializadas para essa atividade, assim como também pela crença existente de que o policial, sendo uma pessoas já treinada para a atividade de controle do crime, seria a pessoa mais adequada para as funções de segurança privada. Em 1999, foi realizada uma investigação pelo Ministério Público e pela Corregedoria da Polícia Civil em São Paulo que acabou arquivada pois não comprovou a relação de policiais com a direção das empresas, ou o uso, por eles, de meios da Secretaria de Segurança em benefício de seus negócios. O Comando da Polícia Militar e a chefia da Polícia Civil têm conhecimento de que grande parte de seus efetivos fazem bicos nas horas de folga que, apesar de proibido, é tolerado por causa dos baixos salários17. O SESVESP (Sindicato das empresas de segurança privada de São Paulo) também desenvolve uma campanha de combate às empresas clandestinas. Segundo estimativas, hoje existem mais de 300 empresas clandestinas com um contingente em torno de 100 mil homens, isto para o estado de São Paulo. Estimase que no Brasil existam 600 mil vigilantes agindo clandestinamente. Os altos tributos a serem pagos e a fiscalização precária são um estímulo aqueles que resolvem entrar no mercado informal da segurança, tornando-o um negócio altamente lucrativo. Muitas grandes empresas que faziam sua segurança sem se 16

Um exemplo freqüentemente lembrado pelos executivos entrevistados é o caso do comerciante de São Paulo, Massataka Ota, que teve o filho seqüestrado e morto pelos dois seguranças irregulares, ambos policiais militares, que trabalhavam em sua loja, em 1997. 17 No Rio de Janeiro, empresários dos setor de segurança fizeram denúncia ao então governador do estado, Anthony Garotinho, de que alguns comerciantes são obrigados a pagar para garantir o policiamento de PMs fardados. Em alguma regiões como Nova Iguaçu, o serviço chega a custar R$55,00 por dia. Em Benfica, os comerciantes pagam mensalmente R$500,00 pela vigilância de um quarteirão. As negociações são realizadas por meio de um intermediário que tem acesso direto ao comando da polícia e que faz a distribuição dos homens de acordo com as necessidades dos comerciantes. Quem não efetua o pagamento não recebe proteção e conta com uma polícia ineficiente.

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preocuparem com a legalidade dos serviços contratados deixaram de contratar serviços irregulares porque perceberam que podem ser responsabilizadas por isso. Quando um vigilante fica sem receber seus direitos porque a empresa a qual estava vinculado não cumpriu o estabelecido, as empresas contratantes é que acabam sofrendo as conseqüências dessa irregularidades através de processos judiciais movidos por esses vigilantes. No entanto, as pequenas empresas, além dos condomínios residenciais continuam a oferecer uma grande demanda para esse mercado informal. Nesses casos, em que as empresas de segurança têm autorização para funcionar mas não cumprem com os encargos sociais, o que permite que ofereçam serviços mais baratos, necessita-se de certo tempo para provar sua irregularidade. Geralmente o que acaba acontecendo é que essas irregularidades só são descobertas quando essas empresas fecham. Outro fato é que as mesmas pessoas envolvidas nessas irregularidades reaparecem em outras empresas, registradas no nome de outros proprietários. Apesar da Polícia Federal realizar investigação sobre os requisitantes de autorização para a abertura de empresas, isso não impede que a empresa seja registrada no nome da esposa ou do filho de um policial ou de alguém que já tenho tido uma empresa fechada por irregularidades. Uma das saídas encontradas pelo sindicato e empresários do setor no combate às empresas clandestinas é que os clientes, ou seja, as pessoas e empresas que contratam serviços irregulares, sejam responsabilizados ou penalizados. Quando um vigilante regular, devidamente treinado e contratado por uma empresa legalizada, se envolve em ocorrências que resultem em delitos, a empresa de segurança é totalmente responsável. A intenção é que, quando o mesmo ocorra com um vigilante clandestino, o cliente tenha que responder na Justiça pelo ocorrido. O deputado federal Max Rosenmann, filiado ao partido PSDB, pelo estado do Paraná, é quem atua, há aproximadamente dois anos, no projeto de lei que pretende alterar a legislação sobre a contratação de serviços clandestinos de segurança. O objetivo é que não somente as empresas de segurança clandestinas sejam responsabilizadas por sua atuação, mas que 102

também os clientes sejam penalizados pela contratação de tais serviços. A intenção é penalizar quem contrata o clandestino, considerando-o também responsável por colocar em risco seus clientes ou funcionários ao contratar pessoas despreparadas para a função. Justamente por se tratar de empresas clandestinas, é muito difícil determinar o número exato de empresas que atuam irregularmente. Segundo o presidente do SESVESP, José Jacobson Neto, atualmente, para cada empresa legalizada, há entre três a cinco empresas clandestinas e afirma que um dos estímulos a essa informalidade se deve aos altos tributos cobrados. O sindicato estima esses números através das denúncias realizadas e através da concorrência do mercado. Há vários casos em que a empresa legalizada perde contratos de serviço para as empresas clandestinas e o fator determinante nessa concorrência não é a qualidade dos serviços, mas sim o seu custo. Há empresas montadas por policiais, que arregimentam outros policiais para executarem os serviços. Um dos empresários entrevistados relatou que um dos contratos com uma fábrica de cigarros foi perdido para um grupos de policiais que utilizam sua próprias armas e carros alugados para realizar escolta de cargas no seu horário de folga. Outro incentivo à participação de policiais no mercado da segurança é a própria legislação que regulamenta a atividade e que permite que egressos da polícia sejam dispensados da freqüência aos cursos básicos de formação de vigilante, ficando sujeitos apenas aos cursos de extensão e especialização. A atuação das empresas clandestinas causa prejuízo não somente aos empresários como também aos vigilantes, que perdem mercado de trabalho para pessoas não qualificadas. Enquanto um vigilante, contratado através de uma empresa de segurança, tem um custo por volta de R$ 1.200,00, os clandestinos oferecem seus serviços informais por valores em torno de R$ 300,00 por mês. O primeiro procedimento adotado pelo sindicato, quando uma empresa clandestina é descoberta, é a denúncia da irregularidade à Polícia Federal. Caso seja comprovado o envolvimento de policiais, também é feita uma denúncia ao comando da polícia civil ou militar, dependendo do caso. Uma cópia da denúncia é 103

enviada à Brasília, de onde a polícia federal comanda todo o segmento no Brasil e outra cópia ao Ministério do Trabalho.

O processo de terceirização O estudo realizado por Gonçalves & Semeghini, que tem como base os dados censitários referentes à população economicamente ativa (PEA) no estado de São Paulo, entre 1970 e 1980, aponta para uma modernização do setor terciário paulista. O trabalho aponta que até a década de 1970 verificava-se, no estado de São Paulo, a tendência a uma concentração industrial na metrópole e que, posteriormente, ocorreu um processo de interiorização da industrialização. Os autores afirmam ainda que entre os diversos ramos componentes da PEA, os de maior peso são a indústria de transformação e a prestação de serviços, sendo que este último tem apresentado uma tendência à modernização, apontada pela redução da participação do comércio ambulante e dos serviços domésticos remunerados na estrutura do PEA. Outra tendência observada pelos autores é o crescimento na participação dos serviços particulares de ensino e saúde, principalmente o último, e que o ramo que mais cresceu, 14,8% ao ano, foi o de conservação e manutenção de edifícios, que incluem desde os serviços de limpeza até os de conservação e instalação de cortinas ou aplicação de sinteco18. Os serviços de segurança não receberam maiores comentários porque constitui uma categoria problemática em relação aos dados sobre a atividade de policiamento e de segurança nacional para os anos 70. Apenas a partir de 1980, os serviços de segurança particular são incluídos nesses dados, o que impede uma comparação entre os dois períodos. Mesmo sem a possibilidade de estabelecer alguma comparação entre os dados, os autores afirmam que os serviços de segurança

18

É importante lembrar que muitas empresas de segurança fazem parte de grupos empresariais que incluem os serviços de limpeza e manutenção de edifícios.

104

tendem a acompanhar mais aproximadamente a distribuição populacional nos vários centros urbanos. O mais importante desse trabalho é demonstrar que a década de 70, no estado de São Paulo, foi marcada por um processo de interiorização do desenvolvimento, com a instalação de diversas indústrias no interior paulista. Isto também proporcionou o desenvolvimento cada vez maior de um padrão de vida urbano em todo o estado, resultante do surgimento de cidades de médio e grande porte. Essa intensa urbanização, por sua vez, estimulou o desenvolvimento dos serviços diretamente relacionados ao apoio à população desses centros urbanos. Isto leva a crer que não apenas o sentimento de insegurança colaborou para o aumento da demanda desses serviços mas, principalmente o próprio processo de terceirização foi fundamental para esse crescimento. O aumento da população, do número de indústrias e comércio acompanha o crescimento dos serviços terceirizados como os serviços de limpeza, segurança, motoboys, cobrança, departamentos jurídico e inclusive de recursos humanos que passaram ou ainda estão passando por esse processo de terceirização. Outra característica importante a ser ressaltada é que o maior campo de atuação das empresas de segurança é a indústria, seguida pelas instituições financeiras e órgãos públicos. Os dados da tabela 3 correspondem àqueles do quadro 2, sobre a distribuição de empresas entre os estados brasileiros. Considerando que as indústrias são os maiores clientes das empresas de segurança privada pode-se afirmar que este é um importante fator na decisão do local de instalação destas empresas. Quanto aos órgãos públicos, há uma queda significativa da atuação da segurança privada nesse setor. Uma possível explicação para esse fato é que, de acordo com o depoimento de empresários do setor, várias empresas deixaram ou, pelo menos, passaram a evitar prestar serviços a estes órgãos devido aos constantes atrasos de pagamento por parte do governo. Quanto aos serviços prestados aos condomínios, houve uma sensível queda entre os anos de 1996 e 2000. Uma provável explicação para essa redução de demanda pode estar relacionada ao barateamento dos equipamentos de 105

segurança eletrônica, que acabam por substituir o trabalho humano, ou até mesmo à expansão paralela do mercado clandestino de segurança, que são bem aceitos devido aos reduzidos custos de seus serviços. Tabela 3. Campo de atuação das empresas de segurança: Atuação

1996

1998

2000

Bancos

14%

10%

14%

Órgãos públicos

11%

16%

11%

Indústrias

46%

44%

46%

Condomínios

25%

19%

13%

Comércio

0%

6%

8%

Eventos

-

-

5%

Outros

5%

6%

4%

Fonte: SESVESP

Segundo um dos executivos entrevistados, a simples relação entre aumento da criminalidade e expansão dos serviços de segurança não é verdadeira porque, caso contrário, não haveria serviços particulares de segurança em países com baixos índices de criminalidade. Conta, como exemplo, o caso da empresa Brinks, que presta serviços de transporte da valores e que atua no mercado há 130 anos. É uma empresa que iniciou suas atividades ainda à época das diligências norteamericanas e que se fortaleceu na década de trinta quando a máfia de Al Capone dominava o mercado paralelo nos Estados Unidos. Mesmo depois do fim do período do domínio da máfia, a empresa continuou em atividade e tem grandes filiais inclusive em países como a Suíça. Também, no Brasil, o setor de transporte de valores apresenta duas tendências ao longo dos anos. A partir de 1980 iniciou-se um processo de ampliação das frotas orgânicas, que afetou sensivelmente a produção das transportadoras não pertencentes aos bancos, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Já em 1988, com as mudanças econômicas, começou um processo de desativação das frotas bancárias e conseqüente retorno dos serviços às

106

transportadoras, iniciando o outro processo de terceirização dos serviços de tesourarias e processamento de documentos bancários. Os dirigentes das empresas concluem que não compensa manter um serviço próprio que pode ser terceirizado porque o custo é bem menor. Outra vantagem que estimula o uso desses serviços é que, através da terceirização, as empresas podem trocar os funcionários com maior facilidade sem precisarem se preocupar com encargos sociais ou problemas fiscais já que todo esse serviço fica a cargo da empresa contratada Uma empresa, na qual foi realizada entrevista, tem cinqüenta por cento de seus funcionários trabalhando em bancos. Outra parte nos aeroportos de Congonhas e Cumbica e em indústrias nacionais e multinacionais. Quanto aos condomínios, esta clientela é bem menor em relação às outras porque as grandes empresas perdem o mercado para os serviços clandestinos. Segundo o entrevistado, em muitos condomínios são contratados policiais civis ou militares que trabalham em escala 12 por 36 horas na polícia ( 12 horas de trabalho por 36 horas de folga) e que nos dias de folga fazem o bico como segurança. Para o presidente do SESVESP, houve realmente uma expansão dos serviços de segurança mas, atualmente, o setor está estabilizado. Isto acontece porque, segundo o entrevistado, todos aqueles que podem pagar a segurança privada legalizada já fizeram contratos, tornando a demanda cada vez mais limitada. Dessa maneira, prevê a tendência para a diminuição gradual do faturamento e da mão de obra no setor. Outra influência nesse movimento de retração seria também a própria expansão do mercado de equipamentos eletrônicos, que muitas vezes, suprem a necessidade do trabalho humano, além da própria competição no mercado que obriga as empresas a trabalharem com custos cada vez mais reduzidos. A expansão das próprias empresas contratantes é outro estímulo às empresas prestadoras de serviços. Muitas empresas, ao abrirem filiais em outros estados preferem ser acompanhadas pelas empresas que já lhes prestam serviços de segurança a terem que contratar outras empresas. Porém, neste caso, há 107

vários empecilhos. No caso dos serviços de segurança, o maior deles é a necessidade da empresa obter autorização para atuar em outros estados. Quando uma empresa é regularizada, ela tem permissão para prestar serviços em um determinado estado e quando há a intenção de ampliar sua área de atuação, é necessário solicitar a autorização específica, o que requer um período de tempo relativamente longo. Outro empecilho é a necessidade de haver outros postos de trabalho para garantir a viabilidade do serviço. Tabelas obtidas pela pesquisa da atividade econômica paulista (Paep), de 1996, realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade, permitem ter uma noção dos serviços prestados às empresas. Estas tabelas referem-se aos serviços de portaria, vigilância e segurança utilizados por empresas de vários portes. A primeira, refere-se às grandes empresas de comércio e a segunda às indústrias de pequeno, médio e grande porte. Os números indicam que tanto nas indústrias quanto no comércio prevalecem os serviços orgânicos. As diferenças mais significativas estão em relação aos serviços totalmente terceirizados e à ausência desses serviços nas empresas. De maneira geral, pode-se dizer que esses serviços são mais terceirizados na região metropolitana do que no interior do estado. Entretanto, em relação às indústrias, ao menos até 1996, a maior parte delas, seja no interior ou na região metropolitana, não possui os referidos serviços. Isto levanta uma outra questão. Saber, em que medida, a segurança particular orgânica das empresas estão sob os mesmos critérios de fiscalização que as empresas especializadas em serviços de segurança, considerando que a maior parte delas ainda contava com seus próprios departamentos de segurança. Outra questão é, no caso desse serviço ser parcialmente terceirizado, se há envolvimento de serviços clandestinos ou, mais comum, se há funcionários qualificados para serviços de portaria e atendimento que acabam atuando como seguranças, sem a devida formação técnica.

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Tabela 4. Natureza dos serviços de segurança em comércio e empresas de grande porte. Região TERCEIRIZAÇÃO-

Dados

INTERIOR

RMSP

SERV.PORT./VIGIL./SEGUR.

Total Global

1. TERCEIRIZADA INTEGRALMENTE

Contagem de Empresas

263

522

785

2. TERCEIRIZADA PARCIALMENTE

Contagem de Empresas

288

288

576

1.041

1.170

2.211

368

516

1.960

2.495

3.

REALIZADA

PELA

EMPRESA Contagem de Empresas

INTEGRALMENTE 4. INEXISTENTE NA EMPRESA

Contagem de Empresas

Total Contagem de Empresas

4.455

Erro Amostral: Estimativas com erro relativo menor que 20%. Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista Paep 1996.

Tabela 5. Natureza dos serviços de segurança em indústria de pequeno, médio e grande porte. Região TERCEIRIZAÇÃO-

Dados

INTERIOR

RMSP

SERV.PORT./VIGIL./SEGUR.

Global

1. TERCEIRIZADA INTEGRALMENTE

2. TERCEIRIZADA PARCIALMENTE

3.

REALIZADA

PELA

Total

Contagem de Empresas

1.169

2.311

3.480

Erro Amostral

B

B

-

Contagem de Empresas

635

1.196

1.831

Erro Amostral

B

B

-

7.112

9.461

16.573

Erro Amostral

B

B

-

Contagem de Empresas

8.618

10.499

19.116

Erro Amostral

B

B

-

17.533

23.466

41.000

EMPRESA Contagem de Empresas

INTEGRALMENTE

4. INEXISTENTE NA EMPRESA

Total Contagem de Empresas A = Estimativas com erro relativo menor que 20%. B = Estimativas com erro relativo menor que 40%. C = Estimativas sujeitas a erro relativo maior que 40%.

Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista Paep 1996.

Ao mesmo tempo em que ocorre esse aumento de demanda para o setor de serviços, vários estudos abordam que os serviços públicos, como por exemplo os de educação e saúde, são evitados, sobretudo pelas classes média e alta, devido a

109

precarização cada vez maior desses serviços. Isto pode ser facilmente verificado nas taxas de crescimento desses serviços no setor privado. Para tentar compreender o contexto em que tal precarização ocorre, Pinto (2000), afirma que a argumentação utilizada para justificar o discurso da crise do estado foi retirada do próprio texto da Constituição de 1988. Afirma que, apesar da promulgação de uma Constituição que enfatizava a garantia a liberdades civis e sociais, verificou-se uma grande dificuldade do Estado brasileiro em financiar os investimentos em todas as áreas demandadas, num momento em que essas eram fundamentais para a efetivação do processo de transição democrática. O “precário planejamento institucional dos governos” responsabilizaram a própria Constituição pela incapacidade de aplicação dessas garantias. “Em unissonância com correntes econômicas (...) pela redução da intervenção e do tamanho do Estado, em 1995, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) lançou as bases do projeto governamental brasileiro de reestruturação do aparato estatal, não só enquanto “resposta à crise generalizada do Estado”, mas também, segundo o discurso político vigente, enquanto forma de defendê-lo como “res publica”, o que determinou, segundo o próprio Plano Diretor, o caráter imperativo da reforma nos anos 90.” (Pinto,2000:2). Tal redefinição do papel do Estado seria “fazer com que ele abandonasse a responsabilidade direta pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento. (...) para o PDRAE, reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado.” (Pinto,2000:3) Esse processo de reforma baseou-se na busca da eficiência, abarcando duas dimensões: a política (corresponde à necessidade de gerar maior capacidade de governança com a redução dos custos e o seu estabelecimento proporcional às áreas exclusivamente estatais) e a administrativa (que se referente à cultura gerencial nas organizações estatais).

110

O Plano Diretor estabeleceu a setorização do Estado nas seguintes esferas:

primeiro setor – o núcleo estratégico que representa o governo em si; segundo setor – setor das atividades exclusivas do Estado; terceiro setor – setor de atuação simultânea do Estado e da sociedade civil, que engloba as entidades de utilidade pública, associações civis sem fins lucrativos, organizações não-governamentais, que têm um caráter essencialmente público; quarto setor – trata-se da produção de bens para o mercado. Ainda segundo o PDRAE, quanto ao núcleo estratégico “as decisões políticas, mais que eficientes, devem ser eficazes, ou seja, devem ser certas em sua legitimidade junto à população” enquanto que no campo das atividades exclusivas do Estado, dos serviços não exclusivos e da produção de bens e serviço, “o critério de eficiência torna-se fundamental. O que importa é atender milhões de cidadãos com boa qualidade a um custo baixo” (Pinto,2000:4) O argumento é que os serviços tornam-se mais eficientes se, mantendo o financiamento do Estado, passam a ser realizados pelo setor não-estatal. O serviço que era público passa a ser realizado como atividade privada. No sentido de promover a eficiência esperada, os terceiro e quarto setores foram impulsionados por um movimento de transferência da responsabilidade direta do Estado pela prestação de serviços e pela produção de bens para a iniciativa privada. A partir disto, o papel do Estado seria somente o de “promover e regular o desenvolvimento econômico e social”. Porém, a autora destaca que esse processo acarretou uma precarização das relações Estado-sociedade. A prestação de serviços como saúde, educação, produção científica, proteção ao meio ambiente e produção cultural foram transferidos para a sociedade organizada. Acrescenta que grande parte da população brasileira sempre esteve à margem do amparo público e nunca teve seus direitos sociais efetivados e que o Plano acarreta uma restrição ao próprio conceito de cidadania e minimiza as bases de proteção social garantidas pelo Estado. No Brasil, a “crise de estado não se reveste de caráter de desencanto (como nos países do Welfare State), mas seria um misto de falta de políticas de bem-estar universalizadas, paralelamente a uma perda de

111

efetividade dos poucos instrumentos de políticas sociais (...) o Brasil vive uma atrofia precoce do seu desenvolvimento.” (Pinto,2000:8) A autora continua ainda que o Plano surge como uma ação que apresenta conflito com uma perspectiva mais democrática de reestruturação estatal pois reduz o espaço público democrático dos direitos a amplia o espaço privado, além de fundamentar-se no conceito de cidadão-cliente, que induz à “negligência com o caráter público da prestação de certos serviços públicos (...), ocorre também uma perversa redução no universo desses beneficiários: a exclusão de uma parte dos usuários – aqueles que não constituíam um mercado, no sentido econômico do termo – da categoria de clientes.” (Pinto,2000:9) E conclui afirmando que “a transferência de setores significativos do âmbito estatal para a iniciativa privada e ou para a sociedade organizada gera um vácuo de legitimidade sobre aqueles que requerem do Estado não somente uma regulação estrita do mercado, mas também uma sociedade mais equânime.” (Pinto,2000:9) Diante de um cenário de densa urbanização das metrópoles e de descrença em relação aos serviços público o setor da segurança também foi profundamente afetado. A segurança pública parece ter cada vez menos credibilidade entre a população, o que acaba por impulsionar a procura dos serviços particulares ou de equipamentos para segurança. Ao contrário das previsões pessimistas dos empresários, dados divulgados no Jornal da FENAVIST do primeiro trimestre de 2002 indicam que o setor de segurança privada cresceu 9,74% em 2001 em relação a 2000. Esse número representa o aumento da quantidade de pedidos de autorizações para funcionamento de novas empresas. Ao mesmo tempo, houve uma queda na quantidade de cancelamentos de registros (enquanto em 2000 foram 58 pedidos, em 2001 foram apenas 20). Outro setor que expandiu foi o serviço de escolta armada que passou de 48 empresas atuantes em 2000 para 66 empresas em 2001. A segurança pessoal expandiu com a concessão de funcionamento de mais 8 empresas (passou de 21 em 2000 para 29 empresas em 2001). Segundo o vice presidente da entidade, essa expansão se deveu ao aumento da violência e à carência de políticas públicas na área da segurança. 112

Isto está expresso no termo utilizado por Seabra (1992). Para a autora, a arquitetura, nas metrópoles, é a melhor tradução da expressão estética da contemporaneidade e a segurança privada é uma das evidências que qualifica e atualiza a problemática urbana. “... problemática metropolitana, a questão da segurança; mais precisamente da segurança expressa nos serviços privados de guarda e vigilância, pois na materialidade urbana estão praças e jardins cercados, igrejas cercadas, muros altos, aliás cada vez mais altos; muros que protegem mas isolam; grades em profusão, lanças em profusão. Alarmes, walk-toks, interfones, sirenes, cabines de vigilância, bairros inteiros cercados, guardas armados, cachorros e vigilantes... É a síndrome do medo que suporta como contrapartida a indústria da segurança.” (Seabra, 1992:124) Afirma ainda que a arquitetura de São Paulo é expressa na forma de um “urbanismo policial”, moldado pelo sentimento de medo que reafirma o “isolamento

por

necessidade”,

aumentando

o

caráter

segregativo

e

o

individualismo e esta segregação é justificada pela síndrome do medo. Esta síndrome pode proporcionar sistemas privados formais e informais de justiça que seriam originários da ausência do Estado no controle dos conflitos ou de uma tendência discriminatória na sua ação. Além dos sistemas de segurança como equipamentos e vigilantes, outros sistemas como a ação de justiceiros, grupos de extermínio e linchamentos seriam formas alternativas privadas de justiçamento. Pode-se definir então que o processo de expansão das empresas que vendem serviços de segurança é um fenômeno estritamente urbano. Quando não está relacionado aos serviços prestados às indústrias e multinacionais que requerem a terceirização de alguns serviços, está relacionada aos serviços de segurança de residências de alto padrão nas grandes cidades, motivados pelo aumento da violência e da criminalidade. A própria legalização do setor foi uma das principais motivações ao aumento dessa competitividade porque, no início, quando o controle era exercido pelo poder estadual, as autorizações para exploração desse serviço eram restritas àqueles que tinham algum histórico dentro da carreira militar ou da polícia. Dessa forma, o mercado ainda estava restrito a 113

um pequeno número de pessoas que eram autorizadas a prestar os serviços. Isso facilitava os acordos para fixação dos preços e divisão das áreas de atuação de cada um deles. Assim que o setor foi regulamentado, os preços dos serviços caíram, motivados pela concorrência com o surgimento de várias novas empresas no mercado. Outro motivo, apontado por um dos entrevistados, para o crescimento desse mercado está relacionado, em boa parte, ao “modismo” que se criou em contratar os serviços de segurança, muitas vezes, sem real necessidade.

Segurança Pública versus Segurança Privada Se os serviços particulares de segurança estão intimamente relacionados ao processo de urbanização e concentram-se nas grandes cidades, resta saber em que medida, considerando que o Estado é único detentor do monopólio da violência (Weber, 1993), estes serviços são compatíveis com os serviços os serviços de segurança pública. Além da necessidade das empresas legalizadas se diferenciarem das empresas informais de segurança, há uma intensa campanha de sensibilização da opinião pública para a compatibilidade entre a segurança pública e a segurança privada. Esses serviços são apresentados como indispensáveis e há um enorme esforço em demonstrar sua complementaridade aos serviços de segurança pública. Apesar de defenderem essa compatibilidade, os empresários do setor estão sempre atentos à necessidade de diferenciarem seus serviços daqueles prestados pelo Estado. A Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores Fenavist, ressalta, através da mídia, a necessidade do Estado oferecer melhor remuneração para evitar que seus profissionais da segurança pública busquem trabalhar também na segurança privada clandestina. Apesar de existirem experiências como as de Nova York, em que policiais prestam serviços particulares a empresas e empresários, às vezes com os mesmos equipamentos utilizados para os serviços de segurança do estado, os empresário do setor de segurança reconhecem que isto ainda é muito distante da realidade brasileira e defendem 114

que a solução para o problema da segurança pública ou privada não implica na destruição dos serviço de segurança pública. Esta parece ser mais uma preocupação com o possível surgimento de um novo concorrente no mercado do que uma posição de defesa da existência dos serviços públicos. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, houve uma discussão acerca da privatização da polícia. Segundo reportagens do jornal O Dia (agosto/99), o estado pretendia legalizar o “bico” através de um projeto que criaria uma fundação para oferecer segurança particular feita por policiais militares e policiais civis, com uniformes, patrulhas e armas da corporação. A fundação concorreria no mercado de segurança privada para fazer o policiamento em bancos, empresas e eventos. Com esse projeto calculava-se atingir 80% dos 30 mil homens da PM, o que, segundo estimativas da Comissão de Segurança da Assembléia Legislativa, seria o percentual de policiais que trabalham irregularmente, fora do horário de plantão. O dinheiro arrecadado com a prestação dos serviços seria utilizado na corporação e no pagamento dos salários dos policiais, incluindo o extra que fizessem fora do expediente, através da fundação. Também foi levantada a possibilidade da criação de um uniforme especial para os serviços de policiamento privado. O projeto estava sob responsabilidade do então subsecretário de Pesquisa e Cidadania da Secretaria de Segurança Pública, Luis Eduardo Soares que defendia a idéia. Após a experiência de um mês na cidade de Nova York, trouxe informações sobre os projetos lá realizados, onde a polícia presta serviços privados utilizando o uniforme da corporação. Para alguns esta é a única saída para o atual problema da segurança pública, principalmente pelo fato de tal serviço ter virado prioridade para os policiais, deixando a atividade de policial em segundo plano. Entretanto, para outros, como o deputado estadual Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, a medida é inconcebível, uma vez que “não se pode ter utilização privada para recursos públicos” e “se a polícia começar a cobrar pelos serviços, só vai ser beneficiado quem puder pagar”. Discute-se também que a necessidade dos policiais exercerem uma segunda atividade para complementar o salário produziu uma inversão de valores. Antes, a atividade paralela era o bico e hoje, afirma-se 115

que a própria atividade policial virou bico. O policial acaba se dedicando menos à polícia porque dá preferência a outra atividade mais lucrativa. Segundo o então governador do Rio, Anthony Garotinho, a intenção do projeto seria melhorar a segurança pública e o salário na polícia, e afirma que isto está longe de ser privatização da polícia. Uma questão existente é a da prestação de serviços de segurança para eventos que ocorrem em locais que não são de propriedade privada. Apesar desses eventos estarem sob responsabilidade do policiamento público, muitos organizadores procuram reforçar a segurança contratando policiais que fazem “bico” em seu horário de folga. Isto acontece porque, segundo a legislação, os serviços de segurança privada podem ser realizados apenas em espaços que são de propriedade privada. De maneira também ilegal, para contornar o problema, as empresas subcontratam policiais porque à eles é permitido o policiamento de espaços públicos. Esta é uma maneira de tentar “contornar” os empecilhos colocados pela lei. Um dos exemplos citados por um dos entrevistados é a

Campanha Criança Esperança realizada pela Rede Globo. Por ser realizado no ginásio do Ibirapuera, que pertence ao município, a alternativa encontrada para o reforço do policiamento é a subcontratação de policiais. Quanto aos estádios de futebol, por exemplo, apesar do estádio do Morumbi ser de propriedade de um clube, a Federação Paulista de Futebol solicita os serviços à Secretaria de Segurança que cede autorização para a Polícia Militar realizar a segurança interna e externa do estádio durante os jogos de futebol. Para os executivos da segurança privada, este seria mais um setor a ser explorado. Uma das empresas de São Paulo já está em processo de formação de um quadro de vigilantes especialmente treinados para eventos de grande porte como estes, além de projetos de instalação de equipamentos eletrônicos nos estádios. O ex-presidente da Fenavist, Cláudio Neves, em entrevista ao Jornal da

Segurança, afirmou que é de extrema importância a imparcialidade do Estado na intermediação das relações sociais para garantir a segurança pública a todos e evitar o “sentido domesticador” das elites. Ressaltou ainda que não estava 116

defendendo que “os pobres, chamados pela Sociologia de “desvalidos”, são impotentes diante do poder político, econômico ou policial dos ricos. Quero dizer, tanto as pessoas como patrimônios - construídos com sacrifícios de gerações têm necessidade de proteção, para assegurar direitos e deveres, rentabilidade e integridade. Os menos favorecidos que não podem dispor de segurança própria, esses, então, precisam ter confiança ilimitada na instância do Estado, para evitar até mesmo que resolvam fazer justiça à sua própria maneira, como demonstram vários episódios da história brasileira.” Finaliza a entrevista dizendo que se os salários pagos pelos serviços privados são atrativos aos policiais, cabe então ao Estado adequar-se a isto para que a sociedade “não seja violentada por interesses outros que não os da sociedade”. (Jornal da Segurança, n.º 49:5) Apesar desses dois serviços serem sempre apresentados como compatíveis, nota-se a nítida diferença entre as pessoas que serão atendidas por eles. Aqueles que possuem alguma patrimônio, que têm algo a perder ou se sentem alvos da violência, passam a ter o direito de pagarem para ter sua segurança garantida. Quanto aos que não têm poder aquisitivo para contarem com tais serviços, restam apenas os serviços públicos. Dentro da problemática da segurança privada, Caldeira também vai tratar a questão da segregação urbana. A seu ver, a necessidade de uma melhor segurança, por parte das elites, é impulsionada por uma “invasão indevida da cidade e do espaço da cidadania pelas camadas populares e pelas minorias” (Caldeira, 1991:172) Não é apenas o ato de separação mas sobretudo, a manutenção de uma ordem privada e seus privilégios de classe, pois o Estado ao se abrir aos movimentos sociais das décadas de 70 e 80, já não reproduz tão bem essa forma. A segurança vira então sinônimo de exclusão, de distinção e status, pois o Estado fica incumbido de cuidar dos direitos coletivos enquanto os ricos cuidam de si mesmos, em seu espaços excludentes e seguros, partindo da

117

condição de que é o espaço da sociabilidade19 entre "iguais". Formam-se assim os “enclaves fortificados” que “são espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer ou trabalho”. O espaço da rua é destinado aos pobres, “marginais” e os sem-teto. Consequentemente, o caráter do espaço público fundamento para a estruturação das cidades modernas - vem sendo modificado. Os novos esquemas de segurança não proporcionam apenas a proteção do crime mas também criam espaços segregados e excludentes pois a sensação de segurança passa a ter fundamento maior na sensação de distância social do que na ausência do crime. Tal sentimento está justamente em contraposição aos ideais democráticos pois ao invés de

firmar em uma ordem comum a todos, de

igualdade entre cidadãos, enfatiza a diferença e o privilégio. Há os que acreditam que a possibilidade de um trabalho em conjunto ou a união da segurança pública com a privada já exista. Acreditam que tais sistemas de segurança já se correlacionam, preservando seus objetivos finais. Enquanto ao Estado cabe garantir a segurança das pessoas, preservação da ordem pública e do patrimônio, a segurança privada se encarrega desse preceito a um determinado cidadão ou a um pequeno grupo mas sem produzir um modelo de segurança para a população. Em entrevista à revista Security, n.º 14, o diretor da escola de formação de seguranças Emforvigil, diz que hoje ainda existe uma separação nítida entre a segurança pública e a privada no Brasil, mas que é possível perceber uma união entre as duas forças no combate à criminalidade. “A segurança privada veio pra ficar e unir forças com a segurança pública, que poderia até ser privatizada, deixando o poder público disponível para a repressão à criminalidade nas ruas.” Também afirma que há a tendência de que algumas áreas sob responsabilidade da segurança pública passem para a segurança privada, liberando as polícias públicas para atividades mais efetivas de combate à violência. 19

Sociabilidade é a forma, realizada de várias maneiras diferentes, na qual os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Tais interesses formam a base das sociedades humanas pois a interação obriga os indivíduos interessados, a formarem uma sociedade.

118

Segundo a mesma publicação, em sua participação no congresso “A integração de Segurança Pública e Privada”, realizada pela FENAVIST em setembro de 2000 na cidade de Brasília, o coronel da PM, Waldir Souza Lima, ressaltou a importância da participação de representantes do setor privado nos conselhos de segurança pública. Para ele, o empresário de segurança pode contribuir com sua experiência e com informações nas decisões e estratégias dos conselhos. Também enfatiza a necessidade da segurança privada participar do sistema de informação da polícia como um todo e da ampliação do emprego de empresas de segurança privada em ações complementares da polícia, como em shows, jogos em estádios de futebol entre outros. Afirma que o policial custa muito caro e, portanto, deve ser utilizado no combate ao crime organizado e ao narcotráfico, deixando os outros serviços, tão importantes quanto, mas complementares, aos profissionais das empresas privadas. Este evento foi amplamente elogiado em um editorial do Jornal da

Segurança, (setembro/00). A editora ressaltava o fato de que as instituições governamentais de segurança pública estão muito atrasadas em termos de organização e que eventos, como o realizado pela FENAVIST, indicam que está na hora da população tomar iniciativas quanto a segurança no país. Porém, o que a primeira vista poderia parecer uma referência à necessidade de debates públicos sobre segurança, na verdade, diz respeito à ações enérgicas que devem ser tomadas pela população acuada pela violência. Acrescenta que “não adianta somente vestir branco em um determinado dia da semana,20 o “contra ataque” deve ser muito mais contundente e eficaz, empregando estratégias - por que não dizer? - até de guerras. Se bem, que estou cometendo uma redundância já que o termo estratégia vem das práticas guerreiras, onde era necessário traçar um plano de ação.” (Jseg, nº73:2)

20

A autora faz alusão à campanha do movimento Sou da Paz, organizado pela sociedade civil, que pediu à população que usasse roupas brancas durante o dia de protesto contra a violência.

119

Para os empresários entrevistados, os dois tipos de segurança são totalmente compatíveis. Enquanto a segurança pública se encarrega da repressão aos crimes, a segurança privada atua de maneira preventiva. O próprio desenvolvimento desses serviços privados se deve a incapacidade do Estado de garantir o policiamento em áreas restritas como, por exemplo, indústrias e bancos. A segurança privada é colocada como algo complementar à segurança pública. Quanto ao envolvimento de policias nos serviços de segurança, principalmente nos clandestinos, os entrevistados ressaltam que não cabe às empresas a pretensão de fazer a segurança pública assim como não cabe aos policiais a atividade de segurança privada. A idéia é reforçar que cada um tem a sua área de atuação e que quando esses limites são respeitados, a compatibilidade é possível. Essa compatibilidade é ressaltada pelo executivo da empresa Pires que fala da experiência da terceirização dos serviços penitenciários no Paraná e no Ceará. A Penitenciária Industrial de Guarapuava, no interior do Paraná, administrada pelo governo, obedece a um modelo de terceirização de serviços por empresas privadas. Inaugurada em novembro de 2000, a penitenciária tem capacidade para abrigar 240 presos. Através de um contrato entre a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania daquele estado e a empresa Humanitas – Administração Prisional Privada S/C Ltda., da qual fazem parte a Pires Serviços de Segurança e Transporte de Valores e a Metropolitana Vigilância Comercial e Industrial, a responsabilidade da administração e operacionalização da Penitenciária Industrial de Guarapuava passou para a iniciativa privada. Pelo contrato, as empresas se responsabilizam a executar todos os serviços que garantam o pleno funcionamento da penitenciária, abrangendo recursos humanos e material para hospedagem, manutenção, segurança interna (a segurança externa é realizada pela Polícia Militar), alimentação, saúde, recreação, terapia ocupacional com acompanhamento psicológico e a reciclagem educacional e profissional dos detentos. Esta reciclagem profissional fica a cargo de indústrias que estabelecem convênios com a Secretaria do Estado da Justiça. Aos detentos cabe a obrigação de trabalharem nas empresas que são instaladas dentro do 120

presídio. Recebem um salário mínimo por mês sendo que, parte do salário é destinada ao fundo penitenciário do Estado de São Paulo para financiar a construção de novas penitenciárias. A Azulbras, Indústria e Comércio de Móveis foi a empresa que venceu a licitação para instalar sua fábrica dentro da penitenciária, que possui área de 7000 metros quadrados. A Azulbras é responsável pela alimentação dos presos, que têm direito a três refeições diárias, e é isenta de obrigações sociais como férias, previdência e FGTS. Dessa forma, os serviços

dentro da unidade prisional passam a ser

terceirizados e de responsabilidade da iniciativa privada. O mesmo modelo de administração está sendo utilizado no presídio de Juazeiro do Norte, no Ceará, onde os trabalhos foram iniciados no final de 2000. Segundo informações contidas na revista da empresa Pires, o governo do estado do Paraná paga R$250.000,00 por mês pelos serviços prestados. Segundo os responsáveis por esses serviços, todos os funcionários que trabalham nos presídios administrados pela Humanitas são contratados na própria região onde estão instaladas as penitenciárias. No caso dos agentes, a formação também é diferenciada dos outros profissionais do setor. Antes de assumir o cargo, passam por uma série de entrevistas, participam de palestras e fazem treinamento específico no Centro de Formação e de Aperfeiçoamento Profissional de Segurança Pires (CFAPP), em São Paulo. Outro exemplo de parceria que levanta a questão da fiscalização do estado não apenas em relação à regularização das empresas mas, sobretudo quanto ao seu modo de atuação é o da terceirização de serviços nas unidades da FEBEM. Em 25 de novembro de 2000, através da divulgação pela imprensa, foi feita a denúncia de que vigilantes de empresas de segurança privada estariam envolvidos em agressões sofridas por crianças e adolescentes internos da FEBEM - Fundação Estadual do Bem Estar do Menor. As empresas de segurança, Emtel, F. Moreira e Vise, são contratadas para a vigilância patrimonial da FEBEM enquanto os monitores, agentes de educação e proteção são encarregados de interceder junto aos adolescentes. 121

O promotor de justiça, Wilson Tafner, definiu a situação como a “terceirização da pancadaria” já que as denúncias de agressão envolvendo monitores da instituição são muito freqüentes. Naquele ano, a promotoria instaurou 20 procedimentos para investigar a autoria dos espancamentos envolvendo vigilantes e alguns deles já haviam passado para a fase de instauração de inquéritos policiais. A evidência do envolvimento dos vigilantes na função de monitoria aconteceu depois de um deles ter sido assassinado a estiletadas por internos durante uma rebelião na unidade de Parelheiros. Em entrevistas, a viúva do vigilante afirmou que seu marido era obrigado a entrar nas celas munido “apenas de pedaço de pau” para conter conflitos entre os internos. Também uma funcionária de uma das unidades afirmou que os vigilantes batem nos adolescentes com o consentimento de diretores da fundação. Por sua vez, o diretor de comunicação do sindicato dos vigilantes relatou que seu pessoal é pressionado pelos coordenadores de segurança a entrar nas celas. Já o presidente do sindicato dos trabalhadores da FEBEM diz que os vigilantes entram nas celas e no pátio com a autorização da direção da FEBEM. Ainda segundo as denúncias, em um boletim de ocorrência de uma tentativa de fuga de internos da unidade Tatuapé, assinado por um funcionário da Fundação, consta que os internos foram contidos por vigilantes e posteriormente medicados. Porém, os gerentes de segurança das empresas que prestam serviço para a FEBEM afirmam que seus funcionários não têm acesso às áreas reservadas aos internos mas que recebem treinamento específico para atuar em situações como essa. A reportagem faz menção também à polêmica jurídica gerada pela contratação de vigilância privada na contenção de adolescentes. Dois advogados ressaltam que as empresas de segurança podem complementar a ação do poder público sem substituí-la. Segundo o juiz Jeferson Moreira de Carvalho, membro da Associação Brasileira de Promotores e Magistrados da Infância, zelar pela segurança pública é função do Estado, não podendo ser delegado à iniciativa privada. Outro agravante neste caso foi o fato do Ministério Público, por meio da 122

Promotoria de Justiça e Cidadania, ter instaurado um inquérito para investigar a razão pela qual a FEBEM teria contratado duas das três empresas que prestam serviço, sem licitação. O principal argumento apresentado é que, apesar da segurança pública ser fundamental para a garantia da integridade física das pessoas, ostensivamente, nas ruas, a segurança privada garante a segurança interna nos estabelecimentos, funcionando como um inibidor a possíveis ataques. Apesar de não ser mais ou menos importante do que a segurança pública, os empresários fazem questão de frisar que os serviços privados de segurança são fundamentais como meios auxiliares de segurança no mundo moderno. Há um entrevistado que acredita que a própria segurança pública, futuramente, será privatizada. Assim como os presídios estão passando por esse processo de privatização, acredita que as empresas poderão ser contratadas para fazer o serviço de policiamento em determinadas áreas. Afirma que esse seria o caminho para redução dos custos e para o aumento da eficiência. Porém, a segurança privada, como qualquer outro negócio de prestação de serviço tem como objetivo a obtenção de lucro. Para o coronel da reserva da Polícia Militar e pesquisador do Instituto Fernand Braudel, José Vicente da Silva Filho, a vigilância privada atende às necessidades das pessoas num determinado mercado pois, uma vez que há crimes e o sentimento de medo, há a necessidade da segurança. Entretanto, afirma que há dois fatores que devem ser considerados ao se discutir sobre segurança privada. Primeiro, a crescente urbanização que impôs grandes massas de propriedade privada como os shoppings centers, condomínios fechados, centros de lazer e fábricas que acabaram criando a necessidade de estruturas de serviço, entre eles o de segurança. Segundo, a urbanização também trouxe novos papéis à polícia, com crescentes solicitações que não fazem parte de suas atribuições, causando uma sobrecarga aos seus recursos extremamente limitados. Para o pesquisador, essas foram as condições fundamentais para a ampliação do setor da segurança privada. Como exemplo, cita os números dos 123

efetivos de outros países. Afirma que nos Estados Unidos existem três milhões de vigilantes ao mesmo tempo em que a segurança pública conta com um milhão de homens. Na Inglaterra, existem duas vezes mais efetivos de segurança privada que na segurança pública. Dessa forma, a segurança privada não pode ser considerada como um sinal do fracasso da segurança pública, mas sim como a prestação de serviço que não se diferencia das outras. Também reforça que a segurança pode contribuir muito para a prevenção do crime, funcionando efetivamente como um auxiliar à segurança pública. Há três maneiras pelas quais pode haver essa contribuição. A primeira delas é a segurança privada agindo como um “substituto” aos serviços públicos de segurança. Isto seria possível porque assim que empresas ou residências contratam vigilância particular, tornam-se alvos menos vulneráveis e, consequentemente, passam a necessitar menos da presença policial. A polícia estaria então disponível para atuar em áreas carentes e vulneráveis. Para os que podem pagar, a polícia não é necessária porque eles próprios garantem sua segurança, de maneira moderna e eficaz, e ainda disponibilizam os policias para agirem nas áreas realmente violentas. A outra maneira, é que o enorme contingente de vigilantes pode servir como informantes à polícia, e, por último, os próprios equipamentos de segurança que, cada vez mais sofisticados, reforçam as medidas de prevenção e melhoram a qualidade das informações disponíveis à polícia. Por fim, o pesquisador afirma que o principal problema não é necessariamente a insegurança pública, mas muito mais o envolvimento de policiais no mercado da segurança, sobretudo quando são contratados para garantirem privilégios públicos a interesses particulares. De maneira geral, pode-se definir que a expansão dos serviços de segurança privada obedece a dois processos: o de terceirização dos serviços e o aumento da criminalidade nos grandes centros urbanos. Pode-se dizer que o aumento da demanda por serviços terceirizados proporcionou a expansão principalmente das grandes empresas, que já prestavam serviços de outra natureza a esses estabelecimentos e que, com a regulamentação do setor da 124

segurança, investiram nesse novo mercado. Já o crescimento do crime violento, principalmente na região metropolitana de São Paulo, parece ter estimulado não apenas o mercado de equipamentos de segurança e de serviços de segurança das grandes empresas que prestam serviços às indústrias, como também o mercado informal de segurança. Quanto mais se disseminou o sentimento de medo e insegurança, aliado à ineficiência da polícia, mais as pessoas recorreram aos serviços privados. Como os serviços prestados por empresas legalizadas são muito caros à população comum, abre-se espaço para a venda de serviços coletivos, de segurança para residências de toda uma rua, muito mais baratos mas totalmente ilegais. Seja para grandes indústria e seus executivos ou para os moradores dos bairros da cidade, há uma gama de serviços que se adequam às necessidades e ao perfil de cada um desses grupos. Se, para os executivos, as empresas de segurança funcionam como um negócio qualquer, que surge devido a grande demanda do mercado e não só pelo aumento da violência mas também pelo próprio processo de terceirização, a população parece não compreender o fenômeno dessa mesma maneira. Quando procuram serviços para suas residências ou veículos, estão preocupados com o crime comum e em garantir o que a segurança pública não lhes garante mais. Isso é reforçado pela propaganda feita pelas empresas, principalmente por aquelas que vendem produtos e serviços especiais para residências, que reforçam o sentimento de insegurança e exacerbam o medo e a necessidade de auto proteção. David Bayley, autor que tem um extenso trabalho sobre policiamento afirma que “(...) o aumento do crime pode, na verdade, contribuir para o fortalecimento do policiamento privado se o público aparenta não ser suficientemente eficaz. O vigilantismo nos Estados Unidos no século dezenove é um exemplo disso, assim como o impressionante aumento do policiamento privado em todos os países industriais desde meados de 1960.” (Bayley,2001:48) Afirma também que as polícias modernas podem ser definidas a partir de três características: públicas (mesmo com a rápida expansão do policiamento privado), especializadas e profissionais. O policiamento público se refere à 125

natureza da agência policial e não à autorização pela comunidade. O pagamento e a orientação são fundamentais para se conceituar o caráter público ou privado do policiamento. A polícia é pública quando é paga e controlada pelas comunidades, que delega autoridade ao policiamento para agir em nome dela e torna-se privada quando o pagamento e o controle desse policiamento não estão sob responsabilidade da comunidade. Ao mesmo tempo, o pesquisador afirma que “(...) hoje, nos Estados Unidos, há um número igual de grupos policiais privados e públicos; áreas territoriais importantes, como locais de negócios e hotéis são quase exclusivamente policiados por agentes privados. E mesmo assim não seria possível dizer que esses locais não são policiados legitimamente.” E toca em um ponto fundamental na discussão sobre segurança: “A questão é a freqüência com que a aplicação de força física é confiada pela comunidade a grupos privados, em oposição às agências públicas.” (Bayley, 2001:24) Considerando que a legitimidade de um governo está intrinsecamente relacionada à sua capacidade em manter a ordem (realizada através do policiamento público) e que essa capacidade e autorização para o uso da força física na manutenção dessa ordem emana dos cidadãos, torna-se fundamental que estes mesmos cidadãos possam ter controle sobre a maneira como esse poder é exercido. “As atividades policiais também determinam os limites da liberdade numa sociedade organizada, algo essencial para se determinar a reputação de um governo. Embora governos imponham restrições de outras maneiras, a maneira pela qual eles mantêm a ordem certamente afeta de modo direto a liberdade real.” (Bayley, 2001:17) Esta é uma questão que não está presente nas discussões acerca da expansão da segurança privada. Numa sociedade marcada por iniciativas privadas para a resolução de questões públicas, a segurança privada surge como a “solução” rápida para suprir o serviço público ineficiente sem, no entanto, se preocupar que essa solução acaba por agravar a própria crise de legitimidade desse Estado. 126

Capítulo 4. Estrutura e funcionamento das empresas de segurança privada: seleção, recrutamento e treinamento dos profissionais em segurança privada. Conforme estabelecido pela Lei 7.102, cabe à Polícia Federal todo o controle sobre as empresas de segurança privada do país. É através dela que são obtidas as autorizações para funcionamento e é a ela que as empresas devem prestar contas de suas atividades. A homepage da Polícia Federal dispõe de espaço destinado às informações sobre as exigências quanto aos funcionamento de empresas de segurança privada no país. Nessa página há informações sobre toda a documentação exigida pelo departamento e a definição dos quatro itens que compreendem as atividades de segurança privada. Está definido que as empresas de segurança estão autorizadas a prestarem os seguintes serviços: 1. proceder à vigilância e segurança patrimonial das instituições financeiras e de outros estabelecimentos, sejam públicos ou particulares; 2. garantir a incolumidade física de pessoas; 3. realizar o transporte de valores ou garantir o transporte de qualquer outro tipo de carga; 4. recrutar, selecionar, formar e reciclar o pessoal a ser qualificado e autorizado a exercer essas atividades Além destes, enquadram-se também como segurança privada os serviços orgânicos de segurança que devem seguir as mesmas exigências feitas às empresas de segurança. Pela lei, o processo burocrático tanto para a abertura de uma empresa quanto para a sua manutenção exige uma extensa documentação. Há uma série de certidões e requerimentos necessários para solicitar autorização para o funcionamento de uma empresa de segurança, para o funcionamento de cursos de formação de vigilantes e para aprovação do plano de segurança dos estabelecimentos

financeiros.

Entre

as

determinações

estabelecidas

aos 127

proprietários e administradores das empresa de segurança é proibida a participação de estrangeiros e nenhum dos seus proprietários ou funcionários pode ter antecedentes criminais. Para a abertura de uma empresa de segurança, em primeiro lugar, deve-se obter a autorização para o funcionamento da empresa, o que inclui tanto a identificação de suas instalações quanto a de seus funcionários. Para essa autorização de funcionamento, a empresa deve providenciar os requerimentos, que são enviados ao Superintendente da Polícia Federal, onde é solicitada uma vistoria nas instalações da empresa e o envio de toda a documentação da própria empresa e de seus sócios e gerentes. Outro item importante é a apresentação do uniforme oficial utilizado por seus funcionários, onde deve ser especificado o tipo de tecido utilizado, e que deve obedecer um padrão que estipula a necessidade de um apito com cordão, do emblema da empresa e da plaqueta de identificação do vigilante. Esta plaqueta deve conter o nome do vigilante, o número de registro do seu certificado do curso de formação do vigilante, local e data da expedição do mesmo e fotografia tamanho 3 x 4 cm do vigilante. No verso da plaqueta é exigida a transcrição do art. 19 da Lei n.º 7.102/83: “É assegurado ao vigilante: porte funcional de arma, quando em serviço, e prisão especial por ato decorrente do serviço.”, fator RH, grupo sangüíneo e assinatura do vigilante. Todas as instalações da empresa devem atender às exigências especificadas pelo departamento, como por exemplo, área especial destinada ao depósito de armas e munição, além de haver a exigência de uma frota mínima de veículos que irá depender dos serviços que serão prestados pela empresa. Outro item é o de armamento. Além da autorização para funcionamento, a empresa deve comunicar e solicitar ao departamento da Polícia Federal, autorização para compras e transferências de armas e munições. A lei estabelece que o número de armas permitido em poder das empresas de vigilância é o equivalente a cinqüenta por cento do efetivo de vigilantes comprovadamente contratados, acrescido de reserva técnica de vinte por cento, calculado sobre o número de armas. No caso de empresas de transporte de valores, o número de 128

armas pode ser equivalente a seis vezes o número de veículos especiais em condição de uso, acrescido da reserva técnica de vinte por cento calculado sobre o número de armas. (Almeida, 1997) Também são estabelecidos prazos para a renovação dessas autorizações e a cada alteração feita na empresa, seja quanto às suas instalações ou sobre seu uniforme, deverá ser solicitada a devida autorização à Polícia Federal. Entre toda a documentação exigida, para identificar se uma empresa é legalizada ou não, é necessário que exista: o certificado de segurança (expedido pela Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal); autorização de funcionamento (expedida pela Coordenação Central de Polícia do Departamento de Polícia Federal); e o certificado de vistoria (expedido pela Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal). Além dessa autorização expedida pela Polícia Federal, é efetuado o registro da empresa na Polícia Civil e no Exército. Toda solicitação de documentos perante a Polícia Federal é feita mediante o pagamento de taxas específicas. Abaixo segue o quadro com algumas das taxas cobradas para a emissão de certificados e autorizações: Quadro 4. Serviços cobrados pelo Departamento de Polícia Federal Periodicidade

Tipo de taxa

Valor

Vistoria para emissão do certificado

Na abertura da empresa

1000 UFIR = R$1.064,10

de segurança

ou filial

Renovação da autorização para

A cada ano

1000 UFIR = R$1.064,10

Vistoria de carro-forte

Para os novos carros

600 UFIR = R$638,46

Renovação de certificado de

Para todas as filiais a cada

440 UFIR = R$468,20

segurança

ano

Autorização para transporte de armas

Na apresentação do

e munições

processo de compra

Autorização para transporte de armas

Na apresentação do

e munições

requerimento

funcionamento

176 UFIR = R$187,28 100 UFIR = R$106,41

129

Alteração de atos constitutivos

Na mudança de endereço,

176 UFIR = R$187,28

razão social, CNPJ/MJ e sócios Autorização para mudança de

Na apresentação do

176 UFIR = R$187,28

uniforme

requerimento

Expedição do alvará de

Na abertura da empresa

835 UFIR = R$888,52

Renovação do certificado de vistoria

Para todos os carros-

50 UFIR = R$159,62

dos carros-fortes

fortes, a cada ano

Registro de certificado de vigilante

Por certificado

5 UFIR = R$5,32

Renovação da autorização para

A cada ano

1000 UFIR = R$1.064,10

A cada ano

440 UFIR = R$468,20

Na abertura da escola

500 UFIR = R$532,05

funcionamento

funcionamento para escolas de formação Renovação do certificado de segurança para escolas de formação Expedição do alvará de funcionamento das escolas de formação Fonte: Revista SESVESP, Janeiro de 2001

Isso implica que as empresas, para atender a todos os requisitos, freqüentemente necessitam renovar toda a documentação não apenas da própria empresa e de seus sócios, mas também de todos os seus funcionários através do mapa bimestral que a empresa tem que enviar à Polícia Federal, informando o efetivo de funcionários e a quantidade de armas pertencentes à empresa. Pode-se dizer que a Polícia Federal é a principal forma de accountability das empresas de segurança privada. Toda e qualquer documentação está atrelada às autorizações expedidas pela Divisão de Controle de Segurança Privada - DCSP. Algumas tabelas apresentadas no relatório de atividades do Departamento de Polícia Federal para o ano de 2000 mostram o desempenho da DCSP. Os dados disponíveis mostram as atividades e serviços realizados pelo departamento e seu desempenho para os anos de 1998 a 2000 (tabela 6). Outra tabela registra o número de armas cadastradas pelas empresas de segurança para o mesmo 130

período (tabela 7) e a última (tabela 8), indica as penalidades aplicadas às empresas que estavam em desacordo com a legislação nos dois últimos anos. Tabela 6. Atividades e serviços Serviços prestados pela divisão de

1998

1999

2000

280.193

418.694

540.334

-

4.427*

57.846

1.740

1.502

1.368

Empresas de transporte de valores cadastradas

248

251

236

Curso de formação de vigilantes

159

177

178

Empresas de segurança orgânica registradas

718

969

811

Veículos/ carro forte vistoriados

2.764

3.099

3.503

Empresas de segurança privada vistoriadas

11.438

2.684

2.582

Estabelecimentos financeiros vistoriados

8.783

12.067

15.481

-

-

938

controle segurança privada Vigilantes cadastrados Carteiras nacional de vigilante expedidas Empresas de vigilância cadastradas

Revisões de autorizações

*As carteiras surgiram em agosto de 1999. Fonte: Relatório anual de 2000 – DPF

Tabela 7. Armas cadastradas pelas empresas Ano

1998

1999

2000

N.º de armas

9137

6019

4417

Fonte: Relatório anual de 2000 –DPF

Tabela 8. Penalidades aplicadas 1999

2000

Multas

848

865

Advertências

65

45

Cancelamento de autorização para funcionamento

133

97

Encerramento de empresas clandestinas

177

97

2.089

949

Penalidade

Portarias Punitivas Publicadas Fonte: Relatório anual de 2000 – DPF

131

Apesar de todas as exigências formais, sabe-se que a fiscalização realizada pelas delegacias de segurança privada ainda é muito fraca. Na imprensa são divulgados casos de empresas, inclusive regularizadas, que utilizam práticas ilegais como a “clonagem” de seu armamento. Esta prática se dá quando a empresa adquire armas em quantidade maior do que a permitida e registra nelas os mesmos números das armas que são autorizadas pelo departamento de fiscalização. Na maioria dos casos, a denúncia é o caminho mais eficiente para se chegar a essas irregularidades do que a própria fiscalização.21 Como qualquer outra organização, as empresas de segurança privada se dividem em departamentos e seções que tornam viável a sua administração. Em razão do grande número de documentos que constantemente devem ser atualizados,

dentro

de

sua

estrutura

organizacional

algumas

empresas,

principalmente aquelas de grande porte, contam com um departamento próprio para esses serviço. Para aquelas que não têm estrutura para tanto, existem escritórios especializados em serviços burocráticos às empresas de segurança. Em seu quadro também são encontrados policiais que se aproveitam de seu “status” para agilizarem os serviços de seus clientes. A estrutura organizacional das empresas corresponde à disposição de seus recursos

através

da

divisão

do

trabalho

em

unidades

organizacionais

(departamentos e cargos) e nunca é definitiva pois é reajustada constantemente, dependendo da análise ambiental. Esta análise refere-se ao exame das condições e de variáveis como o ambiente legal (eficácia do sistema legal; legislação comercial;

legislação

tributária),

ambiente

econômico

(desenvolvimento

econômico; população; produto nacional bruto; renda per capita; infra-estrutura social; recursos naturais; política monetária fiscal; inflação; sistema de impostos e taxas; níveis de juros; níveis de salários), ambiente político (forma de governo; ideologia política; estabilidade do governo; força dos partidos políticos e da

21

Como já foi mencionado no capítulo 3, a Delesp de São Paulo tem uma estrutura muito precária para o trabalho de fiscalização. Entre seus 20 funcionários, apenas três são encarregados da averiguação das denúncias sobre empresas irregulares em toda Grande São Paulo.

132

oposição; atitude do governo quanto às empresas; política externa) e ambiente cultural (costumes e normas sociais; valores e crenças; atitudes e motivações; instituições sociais; símbolos de status e prestígio; crenças religiosas; idioma). (Chiavenato, 1999) Entre as empresas nas quais foram realizadas as entrevistas, as estruturas apresentadas, apesar de diferenciadas, têm como característica serem mais horizontais – divididas em departamentos, do que verticais – divididas em níveis hierárquicos. Como já foi discutido no capítulo anterior, ainda é restrito o número de profissionais habilitados especificamente para atuarem no setor de segurança privada. Estes profissionais contam mais com a experiência de trabalhos anteriores na área de segurança (pública ou privada) do que com uma formação específica e formal para o cargo. As empresas compõem-se de uma chefia principal, um segundo escalão, e algumas empresas um terceiro, dividido em vários departamentos, diferentemente do que ocorre em empresas multinacionais, onde há um presidente, executivos, diretores, e supervisores. Quanto às empresas menores, que empregam em torno de 100 a 200 homens, não há um organograma complexo. Delas fazem parte o dono da empresa e os outros funcionários que podem ser apenas um gerente de operações ou um chefe de operações, além dos empregados envolvidos nas atividade de segurança. Na empresa Columbia há dois sócios gerentes, um superintendente, quatro gerentes (comercial, operacional, recursos humanos e financeiro) e coordenadores para cada uma das filiais nas cidades de Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos e Baixada Santista. Vinculada à área operacional está o setor responsável pela organização de toda a documentação da empresa, além dos serviços prestados por uma assessoria externa, encarregada da renovação das certidões. A presença de policiais nesta empresa está no auxílio realizado nos durante a seleção de candidatos às vagas de vigilante. São policiais civis que, durante seu horário de folga, auxiliam o departamento, realizando as tarefas de investigação de antecedentes e investigação social dos candidatos. 133

A empresa Pires, com 19 mil funcionários já apresenta uma estrutura organizacional um pouco diferente das outras. Trata-se de uma empresa com um organograma familiar que provém desde a sua fundação. Seu fundador faleceu há 60 anos e, hoje, a terceira geração da família é composta por quatro sóciosdiretores e vários outros membros da família que trabalham em setores departamentalizados, na área financeira, operacional e de informática. Há também os diretores de recursos humanos, operações, comercial, corporativo, marketing, e em seguida as gerências operacionais, comerciais e de recursos humanos, os supervisores, os chefes de departamento e o pessoal de produção que são os vigilantes e as guardetes. As regionais de seis estados têm um gerente regional responsável em cada uma, que responde pelas vendas, limpeza, orçamento, compras e é fiscalizado pela matriz, onde fica centralizada toda a parte financeira. Dentro do organograma, a área de recursos humanos e a financeira estão diretamente ligadas ao sócio diretor sendo que, toda a parte de recrutamento e seleção de pessoal é orientada diretamente pelos sócios proprietários. A diretoria é também responsável por grande parte da documentação, além de contar com o auxílio de uma empresa terceirizada, encarregada dos serviços de cartório e de certidões junto à Polícia Federal. Trata-se de um escritório especializado em regularização das empresas de segurança, que conta com um banco de dados e presta todo o auxílio quanto à documentação necessária, prazos, taxas e se encarrega do andamento de todo o processo na Polícia Federal. Estes escritórios possuem todas as informações sobre a empresa cadastrada, sobre todo o seu armamento, seus funcionários, portarias, autorizações e multas. Assim como foi constatado em outros casos, há a possibilidade de haver policiais trabalhando nesta empresa, mas isso não foi afirmado com exatidão pelo entrevistado da empresa Pires. O executivo desta empresa, durante a entrevista, se queixou que a morosidade do processo burocrático da documentação na Polícia Federal, às vezes, prejudica os negócios da empresa. Disse que, pelo fato dos processos serem finalizados em Brasília e de haver muitos detalhes quanto à documentação exigida, qualquer erro pode paralisar todo o processo. Como a revisão é anual, há 40 134

documentos que devem ser entregues à Polícia Federal, afirmou que uma falha na numeração das armas registradas, às vezes até por um erro de digitação, retarda todo o processo. Outro item considerado problemático pelos executivos são os processos para a compra de armas e munição que ficam suspensos durante meses por causa de funcionários que estão com o período de reciclagem vencido. Como se trata de uma empresa de grande porte, a Pires trabalha em parceria com outra empresas e possui um setor de confecção dos uniformes dos funcionários. Como a empresa é responsável em fornecer o uniforme a seus empregados, a Pires se encarrega da confecção dos ternos, macacões, camisas, gravatas, enquanto que os sapatos são comprados de uma empresa parceira. Na empresa Protege, o organograma é composto por um presidente que é o proprietário único da empresa. Em seguida, há três diretores executivos (comercial, operacional e administrativo-financeiro) além de outros dois diretores, um responsável pelo setor de segurança privada e segurança eletrônica e o outro, gerente geral do Rio de Janeiro que cuida de todo o complexo que, ao todo, possui dois mil funcionários. Abaixo destes, há dois superintendentes, um de segurança e um comercial e, em seguida, as gerências (corpo, normativa, de segurança pessoal, eletrônicos). Diferentemente das outras empresas, a Protege não usa o serviço de terceiros, sendo o departamento fiscal o responsável pela regularização da documentação na Polícia Federal. A regularização é controlada através de um cronograma no qual constam a data de vencimento de toda a documentação da empresa, do centro de formação e de todos os funcionários. As empresas que terceirizam esse trabalho, o fazem em razão do custo, principalmente as empresas menores, que não comportam um departamento específico para esses trabalhos e o transferem a uma escritório especializado. A empresa Estrela Azul tem a presidência, chefiada pela proprietária e um corpo diretivo com seis diretores que administram os setores comercial, administrativo, financeiro. Em seguida há um gerente de conta, outro comercial, operacional, e um gerente executivo-administrativo, que concentra todos os serviços administrativos. Depois há os coordenadores de área, comercial e 135

patrimonial, comercial da eletrônica, comercial de cursos, além de um coordenador para o setor de admissão e seleção de funcionários. Anteriormente havia 7 níveis hierárquicos na empresa, hoje são cinco e a meta é que sejam estabelecidos apenas

três.

Nesta

empresa,

o

setor

responsável

pela

atualização

da

documentação é o setor de assessoria jurídica da empresa, sem nenhum serviço de terceirização Quanto às formas de accountability, a principal delas, como já foi citado, é o controle exercido pela Polícia Federal. Esse controle externo do governo é o principal meio de monitoramento desses serviços. Outro controle, talvez o mais importante do ponto de vista dos empresários, é o controle exercido pelos próprios clientes da empresa e pela propaganda que a mídia faz sobre os seus serviços. Todos são unânimes em afirmar que a manutenção da boa imagem da empresa é fundamental para os negócios. Essa boa imagem é controlada através de balancetes internos que algumas empresas publicam periodicamente, através do controle de qualidade dos serviços prestados e de avaliações de nível de satisfação dos clientes. Algumas empresas têm um setor responsável pelo controle de qualidade e o fato de receberem algum prêmio do gênero, é motivo para ampla divulgação. A única abertura para uma avaliação feita pela sociedade, segundo um dos entrevistados, acontece quando a população, de maneira geral, é atendida por esses serviços. Isso ocorre quando a empresa presta serviços a órgãos abertos ao público, onde a circulação de pessoas é maior do que nas empresas fechadas. Um item fundamental para entender melhor o dia a dia dessas empresas é a relação que estabelecem com as policias civis e militares. A maioria das empresas procura estabelecer contatos com os policiais da região onde prestam os serviços para, no caso de algum incidente, terem todo o apoio necessário. Pode-se dizer que há uma certa dependência entre os vigilantes e policiais, em que um colabora com o serviço do outro porque, em muitos casos, os vigilantes são os primeiros a contatarem a polícia. Há também a colaboração direta de policiais que fazem “bicos” nas empresas, em atividades distintas às de vigilância. São policiais que exercem atividades na parte burocrática da empresa, principalmente para a 136

atividade de investigação social, seja diretamente para a empresa de segurança, ou através de empresas que prestam este serviço. Neste serviço de investigação social, os avaliadores deslocam-se até o bairro onde o candidato reside e até mesmo para lugares onde freqüenta, com o objetivo de colher informações sobre ele. No entanto, essa relação se torna um pouco conflitiva em algumas situações. Esses momentos de conflito acontecem quando há um “choque de poderes” entre as duas partes quando; por exemplo, policiais armados são barrados em portas com detectores de metais. Nestes casos, os vigilantes são orientados para chamar o gerente para autorizar a entrada após a identificação do policial, porém há muitos casos em que policiais se sentiram constrangidos e levaram o caso até a delegacia. Outro momento de conflito acontece quando os policiais estão no papel de concorrentes das empresas de segurança, quer dizer, quando atuam como vigilantes, apesar da proibição existente na lei estadual, ou quando são proprietários de empresas, o que também é proibido por lei. Burla-se a fiscalização, colocando a empresa no nome de algum parente ou sócio. Neste caso, os policiais surgem como concorrentes diretos dos empresários regulares e são freqüentemente denominados por estes como os “camelôs da segurança” porque oferecem os serviços por preços muito inferiores aos das empresas legalizadas. Apesar dessas situações de conflito, a maioria dos empresários prefere enfatizar a complementaridade entre as duas atividades e a necessidade de cumplicidade entre os profissionais envolvidos. Quanto à clientela atendida pelas empresas onde foram realizadas as entrevistas, não foge ao perfil das empresas associadas ao SESVESP, conforme a tabela 3, apresentada no capítulo 3. As empresas Columbia, Pires e Estrela Azul concentram suas atividades na indústria, comércio e bancos enquanto a Protege é uma empresa que tem suas atividades mais voltadas para as instituições financeiras, principalmente para o setor de transporte de valores. Os serviços de segurança para condomínios residenciais ou de seguranças particulares (guardacostas) não é a principal atividade de nenhuma destas empresas. Principalmente 137

os serviços de guarda-costas são disponibilizados apenas para executivos de empresas ou bancos que já são clientes da empresa de segurança. Os empresários entrevistados apontaram algumas mudanças pelas quais essa clientela vem mudando ao longo dos anos. Afirmam que ela tem se tornado cada vez mais exigente e cada vez mais bem informada sobre os serviços e, por isso, exigem serviços de qualidade, por preços acessíveis. Também indicam que há um aumento na demanda de serviços de segurança para residências, talvez pela carência de segurança pública, ao mesmo tempo em que há uma queda da clientela formada por órgãos públicos. Muitas empresas preferem recusar esses tipo de cliente pelo fato de o considerarem muito problemático, principalmente pelos constantes atrasos de pagamento e pelos processos de concorrência pouco claros. O executivo da empresa Pires relatou que havia recebido a proposta para concorrência dos serviços de segurança para o Correio, mas que a empresa havia decidido não participar porque há uma tendência em evitar serviços a órgãos públicos. Por este motivo os serviços prestados pela empresa concentram-se no comércio, indústrias e em bancos privados. Também foi apontado que as grandes empresas têm a tendência de seguirem ao longo dos anos com os serviços de segurança prestados por uma mesma empresa por causa das dificuldades de adaptação e de instalação de novos projetos. Não havendo diferenças muito grandes em relação aos custos, a tendência é que essas empresas contratem os serviços de uma empresa de segurança durante anos. No caso da Estrela Azul, por exemplo, há clientes que contratam os serviços da empresa há 30 anos, desde que a empresa foi fundada. Ao contrário, as pequenas empresas trocam de prestadores de serviços mesmo quando a diferença de custo é muito pequena porque, para empresas de menor porte, é muito mais simples a adaptação a novos esquemas e projetos de segurança. Outra característica apontada são as mudanças em função da introdução da segurança eletrônica. Apesar de ainda não ser tão difundida no Brasil, onde um projeto se divide entre 95% de gastos com mão de obra e 5% com custos 138

eletrônicos, comparando-se com os Estados Unidos e Europa onde a proporção é de 70% para mão de obra e 30% de eletrônica, a tendência é o aumento da procura pelos equipamentos eletrônicos. A segurança eletrônica proporciona um barateamento dos custos além de ser, segundo os empresários, um sistema de segurança mais confiável do que o trabalho humano. Muitos órgãos públicos e indústria perceberam que é possível essa redução de custos com mão de obra e integraram os equipamentos aos seus projetos de segurança. Além da conjugação entre segurança eletrônica e mão de obra, há aqueles clientes que exigem um serviço personalizado. Esse serviço pode ser diferenciado pela presença de um supervisor que controla toda a equipe de vigilantes, pode ser o uso de uma arma automática, ao invés de um revólver calibre 38 para o serviços de segurança pessoal, ou o uso de carro blindado para os serviços de segurança da família de um empresário. Um dos entrevistados relatou que há casos em que os clientes se recusam a pagar um valor maior por esses serviço diferenciado e que, mesmo assim, algumas empresas preferem abrir mão desse valor por uma razão comercial de fidelidade ao cliente, além de ser uma estratégia de marketing garantir no quadro de clientes executivos e empresários influentes. Algumas empresas ampliam ainda mais o leque de ofertas para aproveitar os clientes já conquistados criando filiais especializadas em outras atividades como treinamento de porteiros, recepcionistas e brigadas de incêndio. Quanto à definição do projeto de segurança para os clientes, as empresas contam com um departamento especializado. É esse departamento que vai determinar quantos vigilantes são necessários e em quais lugares, se há necessidade de porteiros, recepcionistas, de guias para estacionamentos, de câmeras ou alarmes. Cabe também a este departamento determinar se a vigilância será armada ou não. A necessidade de todos esses recursos é definida através da análise de risco feita pelos funcionários da empresa que visitam o local em que será prestado o serviço, avaliam se a área onde está instalada é vulnerável ou não, se há bens a serem custodiados, quais os dispositivos de segurança já existentes como muros e grades, qual o tipo de serviço desenvolvido naquele local, se 139

trabalha com valores, papéis confidenciais, se há vizinhos e se são empresas ou residências. Após ser feita a análise de risco, é enviada a proposta ao cliente, justificando-se todas as sugestões e discute-se quais as melhores opções. Toda negociação sobre o esquema de segurança que será utilizado é decidido de maneira conjunta, entre empresa e cliente, depois que a empresa apresenta ao cliente uma proposta (avaliação da vulnerabilidade do local) sendo que, às vezes, a empresa precisa limitar algumas exigências ou desejos dos contratantes. Por exemplo, clientes que preferem contratar apenas um porteiro para o local em que a avaliação determinou que seria necessário um vigilante. Isto acontece porque o custo do primeiro, com piso salarial de R$368,00 é bem inferior ao do segundo, de R$600,00. Apesar de as funções de portaria e vigilância serem muito distintas e considerando que contratar um porteiro para exercer funções de vigilância é uma prática ilegal, nada impede que o contratante opte pela economia do serviço. Sobre a decisão da vigilância ser armada ou não, segundo os empresários entrevistados, a decisão tem grande influência do contratante do serviço porém, isso também é um fator considerado na análise de risco. Os avaliadores indicam se há ou não necessidade da vigilância ser armada naquele determinado local. Apesar de todos os vigilantes serem treinados para portarem arma, muitos clientes estão abrindo

mão

deste

recurso

para

evitar

possíveis

problemas,

preferindo

investimentos em equipamentos eletrônicos. Isto não se aplica às instituições bancárias, onde a lei determina ser obrigatório a existência de vigilância armada. Se a avaliação de risco conclui que é necessário a existência de vigilância armada, ela é alocada. Caso essa mesma avaliação determine que a arma não é necessária ao vigilante daquele posto, a decisão final fica a cargo do cliente. Se ele exigir o uso de armas e se os avaliadores concluírem que isto não representará perigo para o cliente e seus funcionários ou para o público, então define-se pelo uso de vigilância armada. No caso contrário, da avaliação de risco entender que há necessidade de vigilância armada e o cliente não aceitar esse serviço, isto é acrescentado como cláusula contratual. Mesmo com essa considerável liberdade de 140

escolha por parte do cliente, alguma empresas também têm receio e evitam o uso desnecessário de arma já que, um vigilante armado, dependendo do posto onde se encontra, pode se tornar alvo de algum assalto e ter sua arma levada, gerando inúmeros entraves burocráticos à empresa. Apesar de possuir o porte de arma, o armamento usado pelo vigilante é registrado em nome da empresa que o desloca para o local onde vai ser usado. A arma usada pelo vigilante pertence a um determinado posto, é registrada em nome da empresa e pode ser usada apenas pelo vigilante e durante o seu período naquele posto. Nenhum vigilante é autorizado a portar a arma da empresa fora do seu posto. O procedimento correto é que a arma fique guardada no posto onde é utilizada, sendo totalmente proibido que essa arma seja retirada do local de trabalho. Quando chega ao trabalho, na empresa, no shopping ou na residência, o vigilante a retira do cofre e no final de seu expediente ou a entrega ao vigilante que dará continuidade ao trabalho, ou a guarda novamente no cofre. Mesmo estando a arma em nome da empresa, a responsabilidade de sua guarda fica por conta do cliente. Os únicos profissionais de segurança privada que estão autorizados a portarem arma da empresa durante os trajetos, são os que fazem serviços de escolta e transporte de valores e os de segurança pessoal sendo que, em ambas as situações, precisam portar o certificado de autorização. Estes são os dois únicos casos em que vigilantes estão autorizados a portarem armas fora do local para onde foram designados. Se o local onde serão prestados os serviços de vigilância não tiver o local apropriado para a guarda de armas, o serviço armado não é autorizado. Apesar de toda a fiscalização que parece existir sobre o armamento destas empresas, esse controle ainda é muito frágil. Em dezembro de 2000, o disquedenúncia do Instituto São Paulo Contra a Violência, através de telefonema anônimo, recebeu a denúncia de que a empresa Excel possuía armas com numeração duplicada. Esta tática é usada para aumentar, irregularmente, a sua disponibilidade de armamento. Ainda segundo o denunciante, uma dessas armas foi desviada por um funcionário da empresa para um menor da favela Elba, no 141

município de São Paulo. O disque-denúncia passou o caso à Delegacia de Controle de Segurança Privada que, através de diligências , apreendeu seis revólveres com numeração duplicada. Além dos vigilantes, responsáveis pela segurança do local, há os supervisores de área, responsáveis por uma determinada região. A sua função é percorrer os postos (clientes), verificar o caderno de ocorrências e verificar se há alguma queixa ou necessidade, do cliente ou do funcionário. O supervisor de área também é encarregado de atender aos chamados de ocorrência. Caso um posto da empresa tenha sofrido um assalto, cabe ao supervisor, com o apoio de um gerente e do advogado da empresa, acompanharem os vigilantes para o registro do caso na polícia. Esse procedimento, segundo o entrevistado da empresa Estrela Azul, é adotado não apenas para acompanhar o funcionário da empresa, como também para evitar que o vigilante seja acuado pelos policiais durante o interrogatório. No caso de um assalto a um banco, por exemplo, assim que a polícia chega, os vigilantes são orientados a deixarem o local sob responsabilidade dos policiais. Em seguida, são encaminhados ao distrito policial onde o vigilante dá o seu depoimento. Outro item explorado foi o da relação entre empresa e clientes quanto ao pagamento dos serviços. Os entrevistados afirmaram que a inadimplência no setor de vigilância é muito pequena porque se trata de um serviço essencial, do qual o cliente não pode abrir mão. No caso de algum cliente ficar em débito com a empresa, é estipulado um período entre aproximadamente 30 e 60 dias, dependendo do acordo, para que a dívida seja quitada ou para que a empresa retire seus homens daquele posto. Os serviços de segurança também tiveram que ser readaptados ao atual contexto de criminalidade e o treinamento dos vigilantes é apontado pelos empresários como o fator fundamental da qualidade e eficiência do serviço. Isto acontece porque, além do serviço ser, em sua maioria, realizado pelo trabalho humano, há um limite, estabelecido por lei, sobre o armamento a ser utilizado pelos vigilantes. Revólveres calibre 38 e carabinas calibre 12, para os serviços de 142

transporte de valores, segundo os executivos, são muito inferiores ao armamento usado pelas quadrilhas. Dessa forma, o treinamento, associado ao uso de equipamentos eletrônicos, visa suprir essa inferioridade em armamento. Segundo o executivo da empresa Protege, essa intensificação no treinamento não apenas torna o funcionário mais capacitado como também reduz as possibilidades do seu envolvimento em crimes. Vigilantes: recrutamento e seleção O artigo 5º do Decreto 89.056/83 estabelece que “vigilância ostensiva consiste em atividade no interior dos estabelecimentos e em transportes de valores, por pessoas uniformizadas e adequadamente preparadas para impedir ou inibir ação criminosa”. Define que o vigilante “é o empregado contratado para proceder à vigilância patrimonial das instituições financeiras e de estabelecimentos públicos ou privados, à segurança das pessoas físicas e realizar o transporte de valores ou qualquer outro tipo de carga” (Almeida, 1997) A lei 7.102, que determina o funcionamento dos serviços de segurança privada, estabelece também os requisitos aos candidatos às vagas de vigilantes. Entre eles, exige que o candidato deve ser brasileiro (nato ou naturalizado); ter idade mínima de 21 anos; possuir no mínimo a 4ª série primária e a aprovação no curso de formação de vigilante que, em seguida, deve ter seu registro efetuado, pela empresa empregadora, na Delegacia Regional do Trabalho. Para o registro é necessário um atestado de saúde física e mental que deve ser renovado anualmente; atestado negativo de antecedentes criminais; exame psicotécnico e documentos que comprovem estar em dia com as obrigações eleitorais e militares. Para aqueles que exercem atividade de segurança pessoal privada, é necessário, além de todos estes documentos, ter experiência mínima comprovada de um ano na atividade de vigilância; ter concluído o curso de extensão para segurança pessoal; utilizar em serviço traje adequado à atividade, estabelecido pela empresa e portar credencial de trabalho fornecido pela empresa. Independente da atividade exercida, todos os vigilantes são obrigados a freqüentar os cursos de reciclagem a 143

cada dois anos. Entretanto, empresários do setor afirmam que estes requisitos já não são suficientes àqueles que pretendem ocupar uma vaga de vigilante. Apesar de serem os únicos requisitos exigidos por lei, no momento da contratação, alguns itens estabelecem um diferencial entre os candidatos. Ao procurarem preencher suas vagas, as empresas esperam que os candidatos, além das exigências estabelecidas pela lei tenham ainda, no mínimo o 1° grau completo, noções de informática, boa redação, noções de inglês, boa comunicabilidade e facilidade em aprender novas técnicas. Essas exigência decorrem não apenas da possibilidade de encontrar mão de obra mais qualificada no mercado como também de exigências advindas com a introdução de novas tecnologias como os equipamentos eletrônicos em sistemas de segurança. Apresentar uma boa caligrafia e redação têm tido grande peso para a disputa de vagas já que os vigilantes estão freqüentemente preparando relatórios de suas atividades. Também é fundamental a constante reciclagem do profissional porque as atividades de segurança estão se modernizando cada vez mais, principalmente na área de segurança eletrônica. Assim como em outras áreas, a idade também é um fator limitador na profissão de vigilante. Acima de 40 anos muitos profissionais não conseguem mais uma boa colocação e acabam se sujeitando aos trabalhos oferecidos pelas empresas clandestinas. Na tentativa de melhorar a qualificação de seus funcionário, a empresa Pires desenvolveu um projeto chamado Projeto Aprender, que permite a seus funcionários completar o primeiro grau. Este programa não é obrigatório mas caso o funcionário esteja interessado em dar continuidade aos estudos, a empresa fornece todo o material. Existem quatro tipos de atividades de vigilância, divididos conforme os serviços disponíveis no mercado: o vigilante comum, aquele que executa o serviço de vigilância patrimonial zelando e inibindo a ação dos agressores; o vigilante condutor (de cães), que trabalha acompanhado por um cão adestrado; o vigilante para transporte de valores e escolta armada, que trabalha no acompanhamento

do

serviço

de

transporte

de

valores,

auxiliando

operacionalmente tal serviço ou garantindo o transporte de qualquer outro tipo de 144

carga; o vigilante para segurança pessoal privada, mais conhecido como guarda-costas, que trabalha diretamente com as pessoas, acompanhando-as praticamente a qualquer lugar, visando garantir sua incolumidade física. Cada uma dessas funções tem diferentes níveis de capacitação técnica, obrigação que decorre da própria lei. Em expansão também se encontra as vagas disponíveis para as vigilantes femininas, conhecidas como guardetes. Segundo um dos entrevistados, o motivo das guardetes serem tão requisitadas se deve ao fato delas serem menos agressivas que os homens. O setor de transporte de valores é o único que ainda não conta com o trabalho feminino porém, em países como Estados Unidos, Venezuela e México as mulheres podem ser encontradas como motoristas de carros-fortes. O motivo para essa ausência é o alto risco da atividade de escolta e transporte de valores entretanto, o entrevistado fez questão de ressaltar que se houver interesse, nada impede que uma mulher, se estiver devidamente habilitada, candidate-se a uma vaga para este serviço. Conforme acordos realizados pelas duas categorias, aos vigilantes são assegurados o uniforme, que deve ser fornecido gratuitamente pela empresa empregadora; porte de arma válido para o local de trabalho; prisão especial por ato decorrente da atividade de vigilância e seguro de vida pago pela empresa empregadora. Quanto à formação de seu quadros de funcionários, as empresas atuam de maneiras diferentes. Algumas abrem vagas e realizam a triagem dos candidatos. Outras já têm um banco de dados com os profissionais formados por seus centros de formação e dão preferência a eles para o preenchimento de vagas. De maneira geral, é dada preferência àqueles que já possuem o curso de formação porque, assim, as empresas podem dispensar essa etapa de formação e encaminham os recém-contratados diretamente para o curso de reciclagem. Em todas elas, logo depois de contratado, o vigilante passa pela reciclagem não apenas para regularizar sua documentação mas também para se adaptar ao perfil da empresa.

145

Na maioria das empresas, é o departamento de recursos humanos o setor responsável pela seleção dos candidatos. Essa seleção inclui a passagem por entrevistas com psicólogas, além dos exames físicos, onde é verificado se o candidato possui o porte físico mínimo para exercer a atividade de vigilante. Segundo um dos executivos entrevistados, a avaliação realizada pelas psicólogas da empresa é necessária para verificar o “nível de agressividade do indivíduo” e se o seu perfil é o mais adequado ao posto que irá ocupar. Em seguida é realizada a investigação social que, na empresa deste entrevistado, é realizada por um departamento composto por delegados e investigadores que vão até o endereço indicado pelo candidato em sua ficha de inscrição para checar as informações e “verificar seu rol de amizades”. Todas essas informações são essenciais para a contratação e qualquer suspeita de que o candidato conviva com “más companhias” é o suficiente para sua dispensa. Quando são realizadas as pré-seleções de candidatos às vagas de vigilantes, a grande parte já tem o curso de formação porque são ex-funcionários de outras empresas. Nas grandes empresas, além desse setor de recrutamento, há os departamentos médicos onde toda avaliação física é realizada na própria sede. A empresa Pires, por exemplo, realiza o recrutamento de candidatos todas as segundas e terças feiras, onde são selecionados os candidatos para todas as áreas da empresa: porteiros, recepcionistas, vigilantes e funcionários para o setor administrativo. Estes candidatos pré selecionados também são incluídos em um banco de dados e chamados assim que a empresa tem necessidade de ampliar seus quadros. Um dos empresários afirmou que a rotatividade na atividade de vigilância é muito alta porque é muito comum uma empresa precisar contratar vigilantes e regulamentá-los para a atividade em poucos dias. Isso ocorre quando as empresas fecham um novo contrato, que requer um número grande de mão de obra, sem terem um quadro de vigilantes suficiente para o novo posto.

146

Vigilantes: treinamento Posterior ao decreto que regulamenta a constituição e o funcionamento das empresas de segurança privada baixou-se o decreto no qual os cursos de formação

devem

ministrar

aulas

de

defesa

pessoal

para

estimular

o

desenvolvimento do poder combativo, aperfeiçoando suas habilidades naturais e seus reflexos. Segundo a lei, o tempo do curso completo de formação do vigilante é bem reduzido, sendo exigido o mínimo de 120 horas, divididas em 10 dias. Destas, 20 horas são dedicadas à defesa pessoal pois considera-se que o objetivo do treinamento não deve ser apenas o de preparar o aluno para lidar com armas, mas também de prepará-lo fisicamente e psicologicamente para enfrentar situações de risco. Considerando que a vigilância privada é um dos setores que continua empregando muita mão de obra, esse é um dos principais fatores que estimula a procura pelos cursos de formação de vigilantes. Os cursos de formação de vigilantes

também

se

tornaram

um

negócio

altamente

rentável

porque

acompanham toda essa demanda por serviços de segurança, além de serem um serviço requisitado constantemente devido a exigência por lei, da reciclagem periódica dos vigilantes, realizada obrigatoriamente a cada dois anos. Normalmente, os cursos de formação são abertos ao público porém, como o número de funcionários que necessitam passar pela reciclagem é muito grande, restam poucas vagas nas grandes empresas para a realização de cursos ao público externo. Aproximadamente 70% das vagas do centro de formação da empresa Pires são ocupadas pelos próprios funcionários da empresa. O restante das vagas são disponíveis ao público, para outras empresas, inclusive as empresas de segurança de menor porte, ou para as polícias militar e civil. Também existem cursos que são muito solicitados, como aqueles ministrados especialmente para os altos executivos de grandes empresas. O centro de formação é contratado para dar cursos de segurança a esses executivos e suas famílias e, no caso de executivos estrangeiros, é dado um treinamento sobre segurança no Brasil, indicando os perigos e as medidas de prevenção. 147

Os cursos de formação, ministrados

por instituições capacitadas e

devidamente autorizadas pelo Ministério da Justiça, visam proporcionar ao futuro vigilante as habilidades e conhecimentos sobre técnicas para a atividade de vigilância. Segundo o material relativo a esses cursos, a principal diferença entre o treinamento dado ao vigilante e o treinamento militar é a orientação de cada um deles. Ao militar é dado um treinamento para que possa agir tanto de maneira preventiva quanto repressiva, enquanto que o caráter da ação do vigilante é apenas preventivo e defensivo. A ele cabe apenas a preservação do patrimônio ou da integridade física de seu cliente e sua ação acontece apenas em momentos de extrema necessidade. Atualmente existem em São Paulo 35 empresas de cursos de Formação de vigilantes, autorizados pela Polícia Federal. O currículo básico de formação de vigilantes tem duração de 120 horas e é composto de: Quadro 5. Currículo do curso de formação de vigilantes Módulos

Curso treinamento físico

defesa pessoal e primeiros socorros

noções elementares

órgãos policiais, conceito de crime, identificação de provas objetivas

de direito penal

e subjetivas de crimes, noções de crime contra a pessoa, noções de crime contra o patrimônio

treinamento de tiro

segurança e conservação do armamento, posições de tiro, técnicas

e armamento

de tiro, noções sobre munição química

técnica operacional

definição de local do crime, métodos de observação e descrição de pessoas e locais, capacitação para busca e apreensão de pessoas ou veículos, noções sobre registro de ocorrências

segurança física de

segurança interna e externa, segurança física das instalações,

instalações

identificação, manuseio e cautelas de explosivos, medidas de emergência, manuseio de equipamentos de comunicação, funções e deveres do vigilante, sigilo profissional

prevenção e

formação e propagação de incêndios, combate a incêndios,

combate a incêndios primeiros socorros relações humanas

autocrítica, comunicação interpessoal, relações interpessoais, ética e

no trabalho

disciplina no trabalho, apresentação pessoal

Fonte: Manual das empresas de segurança privada

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O treinamento tem aulas práticas e teóricas e, no final, há uma avaliação de cada curso. A partir deste curso e após um período de atividade na profissão, os alunos estão habilitados a realizarem os cursos de extensão, qualificando-se para outras atividades. O aperfeiçoamento para a atividade de escolta exige um ano de experiência em transporte de valores e um acréscimo de 24 horas no curso. Segurança pessoal, também chamada de segurança de dignitários exige mais 40 horas de aula. Após passar por todas as etapas de avaliação, o candidato à vaga é encaminhado ao curso de reciclagem, de acordo com a função que irá exercer. Nas grandes empresas, a reciclagem de vigilantes é realizada em seus próprios centros de treinamento enquanto que as empresas menores realizam os treinamentos através de convênios com as escolas e centros de formação. Ainda, de acordo com a lei, todas as empresas têm que oferecer um curso de requalificação a cada dois anos, com no mínimo oito horas de duração. Entretanto, a carga horária destinada para o treinamento de defesa pessoal é questionada pela maioria dos instrutores que afirmam que o tempo destinado a esta disciplina é suficiente para que os alunos terminem o curso contando apenas com uma base dos golpes e atitudes a serem tomadas. Considerando que a segurança privada foi criada, inicialmente, com a finalidade de proteger as instituições bancárias, e posteriormente sofreu muitas mudanças, hoje, este setor está em pleno crescimento e dá início a novos serviços. Isto gerou alguns problemas, entre eles, a ausência de um curso de graduação específico para a área de segurança. Com isso, o setor agrega pessoas egressas do Exército, da Polícia Militar ou Civil, ou de setores de administração de logística ou de pessoal, fazendo com que cada um, à sua maneira, adapte seus conhecimentos às necessidades do mercado. A Universidade Anhembi Morumbi criou o Curso Superior de Gestão de Segurança Empresarial e Patrimonial, com duração de 1600 horas/aula, ministrado em dois anos, e que concede o direito ao diploma de nível superior. Este curso é fundamentado na Lei de Diretrizes e Bases, segundo a qual, o ensino superior 149

abrange os cursos seqüenciais - cursos de aprimoramento em determinada área do conhecimento e cursos de formação específica, com 1600 horas/aula. O fato de ser uma universidade lhe dá autonomia para a criação de um curso seqüencial, no entanto, o reconhecimento do MEC - Ministério da Educação e Cultura só será possível depois que os primeiros alunos se formarem. O curso conta atualmente com 35 alunos, entre eles profissionais do setor e policiais; abrange as seguintes disciplinas: conceitos, forma e mercado de trabalho no setor de segurança; logística e estratégia aplicada à segurança; administração de recursos humanos; gerenciamento de agentes de segurança; prevenção de acidentes; emergências médicas; patrimônio convencional, intelectual e de dados; seguros comerciais e industriais; gerenciamento de sistemas digitais e mecanismos de segurança; legislação pertinente e rotinas policiais. Também fazem parte os cursos comuns a todos

os

cursos

seqüenciais

como

psicologia,

filosofia,

ciências

sociais,

comunicação e expressão, organização para a produção e para o trabalho, história da ciência e metodologia científica. Quanto ao treinamento para os vigilantes, a partir do módulo básico, alguns centros têm cursos complementares de acordo com a atividade que será exercida pelo profissional e com as necessidades do cliente. Dependendo do campo de atuação do vigilante, o curso de formação ou reciclagem é complementado por um curso de atendimento ao público, por exemplo, para aqueles que vão trabalhar em condomínios ou shoppings centers; há um cursos de atendimento telefônico para aqueles que usarão o equipamento no dia a dia; noções de equipamentos como balança para pesagem de caminhões, para aqueles que trabalham em industrias onde o sistema é utilizado na portaria. Estes centros de formação procuram acrescentar cursos extras aos conteúdos básicos, de acordo com a necessidade de cada cliente. Em relação às aulas teóricas sobre direito, a ênfase é dada em direito penal, sobre o funcionamento da legislação para casos de furto, roubo e seqüestro. Há também um curso de boas maneiras, ministrado principalmente àqueles que exercem a atividade de guarda-costas, para que saibam os cuidados 150

necessários com a aparência pessoal e como proceder nos ambientes em que freqüentarão, acompanhando seu cliente. Alguns cursos de formação de agentes de segurança pessoal oferecem até aulas de cerimonial e etiqueta para ajudar o profissional no desenvolvimento de sua atividade em ocasiões e lugares especiais freqüentados pelos clientes. Este é um item que preocupa as empresas porque as pessoas que exercem esta atividade pertencem à classes bem distintas das de seus clientes e essa diferença suscita que o funcionário pode se tornar uma ameaça. Em uma matéria publicada no Jornal da Segurança, sobre a profissão de segurança pessoal, foi discutida a importância do profissional ter consciência de que aquele é apenas o seu trabalho, e não o “seu mundo”. Foi apresentado o exemplo de um segurança particular, morador da região do Campo Limpo, na periferia de São Paulo, que “embora tenha convivido com o luxo e a riqueza, jamais foi alvo da tentação de usar em causa própria tudo o que vê ou o que ouve na casa do Morumbi”. (Jseg, outubro de 2000). O principal objetivo deste tipo de orientação é tentar impedir que os funcionários aproveitem o contato e as informações que têm sobre os clientes para atuarem de maneira inversa a qual foram contratados. O departamento jurídico das empresas é o setor responsável pelo acompanhamento de funcionários que se envolvem em conflitos, inclusive os mais graves, que resultam em um homicídio durante o desempenho das atividades de trabalho. Caso o vigilante seja ferido, a empresa providencia toda a assistência médica e, conforme o estabelecido por convenção coletiva, toda a parte jurídica é assistida pela empresa. Na empresa Protege, há o departamento de assistência social, encarregado de acompanhar a família do funcionário, seja no caso de homicídio ou de prisão, além do trabalho realizado pelas psicólogas, com o funcionário e sua família. No caso de envolvimento de funcionários em conflitos armados, normalmente a empresa o transfere para um posto não armado, em uma industria ou shopping, onde a possibilidade de um novo confronto é mínima. Dependendo da gravidade do caso, esse funcionário pode até ser retirado do trabalho de vigilância e passar para atividades administrativas. A assistência da 151

empresa se aplica para os problemas ocorridos durante o horário de serviço, inclusive durante o trajeto de ida ou de volta do trabalho. Em outros casos, de envolvimento em conflitos armados fora do seu horário de serviço, é cumprida apenas a assistência trabalhista. Apesar de todos os esforços em se aperfeiçoar o treinamento de vigilantes e tornar mais rigorosos os processos de seleção, uma pesquisa de 1998 sobre o setor de segurança privada idealizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que 19,5% dos vigilantes que trabalham no estado não atendiam à lei que exige um mínimo de quatro anos de estudo no ensino básico. A pesquisa se baseou em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem em Domicílios, realizado pelo IBGE, que verificou a instrução dos entrevistados que disseram trabalhar com segurança privada. Concluiu-se que quem trabalha nesta área tem menos escolaridade dos que os integrantes da segurança pública. Segundo os números, a média de anos de estudo nos serviços de segurança pública foi de 9,9 anos para cada policial (67% têm, no mínimo, o 1º grau completo) e o índice de analfabetismo foi de 1%, enquanto a dos vigilantes privados chegou a 7% (não havia informação sobre a média de anos de estudo para os vigilantes privados). Estes números podem se referir àqueles que fazem parte do mercado clandestino de segurança. Considerando que o Departamento de Polícia Federal exerce um rígido controle ao menos sobre os vigilantes das grandes empresas, estas estariam de acordo com as exigências mínimas. Porém, isto não impede que estas mesmas empresas estabeleçam critérios diferentes de avaliação de candidatos, às vezes, muito subjetivos, ou que tenham parte destes serviço realizados por policiais. Apesar de todo esses controle, o mercado da segurança privada ainda é profundamente marcado pela participação de policias, de maneira direta ou indireta, como proprietários ou como “colaboradores” em algumas atividades. O sociólogo Paixão abordou a interdependência organizacional entre a segurança privada e a polícia. Afirma que a esta, caberia a manutenção da ordem 152

no espaço público e à outra, a manutenção da propriedade privada. Entretanto, a falta de um amplo controle sobre esses serviços privados afeta as liberdades dos cidadãos, sobretudo numa sociedade democrática, em benefício a interesses particulares. A associação da segurança privada à presença rarefeita do Estado envolve a discussão sobre a fronteira entre os domínios públicos e privados da ação e a combinação de mecanismos estatais e de mercado na manutenção da ordem. Outro agravante, segundo o autor, é que na atividade da segurança privada os guardas estão autorizados a usar armamento, símbolos de autoridade pública como uniforme, insígnias, algemas e a deter, revistar ou interrogar os possíveis ou reais violadores dos direitos de seus clientes. Porém, este profissional, no exercício de suas atividades, está fora dos formalismos e controles que limitam sua ação dentro do respeito aos direitos humanos dos indivíduos ou grupos, assim como

está o policial. “A segurança privada - no contexto democrático - não

apenas detém poder de polícia no âmbito privado (...) como também o exerce (...) livre dos formalismos que, no espaço público, protegem o indivíduo contra o arbítrio do Estado”. (Paixão, 1991:136) Um dos motivadores dessa constante presença de policiais nos serviços de segurança privada pode estar ligada à lacuna existente de profissionais na área de segurança que não tenham nenhum vínculo com as forças policiais, que se tornam a única fonte de profissionais especializados no assunto. Eles próprios ou até mesmo os executivos pensam que pessoas que já foram treinadas para a atividade de segurança pública são as mais indicadas para repassarem esse treinamento aos vigilantes. É muito comum que policiais ou ex-policiais ministrem cursos aos alunos dos centros de formação de vigilantes. Apesar de existir um currículo mínimo a ser cumprido para a formação de vigilantes, assim como ocorre na formação das polícias públicas, não há um monitoramento externo sobre como esses currículo é aplicado. Pode-se dizer que a Polícia Federal representa a forma de fiscalização externa e o controle burocrático sobre as empresas de segurança. À ela é que as empresas devem prestar contas de todo o seu funcionamento porém, seu alcance 153

ainda é muito limitado e restringe-se às empresas de grande porte que se dedicam em manter uma boa imagem no mercado. Entretanto, formas de fiscalização internas, como o conteúdo dos cursos de formação e extensão, os princípios desses treinamentos e o próprio modo de ação dos vigilantes durante em serviço, ainda são muito limitadas. Restringem-se principalmente à própria empresa, que avalia cada um destes itens, e, no máximo, estende-se aos clientes diretos destas empresas (que pagam pelos serviços) e, em menor proporção, aos clientes indiretos (os freqüentadores de espaços privados abertos ao público). Enquanto as polícias públicas têm espaços abertos ao controle externo, como as corregedorias e as ouvidorias de polícia, exercido pela população, esperase que num país democrático, esse controle externo também seja possível sobre as polícias privadas. Para tanto, é necessário que o debate sobre a segurança não se limite à lógica de mercado, da simples relação de compra e venda de serviços, e se torne uma discussão realmente de domínio público. Se o aumento da massa de privada, usando o termo de Clifford e Shering (in CHRISTIE, 1998), sobretudo daquelas destinadas ao uso público requer uma ampliação dos serviços privados de segurança, é essencial que isso se torne pauta para o debate. A intenção deve ser a de encontrar resoluções para um problema social e tornar alvo de melhorias não somente aqueles que pagam por serviços de segurança mas toda a população.

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Considerações Finais A cidade de São Paulo evidencia o uso de esquemas privados de segurança. Seja pelas ruas fechadas, pelas grades e muros altos, esse uso fica mais evidente no grande número de empresas de segurança que se instalaram nos últimos anos ou no crescimento de antigas empresas existentes no mercado. Nas empresas onde foram realizadas as entrevistas para este trabalho, a empresa Protege é a mais recente, fundada em 1979, enquanto a mais antiga, a empresa Pires, foi fundada em 1968. Apesar desta última prestar serviços de segurança desde essa data, outros serviços oferecidos pelas empresas do grupo já existiam desde os anos 30. Quando as empresas de segurança começaram a surgir, em meados dos anos 60, não havia nenhuma regulamentação nem pessoal qualificado para exercer a atividade de segurança privada. A primeira iniciativa foi a de transferir conhecimento daqueles que faziam parte das polícias públicas, e isto se deu tanto na parte de gerenciamento e treinamento quanto na parte de execução das tarefas. É muito provável que a falta de regulamentação favorecesse aqueles que, no caso de não serem diretamente integrantes das corporações policiais, tivessem estreitas relações com os órgãos responsáveis em delegar esse poder de explorar e exercer a atividade de segurança particular. Dessa forma, a presença de policiais ou ex-policiais marca a existência da segurança privada no Brasil desde o seu início. No contexto atual, o aumento da massa de propriedade privada, usando o termo de Shearing e Stenning, principalmente aquelas destinadas ao uso público, é fundamental para se compreender o processo de expansão das empresas de segurança. Não se pode ignorar a necessidade no mundo moderno, e mais especificamente nos centros urbanos, dos serviços de segurança privada. Existem áreas, como as grandes indústrias, shopping centers, centros empresariais, nas quais seria impossível o serviço público garantir a demanda por segurança. Tratam-se de espaços privados abertos ao público que requerem forças de segurança específicas para esses locais. São Paulo é uma cidade na qual os 155

shopping centers substituíram as ruas para boa parte da população. Alguns mais sofisticados que outros porém todos com a mesma característica, nesses centros de lazer e consumo o que sobressai é a sua estrutura de espaço público fechado e monitorado. Paralelamente à urbanização, o processo de terceirização tem um importante papel no aumento de serviços de segurança. Não só na área de segurança, mas em várias outras áreas tornou-se muito mais vantajoso contar com serviços realizados por uma terceira empresa, especializada num determinado ramo, do que arcar com os custos de possuir um corpo próprio de funcionários. À medida que a massa de propriedade privada se desenvolve, os serviços de segurança vão se tornando necessários para suprir uma demanda por segurança, tanto das pessoas que circulam por essas áreas quanto de suas próprias instalações. Diante dessa necessidade, as empresas ou vão ter um corpo próprio de funcionários responsáveis por essas atividades ou vão estabelecer um contrato de serviço com uma empresa especializada. Outro fato freqüentemente relacionado ao aumento da segurança privada é o aumento da criminalidade. Existe a idéia de que com o aumento da criminalidade as pessoas procurariam alternativas privadas para sua segurança. No entanto, cabe ressaltar que a expansão de segurança privada, atualmente, é um fenômeno mundial, que ocorre mesmo em países onde os índices de criminalidade não têm apresentado um acréscimo. Isso mostra que os números da criminalidade não são a razão única desse processo de expansão. Apesar disso, não se pode negar que o aumento dos números de crimes praticados acabe impulsionado as pessoas a adotarem esquemas eletrônicos de segurança ou a contratarem pessoas para fazerem a vigília de suas ruas e residências. Isso se agrava ainda mais quando o Estado não consegue apontar para soluções eficientes para controlar esse aumento da criminalidade, que dêem uma resposta rápida e diminuam a sensação de insegurança da população. Nesse sentido, alguns autores destacam que há uma generalização sobre os graves crimes, o que resulta em uma evitação do outro para a manutenção da 156

separação entre grupos socialmente distintos. Frédéric Ocqueteau (1997) é o pesquisador francês que vem se ocupando em pesquisar a segurança privada na França. Sua tese é a que este setor da segurança não é totalmente autônomo pois, para se tornar viável, necessita do aval dos poderes públicos. Também supõe que nas democracias ainda não consolidadas, cita o Brasil como exemplo, o setor de segurança privada cresce com maior independência do Estado. Afirma que o principal motivo desses serviços de segurança privada estarem crescendo está mais relacionado ao desejo das parcelas proprietárias que querem se proteger da violência dos pobres, devido às grandes desigualdades sociais, do que pela fraca atuação do Estado no controle da ordem. Nessa mesma linha, Pierucci (1999) afirma, a partir da análise de entrevistas realizadas com a população paulistana, que o sentimento de insegurança engendra discursos explicativos, baseados no preconceito

social,

muitas

vezes,

associando

insegurança

e

migração,

principalmente a de nordestinos. Diante da ameaça de destruição de seu mundo, abalado pelo aumento de insegurança e da criminalidade, essa população passa a procurar bodes expiatórios, em cima dos quais despeja seu ressentimento. Isso se transforma numa situação de constante ameaça e de uma necessidade de separação e evitação do outro. No caso brasileiro existem características próprias que colaboram para que esse processo se desenvolva. É muito importante ressaltar que no Brasil, é muito fraca a presença de um Estado mediador de conflitos e, como nos mostrou a bibliografia apresentada, a resolução privada dos conflitos sempre foi a alternativa adotada por boa parcela da população. Assim como ocorre nas áreas da saúde, educação e dos transportes, a precariedade dos serviços públicos de segurança parece impulsionar a demanda por serviços particulares. Porém, em todos esses setores, apenas uma minoria da população é que pode pagar por estes serviços, aprofundando ainda mais a desigualdade social. Os serviços de segurança particular são essenciais para alguns setores, porém, a questão é quando ele passa a ser essencial para toda a população porque o que seria algo apenas complementar, se torna a única 157

alternativa para a efetivação do sentimento de segurança. O questionamento a ser levantado é quando esses serviços particulares de segurança passam a ser vistos como os substitutos à segurança pública. Numa sociedade em que os espaços públicos nunca foram muito definidos, fica fácil esse enclausuramento entre muros ou a apropriação do espaço público para a evitação dos potencialmente perigosos. A cidade passa a não ser mais uma forma de sociabilidade, sendo vista como forma condensadora de relações conflituosas e a sensação de medo e insegurança acaba por justificar a exclusão, reafirmando as diferenças e proporcionando novas formas de relação social nas metrópoles. É o que Kowarick (1991) vai denominar como subcidadão público e o cidadão privado. Sendo o espaço público o da desordem e da violência, nele o cidadão não tem respeitados os seus direitos e é no seu espaço particular, na sua casa, o lugar onde ele encontra a ordem, o respeito e se sente uma pessoa realizada. Este seria o único lugar em que ele teria a sua "cidadania" reconhecida. Ao mesmo tempo em que se expandem as ofertas dos serviços privados de segurança, torna-se essencial expandirem também os seus mecanismos de controle. Sobretudo, para estabelecer o papel de cada um, Estado e empresas, na atividade da segurança, além de estabelecer em que medida os serviços privados podem contribuir para a segurança pública. Entre os quatro executivos entrevistados, três deles concordam plenamente que a segurança privada pode funcionar como um serviço auxiliar no controle da criminalidade. Esse complemento seria prestado por vigilantes bem treinados que atuariam não apenas para inibirem o crime, mas também para gerarem informações aos órgãos competentes através dos relatórios elaborados que poderiam ser usados como uma fonte de informação para a polícia. Porém, é importante lembrar que entre todo o efetivo de vigilantes há um enorme contingente de profissionais totalmente despreparados e irregulares e, apesar de condenarem a presença de policiais nos serviços clandestinos, várias empresas regularizadas contam com o serviço de policiais em seus departamentos.

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Considerando que no Brasil a participação da população em assuntos referentes à segurança pública é um tanto quanto frágil e não encontra canais onde essa participação se torne efetiva, isso se reproduz no tocante aos serviços de segurança privada, que atendem apenas a interesses particulares. Os empresários são unânimes em afirmar que estes serviços não afetam a legitimidade do Estado. Afirmam isto porque consideram que a segurança privada não se efetiva através da falência da segurança pública, mas sim por seu papel de serviço complementar à segurança pública. No entanto, para venderem seus serviços, as empresas acentuam a questão da desigualdade social e a da divisão entre serviços públicos para os que não podem pagar e serviços particulares para aqueles que dispõem de recursos. Os serviços de segurança não são vendidos como algo complementar à segurança pública, mas como um substituto a um serviço ineficaz. É importante lembrar que as empresas desenvolvem produtos e serviços, sustentados por um plano de

marketing que acaba por exacerbar a necessidade de seus serviços, principalmente a necessidade de se preocupar com sua própria segurança e de sua família. Numa sociedade tradicionalmente marcada por ações e motivações individuais, pela ausência de espaços para o debate das questões públicas, o resultado é que a contratação de serviços de segurança, mesmo irregulares, aparece como a melhor saída em tempos de aumento da sensação de insegurança. Pode-se dizer que as duas hipóteses iniciais deste trabalho se confirmam. O contexto atual de “crise” do Estado, que não consegue garantir segurança aos cidadãos acaba abrindo espaço para o desenvolvimento de um mercado altamente lucrativo. Ao mesmo tempo, a indistinção entre as esferas do público e do privado e a tendência para resoluções privadas das questões que dizem respeito ao Estado, característico da sociedade brasileira, acaba favorecendo a aceitação por serviços privados de segurança e justiça. Tais medidas particulares e individuais para garantir a segurança não são novas na sociedade brasileira, pode-se dizer que, neste momento, há uma mudança apenas na forma como isso é feito. A tecnologia é fundamental para se 159

entender essa nova forma de regulação e controle da sociedade. Presente nos equipamentos para monitoramento e segurança, trata-se de uma nova tecnologia de poder. A suspeição mútua e a adoção de sistemas que possam prevenir crimes por parte de entidades privadas, faz com que estes se antecipem e passem a tomar responsabilidades que antes eram do Estado. Considerando que sociedades de democracia tradicional e consolidada enfrentam os desafios de controlar os serviços de segurança privada, esse problema é muito maior no caso de sociedades onde há persistência de graves violações de Direitos Humanos e o não respeito aos direitos civis. A oferta de serviços privados de segurança pode não representar um problema em sociedades em que esse serviço funciona como um complemento à atividade da segurança pública e onde o Estado tem um forte controle no funcionamento e fiscalização dessas empresas. Numa sociedade extremamente desigual, na qual o poder público não consegue garantir a segurança pública de sua população, esses serviços funcionam como um substituto à segurança pública, como uma opção para os que podem pagar por sua segurança. Cabe aqui levantar a questão sobre a gravidade quando esses serviços se expandem numa sociedade onde o monopólio do Estado nunca se efetivou, caso do Brasil, que nunca teve um Estado com presença significativa para garantir a segurança da população de forma eqüitativa e indiscriminatória. A expansão desses serviços apontam para a necessidade do seu debate se tornar realmente público. Cabe realmente às empresas e indústrias se preocuparem com a segurança de seu patrimônio e funcionários. À população, de uma maneira geral, também é dada essa opção, entretanto ela não pode se tornar a única. Nesse sentido, um ponto extremamente frágil, que parece não suscitar maiores atenções, é a forma como esse produto é vendido. A idéia de que vivemos num mundo caótico, desordenado e violento, e que isso nos obriga a tomar alguma atitude em relação à insegurança, justifica a opção por iniciativas individuais e isoladas. Não há nenhum estímulo em sentido contrário, da existência de canais pelos quais a população, de maneira coletiva, possa contribuir com 160

alternativas. A questão da violência, como afirmou Beato (1999), que deveria ser tratada como uma questão social e problema público passa a ser tratada de maneira individual e não democrática. Isto se agrava mais ainda quando se leva em consideração que as áreas mais violentas dos grandes centros urbanos, com maior número de homicídios por habitante, são as periferias, cujos moradores não fazem parte da clientela atendida por esses serviços. Numa sociedade extremamente desigual, os serviços privados de segurança não se apresentam como uma opção, como algo que complemente a segurança previamente garantida pelo poder público. Tornam-se regra para aqueles que quiserem e puderem arcar com os custos da sensação de segurança. A expansão da segurança privada não é um problema inevitável da modernidade. Problemática é a forma através da qual se dá essa expansão, dentro de regras pouco claras, frágeis ou, sobretudo, sem um sistema de fiscalização eficaz. Questionável também é o rumo que o debate sobre a violência tem tomado, principalmente o enfraquecimento da idéia do monopólio do Estado dentro desse debate e a sua relação com a segurança privada, afinal de contas, a sua legitimidade é que está em jogo.

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JORNAIS: DIÁRIO POPULAR, 02/04/99 FOLHA DE SÃO PAULO, 11/11/1992; 19/12/97; 02/01/98; 04/07/98; 16/03/99; 20/03/2000; 30/04/2000; 08/07/00; 24/09/00; 25/11/00 JORNAL DO BRASIL, 14/06/99 JORNAL DA SEGURANÇA, nº48/49/61 a 82 O DIA, 18/08/99; 19/08/99 O ESTADO DE SÃO PAULO, 16/10/00 REVISTA CENTROPORT - Segurança Eletrônica Relatório Anual de Prestação de Contas da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, 1997 Homepage: Ministério da Justiça www.mj.gov.br Secretaria de Segurança Pública de São Paulo www.segurança.sp.gov.br/conseg

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Anexos

Folders divulgados em feiras, anúncios e charge publicados na imprensa.

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