A experiência brasileira em ações afirmativas e a produção do conhecimento
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1 A experiência brasileira em ações afirmativas e a produção do conhecimento Carlos Henrique R. de Siqueira1
Resumo: O presente artigo tem como objetivo refletir sobre o impacto do debate e das políticas de ações afirmativas na produção do conhecimento na pós-‐graduação brasileira. O trabalho busca contextualizar o surgimento e o desenvolvimento do debate internacional sobre o tema. Em seguida, busca-‐se pensar sobre a inserção brasileira no debate. Por fim, passa-‐se a análise dos dados sobre a produção de teses e dissertações sobre o tema tendo como base o Banco de Teses do Instituo Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI/UnB/CNPq).
Abstract: This article aims to reflect about impact of the affirmative action policies in the academic production of Brazil. This work seeks to contextualize the emergence and development of the international debate on the subject. Then we seek to think about the Brazilian insertion in the debate. Finally, we analyze the data on the production of theses and dissertations about affirmative actions based on the data of the Bank of Theses of the Instituo Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI / UNB / CNPq).
Ações afirmativas O termo ‘ações afirmativas’ ficou consagrado pelo seu uso na Ordem Executiva 10925, assinada pelo então presidente norte-‐americano J. F. Kennedy, em 1961. 2 A lei criava um novo órgão federal que tinha como missão a adoção de medidas de ações afirmativas no sentido de implementar políticas contra a discriminação nos processos de seleção para o serviço público federal. Essas leis, que não eram seguidas em diversos Estados, inclusive na capital norte-‐americana, tinham como objetivo promover o princípio de igualdade contido na Constituição que vedava qualquer tipo de discriminação. Ações afirmativas significavam, nesse contexto, forçar o cumprimento de leis já existentes contra a discriminação, 1 Mestre em História, Doutor em Ciências Sociais pelo Centro de Pesquisa e Pós-‐Graduação sobre
as Américas. Professor Visitante na area de Teoria da História, no Departamento de História da Universidade de Brasília. 2 A Ordem Executiva 10925 criava um órgão governamental, o “President's Committee On Equal Employment Opportunity”, responsável por criar políticas para forçar o cumprimento das leis federais contra discriminação. Executive Order 10925.
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desafiando, dessa forma, leis municipais e estaduais que contrariavam e, em muitos casos, se sobrepunham às leis federais desde o fim do século 19. No entanto, apesar do termo ter sido consagrado no contexto das lutas raciais e dos direitos civis nos EUA, a primeira medida que visava a discriminação positiva no âmbito do Estado nacional do século 20 foi proposta por B. R. Ambedkar,3 economista e jurista indiano. Sua proposta, que data de 1919, tinha como preocupação a disparidade de representação política entre as diferentes castas no âmbito do poder legislativo. Mas só 1932,4 com a Índia ainda sob domínio britânico, sua proposta foi acatada pelo governo colonial. Eleitorados separados para a casta dos intocáveis foram estabelecidos, com o direito a cotas no sistema representativo indiano. Esse mesmo modelo de reserva de vagas foi usado após a independência, para determinar a distribuição de vagas no sistema educacional, e em alguns setores do mercado de trabalho. Após a Segunda Guerra Mundial, especialmente a partir dos anos de 1960, quando o debate sobre as consequências da discriminação ganhou mais força, as ações afirmativas tornaram-‐se uma ferramenta, funcionando em um conjunto maior de políticas sociais que visavam combater as desigualdades sociais geradas por estruturas históricas e persistentes de discriminação. A meta que orientava a adoção dessas medidas era combater os conflitos gerados pela distribuição desigual da riqueza e das oportunidades. De um lado, no contexto de derrota do nazismo e do fascismo compreendeu-‐se que a antiga legitimidade da discriminação e segregação entrava em contradição com as aspirações de igualdade e justiça social das democracias. O consenso internacional em torno desses valores foi expresso em diversos documentos, como a Declaração Universal de Direitos Humanos, as Declarações sobre Raça da Unesco, as convenções contra a discriminação da OIT, dentre outras declarações e documentos produzidos sob o impacto das consequências da guerra. Por outro 3 Carlos Moore Wedderburn, “Do Marco Histórico das Políticas Públicas de Ação Afirmativa”, in
Sales Augusto dos Santos (org.), Ações Afirmativas e Combate ao Racismo nas Américas. Brasília, Ministério da Educação, UNESCO, 2005. 4 Bidyut Chakrabarty, “The Communal Award of 1932 and Its Implications in Bengal”, Modern Asian Studies Vol. 23, No. 3 (1989), pp. 493-‐523.
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lado, também houve uma compreensão relativamente disseminada de que manter contingentes populacionais excluídos da vida regular da sociedade constituía um obstáculo grave ao desenvolvimento econômico e a paz social. Desigualdade racial como problema nas democracias Nos EUA, por exemplo, a extensiva pesquisa sobre relações raciais conduzida pelo economista sueco Gunnar Myrdal, entre os anos de 1938 a 1944, foi fundamental para redimensionar a compreensão dos problemas trazidos pela discriminação racial para a cultura política do país.5 Em seu estudo, Myrdal identifica o “dilema americano”, ou seja, a encruzilhada em que a sociedade se colocava ao basear sua identidade nacional em um ethos democrático e liberal, claramente expresso em sua Constituição, mas ao mesmo tempo apoiar e legitimar práticas de opressão e discriminação racial que contrariavam esse mesmo ethos. O que Myrdal sugere é que o endosso que boa parte da população branca dos EUA dava às práticas de segregação e discriminação racial, ao mesmo tempo que impedia a integração da população à vida regular da sociedade, criando imensos contingentes de sub-‐cidadãos, acabava por minar a própria fonte da identidade nacional, além da autoridade da Constituição como documento fundador da nação. Ao formular o problema nesses termos, Myrdal colaborou para moldar o paradigma da discussão que, ao longo dos anos seguintes, transformou a percepção da discriminação racial, a sua legitimidade e o seu fundamento moral. O estudo de Myrdal acabou se revelando bastante consistente com o decorrer dos acontecimentos que levaram a sérios impasses no processo de luta pelos direitos civis. Até então entendido como “o problema do negro”, ou como uma questão regional – um problema do Sul – o debate sobre a inclusão da população negra à vida social da nação e ao pleno direito tornou-‐se um dos temas centrais das transformações da sociedade norte-‐americana do pós-‐guerra. O racismo, a segregação e a discriminação passaram a ser entendidas como um problema 5 Gunnar Myrdal, An American Dilemma: The Negro Problem and Modern Democracy, New
York, Harper & Row, 1964.
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nacional, um problema político de primeira grandeza, já que tais práticas criavam uma fratura na ideia de nação e na autoridade da lei, colocava em risco a própria estabilidade social, e a liderança a moral dos EUA no contexto da Guerra Fria. Passados mais de oitenta anos desde a instituição das primeiras medidas de ação afirmativa na Índia, estima-‐se hoje que mais de ¼ dos países adotem alguma modalidade dessa política somente no campo educacional6, sem contar outras iniciativas no campo da política representativa e do mercado de trabalho. Países tão diferentes e com histórias tão diversas como Alemanha e Sri Lanka, ou Israel e Noruega, todos eles adotaram alguma medida de ação afirmativa com vistas a promoção da igualdade de oportunidades e justiça social. Tais medidas tornaram-‐se mecanismos regulares e plenamente legítimos social e juridicamente para o enfrentamento de distorções criadas por vantagens históricas a determinados grupos étnicos. Brasil: um debate adiado O Brasil, por sua vez, entrou no debate relativamente tarde. Não por conta da inexistência de necessidade, ou por falta de propostas. Abdias do Nascimento, por exemplo, listava como um dos objetivos programáticos do jornal O Quilombo, que ele dirigia na década de 1940, lutar para que “sejam admitidos estudantes negros como pensionistas do Estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundário e superior, inclusive nos estabelecimentos militares”.7 O mesmo jornal também publicou em 1950 o “Manifesto Político dos Negros Fluminenses”. Ali, uma comissão formada por membros da “Comissão Democrata de Levantamento Moral e Material do Negro e de Combate aos Preconceitos de contra os Homens de Cor no Estado do Rio de Janeiro”, solicitava aos partidos que tivessem em suas fileiras “pelo menos três nomes de brasileiros de cor, de reconhecida competência”. 8 6 Laura Dudley Jenkins & Michele S. Moses, “Affirmative Action Initiatives Around the World” in
International Higher Education, Nº 77, Fall 2014, pp. 5-‐6. 7 Abdias do Nascimento, “Nosso programa”, in O Quilombo, Junho de 1949, N.º 3, p. 03. 8 O Quilombo, Março/Abril de 1950, Nº 7/8 p. 05.
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Outra proposta de ação afirmativa documentada aconteceu em pleno regime militar, no ano de 1968. Técnicos do Ministério do Trabalho e do Superior Tribunal do Trabalho propuseram a criação de cotas para trabalhadores negros, em porcentagens que variavam de 20% a 10%, de acordo com cada ramo de atividade. A proposta tinha relação com a crescente quantidade de denúncias sobre as formas de seleção e exclusão no mercado de trabalho que apareciam nos jornais.9 É importante observar que, de 1968 a 1973, a economia brasileira crescia a incrível média de 11% ao ano.10 Não seria difícil imaginar que, com o aquecimento da economia e do mercado de trabalho, a concorrência pelas vagas de trabalho mais qualificadas tenha levado à maior visibilidade dos conflitos de ordem racial no mundo do trabalho. O próprio Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, declarou a jornais ter ficado chocado com tais notícias. Segundo matéria do Jornal do Brasil, ele teria pedido ao Departamento Nacional de Mão de Obra que tomasse ações contra a discriminação, e que realizasse “estudos urgentes”. Não há notícias sobre se esses estudos foram ou não realizados, mas eles seriam importantes para a construção de um conjunto de dados que pudesse verificar a existência e a extensão do problema, assim como fundamentar e legitimar uma proposta de intervenção adequada. Entretanto, diferente da Índia que tinha definido a necessidade de intervir nas formas de divisão de poder entre as diversas castas já em 1932; e os EUA, que ainda em plena guerra já havia decidido construir conhecimento sólido sobre a extensão de seu conflito racial, ao encomendar o estudo a Myrdal em 1938, o Brasil reiteradamente, seja pelas vias oficiais do Estado ou por boa parte dos intelectuais que falavam em nome da nação, optou por reafirmar a mitologia da 9 Jocélio
Teles dos Santos, “Dilemas nada atuais das políticas para os afro-‐brasileiros: ação afirmativa no Brasil dos anos 60”, in Jefferson Barcelar & Carlos Caroso (orgs.) Brasil: um país de negros?”. Ed. Pallas/CEAO, Salvador, 1999, pp. 221-‐234. 10 Fernando A Veloso & André Villela & Fabio Giambiagi. “Determinantes do "milagre" econômico brasileiro (1968-‐1973): uma análise empírica”. Revista Brasileira de Economia. 2008, vol.62, n.2, pp. 221-‐246.
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‘democracia racial’, a despeito de todos os indícios em contrário.11 O prejuízo provocado pelo silenciamento12 do debate público sobre as consequências do racismo, da discriminação e da desigualdade racial, sufocado pela tese da ‘democracia racial’ como ideologia oficial, são inestimáveis. Em 1944, por exemplo, no mesmo ano em que Myrdal publicaria The american dilemma, Gilberto Freyre, já consagrado no Brasil como autor de Casa-‐Grande & Senzala, apresentaria seis conferências na Universidade de Indiana, publicadas nos Estados Unidos sob o título de Brazil: an interpretation (Knof, New York, 1945).13 Foi exatamente em uma dessas conferências que, pela primeira vez, Freyre usaria a expressão “democracia étnica” – mais tarde transformada em “democracia racial” – para definir o tipo de relações raciais existentes no Brasil. Segundo ele, ao contrário da segregação racial tal como ocorria nos Estados Unidos, o Brasil não conhecia nenhum tipo de barreira racial. Embora admitisse a existência de preconceitos eventualmente, não seria isso o que definiria o caráter das relações sociais no país, mas sim o congraçamento racial, a ausência de conflitos ou de qualquer barreira com base na raça, onde a ampla miscigenação existente no Brasil seria a prova última e definitiva da ausência de racismo. Em um mundo que começava a tomar ciência da extensão dos crimes de guerra cometidos pela Alemanha, a descrição de Freyre apontava para a possibilidade de um verdadeiro paraíso racial, e sinalizava esperança para um mundo profundamente marcado por conflitos de natureza racial. A descrição das relações raciais no Brasil como uma “democracia étnica” ou “racial”,
11 Em Uma história não contada. Negro, racismo e branqueamento em São Paulo no Pós-‐
abolição. (Senac, São Paulo, 2004), Petrônio Domingues narra de forma bastante pormenorizada, diversos regulamentos utilizados por instituições como escolas e departamentos policiais, que abertamente proibiam a admissão de pessoas negras em seus quadros. A pesquisa de Domingues mostra que, embora, a segregação racial no Brasil não tenha se consolidado do ponto de vista legal, é possível identificar diversos mecanismos de regulação informal que instituíam algum nível de segregação racial aberta. 12 José Jorge de Carvalho, “O impacto das cotas no mundo academico e na ideologia da mestiçagem” in Inclusão étnica e racial no Brasil. A questão das cotas no ensino superior. Attar Editorial, São Paulo, 2005, pp. 88-‐113. 13 As conferências seriam publicadas no Brasil em 1947, com o título de Interpretação do Brasil (José Olympio, Rio de Janeiro).
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transformada em ideologia nacional e disseminada internacionalmente,14 não só criou uma visão distorcida da situação da população negra do Brasil, como ao orientar a priori as percepções e concepções sobre a realidade, foi fundamental para a continuidade da inação do Estado e das instituições que deveriam enfrentar uma questão que perdurava desde o fim da escravidão, pelo menos, e que contribuía decisivamente para consolidar a posição do Brasil como uma das sociedades mais desiguais do planeta. Enquanto a “democracia racial” ganhava o status de ideologia nacional nos pós-‐guerra, como já foi destacado, outros países começavam a tomar providências para lidar com os conflitos distributivos agravados pelas clivagens raciais. Em 1951, as pesquisas coordenadas por Donald Pierson no Brasil para o Projeto Unesco começaram a minar a ideia de paraíso racial insistentemente cultivada na nossa tradição intelectual e política.15 Essas pesquisas ajudaram a consolidar uma respeitável tradição acadêmica de estudos sobre o racismo e suas consequências, que se articulava em torno de Florestan Fernandes. Essa tradição produziu obras como “Cor e mobilidade social em Florianópolis” (1960), de Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni, “O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em mudança” (1953), de Luiz Costa Pinto e Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo (1955), de Roger Bastide e Florestan Fernandes. Todas essas pesquisas revelavam, para além da dúvida, a existência de graves problemas derivados do racismo e da discriminação racial no Brasil. Contudo, apesar da consistente produção de dados sobre a desigualdade racial, a discriminação e o racismo, tais pesquisas não foram suficientemente articuladas com uma agenda propositiva que pudesse romper as barreiras colocadas pela hegemonia da ideologia da “democracia racial” e colocar o país no caminho da criação de políticas públicas capazes enfrentar o racismo que, como essas 14 É bom lembrar que, em 1951, a convite do ditador português Salazar, Gilberto Freyre fez um
tour pelas colônias portuguesas da África e Ásia, reforçando a tese da “democracia racial”, agora elevada a condição de formula civilizacional harmoniosa e pacífica de relações entre raças, de matriz lusitana. Freyre defendia abertamente a continuidade do colonialismo português, na contramão da história, em um momento em que colonialismo retrocedia, dentre outros motivos, também pela falta de sustentação moral no mundo pós-‐guerra. 15 Marcos Chor Maio, “O Projeto Unesco e a agenda das ciências sociais no Brasil dos anos 40 e 50”. Revista Brasileira de Ciências Sociais. 1999, vol.14, n.41, pp. 141-‐158 .
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pesquisas mostravam, determinavam em grande medida a própria estrutura de classes no país. Isso significou a perda de uma oportunidade histórica excepcional, uma oportunidade com base em dados sólidos e reflexão teórica, que poderia capacitar os agentes públicos a pensarem nas formas de intervenção necessárias para começar a reverter a desvantagem histórica da população negra na distribuição dos recursos e das oportunidades. Ao invés disso, o que se viu foi o contrário. O Regime Militar, instituído a partir de 1964, assumiu a tese de “democracia racial” em sua plenitude, uma ideologia que corroborava com seu projeto de representar a sociedade brasileira como unificada e sem fraturas de nenhuma ordem.16 Além do mais, o Regime também afastou da universidade diversos intelectuais que pensavam a questão das relações raciais naquele momento, além de militantes e intelectuais negros, como o próprio Abdias do Nascimento, obrigado a deixar o país. Em 1967, por exemplo, na escalda de repressão política que conduziria o país ao Ato Institucional Nº 5, o então Ministro da Educação, Raymundo Moniz de Aragão, por meio do Decreto 228/67, proibiu, em seu Artigo 11º, discussões na universidade não apenas sobre temas políticos e religiosos, mas também sobre temas raciais.17 O pacto de silêncio sobre o racismo no Brasil alcançou tamanha dimensão que Gilberto Freyre chegou a escrever em artigo ao Estado de São Paulo, em 1969, referindo-‐se aos sociólogos da USP, que ao criticar a democracia racial eles "agem de maneira antibrasileira" e assumem "uma atitude lamentavelmente antibrasileira".18 Além de silenciar os temas relacionados ao racismo, a discriminação e a desigualdade racial, o Regime Militar colaborou também para despolitizar as lutas de caráter racial. Toda a década de 1970 até a redemocratização foi
16 George Reid Andrews, “Democracia racial brasileira 1900-‐1990: um contraponto americano”.
Estudos Avançados .1997, vol.11, n.30 pp. 95-‐115. 17 Luiz Antônio Cunha, A universidade reformanda. O golpe de 1964 e a modernização do ensino superior. Ed. Unesp, São Paulo, 2007, p. 60. 18 Gilberto Freyre, “A propósito de preconceito de raça no Brasil”, in O Estado de S. Paulo, 25 jun. 1969.
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marcada pelo esforço do Estado em culturalizar a questão racial, segundo a análise de Michael Hanchard. 19 Essa culturalização, de acordo com o autor, apesar do mérito de ter popularizado temas concernentes a identidade negra, teria esvaziado e retrocedido na discussão sobre a desigualdade social e econômica da população negra, temas que nos anos de 1950 a 1964 havia avançado na sociedade civil e na academia. Na primeira metade dos anos de 1980 era possível olhar a estrutura da sociedade e suas hierarquias raciais e perceber que ela não era muito diferente da estrutura social e hierarquias da década de 1880. A falta de um ambiente democrático, somada a crise da dívida externa, a precarização dos serviços públicos, as desigualdades regionais e as disparidades no campo educacional colaborou para consolidar o Brasil como a mais desigual sociedade industrializada do mundo. E esse é um dos aspectos mais notáveis da história social e econômica do Brasil. Ao longo do século 20, o país teve um dos maiores índices de crescimento econômico do mundo, abaixo apenas de países como Japão, Taiwan, Finlândia, Noruega e Coréia do Sul. A estrutura da produção econômica mudou significativamente; a estrutura do mercado de trabalho igualmente; o Estado cresceu, tornou-‐se mais complexo e ampliou sua participação na vida social. No entanto, ao longo de todo esse período o Estado foi incapaz de mudar significativamente a distância que separava brancos e negros nos principais índices socioeconômicos. E o que é mais grave: a despeito das evidências, jamais tomou, até muito recentemente, qualquer providência no sentido de corrigir tais distorções. O Estado brasileiro e as ações afirmativas Do ponto de vista das políticas de Estado, a abertura para se pensar em ações concretas contra as desigualdades raciais ocorreu apenas dez anos depois da redemocratização, com a chegada de Fernando Henrique Cardoso à presidência – 19 Michael G. Hanchard, Orfeu e o poder. Movimento negro no Rio e São Paulo, Ed. UERJ, Rio
de Janeiro, 2001.
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ele que havia começado sua carreira acadêmica justamente pesquisando sobre o tema das relações raciais. Em 1995, a “Marcha Zumbi dos Palmares, contra o racismo, pela cidadania e pela vida”, com mais de 30 mil participantes, ocupou a Esplanada dos Ministérios. Representantes dos movimentos sociais negros entregaram ao Presidente da República um documento sugerindo ações concretas contra o racismo e a discriminação no mercado de trabalho e na educação.20 No ano seguinte, a Secretaria dos Direitos de Cidadania do Ministério da Justiça realizou o Seminário Internacional “Multiculturalismo e racismo: o papel da ação afirmativa nos Estados democráticos contemporâneos”, reunindo agentes do Estado, a universidade e a sociedade civil 21, no qual o Governo Federal pela primeira discutiu a possibilidade de implementação de ações afirmativas no Brasil. Ainda em 1996 o “Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra “ foi instalado com o objetivo de traçar projetos para inclusão da população negra. Ainda nesse mesmo ano, o governo também reconheceria os efeitos do racismo com a publicação do documento “Décimo Relatório Relativo à Convenção Internacional sobre a Eliminação do Todas as Formas de Discriminação Racial” enviado a ONU.22 Em 1999, a Universidade de Brasília se tornou a primeira instituição de ensino superior a colocar em discussão um projeto próprio de ações afirmativas.23 A proposta da Universidade de Brasília ajudou a colocar o tema em evidência na mídia e a assentar de vez a discussão na academia. Boa parte da repercussão da proposta se deveu às suas características: ela definia uma porcentagem específica de vagas em cada vestibular que deveriam ser reservadas 20 Carlos Alberto Medeiros, “Ação Afirmativa no Brasil: um debate em curso” in Sales Augusto dos
Santos (org.) Ações afirmativas e o combate ao racismo nas Américas. MEC/UNESCO, Brasília, 2007, p. 136. 21 Ver: Jessé de Souza, Multiculturalismo e racismo: uma comparação Brasil -‐ Estados Unidos. Paralelo 15, Brasília, 1997. 22 Rosana Heringer. “Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios no campo das políticas públicas”. Cadernos de Saúde Pública. 2002, vol.18, pp. 62. 23 Carlos Henrique R. de Siqueira, “O processo de implementação de ações afirmativas na UnB (1999-‐2004)”, Revista Acadêmica do Mestrado Em Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, v. 3, n.2, p. 165-‐188, 2004.
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exclusivamente para candidatos negros e um quantidade pré-‐definitiva de vagas para estudantes indígenas.24 Além disso, o projeto sinalizava de forma muito clara para importância da universidade como espaço estratégico para a mudança das relações de poder que estruturavam e perpetuavam as desigualdades raciais. A medida que o ingresso nos principais espaços de poder na sociedade se dá pela via do filtro do ensino superior, seja nas carreiras de Estado, no sistema judiciário, no executivo ou no legislativo, nas carreiras profissionais mais bem remuneradas, na mídia, e na própria universidade, como lugar da produção de conhecimento, aumentar a proporção de estudantes negros na universidade significava também aumentar as chances de que eles alcançassem tais posições. No ano 2000, outro passo importante na crescente repolitização da questão da racial no Brasil contando com a participação do Estado foi a realização das conferências regionais para a Conferência de Durban, coordenadas pelo Comitê Nacional para a Preparação da Participação Brasileira na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. As conferências realizadas em São Paulo, Belém e Salvador 25 serviram para mobilizar a intelectualidade negra brasileira, estudiosos do racismo e da desigualdade racial para pensar uma agenda concreta de ações com a qual o Estado brasileiro pudesse se comprometer e levar a África do Sul no ano seguinte. No documento final, resultado das conferências regionais, dentre diversas medidas sugeridas pelos participantes, estava a “adoção de cotas ou outras medidas afirmativas que promovam o acesso de negros às universidades públicas”.26 24 José Jorge de Carvalho, Livros Inclusão Étnica e Racial no Brasil: a Questão das Cotas no
Ensino Superior, Attar Editorial, São Paulo, 2005. 25 Anais de Seminários Regionais Preparatórios para Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Ministério da Justiça. Secretaria de Direitos Humanos, 2001. 26 Relatório do Comitê Nacional para a Preparação da Participação Brasileira na III Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Ministério da Justiça, 2001, p. 30.
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Em 2001, as articulações entre governo e sociedade civil se fortaleceram em relação combate contra as desigualdades raciais. Em primeiro lugar, o Ministério da Justiça, do Desenvolvimento Agrário e o INCRA, passaram a exigir das empresas prestadoras de serviços terceirizados, que incluísse uma percentagem de trabalhadores negros, provavelmente a primeira medida desse tipo no Governo Federal. O Itamaraty também estabeleceu um programa de ações afirmativas, concedendo uma bolsa de estudos para candidatos negros se prepararem para o processo seletivo para a carreira de diplomata no Instituto Rio Branco. Pouco tempo depois, o Governador do Estado do Rio de Janeiro aprovou o Projeto de Lei nº. 3.708, instituindo política de cotas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Todas essas ações foram bastante limitadas em escopo e escala. Consistiam em medidas isoladas e insuficientes para garantir mudanças substantivas. No entanto, elas serviram para quebrar uma barreira simbólica importante. A partir de então, não só em tese, mas na prática, via-‐se que era possível e viável usar o critério étnico-‐racial no campo das políticas públicas para o combate a desigualdade, a despeito das críticas que, hoje podemos considerar, foram excessivamente pessimistas, alarmistas e contraproducentes.27 No mesmo ano de 2001, o estudo “Desigualdade Racial no Brasil: Evolução das Condições de Vida na Década de 90” publicado pelo IPEA, ajudou a fortalecer a perspectiva da necessidade de uma intervenção mais ampla em áreas fundamentais da sociedade, especialmente aquelas responsáveis pela manutenção das desigualdades. Com dados baseados na PNAD de 1999, o estudo mostrou, por exemplo, como ao longo do século 20, a diferença em anos de estudo entre negros e brancos permaneceu basicamente a mesma por pelo menos três gerações.
27 Peter Fry, Yvonne Maggie, Marcos Chor Maio, Simone Monteiro, Ricardo Ventura Santos (orgs.)
Divisões perigosas. Políticas raciais no Brasil contemporâneo. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2004.
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Segundo, Ricardo Henriques, autor do estudo: “Como podemos depreender do gráfico, a escolaridade média de ambas as raças cresce ao longo do século, mas o padrão de discriminação racial, expresso pelo diferencial nos anos de escolaridade entre brancos e negros, mantém-‐se absolutamente estável entre as gerações. As curvas ali descritas parecem construídas com intencional paralelismo, descrevendo, com requinte, a inércia do padrão de discriminação racial observado em nossa sociedade.”28
O que os dados do IPEA mostravam de maneira bastante eloquente, e que era algo importante a ser compreendido naquele momento, era que essa inércia poderia perdurar por diversas décadas se continuássemos seguindo o caminho das políticas universalistas. Segundo Luciana Jaccoud, também pesquisadora do IPEA: “O objetivo de redução da desigualdade social tem se mostrado insuficiente face à meta de redução das desigualdades raciais. A experiência de universalização das políticas sociais nos últimos 20 anos tem mostrado os limites desse processo, face aos mecanismos recorrentes de reprodução do preconceito e da discriminação racial que operam no interior das instituições sociais, inclusive escolas, postos de
28 Ricardo Henriques, “Desigualdade Racial no Brasil: Evolução das Condições de Vida na Década
de 90”, IPEA, 2001. p. 27.
14 saúde, hospitais, instâncias policiais e judiciais”.29
A persistência do padrão do racismo que havia produzido essa situação não seria modificada usando as mesmas políticas de sempre. Era preciso pensar em novas estratégias no campo das políticas públicas, em uma nova forma de atacar esse problema, uma forma nunca tentada antes com vistas a diminuir a desigualdade crônica e persistente potencializada pelos efeitos do racismo e da discriminação racial. Como observou José Jorge de Carvalho, um dos autores do projeto de ações afirmativas da Universidade de Brasília: “Esse tipo de correlação aponta para a necessidade de uma intervenção urgente na desvantagem crônica do negro brasileiro na educação. Enquanto a média de frequência escolar de uma pessoa branca é hoje de 6,6% anos, a de um negro é de 4,4% anos. O doloroso é constatar que, apesar da evidente melhoria na educação da população brasileira ao longo de todo o século vinte, essa diferença considerável de 2,2 anos é a mesma que existia no início do século passado. Podemos concluir que se nada for feito em termos de ação afirmativa e se as políticas públicas continuarem tratando todos como iguais (e esperando que não piorem daqui para frente), somente daqui a 20-‐ 19 -‐anos os negros alcançarão a média de escolaridade alcançada hoje pelos brancos -‐ ou seja, vão necessitar de duas décadas de crescimento estável e ininterrupto das políticas atuais de educação para concluir o ensino básico. Evidentemente, daqui a 20 anos os brancos alcançarão também uma média de frequência escolar muito maior do que a que já têm hoje e passarão na frente dos negros a caminho de um domínio ainda mais totalizador da pós-‐ graduação, da docência superior e de todas as áreas da pesquisa científica, tecnológica, artística e das Humanidades em geral.30
Entre os anos de 2001 e 2002, portanto, a discussão sobre a desigualdade racial já apontava a necessidade de ações precisas e direcionadas para a categoria raça, com a meta de reverter o quadro de exclusão que já durava um século. A educação, como principal meio de mobilidade social, configurava-‐se como um 29 Luciana Jaccoud, “Racismo e república: o debate sobre o branqueamento e a discriminação
racial no Brasil” in Mário Theodoro, As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil – 120 anos após a abolição. IPEA, Brasília, 2008, p. 61. 30 José Jorge de Carvalho & Rita Laura Segato, Uma proposta de cotas para estudantes negros na Universidade de Brasília. Brasília, 2002, p. 32.
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campo estratégico a ser explorado para promover mudanças sensíveis e duradouras. Nesse cenário, a universidade, e em particular a universidade pública no Brasil, constituía-‐se como um espaço de disputa fundamental, por ser um dos principais filtros para a mobilidade social. A universidade, que havia servido há tantas décadas para a manutenção do quando de exclusão, agora poderia começar a desempenhar o papel inverso, como um dinamizador das políticas contra a desigualdade. Nos anos que se seguiram, as propostas de ação afirmativa se espalharam por diversas universidades em praticamente todas as regiões do país. A Universidade Estadual da Bahia (UNEB) aprovou seu projeto de ações afirmativas em 2002. E em 2003, a Universidade de Brasília (UnB) depois de quatro anos de discussão interna, aprovaria o seu próprio projeto, tornando-‐se a primeira universidade federal com cotas para estudantes negros. No mesmo ano, o novo governo eleito criou a Secretaria de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que sinalizava um compromisso com as mudanças em curso. A partir de 2004 , diversas outras universidades federais e estaduais seguiram o mesmo caminho da UnB, UNEB e UERJ. Cada instituição adotou um modelo específico baseado nas peculiaridades regionais e locais, e decidiram com base na sua autonomia sobre categorias e mecanismos de inclusão. Mais de 70 anos depois das propostas de Ambedkar na Índia, mais 50 anos depois das propostas de Abdias do Nascimento, e mais de 40 anos depois da implementação de ações afirmativas nos EUA, elas finalmente haviam se transformado em mecanismos socialmente legítimos de combate a desigualdade no Brasil, embora não sem oposição. Os grupos contrários as ações afirmativas foram perdendo adesão a medida que a discussão avançava. No entanto, por conta de determinados alinhamentos políticos e da convergência com as posições da imprensa – os principais jornais do país se declararam contrários à medida, é preciso lembrar – eles tiveram uma exposição muito maior que sua representação numérica.
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Os opositores das ações afirmativas colocaram diferentes objeções em diferentes momentos do debate. Logo de início diziam que a entrada de estudantes negros pela via das ações afirmativas rebaixaria o nível acadêmico da universidade. Estudos sobre o desempenho de cotistas e não cotistas evidenciaram o pré-‐ conceito que orientava essa objeção31. Em seguida diziam que o importante era investir na educação básica. O argumento levantado contra a essa objeção é que é preciso atuar em todos os níveis da educação. A implementação de ações afirmativas não impede que se continue investindo em educação básica. Outra objeção comum foi a de que tais medidas gerariam conflitos entre brancos negros. Houve até quem sugerisse que o Brasil poderia seguir o mesmo caminho que Ruanda, referindo ao genocídio deflagrado pelo conflito entre tutsis e hutus, que produziu algo entre 700 mil e 1 milhão de mortos32, previsão que provou-‐se equivocada após mais de uma década de existência desse tipo de política pública. Outra objeção recorrente foi a ideia de que não se poderia saber quem é negro no Brasil, portanto, não haveria como definir o beneficiário dessa política pública. Essa objeção, de alguma forma, tentava negar a própria existência de pessoas negras no Brasil, e colocar em questão sua identidade e auto-‐percepção. O problema foi enfrentado de diferentes formas em diferentes instituições, seja por auto-‐declaração ou outros meios sujeitos a maior fiscalização. Com o passar do tempo, a experiência de cada processo seletivo, de suas falhas e brechas, como acontece em todas as políticas públicas, foram sendo identificadas, e os mecanismos aperfeiçoados com o tempo. No decorrer do debate, a reação dentro da academia, conduzida por pesquisadores respeitáveis, alimentada por hipérboles, projeções sem base empírica e comparações sem nenhum método, resultaram em um conjunto de impropriedades e abusos retóricos, cujo objetivo parecia ser obstruir o debate produtivo mais do que colaborar com projetos alternativos. Houve até quem 31 Ver:
Jacques Velloso, “Cotistas e não-‐cotistas: rendimento de alunos da Universidade de Brasília’, Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 137, maio/ago. 2009. E Teresa Olinda Caminha Bezerra e Claudio Roberto Marques Gurgel. “A política de cotas em universidades, enquanto instrumento de inclusão social”. Revista Pensamento & Realidade, Ano XV – v. 27 n° 2/2012. 32 Peter Fry, “A democracia racial infelizmente virou vilã” in O Globo, Rio de Janeiro, 18.jun.
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tenha considerado que o processo de seleção utilizado pelas universidades para aplicação de suas políticas de ação afirmativa eram comparáveis com práticas nazistas de seleção racial. 33 Embora os processos seleção tivessem como objetivo, métodos e consequências absolutamente distintas. Essas diferenças, no entanto, pareceram pouco relevantes para alguns. Enquanto as políticas de ações afirmativas continuaram se expandindo ano após ano, e enquanto o Congresso Nacional trabalhava, com todos os seus problemas, para a aprovação de uma lei federal que estabelecesse as ações afirmativas como política nacional, a última objeção feita às ações afirmativas foi o questionamento de sua inconstitucionalidade. Em 2009, o partido Democratas, que fazia oposição ao governo federal, protocolou junto ao Supremo Tribunal Federal uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). A ADPF 186 visava contestar a constitucionalidade das ações afirmativas em geral, mas foi dirigida particularmente contra o modelo de cotas da Universidade de Brasília. O argumento utilizado na ADPF 186 dizia que a utilização de critérios raciais para a seleção dos candidatos contrariava o princípio da igualdade e, portanto, seria inconstitucional. No Acórdão do processo, o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, respondeu de maneira direta e definitiva essa objeção: “Não contraria -‐ ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-‐lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares.”34
O desfecho do processo no âmbito do STF foi inequívoco. Não houve polêmicas ou discordâncias relevantes entre as votos dos Ministros. Numa rara decisão, o plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou a constitucionalidade das ações afirmativas por unanimidade, baseado na ideia de que a igualdade é uma 33 Celia
Maria Marinho de Azevedo. “Cota racial e jargão policial na universidade: para onde vamos?” in Horizontes Antropológicos, 2005, vol.11, n.23, p. 222. 34 Inteiro Teor do Acórdão a ADPF 186, p. 2.
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meta a ser alcançada pela sociedade, e não uma condição dada. A Constituição, segundo os magistrados, permitia portanto que se criassem mecanismos específicos para a promoção de determinados grupos, com vistas a diminuição da desigualdade sociais derivadas de desvantagens históricas. No mesmo ano, num esforço suprapartidário, com forte participação de parlamentares contrários às ações afirmativas foi aprovada no Congresso Nacional a Lei nº 12.711. Resultado da junção de diversos projetos anteriores sobre o mesmo tema, audiências públicas, emendas e negociações, portanto não totalmente livre de problemas, a lei destinava uma porcentagem de vagas para candidatos negros nas universidades e institutos federais, candidatos esses que seriam extraídos de contingente de vagas reservadas para estudantes de baixa renda. A lei trouxe várias consequências, nem todas elas positivas. Por um lado, ela garantiu a aplicação de uma política pública com recorte racial, embora tenha submetido esse recorte racial a um critério de renda. Os resultados em termos de inclusão efetiva de estudantes negros no ensino superior ainda estão por ser avaliados. Também é duvidoso se a uniformização de um modelo nacional de ações afirmativas é mais efetivo ou produtivo que as diversas iniciativas já existentes até então, que contemplavam especificidades regionais e locais. Por outro lado, a aprovação da Lei pelo Congresso Nacional, juntamente com a decisão do STF, ajudou a assentar a questão e vencer as resistências ao sinalizar aos críticos na mídia e na academia, que agora as ações afirmativas faziam parte do repertório de politicas públicas legítimas adotadas pelo Estado. Ações afirmativas e produção do conhecimento Todo esse processo, além de imensa movimentação social e intenso debate público, afetou decisivamente a universidade e a produção do conhecimento. No fim dos anos de 1990, a organização de eventos, seminários e palestras, marcou o esforço da academia de lidar com o tema, em consonância com as preocupações da sociedade, dos movimentos sociais e com as demandas do Estado que passou a solicitar uma reflexão maior sobre a questão. Tratava-‐se da
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tentativa por parte da universidade de se apropriar, reelaborar e produzir um vocabulário crítico próprio sobre um tema que países que já tinham experiência em algum tipo de política de ação afirmativa já vinham explorando há diversas décadas. O seminário “Multiculturalismo e racismo: o papel da ação afirmativa nos Estados democráticos contemporâneos”, promovido pelo Ministério da Justiça em 1996, como já destacado, foi uma dessas primeiras experiências que tiveram o intuito de suscitar o debate o entre pesquisadores brasileiros. No entanto, como ficou demonstrado, esse era um tema sobre o qual pesquisadores brasileiros, mesmo pesquisadores no campo das relações raciais, tinham pouca familiaridade, e alguma resistência a pensar em mecanismos estratégias semelhantes de combate a desigualdade racial em um país como o Brasil. Um dos efeitos das desvantagens que o atraso da universidade brasileira tinha sobre esse tema, e que foi reforçado por esse evento deixando marcas importantes na sequencia do debate, foi a redução da discussão apenas a experiência EUA. Ao tomar o caso dos EUA como o modelo paradigmático e único de ações afirmativas, grande parte dos debatedores acabou deixando de fora uma série de diferentes experiências existentes ao redor do mundo que poderiam ser úteis como contrapontos para a reflexão que aqui se desenvolvia. De toda forma, a discussão avançou ao longo dos anos, com cada vez mais pesquisadores dedicando-‐se ao tema, algo que ajudou a ampliar o leque de questões e o universo de experiências que poderiam ajudar a pensar as estratégias e os mecanismos de ações afirmativas que fizesse sentido para a sociedade brasileira. As questões, dilemas, problemas, limites e desafios que o tema das ações afirmativas colocaram para uma sociedade com o tipo de relações raciais que temos aqui, assim como a grande mobilização pública que ela gerou, estimulou a pesquisa acadêmica, o que acabou se refletindo no crescente amadurecimento do debate.
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A partir dos dados do Banco de Teses do INCT de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI) 35 é possível dizer que hoje o tema das ações afirmativas, em seus diversos aspectos, vem se consolidando na pós-‐graduação. O Banco de Teses do INCTI é formado pelo conjunto de teses sobre ações afirmativas retirados da base de dados do Banco de Teses da Capes. Os dados mostram que, a partir de 1999, cerca de três anos após o seminário organizado pelo Ministério da Justiça, acima mencionado, os primeiros trabalhos começam a aparecer, tendo como objeto o tema das ações afirmativas (Gráfico 1). É importante destacar que, de 1987 – ano de início do Banco de Teses da Capes – até 1998, nenhuma tese ou dissertação foi encontrada sobre ações afirmativas ou tema correlato.
35 Nota metodológica: os dados aqui apresentados se referem exclusivamente ao Banco de Teses
da Capes, que reúne os dados da produção da pós-‐graduação do sistema universitário brasileiro. Não se trata de todo universo das teses produzidas no período pesquisado, nem inclui trabalhos que não estejam registrados nessa base de dados. A versão prévia do Banco de Teses da Capes, disponível até 2012, permitia o acesso a informações sobre teses e dissertações defendidas a partir de 1987. Após uma reformulação, ocorrida em 2012, o acesso se restringiu aos trabalhos defendidos a partir de 2011. O início da coleta de dados para esse trabalho se deu antes de 2012, o que permitiu a busca na versão anterior da base de dados. O Banco de Teses da Capes pode ser consultado no site bancodeteses.capes.gov.br. Os termos usados para a busca na base de dados foram: ações afirmativas, ação afirmativa, cotas, cota, cotas raciais, cota racial, cotista, cotistas, quota, quotas, quota racial, quotas raciais, PROUNI, Prouni, políticas afirmativas.
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1. Quantidade de trabalhos defendidos por ano (1999-2012) 1999
2
2000
2
2001
2
2002
2 16
2003 2004
19
2005
19 47
2006 42
2007
53
2008
77
2009
78
2010 57
2011 51
2012 0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
A produção foi bastante dispersa geograficamente. Teses e dissertações de mestrado foram produzidas em 21 estados da federação, incluindo o DF (Gráfico 2). São Paulo foi responsável por quase um terço da produção, 126 no total, seguido do Rio de Janeiro, com o correspondente a 90 (19% da produção), Rio Grande do Sul com 45 (10%), e o Distrito Federal com 40 (9%).
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2. Produção por estado (1999-2012) 126
90
45 40 28
24
22 13
SP
RJ
12
10
RS DF PR MG BA MS CE PA
8
8
8
7
5
5
4
4
4
3
1
PB PE SC GO MA RN AL AM MT ES SE
Ao todo, foram registrados até o ano de 2012, 467 trabalhos, entre teses de doutorado e dissertações de mestrado (incluindo mestrado profissionalizante). Desse total, 350 foram dissertações de mestrado, 16 trabalhos de mestrado profissionalizante e 101 teses de doutorado (Gráfico 3). Essa produção está distribuída nas mais diferentes áreas do saber, indicando a diversidade de aspectos e questões que o tema das ações afirmativas efetivamente suscitaram. O tratamento do tema por tantas e tão diferentes áreas é um importante índice que sinaliza a complexidade do tema. Ou seja, as ações afirmativas não se restringem a seu objetivo finalístico como política pública de inclusão. Sua existência e as movimentações que ocorrem ao seu redor provocam repercussões em diversos aspectos da vida social e campos do saber.
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3. Tipo de produção (1999-2012)
Mestrado Profissionalizante 3%
Tese de Doutorado 22%
Dissertação de Mestrado 75%
Os efeitos das ações afirmativas incidem sobre múltiplas dimensões da sociedade. Elas incidem sobre a linguagem, no modo como representamos as relações raciais, como justificamos a exclusão e as estruturas do racismo, tal como indicam diversos trabalhos na área da linguística. Elas implicam em questões relacionadas a identidade, aos efeitos subjetivos do racismo, como mostram as pesquisas na área da psicologia. As ações afirmativas colocam em evidência questões sobre a mídia, assim como teve ressonâncias relevantes nas disputas partidárias no Congresso Nacional, sem contar nas imensas repercussões, mais evidentes, no campo da educação e do direito, que são analisadas em minúcia por inúmeras teses e dissertações. Em certo sentido, as ações afirmativas são como uma espécie de “fenômeno social total”, 36 uma 36 Marcel Mauss, “Ensaio sobre a dádiva”, in Sociologia e antropologia. Cosac Naify, São Paulo,
2003, p. 187.
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questão que afeta e desloca diversos e diferentes planos da sociedade, seus valores e suas instituições centrais. O gráfico abaixo mostra a distribuição da produção que se inicia em 1999 até o ano de 2012 (Gráfico 4). As áreas da educação e do direito dominam 60% do total de teses e dissertações produzidas nesse período. Elas são seguidas pelas ciências sociais, com 15% da produção, políticas sociais e psicologia/saúde pública com 6% cada uma. A produção está bastante disseminada pelas instituições ensino superior do país (Gráfico 5). Ao todo, 109 instituições no país produziram dissertações de mestrado e teses doutorado sobre o tema. A tabela abaixo contém todas as instituições com 2 ou mais trabalhos produzidos. UnB aparece no topo da lista com 29 trabalhos produzidos até o ano de 2012. Ela é seguida pela PUC/SP, com 28, a USP, com 26 e a UFF e UERJ, ambas com 20 trabalhados cada.
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4. Quantidade por área (1999-2012) Comunicação 1% Linguistica/Filologia/ Letras 2% Economia/ Administração/ Estatística/Contábeis 3%
Filosofia 1% História 1% Outros 1%
Ciência Política/ Políticas Públicas/ Diplomacia/Rel. Internacionais 4% Psicologia/ Ciências da Saúde/Saúde Pública 6%
Serviço Social/Política Social/Inclusão Social 6%
Educação 38%
Sociologia/Ciências Sociais/Antropologia/ Estudos Étnicos Africanos 15%
Direito 22%
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5. Produção por Instituição (1999-2012) USM UNIVALE UNISC UNIMES UNICID ULBRA UFSM UENP UEM UEL UCSal FGV/RJ FDU ENCE CEUB URI UNIVEM UNIOESTE UniCuritiba UFMT UFG UFAM UFAL UEPG UENF PUC/PR PUC/GO Metodista UTP UPM UNINOVE UNIMEP UFJF PUC/RS UFSC UFRN UFMS UFMG UFMA UCB IUPERJ UNISINOS UNEB UFPR UNICAMP UFRGS UFPE UFPB UCDB PUC/MG UNESP UFCE ITE UFRS UFPA UFSCar UFBA PUC/RJ UFRJ UFF UERJ USP PUC/SP UnB
2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 4 4 4 4 4 4 5 5 5 5 5 5 5 6 7 7 8 8 8 8 8 8 9 9 9 11 11 12 12 13 17 20 20 26 28 29
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Fizemos um recorte selecionando as três instituições com maior produção para verificar em que áreas se concentram a produção em cada uma delas. Na UnB, a educação é o campo com maior produção (Gráfico 6). Diferente da média global, na qual a produção é dominada pelos trabalhos na área de educação e direito, na UnB, a produção das ciências sociais, especialmente se agregarmos sociologia e antropologia, é quase duas vezes maior que a do direito.
6. Produção por área na UnB (1999-2012)
Sociologia 14%
Antropologia 7% Ciência Política 7%
Direito 11%
Serviço Social 11% Saúde Pública 4% Relações Internacionais 4% Linguística 3% Filosofia 3%
Educação 36%
Na PUC/SP e na USP, a produção é mais parecida com a média global. Educação e direito são as áreas com maior produção, com mais de 60% do total (Gráfico 7 e 8). Elas são seguidas pela sociologia/ciências sociais e psicologia em ambas as instituições.
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7. Trabalhos por área na PUC/SP (1999-2012)
Serviço Social 7% Ciências Sociais 14% Psicologia 14%
Linguística 4%
Direito 22%
Educação 39%
No conjunto total da produção no período aqui considerado, educação, direito e o conjunto agregado das Ciências Sociais são as áreas com o maior número de trabalhos. O campo da educação produziu cerca de 38% do total, seguido do direito, com 22%, e ciências sociais com 15% (Gráfico 4). Mas quais foram os temas tratados em cada uma dessas áreas? E o que elas dizem sobre o debate? No campo da educação, as questões relacionadas com os efeitos do racismo, e as formas de exclusão daí derivadas foram objeto de 49% das teses e dissertações (Gráfico 9). Os estudos de caso formam outros 30% dos trabalhos produzido. Os estudos de caso se referem a pesquisas sobre o processo de debate ou de implementação de alguma modalidade de ações afirmativas em determinas instituições. Os estudos sobre os casos da UnB, UERJ e UNEB receberam especial destaque, uma vez que foram as instituições pioneiras na adoção das ações
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afirmativas e que provocaram os maiores debates públicos por conta de seu modelo de inclusão. O PROUNI foi outro tema bastante discutido pela produção no campo da educação, formando 17% do total de trabalhos. Como o programa tem um recorte de renda e étnico/racial, que caracteriza um tipo de ação afirmativa, ele também se tornou um objeto de pesquisa bastante explorado. Embora o modelo de transferência de recursos públicos para o setor privado também tenha gerado questionamentos.
8. Trabalhos por área na USP (1999-2012) Antropologia 4%
Sociologia 15%
Direito 31% Psicologia 11%
História 4% Filologia 4%
Educação 31%
O tema dos pré-‐vestibulares foi explorado sobretudo nos trabalhos produzidos antes de 2004. Durante algum tempo, as experiências bem sucedidas de organizações sociais que ofereciam cursos pré-‐vestibulares para estudantes em
30
comunidades carentes, e que tinha um forte componente racial, eram vistas como uma alternativa menos conflitiva de inclusão em comparação com as ações afirmativas com recorte racial. Os cursos pré-‐vestibulares, a despeito de sua importância e sucesso, não confrontavam a ideologia da meritocracia – que de certa forma barrava a discussão sobre o racismo institucional da universidade –, e também não garantiam a entrada de estudantes negros no ensino superior. Entretanto, ao longo do debate, instituições como a Educafro foram fundamentais na mobilização social e no fomento ao debate sobre a necessidade das ações afirmativas.
9. Educação
Pré-Vestibular 4%
PROUNI 17%
Educação e racismo 49%
Estudos de caso 30%
31
No campo do direito, o tema mais presente nas teses e dissertações é a questão dos chamados “direitos fundamentais”. Esse tema diz respeito discussão sobre a constitucionalidade das ações afirmativas (Gráfico 10). Durante todo o processo de discussão essa foi uma sombra que sempre pairou sobre o debate. A questão principal, bastante presente em um número considerável de trabalhos nesse campo foi se a utilização de critérios raciais para a promoção de políticas públicas feria ou não o princípio de igualdade da Constituição Federal de 1988. No total 62% dos trabalhos produzidos na área do direito tentam lidar com essa questão. Como já foi destacado anteriormente, esse tema foi decidido pelo plenário do Supremo Tribunal Federal em 2012. A decisão unânime do mais alto tribunal do país respondeu de forma definitiva a questão: as ações afirmativas, e o uso de critérios raciais para seleção de beneficiários de políticas públicas, no contexto da superação desvantagens históricas de determinados grupos, não fere o principio de igualdade e, portanto, é plenamente constitucional. Outro tema bastante presente no campo do direito, com 13% do total da produção da área, foi o das ações afirmativas no mercado de trabalho. A utilização das ações afirmativas para corrigir disparidades no mercado de trabalho esteve no horizonte de possibilidades, especialmente no contexto dos debates para a Conferência de Durban. E embora nenhuma proposta concreta tenha ido muito longe, foi um tema que ocupou parte da reflexão. O tema dos efeitos da discriminação e do racismo, seguido dos estudos de caso também ocupam um espaço relevante na reflexão do direito sobre as ações afirmativas, 11% da produção. Os estudos de caso constituem 9% da produção. E as comparações entre os fundamentos jurídicos produzidos nos EUA para justificar as ações afirmativas e a tradição jurídica brasileira também aparecem com algum destaque, com 5% da produção.
32
10. Direito
Comparação Brasil/ Estados Unidos 5% Estudos de caso 9%
Racismo e desigualdade 11%
AA no mercado de trabalho 13%
Constitucionalidade 62%
No campo agregado das ciências sociais (antropologia, sociologia e ciências sociais) o tema do racismo e representações sociais totalizam 34% do total de trabalhos sobre ações afirmativas (Gráfico 11). Esses trabalhos versam sobre as consequências do racismo e das representações sociais racializadas como elementos promotores de exclusão e discriminação, justamente os fatores que criam as condições para a reprodução do nosso padrão histórico de desigualdades sócio-‐raciais. Essas pesquisas tentam refletir o potencial das ações afirmativas como uma modalidade de política pública, suas vantagens e limites para promover uma ruptura significativa com a inércia histórica de exclusão e discriminação.
33
Os estudos de caso ocupam grande parte das pesquisas, cerca de 26%. Esses trabalhos geralmente se concentram em processos específicos de implementação de ações afirmativas, as consequências de tais medidas, os debate públicos ou as disputas jurídicas e/ou ideológicas que os cercaram. A abordagem das ações afirmativas como política pública é objeto de 20% da produção, seguida pelas pesquisas sobre educação e exclusão, com 15%, e o PROUNI, que constitui 5% da produção total da área.
11. Ciências Sociais
PROUNI 5%
Racismo e representações sociais 34%
Educação e exclusão 15%
Políticas públicas 20%
Estudos de caso 26%
Conclusão A discussão sobre ações afirmativas como política pública para o combate a desigualdade racial chegou tarde à sociedade brasileira. Esse debate foi protelado por décadas, de forma mais ou menos deliberada, quando o Estado e intelectuais optaram por sustentar uma representação da sociedade brasileira e
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das características de suas relações raciais que não correspondia à experiência histórica da população negra do país, e nem correspondia aos dados disponíveis, o que agravou e perpetuou uma forma de exclusão social bastante danosa para os mais vulneráveis, e para o conjunto da sociedade. Em consonância com as articulações da sociedade civil, das organizações sociais e das demandas do Estado, o universidade se engajou no debate tentando superar décadas de defasagem. O que os dados acima mostram é que as ações afirmativas tornaram-‐se um campo do saber que, de certa forma, extrapolou os limites da reflexão sobre políticas públicas. Toda movimentação produzida pelo debate teve um impacto decisivo na forma como concebemos o uso da linguagem, as representações sociais, os métodos educacionais e a aplicação da lei, para citar apenas alguns aspectos. Nas mais diferentes áreas as ações afirmativas tornaram-‐se matéria de questionamento, inquietações intelectuais, reflexões políticas e objeto de pesquisa, mobilizando instituições, recursos e pesquisadores. Se a demanda da sociedade foi fundamental para romper os muros da universidade e solicitar sua reflexão, o saber produzido pela universidade também foi importante para o amadurecimento do debate. Ao mesmo tempo em que a universidade foi afetada pelo contexto do debate público, ela também devolveu a sociedade um saber que ajudou a qualificar a reflexão e a elaboração de políticas públicas. A produção do saber foi essencial para oferecer um contraponto às disputas retóricas, e ajudou a fundamentar proposições mais consistentes. Como toda política pública, as ações afirmativas necessitam de constante monitoramento, avaliações e ajustes. O sucesso desse tipo de política depende em grande medida da capacidade de corrigir seu curso, de analisar seus resultados, de aprofundar um conhecimento responsável sobre seus limites e possibilidades.
35
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