A expansão de segundas residências em Portugal Continental: uma proposta de tipologia espacial

August 24, 2017 | Autor: Nuno Leitão | Categoria: Clustering and Classification Methods, Turismo, Second Homes
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A expansão de segundas residências em Portugal Continental: uma proposta de tipologia espacial Maria de Nazaré Oliveira Roca1, Nuno Leitão1, Zoran Roca2 1) e-GEO Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, FCSH-UNL [email protected]; [email protected] 2) TERCUD Centro de Estudos do Território, Cultura e Desenvolvimento, ULHT [email protected]

Resumo Nesta comunicação é apresentada uma tipologia de concelhos portugueses de acordo com as características e dinâmica das segundas residências, utilizando-se dados dos Censos da População e Habitação de 2001 e 2011. A aplicação de análise de clusters permitiu obter a seguinte tipologia: (i) concelhos em áreas de emigração, caracterizados pela presença evidente de segundas residências unifamiliares isoladas, antigas ou recuperadas; concelhos em áreas de urbanização difusa em que as segundas residências competem com as residências permanentes pelo uso do solo periurbano; (ii) concelhos em áreas com amenidades naturais e culturais onde predominam segundas residências de construção recente, particularmente em resorts integrados; (iii) concelhos em áreas urbanas onde se destacam segundas residências em edifícios com mais de 10 alojamentos, localizados, principalmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e em tradicionais estâncias de veraneio, sendo, neste último caso, de construção recente.

Palavras-chave: segundas residências, tipologia espacial, turismo, mobilidade, análise de clusters 1. Introdução Em Portugal, nas últimas décadas, o fenómeno das segundas residências tem vindo a revelar-se um factor importante de transformações do uso do solo e da paisagem. De facto, verificou-se uma expansão considerável do número de segundas residências em boa parte do território nacional, de 40% e 23% entre 1991-2001 e 2001-2011, respectivamente, enquanto os alojamentos de uso habitual registaram um acréscimo de apenas 16% e 13% nesses mesmos períodos. Assim, em 2011, as segundas residências já correspondiam a 19% de todas as habitações. Contudo, esse tipo de habitação apresenta características bastante diversas, dependendo do tipo e da época da sua construção, da sua localização (meio urbano, rural ou semi-rural), da frequência de uso

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ou da proveniência do proprietário (Roca et al., 2013). Consequentemente há a necessidade de propor uma tipologia espacial desse fenómeno, a qual é o foco desta comunicação, cuja finalidade principal é prover de suporte científico futuros planos de ordenamento do território que incluam mecanismos de controlo da expansão de segundas residências. 2. Aspectos conceptuais e metodológicos A análise abrangeu os 278 concelhos de Portugal Continental. Para determinar a diversidade espacial das segundas residências foram utilizados dados dos Censos da População e Habitação de 2001 e 2011. Foram produzidos cinco indicadores: (i) proporção de alojamentos de uso sazonal ou secundário no total de alojamentos familiares, em 2011; (ii) taxa de variação dos alojamentos de uso sazonal ou secundário entre 2001 e 2011; (iii) proporção de alojamentos de uso sazonal ou secundário em edifícios principalmente residenciais construídos entre 2001 e 2011 no total de alojamentos de uso sazonal ou secundário em alojamentos familiares clássicos, em 2011; (iv) proporção de alojamentos de uso sazonal

ou

secundário

principalmente

em

residenciais

edifícios com

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alojamento no total dos alojamentos de uso sazonal ou secundário em alojamentos familiares

clássicos,

em

2011;

proporção

de

alojamentos

de

secundário

ou

sazonal

edifícios

em

(v) uso

principalmente residenciais com mais de 10 alojamentos no total dos alojamentos de uso sazonal ou secundário em alojamentos familiares clássicos, em 2011. A obtenção da tipologia espacial foi feita com recurso a análise de clusters. Esta análise tem sido usada frequentemente para produzir tipologias espaciais (Schuckert et Figura 1 - Tipos de concelhos portugueses de acordo com as características e dinâmica das segundas residências

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al., 2007). O método de “Ward” foi o método de agregação escolhido por ser um dos que tem melhor desempenho (Rencher, 2002). Através deste método foram seleccionados sete clusters (ver figura 1). 3. Tipos de concelhos portugueses de acordo com as características e dinâmica das segundas residências 3.1. Concelhos em áreas de emigração Estes 195 concelhos pertencem aos clusters 1, 4 e 3, onde as segundas residências representam mais de Щ3 dos alojamentos familiares (35% e 36%, respectivamente) e registam as proporções mais elevadas de segundas residências unifamiliares isoladas (93%, 92% e 82%1, respectivamente). Os clusters 1 e 4 compreendem concelhos que se localizam no interior, principalmente em zonas raianas e serranas. São áreas que, em década passadas, foram de forte emigração para o estrangeiro ou para as grandes e médias cidades do litoral. Esses emigrantes passam as férias nas suas segundas residências que eram, anteriormente permanentes. É de salientar, que o cluster 4 apresenta um crescimento médio considerável desse fenómeno na década de 2001-2011 (41%), ao passo que o cluster 1 cresceu abaixo da média nacional (14% contra 23%). Este forte crescimento, particularmente no Alentejo e Centro, está decerto relacionado com um interesse crescente dos cidadãos urbanos, sem ligações anteriores ao mundo rural, incluindo estrangeiros, em comprar e restaurar casas antigas, particularmente em aldeias com património edificado valioso. Esse espaço rural tornou-se mais acessível devido ao desenvolvimento de infra-estruturas rodoviárias que o liga às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, onde se localizam, também os principais aeroportos internacionais. O cluster 3, por sua vez, congrega concelhos interiores mais próximos do litoral ou no próprio litoral, sendo a presença de segundas residências menos acentuada (20%), mas com um crescimento semelhante à média nacional (24%). Compreendem concelhos dos vales do Cávado, Ave e Tâmega, de Entre Douro e Vouga, do Baixo Vouga e Baixo Mondego, bem como quase todos os concelhos do Médio Tejo, Lezíria do Tejo, Alentejo Central e Litoral e, ainda, os concelhos do interior com cidades médias. 1

Os valores em parêntesis correspondem aos valores médios dos indicadores em cada cluster.

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Nestes territórios despovoados, durante os meses de verão, há uma forte pressão sobre as infra-estruturas e serviços devido à multiplicação do número de moradores. A oferta nem sempre faz frente à procura, sendo assim, necessários novos investimentos de capital. 3.2. Concelhos em áreas de urbanização difusa Estes concelhos, pertencentes ao cluster 2, localizam-se em áreas de urbanização difusa, como é o caso das regiões do Minho-Lima, Vales do Cávado, Ave e Tâmega, bem como da região Oeste. O cluster abrange, também alguns concelhos interiores com cidades médias. As segundas residências localizam-se em áreas periurbanas e mesmo urbanas onde há uma forte competição com outras funções (urbana e rural) pelo uso do solo. Por exemplo, nas franjas peri-urbanas é difícil para a população local adquirir terra para outros usos, como a agricultura ou a habitação permanente. Consequente, a sua proporção no total dos alojamentos é um pouco acima da média nacional (24%) e a proporção das segundas residências em edifícios de um único alojamento no total de alojamentos, apesar de bastante significativa (60%), é menor do que nos clusters anteriores. 3.3. Concelhos em áreas com amenidades naturais e culturais Este cluster apresenta o crescimento mais elevado (87%) de segundas residências na última década, sendo que mais de Щ4 delas (26%) estão em edifícios de construção recente, ou seja, entre 2001 e 2011. Estes 12 concelhos estão localizados em diversas áreas com amenidades naturais e culturais, facilmente acessíveis ou mesmo próximas das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa como, por exemplo, o Vale do Sousa, Entre Douro e Vouga, Lezíria do Tejo, Oeste, Alentejo Litoral e Algarve. No caso destas três últimas regiões, esse crescimento significativo de segundas residências pode dever-se, em parte, à construção de resorts com a componente do turismo residencial. Em muitos destes territórios são já visíveis impactos ambientais e paisagísticos significativos da expansão das segundas residências, tais como artificialização das paisagens, problemas de erosão costeira, excessiva impermeabilização dos solos ou perturbações na qualidade dos aquíferos.

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3.4. Concelhos em áreas urbanas Estes concelhos, pertencentes aos clusters 5 e 7, caracterizam-se pela importância das segundas residências em edifícios com mais de 10 alojamentos (37% e 47%, respectivamente). Contudo, esses clusters diferenciam-se entre si. Nos 34 concelhos do cluster 5, as segundas residências correspondem a apenas 12% do total de alojamentos, sendo que o seu crescimento foi fraco (10%) na década passada. Localizam-se nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, ou abrigam cidades médias (Braga, Coimbra, Aveiro, Figueira da Foz, Leiria). Neste caso, provavelmente as segundas residências não são adquiridas só por motivos de lazer mas, também, por serem um investimento lucrativo (Paris, 2006). Por sua vez, os oito concelhos do cluster 7 registaram, em média, um elevado crescimento (48%) de segundas residências e representam 40% do total de alojamentos. Quase todos estão localizados no Algarve. Nazaré, tradicional estância urbana de veraneio, pertence, também a este cluster bem como São João da Madeira (Entre Douro e Vouga). 4. Considerações finais Os resultados da análise de clusters confirmaram a afirmação inicial de que as segundas residências são um dos principais elementos de caracterização e transformação do uso do solo e da paisagem em muitas áreas de Portugal Continental. A sua expansão marcou, praticamente todo o território nacional, mas a distribuição espacial dos diversos tipos de construções para segunda residência é desigual. Deste modo, as segundas residências em edifícios mais antigos e segundas residências unifamiliares são muito mais frequentes no espaço rural despovoado, enquanto as segundas residências em edifícios de construção recente representam uma parcela importante no total de residências secundárias em áreas periurbanas, bem como em estâncias de férias onde aparecem, frequentemente em edifícios de vários pisos. Cada tipo espacial de segundas residências corresponde a um tipo específico de proprietário de segunda residência. Os emigrantes predominam no espaço rural despovoado. Contudo, devido ao seu alto valor cultural e paisagístico, esse tipo de espaço tem vindo a atrair cada vez mais cidadãos urbanos, incluindo estrangeiros sem nenhum laço anterior com essas áreas, à procura do “idílio rural”.

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Ao mesmo tempo, os proprietários de segundas residências, das elites portuguesas e estrangeiras, têm vindo a ser grandes consumidores de espaços turísticos e de recreação nas áreas periurbanas, em estâncias de férias tradicionais e em áreas ricas em amenidades naturais e culturais. Muitos têm escolhido comprar segundas residências dentro de resorts. No final, é importante mencionar que visando avaliar os impactos da expansão das segundas residências, é necessário mais investigação de gabinete que, dificilmente será possível sem uma recolha mais sistemática e abrangente de estatísticas a nível nacional sobre as características desses alojamentos e dos seus proprietários. Também, para cada tipo espacial de segundas residências, é necessário realizar trabalho de campo complementar sobre os proprietários e outros agentes e actores de desenvolvimento, especialmente aqueles que estão envolvidos em empreendimentos turísticos, a fim de prover bases científicas que contribuam para uma maior eficiência da gestão e das políticas de solos, ao mesmo tempo que se tentará responder ao antigo dilema de Coppock (1977) sobre as segundas residências: “ameaça ou bênção?”. Referências bibliográficas Coppock, J T (ed.) (1977) Second Homes, Curse or Blessing. Pergamon Press, Oxford. Paris C (2006) Multiple ‘homes’, dwelling & hyper-mobility & emergent transnational second home ownership. In ENHR Conference – Housing in an Expanding Europe: Theory, Policy, Participation and Implementation, 2-5 Julho 2006, Ljubljana.

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2007].

http://enhr2006-

ljubljana.uirs.si/publish/W24_Paris.pdf Rencher A C (2002) Methods of Multivariate Analysis. A John Wiley & Sons, Inc., New York. Roca M N O, Roca Z, Oliveira J A, Costa L (2013) A Spatial Typology of Second Homes in Portugal: Towards a New Land Use and Mobility Research Agenda. In Michael Janoschka and Heiko Haas: Contested Spatialities of Lifestyle Migration, Routledge, London: 124-142. Schuckert M, Möller C, Weiermair K (2007) Alpine destinations life cycles: challenges and implications. In Conrady R, Buck M (eds.) Trends and Issues In Global Tourism. Springer, Heidelberg: 121-136.

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