A EXPANSÃO GEOGRÁFICA DAS EMPRESAS MULTINACIONAIS BRASILEIRAS

May 23, 2017 | Autor: L. Santos | Categoria: Economic Geography
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A EXPANSÃO GEOGRÁFICA DAS EMPRESAS MULTINACIONAIS BRASILEIRAS Leandro Bruno Santos Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente [email protected] Resumo Neste artigo, o principal objetivo é analisar o processo de internacionalização de empresas e grupos brasileiros, com o enfoque sobre as razões para o avanço no exterior e quais os negócios e os espaços geográficos escolhidos. Ao longo do texto, são destacados o processo histórico de internacionalização do capital, as principais teorias da internacionalização de empresas, a inserção do Brasil nos fluxos internacionais de investimentos e os aspectos geográficos e setoriais dos investimentos brasileiros no estrangeiro. O recorte temporal desta pesquisa abrange desde os anos 1960 até os dias atuais e os dados secundários procedem de instituições como UNCTAD e Banco Central do Brasil. Palavras-chave: Internacionalização do capital, fluxos de investimentos diretos estrangeiros, empresas multinacionais, Brasil. Abstract In this article, the main objective is to analyze the internationalization process of Brazilian companies and groups, focusing on the reasons for the advancement abroad and what businesses and geographic areas selected. Throughout the text, are highlighted the historical process of internationalization of capital, the main theories of the internationalization of companies, Brazil's insertion in international flows of investment and the sectoral and geographical aspects of Brazilian investments abroad. The time frame of this research ranges from the 1960s until the present day and the secondary data was obtained from institutions such as UNCTAD and the Central Bank of Brazil. Keywords: Internationalization of capital, foreign direct investment, multinational corporations, Brazil.

1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), a partir de relatórios anuais sobre investimentos, tem demonstrado o avanço internacional de empresas de países - em número e em fluxos de capitais – subdesenvolvidos, dentre os quais as firmas e grupos brasileiros. Por vezes, esse processo acaba sendo tomado como recente, seja pelos mídia em seus informes econômicos, seja por alguns aventureiros que começaram a escrever sobre o assunto. Neste texto, defendemos que o processo de internacionalização precisa ser compreendido historicamente, à luz da consolidação do capitalismo industrial no Brasil e do fortalecimento dos principais grupos e empresas. O conceito de internacionalização do capital, que envolve a produção e realização do valor, permite entender as várias formas de expansão (exportação, licenciamento, alianças tecnológicas, redes, produção). As discussões apresentadas resultam de reflexões desenvolvidas em tese de doutorado em andamento intitulada Os novos espaços de acumulação das Multilatinas e as

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redefinições nas relações Sul-Sul. Para atingir o objetivo de analisar, historicamente, a internacionalização de empresas e grupos brasileiros e as razões, os negócios e os espaços geográficos por trás desse processo, realizamos o levantamento e a seleção bibliográficos e a coleta de dados secundários nas instituições UNCTAD e Banco Central do Brasil.

2. A INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL O modo capitalista de produção é uma maneira particular de organização da sociedade quanto à produção e à acumulação da riqueza, em que o capital assume uma autonomia dos trabalhadores e dos capitalistas a partir, respectivamente, da separação forçosa do trabalhador e os meios de produção e da imposição pela acumulação em escala ampliada. A reprodução do trabalhador se dá pela oferta da única mercadoria que lhe restou, sua força de trabalho, e a do capitalista, pela valorização do capital. A imposição pela acumulação de capital em escala crescente e o acirramento da competição capitalista pressionam por uma maior extração de excedente (mais-valia absoluta e relativa) nas relações capital-trabalho, mediante aumento da jornada de trabalho e da capacidade do trabalho em gerar valor. A extração do excedente pode ocorrer sob diferentes maneiras, tais como modernização tecnológica, ampliação da escala, mudanças na organização do trabalho, diminuição dos custos de subsistência do trabalhador etc. Essa ampliação da extração de excedente enseja uma concentração de capital nas mãos dos capitalistas que são forçados a colocá-lo de novo em movimento a fim de potencializar a acumulação. Para que haja a realização da mais-valia, a esfera da circulação precisa ser expandida com a incorporação de novos espaços (capitalistas e pré-capitalistas) na relação de trocas (LUXEMBURGO, 1985). A acumulação em escala ampliada demanda a redução dos custos das barreiras à troca e a anulação do espaço pelo tempo, quer dizer, o imperativo pela acumulação do capital em escala ampliada implica no imperativo pela superação das barreiras espaciais (HARVEY, 2005). Deste modo, podemos partir da ideia de que o a mundialização do capital é um processo histórico que data desde o início do modo capitalista de produção, sendo a outra face do capitalismo. Porém, em cada momento histórico, a mundialização apresenta algumas configurações/dimensões de concorrência e acumulação decorrentes da predominância de

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cada um dos ciclos do capital – capital mercadoria, capital dinheiro e capital produtivo (PALLOIX, 1974). A internacionalização do capital mercadoria foi a primeira fase de expansão do capital, com a predominância da realização do valor via trocas comerciais. Essa fase prevaleceu até o século XIX e sua configuração espacial se estruturou na troca desigual entre países produtores de matérias-primas (periferia) e bens industriais (centro). Entre o final do século XIX e início do XX, depois do intenso processo concentração e centralização e da crise de superacumulação de capital nos países centrais, o ciclo do capital dinheiro ganhou musculatura com a exportação de capitais para a periferia sob a forma, principalmente, de investimentos em infraestruturas (ferrovias, produção e distribuição de energia) e de empréstimos financeiros entre governos (LÊNIN, 1987). Apesar da expansão de empresas já em finais do século XIX, tais como Singer, Corn Products, Siemens, Nestlé e Shneider (BERTIN, 1978), é somente após a II Guerra Mundial que a internacionalização do capital produtivo assume uma magnitude significativa, em que a produção no exterior das multinacionais torna-se superior à exportação (MICHALET, 1984). A concentração setorial nos mercados domésticos, a tendência de queda na taxa de lucro, as lutas capital-trabalho, de um lado, e as políticas de industrialização em mercados potenciais e com matéria prima e mão de obra baratas (Brasil, Argentina, México etc.), de outro lado, foram os grandes motores da internacionalização produtiva, tornando os países periféricos não só espaços de realização, mas também de produção do valor. Porém, desde meados dos anos 1970, a crise do petróleo, a queda da produtividade nas economias centrais, a crise da hegemonia estadunidense e o elevado endividamento dos países colocaram em xeque a acumulação capitalista, levando os governos a desregulamentar as finanças, os investimentos e as trocas e a favorecer a atuação de fundos de pensão e investimento, companhias de seguro, hedge funds, bancos e empresas multinacionais (MICHALET, 2003). Com isso, os fluxos de capital dinheiro pelo mundo (títulos de dívidas dos governos, derivativos cambiais, participações acionárias) assumiram a predominância sobre as mercadorias e os investimentos. Portanto, com a abordagem dos ciclos do capital, torna-se evidente tanto a necessidade crescente de novos espaços para a continuidade do processo de acumulação como a predominância de alguma configuração da mundialização (trocas, capitais produtivos

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e capitais rentistas). A mundialização do capital é, por assim dizer, a outra face do movimento do modo capitalista de produção. 3. TEORIAS DA INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS Atualmente, existem inúmeras proposições teóricas a propósito da expansão geográfica

de

firmas.

Essa

abundante

literatura

disponível está

fundamentada,

predominantemente, nas experiências de empresas e grupos situados nos Estados Unidos, países europeus (Inglaterra, França e Suécia, principalmente) e Japão. Quando o assunto é o avanço de empresas da periferia do sistema capitalista os trabalhos, apesar de existirem, são mais escassos e se baseiam nas teorias e conceitos elaborados para explicar o avanço das firmas dos países desenvolvidos (SANTOS, 2010). O demasiado número de trabalhos e de perspectivas pode ser agrupado em três grandes estruturas paradigmáticas, comumente denominadas de International Business (Negócios Internacionais). As três abordagens paradigmáticas são comportamental, econômica e competitiva. Todas elas se consolidaram a partir de várias pesquisas, debates e publicações sobre as trajetórias de empresas dos países desenvolvidos. Na Suécia, no âmbito da University of Uppsala, as pesquisas versam sobre o comportamento das empresas e as diferenças culturais e socioeconômicas entre os países. Johanson; Vahlme (1977) defendem que a internacionalização é um processo gradual e incremental, quer dizer, os investimentos externos ocorrem em várias etapas até atingir a instalação de uma fábrica e o aprendizado adquirido nessas etapas permite que as empresas acumulem habilidades e conhecimentos passíveis de serem utilizados na entrada em outros mercados, sobretudo os mais próximos geográfica e culturalmente. Já a econômica, desenvolvida na University of Reading, Inglaterra, baseia-se nos custos de transações, nas imperfeições do mercado, na falta de informações. O principal expoente, Dunning (1973), argumenta que os investimentos produtivos no exterior só ocorrem quando três vantagens são possuídas pelas empresas, quais sejam ativos (marca, tecnologia, redes de comunicação e distribuição, capacidade organizacional), localização do país-sede e país-hospedeiro (custos de produção, barreiras comerciais, características do mercado, perspectivas de crescimento) e internalização (custos das transações no mercado superiores aos realizados dentro das estruturas da empresa).

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Por último, a abordagem competitiva, da University of Harvard, está baseada na ideia de que o mundo se globalizou e a competição se tornou global, cabendo aos executivos à frente das grandes empresas serem globais nos seus modos de pensar e agir. Desde a segunda metade dos anos 1980, para competir eficazmente, as empresas precisam “desenvolver simultaneamente competitividade global, flexibilidade multinacional e capacidade de aprendizagem mundial” (BARTLETT; GHOSHAL, 1992, p. 23). Santos (2010), após levantamento e análise a respeito da produção bibliográfica brasileira, demonstra alguns encaminhamentos teóricos dos pesquisadores, quais sejam paradigma eclético (SILVA, 2002), teoria comportamental (TANURE; CYRINO; PENIDO, 2007; CYRINO; OLIVEIRA JUNIOR, 2002); competências tecnológicas das empresas (ESCOBARI; SULL, 2004), inovação e produtividade (PROCHNIK; ESTEVES; FREITAS, 2006) e nova visão empresarial (ARBIX; DE NEGRI, 2005). Cada abordagem contribui a seu modo, mas nenhuma delas oferece uma resposta analítica unificada e coerente para aonde vão os Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) e as atividades das multinacionais, por que as empresas se tornam multinacionais e quais os seus impactos nas economias nacionais e mundial (ANDREFF, 2000). Para Gonçalves (1992) “a complexidade dos fenômenos no plano real e o ecletismo no plano teórico levam-nos à tese básica” da “inexistência e impossibilidade de uma teoria geral a respeito do fenômeno da internacionalização da produção” (p. 14). Gonçalves (1992) propõe uma “visão abrangente” que considere o complexo conjunto de fatores microeconômicos (fatores específicos aos ativos e à empresa), macroeconômicos (acumulação, concentração, centralização de capital e inovação) e locacionais (tamanho do mercado, papel do governo quanto aos IDE, estabilidade política, perspectivas de crescimento). A proposta permite compreender os fatores microeconômicos sob um quadro mais amplo de acirramento da concorrência capitalista que impõe a busca por novos mercados (produtos e espaços geográficos), mediante concentração, centralização e inovação. Michalet (1984) já havia salientado a concentração e centralização de capital, com a diferença de ter demonstrado que, historicamente, os dois processos ocorrem graças ao apoio incondicional do Estado. Acreditamos que o avanço de empresas e grupos brasileiros é o resultado de um longo processo histórico de concentração e centralização de capital, o qual foi possibilitado

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pelo Estado que agiu como um demiurgo no processo de industrialização, com subsídios fiscais, empréstimos, reserva de mercado etc. Após consolidação interna e respondendo às constrições à acumulação e ao avanço oligopólico dos maiores players mundiais no mercado local, os principais líderes de alguns setores se expandem para o exterior sob distintas formas (exportação, joint venture, aquisição, fusão). 4. INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS BRASILEIRAS: MOTIVAÇÕES, SETORES E ESPAÇOS GEOGRÁFICOS Apesar do registro de investimentos brasileiros no exterior já nos anos 1930, com a instalação de moinho de trigo na Argentina por Francisco Matarazzo, podemos destacar que é a partir de finais dos anos 1960 que os IDE ganham relevância e seqüência (SANTOS, 2010). Entre os anos de 1965 e 1976, o país havia acumulado um estoque de investimento no estrangeiro no valor de US$ 260 milhões. Somente a Petrobrás foi responsável pela maior parte dos investimentos, assumindo contratos de exploração de petróleo no Iraque e na Argélia. Todavia, outras empresas se aventuraram no exterior, dentre elas Eluma (joint ventures em autopeças na Argentina, Colômbia e Venezuela), Pão de Açucar (supermercados em Angola e Espanha), Marcopolo (carroceria de ônibus em Venezuela e Gana), Caloi (joint venture na Colômbia), Gradiente (subsidiária de aparelho de som no México), Tenenge (subsidiária de engenharia no Paraguai) e Copersucar (adquiriu a estadunidense processadora de café Hills Brothers Coffe Inc.) (WELLS, 1988). Em número de subsidiárias, notamos que os países latinoamericanos foram os espaços privilegiados para expansão das firmas brasileiras, porém, se levarmos em conta o percentual dos capitais investidos, os países desenvolvidos responderam por 82,3%, a América Latina por 10,5% e os paraísos fiscais por 6,1%. Essa importância dos países desenvolvidos é porque a Petrobrás, maior investidora do grupo de empresas, enviou seus recursos aos Estados Unidos para depois despachá-los rumo à Argélia e Iraque (GUIMARÃES, 1986). Entre 1977 e 1982, os estoques de IDE quase triplicaram, atingindo a cifra de US$ 863 milhões. Os investimentos estavam concentrados, respectivamente, em finanças (45%), petróleo (27,6%) e indústria (16%). A predominância das finanças resulta da expansão internacional de bancos estatais e privados visando captar recursos externos, de um lado, e da expansão na América Latina a fim de apoiar os exportadores brasileiros, de outro lado. A

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relevância do petróleo decorre das estratégias do governo brasileiro, por meio da Braspetro, de assegurar o abastecimento do mercado interno e do forte aumento no preço do barril do produto no cenário internacional. No setor industrial, as empresas Caloi e Gradiente continuam a se expandir mediante joint venture na Colômbia e compra da britânica Garrard, respectivamente. A Petrobras dá início à exploração de petróleo no Iêmen, em 1982. Todavia, novas empresas surgem como investidoras, dentre elas Villares (subsidiárias de elevadores em Colômbia, Chile e México), Cotia (engenharia civil na Nigéria), Inbrac (joint venture na produção de cabos no Paraguai), Cica (subsidiária de alimentos na Argentina), Securit (montagem de cofres e móveis de aço nos Estados Unidos), Gerdau (aquisição da uruguaia Laisa) e CPRM (prospecção mineral na África). Os principais destinos dos investimentos foram os países desenvolvidos (58.8%), a América Latina (22.6%) e os paraísos fiscais (17.2%). Em comparação com período anterior, notamos um avanço dos paraísos fiscais e da América Latina, respectivamente, porém, a importância dos países desenvolvidos precisa ser relativizada porque os capitais enviados pela Petrobras aos Estados Unidos foram, posteriormente, transferidos a outros países subdesenvolvidos, como Iraque, Argélia, Líbia, Colômbia etc. Para Wells (1988), os IDE da atividade industrial dos anos 1960 e 1970 foram realizados em países vizinhos, onde as tecnologias adaptadas ao mercado brasileiro puderam ser transplantadas sem muitas dificuldades, já que os mercados eram similares. Para ele, os investimentos não eram motivados pela exportação, mas pela possibilidade de explorar algumas habilidades tecnológicas ou gerenciais, devido à impossibilidade de exportar apresentada pelas empresas de elevadores e de supermercados. Já entre os anos 1983 e 1992, foram investidos cerca de US$ 2,5 bilhões no exterior, sendo US$ 1,6 bilhão nos últimos três anos. O setor financeiro respondeu por 37% (US$ 1.442 milhões) dos investimentos, o setor estatal de petróleo e telecomunicações por 29,5% (US$ 532 milhões) e o setor manufatureiro, 10% (US$190 milhões). A relevância do setor financeiro decorre do envio, somente em 1991, de US$ 1 bilhão para paraísos fiscais (sobretudo Ilhas Cayman), visando à capitalização das agências de bancos brasileiros no exterior (DIAS, 1994, p. 16-17).

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Empresas como Petrobras (contratos de exploração em China, Noruega, Angola e Estados Unidos), Inbrac (joint venture no Equador) e Gerdau (compra da canadense Courtice Steel) continuaram a se expandir. Entre as novas ingressantes, temos Cacique (joint venture em café instantâneo na China), Globo (aquisição da TV Montecarlo), Labra (aquisição de fábrica de lápis em Portugal), Nansen (joint venture em medidor de eletricidade na Colômbia), Grendene (produção de calçados em Argentina, Colômbia e México), Hering (licença para produção de vestuário na Argentina), Vacchi (aquisição de curtume britânico), Brahma (joint venture na Argentina), Incasa (joint venture em Iodos planos no Chile), Sharp (joint venture em eletroeletrônicos na Hungria), Bardella (aquisição de 50% da estadunidense de bens de capital Schuler), Brasmotor (aquisição da filial argentina de eletrodomésticos da Philips), Duratex (joint venture na Alemanha, em chapas de madeira), Itap (unidade nos Estados Unidos para embalagens plásticas), Cofap (aquisição de concorrente na Argentina), Sabó (aquisição da argentina Todaro, em autopeças) e Metal Leve (produção de autopeças e assistência técnica nos Estados Unidos e Alemanha). Ventura Dias (1994), em entrevista com empresários, demonstra que a grande recessão dos anos 1982 e 1983 e a estagnação do mercado interno desde então foram citados como os principais fatores que levaram à busca por oportunidades no exterior. Ainda assim, a autora procura trazer alguns fatores setoriais importantes, quando salienta a importância da proximidade com o cliente nos negócios de plásticos para embalagens e autopeças, a melhora das margens de comercialização (marcas próprias) e proximidade ao consumidor final em têxtil e autopeças, a imposição pela internacionalização via acordos de licenciamento de marcas e tecnologias no negócio de eletrodomésticos, entre outros. Quatro características desse momento diferem dos anos anteriores, quais sejam a participação de empresas com faturamento menor que US$ 500 milhões, o aumento do número de subsidiárias instaladas no exterior, o forte direcionamento dos investimentos industriais em países da América do Sul e, por último, a maior diversificação dos investimentos no setor industrial que, além de alimentos e mecânica, passou a abranger material de transporte, têxtil, calçados, bens de capital, eletroeletrônicos etc. Entre 1992 e 1995, as estratégias de investimento no exterior variaram bastante em função das condições macroeconômicas do mercado interno, marcado pela inflação alta e instabilidade econômica. Até 1995, os IDE foram destinados à instalação de escritórios

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comerciais, à assistência técnica e à montagem de partes de produtos etc. nos negócios de autopeças, metalmecânica, têxteis e aço. Já na segunda metade dos anos 1990, os IDE aumentaram e foram direcionados, predominantemente, para facilitar as exportações. A desvalorização do Real favoreceu as exportações brasileiras e, ao mesmo tempo, estimulou as empresas a investirem no exterior, principalmente em atividades de apoio à atividade comercial (IGLESIAS; VEIGA, 2002). Petrobras (Austrália, Argentina e Colômbia), Gerdau (Chile, Argentina e Canadá), Brahma (Venezuela e Uruguai), Vale (França e Estados Unidos), Sabó (Alemanha e Hungria), Marcopolo (Argentina e México) e Embraco (Itália e China) avançaram ainda mais com suas estratégias de internacionalização. Já as empresas Tigre (aquisições na Argentina e Chile), Santista (aquisição de firmas têxteis na Argentina e Chile), Cutrale e Citrosuco (aquisições nos Estados Unidos), Klabin (compra de empresas na Argentina) promoveram seus investimentos externos pela primeira vez. Cerca de 85% das unidades produtivas no exterior correspondiam às atividades de comércio e de distribuição final dos produtos. Os investimentos em unidades produtivas representaram 12% do total e se concentraram nos ramos químico, têxtil, metalúrgico e automotivo. Estados Unidos (40.0%), Argentina (32.7), México (7.3%) Chile (3.6%) e Venezuela (3.6%) foram os principais destinos dos investimentos estrangeiros das empresas brasileiras. Sobre a concentração dos IDE nesses países, podemos destacar dois pontos. Primeiro, são os principais destinos das exportações de manufaturados do país. Segundo, a dimensão regional e a proximidade geográfica exerceram forte atração sobre os investimentos (IGLESIAS; VEIGA, 2002). Nos primeiros anos deste século, as empresas brasileiras intensificaram seus investimentos externos. Os dados do censo de capitais brasileiros no exterior, do Banco Central do Brasil, apontam que, em 2008, os estoques de IDE do país no estrangeiro atingiram US$ 122,1 bilhões, sendo US$ 80,2 bilhões investimentos diretos (participações acionárias acima de 10%) e US$ 41,9 bilhões empréstimos entre empresas. Os investimentos diretos estão assim distribuídos: Ilhas Cayman, com US$14,1 bilhões (17.6%), Ilhas Virgens Britânicas, com US$10,7 bilhões (13.3%), Ilhas Bahamas, com US$9,5 bilhões (11.8%), Estados Unidos, com US$9,2 bilhões (11.5%) e Dinamarca, com US$5,1 bilhões (6.3%). Os cinco países respondem por cerca 60,5% dos IDE do país.

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Os IDE estão distribuídos em US$ 71 bilhões no setor terciário, US$ 7,6 bilhões no setor secundário e US$ 1,6 bilhão no primário. A predominância dos paraísos fiscais e do setor terciário pode ser explicada por dois conjuntos de fatores interrelacionados. Primeiro, os principais investidores possuem holdings em paraísos fiscais, visando contornar os altos impostos sobre seus lucros no mercado local e manejar seus recursos de maneira mais ágil e fácil a outros mercados para promover aquisições. Segundo, os investimentos promovidos pelas holdings – que buscam a participação e/ou controle acionário em outras empresas – são classificados pelo Banco Central como sendo serviços financeiros, técnicos, administrativos etc. entre companhias. Caso fosse levado em consideração, para a elaboração dos dados, o ramo de atividade das investidoras ou das empresas detidas pelas holdings, o resultado seria outro (SANTOS, 2010). Empresas como Petrobras (distribuição e refino de petróleo na Argentina, Estados Unidos, Uruguai, Paraguai, Colômbia, Japão), Gerdau (Estados Unidos, México, Índia e República Dominicana), Vale (Bahrein e Canadá), Sabó (Estados Unidos e China), Tigre (Peru, Bolívia e Equador), Marcopolo (Colômbia, Rússia, Índia e África do Sul) aprofundaram seus negócios externos. É um momento, também, de entrada de grandes grupos na produção internacional, tais como: em cimento, os grupos Votorantim (Estados Unidos, Canadá, Argentina, Uruguai, Portugal etc.) e Camargo Corrêa (Argentina, Uruguai, Portugal etc.); em metais, Votorantim (Estados Unidos, Peru e China); em têxteis e calçados, Camargo Corrêa (Argentina e Espanha) e Coteminas (Argentina e Estados Unidos); em siderurgia, CSN (Estados Unidos e Portugal) e Votorantim (Argentina e Colômbia); em frigoríficos e processamento de carnes, JBS Friboi (Argentina, Estados Unidos, Austrália e Itália), Marfrig (Argentina, Uruguai, Inglaterra e Estados Unidos) e Brasil Foods (Holanda); em papel e celulose, Suzano (Portugal). Portanto, os investimentos são provenientes tanto de empresas que já vinham se destacando no cenário internacional, como ainda de algumas firmas e grupos de diferentes tamanhos que passaram a realizar, pela primeira vez, investimentos significativos no exterior. Se compararmos com os períodos anteriores, notamos a prevalência da América do Sul, a maior diversificação setorial (cimento, frigoríficos, metais) e o aumento do número de unidades produtivas. Uma diferença fundamental com avanços anteriores é que, desta vez, a

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centralização de capital (aquisição e fusão de outras empresas) tem prevalecido sobre a concentração de capital (investimentos novos). 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este trabalho, mostramos que a internacionalização de empresas e grupos brasileiros constitui-se num processo histórico que não pode ser negligenciado quando analisamos a elevação dos investimentos estrangeiros originados no país. Se, de um lado, a dimensão histórica ajuda a compreender que o fenômeno não é novo, de outro lado, possibilita verificar que ocorreram mudanças ao longo do tempo, já que algumas empresas aprofundaram suas inserções internacionais (Petrobras, Vale, Gerdau, Marcopolo), outras faliram (Sharp e Gradiente) ou foram adquiridas pelos seus principais concorrentes (Metal Leve, Cofap) e outras ingressaram com força tardiamente (Votorantim, Camargo Corrêa, JBS Friboi, Marfrig etc.). Historicamente, ocorreram mudanças nas estratégias de internacionalização. Até os anos 1980, as empresas e grupos aproveitaram-se da proteção do mercado para se consolidar internamente e contornaram as crises de acumulação com investimentos em escritórios de importação e unidades produtivas, respectivamente, nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Em meados dos anos 1990, quando da adoção de políticas neoliberais de privatização, maior abertura econômica e acirramento da concorrência oligopólica, as empresas e grupos fortaleceram suas atuações nos setores intensivos em capital e recursos naturais e promoveram inúmeras aquisições no exterior.

Nos setores intensivos em

tecnologia, poucas firmas permaneceram e muitas faliram ou foram incorporadas pelas multinacionais estrangeiras. A concentração dos IDE em setores tradicionais e intermediários, apesar de alguns avanços em setores dinâmicos (eletroeletrônicos, autopeças e bens de capital), reflete a própria conformação do capitalismo industrial no país, em que coube às empresas multinacionais a dianteira nos setores mais dinâmicos. Sem dúvida, os problemas constantes na balança de pagamentos, a necessidade de incorporar tecnologias e as escolhas políticas e econômicas, no plano interno, e as lutas oligopólicas entre empresas estadunidenses e européias, no plano externo, ajudam a compreender a estruturação do setor industrial no país.

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Por último, mas não menos importante, as motivações particulares de cada empresa e os setores escolhidos para a promoção de IDE devem ser compreendidos à luz da imposição pela acumulação em escala crescente, mediante inovações no produto, novas estratégias de marketing e incorporação de novos espaços geográficos. Após um longo processo de concentração e centralização de capital no mercado interno, as empresas e grupos brasileiros, como resposta ao acirramento da concorrência oligopólica em escala mundial e ao imperativo pela acumulação crescente, promovem investimentos diretos em outros países, sejam eles subdesenvolvidos ou desenvolvidos. 6. REFERÊNCIAS ANDREFF, Wladimir. Multinacionais globais. Bauru: EDUSC, 2000. ARBIX, Glauco; DE NEGRI, João A. A nova competitividade da indústria e o novo empresariado: uma hipótese de trabalho, São Paulo em perspectiva, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr/jun. 2005. BARTLETT, Christopher A.; GHOSHAL, Sumantra. Gerenciando empresas no exterior. A solução transnacional. São Paulo: Makron Books, 1992. BERTIN, Gilles Y. As empresas multinacionais. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. CYRINO, Álvaro B; OLIVEIRA JUNIOR, Moacir M. Global players research investigation on the internationalization processes of companies in Brazil. Nova Lima: Fundação Dom Cabral, 2002. (Caderno de Idéias, nº CI0224). DIAS, Viviane V. Algumas reflexões sobre a internacionalização das empresas brasileiras. In. Anais do I Seminário SOBEET – Sociedade brasileira de empresas transnacionais e da globalização econômica. Rio de janeiro, Agosto de 1994. DUNNING, John H. The determinants of international production, Oxford economic papers, v. 25, n. 3, p. 289 – 336, November/1973. ESCOBARI, Martín E.; SULL, Donald N. Sucesso made in Brasil. Os segredos das empresas brasileiras que dão certo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. GONÇALVES, Reinaldo. Empresas transnacionais e internacionalização da produção. Petrópolis: Vozes, 1992. GUIMARÃES, Eduardo A. The activities of Brazilian firms abroad. In. New forms of overseas investment by developing countries: The case of India, Korea and Brazil. Paris: OCDE, 1986. HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. IGLESIAS, Roberto Magno; VEIGA, Pedro da Motta. Promoção de exportações via internacionalização das firmas de capital brasileiro. Rio de Janeiro: FUNCEX/BNDES, 2002. JOHANSON, Jan; VAHLNE, Jan E. The Internationalization Process of the Firm. A Model of Knowledge Development and Increasing Foreign Market Commitments, Journal of international business studies, Perth, vol. 8, n.1, p. 23 – 32, 1977. LÊNIN, Vladimir I. Imperialismo: Fase superior do capitalismo. São Paulo: Global, 1987. LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

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