A experiência organizativa do Fórum de Assistentes e Psicólogos do TJES: análise éticopolítica dos dez anos de (re)construção e resistência. Eixo: Gestão do trabalho Ana Paula Brito Mozer1 Emilly Marques Tenorio2 Fernanda Pinheiro de Oliveira Rubim3 Maria Augusta Destefani Pancoto4 Maria Helena de Paula5 Resumo O presente artigo tem por objetivo abordar a organização coletiva e política dos assistentes sociais e psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES) e analisar seu alinhamento com o direcionamento éticopolítico firmado pelas referidas categorias profissionais. Consideramos, mediante os elementos históricos e teóricos apresentados que a constituição de um espaço coletivo como o FASP, coaduna com os projetos profissionais delineados e legitimados pelas categorias. Destacamos significativas conquistas dos últimos dez anos e reafirmamos que o presente espaço está em constante construção diante das diversas demandas que aparecem, mas configurase como uma estratégia de resistência coletiva e construção da autoimagem profissional dentro do TJES. Palavraschave: organização coletiva, projeto éticopolítico, Serviço Social, Psicologia, Judiciário. Assistente Social do TJES. Especialista em Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais pela Universidade de Brasília. Atua na Central de Apoio Multidisciplinar de Cachoeiro de Itapemirim. Integra a Secretaria Financeira do FASP (Gestão 2014/2015). É Conselheira Suplente do CRESSES (Gestão 2014/2017).
[email protected] – (27) 981247287. 2 Assistente Social do TJES. Especialista em Gênero e Sexualidade pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e mestranda do Programa de Política Social da UFES. Atua na Central de Apoio Multidisciplinar de Guarapari. Coordena a Comissão temática de Violência Domética e Familiar contra a Mulher do FASP (Gestão 2014/2015).
[email protected] 3 Psicóloga do TJES. Psicóloga do TJES. Pósgraduada em Análise Institucional e Esquizoanálise pela UNIPAC / Instituto Felix Guattari (2004), mestra em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais(2009) e pósgraduada em Psicologia Jurídica pelo Centro Universitário de Araraquara. Atua na 3ª Vara de Infância e Juventude de Vitória. Integra a Secretaria de Comunicação do FASP (Gestão 2014/2015).
[email protected] 4 Assistente Social do TJES. Pósgraduada em Gestão de Políticas Sociais Públicas Públicas e Privadas pela Faculdade Salesiana do Espírito Santo. Atua na Central de Apoio Multidisciplinar de Vitória. Atualmente, é coordenadora do FASP (Gestão 2014/2015).
[email protected] 5 Assistente Social do TJES. Atua na 2ª Vara de Infância e Juventude de Vitória. Integra a Secretaria de Comunicação do FASP (Gestão 2014/2015).
[email protected] 1
1 Introdução: “Esse é tempo de partido, tempo de homens partidos (...) As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei”6 .
O presente artigo tem por objetivo analisar a organização coletiva e política dos assistentes sociais e psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES) e o seu alinhamento com o direcionamento éticopolítico firmado pelas referidas categorias profissionais. Tal análise é referenciada na experiência organizativa desenvolvida por meio do Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (FASP) e da articulação com os movimentos sociais e sindical, do qual parte dos profissionais da psicologia e do serviço social do TJES faz parte. Pretendese ainda identificar os elementos disparadores que demandaram a organização profissional e avaliar as possibilidades, os desafios e as conquistas alcançadas até os dias atuais. A atuação das autoras deste artigo no FASP, a partir do ano de 2012, a inserção na Gestão deste Fórum, no biênio 2014/2015, e os consequentes dilemas e experiências construídas nesse espaço coletivo foram importantes motivadores para a elaboração do presente artigo. Destacase nesse sentido, os questionamentos presentes quanto a predominância das mobilizações e lutas relacionadas as questões de caráter técnico, corporativista e salarial em relação as de amplitude política e de reconhecimento de pertencimento à classe trabalhadora. Além disso, as autoras também foram impulsionadas pelo interesse em compreender em que medida as demandas originárias ainda se fazem presentes no cenário atual e como essa forma de organização coletiva se mantém há 10 anos, mesmo diante do contexto sóciopolítico de desmonte e enfraquecimento dos movimentos de organização dos trabalhadores. O caminho metodológico foi construído a partir da pesquisa qualitativa, mediante revisão bibliográfica, entrevistas semiestruturadas e pesquisa documental dos registros históricos do FASP. Cabe destacar que a pesquisa qualitativa se firma na intenção de se extrair sentido aos significados que os outros atribuem às suas experiências, baseado em suas perspectivas históricas e sociais (CRESWELL, 2010). Esse método “adequase a aprofundar a complexidade de
Todos os trechos que antecedem cada tópico da estrutura do artigo são do poema “Nosso Tempo” de Carlos Drummond de Andrade. 6
fenômenos, fatos e processos particulares e específicos de grupos” (MINAYO; SANCHES, 1993, p. 247). O Serviço Social e a Psicologia possuem referenciais teóricos distintos, mas com perspectivas complementares, que permitem avaliar este espaço de organização. Em comum, possuem a crítica ao sistema capitalista e o compromisso político com a defesa dos direitos humanos e com a ampliação da democracia. Além disso, ambos partem de princípios convergentes, quando afirmam a importância de uma nova sociabilidade livre de opressões e permeada por modos de subjetivação mais autônomos. A lente teórica utilizada pelas pesquisadoras do serviço social para embasar o artigo foi o referencial materialistahistórico de Marx, pois enquanto método propõe a abordagem dialética no sentido de considerar os “contextos históricos, as determinações socioeconômicas dos fenômenos, as relações sociais de produção e de dominação com a compreensão das representações sociais” (MINAYO, 2013 , p.24). A pesquisadora psicóloga utilizou as concepções de Deleuze (1976), Guattari (1996) e Foucault (1984) para empreender as análises destes artigo. Os referidos autores propõem a imanência entre os meios de produção e os modos de subjetivação. Para estes autores a subjetividade não é determinada pelo social, mas tecida por micropoderes em conexão com processos sociais, culturais, econômicos, midiáticos, ecológicos, que participam de sua constituição e de seu funcionamento. A temática mostrase relevante em função do direcionamento político assumido hegemonicamente pelo Serviço Social e pela Psicologia, das exigências e desafios postos aos referidos profissionais e do atual contexto de crise estrutural do capital, de significativas mudanças nas diferentes dimensões da vida social e de precarização do trabalho. Nesse sentido, pretendese explicitar e fortalecer a história de organização coletiva e política desempenhada pelos profissionais que compõem o FASP, assim como reafirmar a potência da mobilização, da construção de alianças estratégicas e da inserção da profissão nas lutas sociais como relevante estratégia de resistência e como possibilidade de transformação.
2 Desenvolvimento “E continuamos. É tempo de muletas.(...)mas ainda é tempo de viver e contar. Certas histórias não se perderam”.
A inserção de profissionais do Serviço Social no Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES) é datada a partir da década de 1950, mediante a localização e atuação de profissionais no Juizado de Menor da Capital. Nas décadas seguintes há um processo gradativo de ampliação do quantitativo de cargos de serviço social, contemplando a partir da década de noventa as Varas da Infância e Juventude localizadas nas comarcas do interior do estado, a Vara de Execuções Penais de Vitória e o Centro de Serviços Sociais do Tribunal de Justiça da comarca da capital. Em 1999 foi realizado o primeiro concurso público para preenchimento dos cargos de serviço social e n o ano de 2000 foram empossadas 26 (vinte e seis) assistentes sociais, lotadas nas Varas da Infância e Juventude do estado e na Vara de Execuções Penais de Vitória. De acordo com as informações obtidas a partir das entrevistas, inicialmente as assistentes sociais vivenciaram práticas isoladas em seus espaços ocupacionais e ausentes de uma articulação contínua que proporcionasse a troca de experiências e o aperfeiçoamento do trabalho desenvolvido nas diferentes áreas de atuação. No entanto, os desafios enfrentados no cotidiano profissional, a necessidade de construção d e processos de trabalho, a ausência de clareza da instituição sobre as atribuições e possibilidades de intervenção do profissional de Serviço Social e a não garantia das condições éticas e técnicas por parte do PJES; emergiram a necessidade de mobilização e articulação dessas assistentes sociais. Desta forma, iniciouse um processo de organização coletiva que contemplava principalmente o compartilhamento de práticas e experiências profissionais, discussões sobre as condições de trabalho, reconhecimento e consolidação do Serviço Social no PJES e a realização de ações com vistas à formação continuada. A partir dessa organização inicial, os profissionais visualizaram as possibilidades referentes à institucionalização de um fórum permanente de discussão, enquanto instrumento de congregação e direcionamento das demandas apresentadas e desafios vivenciados naquela conjuntura institucional. Assim, iniciouse o Fórum de Assistentes
Sociais do Poder Judiciário do Espírito Santo, formalmente instituído e integrado a estrutura organizacional do TJES em maio de 2005, por meio da Resolução nº 18/2005. O Fórum é normatizado por Regimento Interno, se organiza mediante reuniões bimestrais ou extraordinárias, quando necessário, e dispõe de uma Direção Executiva, composta inicialmente por dois membros efetivos intitulados Coordenador e Secretário, bem como seus suplentes. Conforme os registros documentais, o Fórum de Assistentes Sociais iniciouse como um: […] espaço organizativo desta categoria profissional. Tem por finalidade o debate das questões vivenciadas e trabalhadas pelos assistentes sociais em suas diversas áreas de atuação, com vistas ao desenvolvimento de projetos de intervenção, da constante avaliação de suas rotinas e de seus procedimentos, e da representação dos profissionais de Serviço Social em sua relação com a instituição (Material Informativo do Fórum de Assistentes Sociais, 2009, p. 02)
Além disso, o Fórum de Assistentes Sociais estruturava sua atuação a partir de três eixos básicos: 1. Discussão da prática profissional na instituição judiciária, com vista à capacitação continuada e à articulação com os órgãos e instituições públicas e privadas que atuam na garantia de direitos; 2. Melhoria das condições e organização do trabalho do assistente social na instituição judiciária; 3. Representação dos profissionais de Serviço Social em sua relação com a instituição. No ano de 2012, ocorre a nomeação de assistentes sociais e de psicólogos, estes últimos pela primeira vez, inseridos mediantes concurso público, que foram lotados nas Varas de Infância e Juventude, na Coordenadoria de Serviços Psicossociais e de Saúde (CSPS), Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas (VEPEMA), assim como nas Centrais de Apoio Multidisciplinar das Zonas Judiciárias (CAMs). As CAMs foram criadas com o objetivo de atenderem demandas oriundas das Varas de Família e das Varas Especializadas em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e no interior do Estado, também, as demandas das Varas da Infância e da Juventude. É importante mencionar que anteriormente as demandas psicológicas eram atendidas por meio de servidores com formação em psicologia em desvio de função ou por psicólogos cedidos
pelo Poder Executivo. O ingresso mediante concurso público representou um marco histórico para a categoria, pois mesmo com a grande demanda de trabalho para a especialidade, foi a primeira vez que o TJES realizou concurso público para esse cargo. Seu trabalho ganhou contornos diferenciados, marcado, sobretudo, pelas diversas demandas que passaram a atender. Cabe ressaltar que os psicólogos se organizaram internamente para analisar os problemas institucionais que interferiam no seu processo de trabalho (precárias condições de trabalho em alguns espaços de atuação; a necessidade de nomeação de mais profissionais e a necessidade do reordenamento do trabalho nas Centrais de Apoio Multidisciplinar), além de compartilharem experiências de atuação e definirem estratégias referentes ao requerimento de regulamentação e concessão de Gratificação por Execução de Trabalho com Risco de Vida. Esses profissionais produziram documentos levando ao conhecimento do chefe do PJES os diversos fatores que dificultavam a prestação do serviço jurisdicional com qualidade no Espírito Santo. Além disso, propuseram a sua incorporação ao Fórum de Assistentes Sociais do Poder Judiciário do Espírito Santo, por compreenderem que grande parte dos dilemas enfrentados no cotidiano se assemelhava a situação vivenciada também pelos assistentes sociais. Sendo assim, em 2012, os psicólogos se juntaram ao Fórum já constituído pelos Assistentes Sociais, que foi transformado no Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogos do Poder Judiciário do Espírito Santo (FASP). Com o ingresso de novos assistentes sociais e a posterior integração dos psicólogos, o Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogos do PJES (FASP) experimenta possibilidades de ampliação da sua atuação, oportunizadas principalmente pela amplificação da Direção Executiva e instituição das Comissões Temáticas (Infância e Juventude, Família, Saúde e Trabalho, Penas e Medidas Alternativas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher), estabelecidas mediante reformulação do Regimento Interno, publicado no Diário da Justiça em 04 de outubro de 2013. A Direção Executiva passa então a ser composta por 04 (quatro) membros efetivos intitulados Coordenador, Secretário Administrativo, Secretário de Comunicação, Secretário Financeiro, bem como seus suplentes; enquanto as Comissões Temáticas são coordenadas por 01 (um) assistente social e 01 (um) psicólogo cada, com seus respectivos suplentes.
A partir das informações constantes no arquivo documental do FASP, é possível sinalizar sobre as formas de organização e as principais ações desenvolvidas nos biênios7 2008/2009; 2010/2011; 2012/2013; e 2014/2015. No que se refere à organização das reuniões ordinárias e extraordinárias, no período referente ao biênio 2008/2009 essas eram estruturadas com vistas a discutir e deliberar sobre estratégias coletivas referentes as questões enfrentadas pelas assistentes sociais naquele momento histórico. No segundo ano do biênio 2010/2011 há uma mudança na formatação dessas reuniões, que passaram a ser divididas em dois momentos, um destinado as discussões de caráter administrativo institucional e o outro as discussões técnicas, principalmente por meio da troca de experiências e apresentação do trabalho desenvolvido pelas assistentes sociais em seus diferentes locais de trabalho. Essa forma de organização se manteve no biênio 2012/2013, sofrendo alteração no final de 2014 com a instituição das Comissões Temáticas e organização de Grupos de Trabalho, sendo deliberado ainda sobre a priorização das discussões técnicas. No biênio 2014/2015 essa forma de organização permanece, porém com destaque e ampliação das ações de formação continuada e articulação com os demais atores da rede de atendimento e dos movimentos sociais. Quanto ao direcionamento político e priorização de intervenção por parte do Fórum no período de sua existência, podemos destacar no biênio 2008/2009 ações referentes à realização de momentos de formação continuada, participação em processos decisórios institucionais relativos ao Serviço Social (com destaque na elaboração de estudos sobre as vagas necessárias para o concurso público, ocorrido no ano seguinte, 2010), reivindicação por adequações e melhorias das condições éticas e técnicas para o exercício profissional, discussões e encaminhamento de questões de caráter técnico, bem como articulação com o respectivo conselho profissional e atores do Sistema de Garantia de Direitos, Sistema de Justiça e entidade sindical. Dentre as ações realizadas neste período, acentuamse os pleitos relativos às melhorias das condições éticas e técnicas do trabalho.
No que se refere ao período de 2005 a 2007, foram identificadas ações vinculadas à capacitação profissional e de caráter técnico, dentre elas citase: Curso “Ética em Movimento” em parceria com o CRESS, Campanha de sensibilização à adoção e Seminário “Maioridade Penal e Exclusão Social”. 7
No biênio 2010/2011 observase dentre outras, o predomínio de ações ligadas a cursos e momentos de capacitação profissional e também daquelas relacionadas à participação em processos decisórios institucionais, com ênfase na integração na Comissão de Implantação e Estruturação das Centrais de Apoio Multidisciplinar (CAM) e de articulações políticas e institucionais relativas à reestruturação do Serviço Social do judiciário. Nos anos subsequentes 2012/2013, mantiveramse as ações relativas à qualificação e educação permanente, com prevalência nas atividades relacionadas à discussão e fomento de questões éticas e técnicas inerentes ao exercício profissional tanto do Serviço Social quanto da Psicologia. Também se evidencia a continuidade de uma atuação canalizada à reivindicação por melhoria nas condições de trabalho, articulação com os movimentos sociais, bem como a participação na organização do Encontro dos Profissionais da Área Sociojurídica do Estado do Espírito Santo.8 Por fim, no atual biênio 2014/20159, as ações empenhamse, principalmente, na formação continuada, no pleito de condições satisfatórias e dignas de trabalho, na intervenção com vistas ao reordenamento e ampliação das equipes, além de mobilização e articulação com movimentos sindical e sociais (Movimento Feminista, Movimento contra a redução da Maioridade Penal, Conselhos das Categorias Profissionais). No ano de 2014, destacase o importante envolvimento e adesão de profissionais de serviço social e psicologia na 1ª greve geral dos trabalhadores do TJES, articulada pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo, participando de todas as mobilizações sindicais propostas durante este período. É possível observar que o Fórum de Assistentes Sociais, posteriormente alterado para Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogos, apresenta pautas semelhantes desde sua criação, com destaque para a capacitação continuada (formação permanente), debate de questões técnicas e éticas do fazer profissional, luta permanente por condições dignas de trabalho, articulação com a rede sócioassistencial, bem como envolvimento com o movimentos sociais e sindical. 8
O encontro foi realizado em parceria com a Associação de Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça de São Paulo AASPTJSP, com o objetivo de discutir e deliberar sobre a criação da Associação Nacional dos Assistentes Sociais e Psicólogos da área sóciojurídica. 9
O biênio 2014/2015 contempla as ações desenvolvidas até o mês de abril de 2015.
2.2. Apontamentos sobre a organização coletiva “Calome, espero, decifro. As coisas talvez melhorem. São tão fortes as coisas! Mas eu não sou as coisas e me revolto”.
O espaço sócioocupacional do judiciário nos traz diversos desafios cotidianos, pois ao acionar este poder, expectativas quanto à resoluções de expressões da questão social ou solução de conflitos são criadas. A construção destes encaminhamentos podem darse pela determinação impositiva do magistrado ou por uma perspectiva crítica de construção de alternativas ou projetos junto à população usuária. Consideramos que a equipe técnica, formada por assistentes sociais e psicólogos, possui compromisso éticopolítico na construção destas novas possibilidades articuladas com as lutas sociais mais amplas contra as desigualdades e opressões. Diante de fatores conjunturais e estruturais de desmonte de direitos coletivamente conquistados, recrudescimento da violência, precarização ou ausência de políticas públicas, Fávero nos indicará a importância de traçar estratégias coletivas de resistência: Para lidar com desafios e realizar investimentos em algumas frentes, no sentido de contribuir com o acesso à justiça e aos direitos, ao fortalecimento da capacidade argumentativa e consequente fortalecimento do projeto da profissão na contemporaneidade, é necessário o estabelecimento de estratégias e a efetivação de ações políticas organizadas. Avanços nesse sentido possivelmente poderão ser alcançados se ações coletivas forem viabilizadas. (FAVERO, 2013, p. 523)
Consideramos, mediante os elementos históricos apresentados que a constituição de um espaço coletivo como o FASP, coaduna com os projetos profissionais delineados e legitimados pelas categorias. Netto (2006) exporá a relevância desses projetos no planejamento das ações, tendo em vista que esses projetos, que tem por base um sujeito coletivo, exigem organização de um corpo ou categoria profissional por meio do conjunto dos seus agentes profissionais, docentes, pesquisadores, estudantes e organismos profissionais, e é resultado de conjunturas e dinâmicas sociopolíticas particulares, que reforçam a estreita vinculação entre a definição e a ampliação dos espaços de trabalho dos assistentes sociais e as manifestações da questão social:
Os projetos profissionais apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições privadas e públicas (inclusive o Estado, a quem cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais. (Netto, 2006, p. 144)
O autor enfatiza portanto, que qualquer ação humana baseiase em projetos que objetivam alcançar uma finalidade. Tal finalidade a ser atingida, relacionase “com a invocação dos valores que a legitimam e a escolha dos meios para lográla”. Sendo assim, o trabalho do Assistente Social e do Psicólogo é pautado por princípios e diretrizes que norteiam seu saberfazer profissional. Tão importantes quanto as atribuições são as vedações éticas colocadas pelos respectivos conselhos profissionais, a fim de atingir o objetivo comum de ambas as áreas que é a garantia fundamental dos direitos humanos. Os Códigos de Ética Profissionais são uma das normativas que dão luz ao que Netto (1999) chama de “auto imagem da profissão”. O Serviço Social e a Psicologia imprimem em seus Códigos de Ética um compromisso com o desempenho de um trabalho de qualidade e compromisso com a população atendida, respeito à diversidade humana, combate as opressões e defesa dos direitos humanos. O Serviço Social em seu Código de Ética Profissional (CFESS, 1993), elenca entre seus princípios fundamentais a “Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação/exploração de classe, etnia e gênero”. A Psicologia aborda que o trabalho ocorrerá “visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (CFP, 2005). Também elege como princípio fundante a concepção de que “o psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural” (CFP, 2005).
É importante ressaltar que o direcionamento presente atualmente nos Códigos de Ética do Serviço Social e da Psicologia fazem parte de uma construção éticopolítica marcada pelo rompimento de uma prática pautada pelo ajustamento e adaptação do indivíduo. No que concerne a Psicologia, este processo permitiu que paulatinamente, fossem operadas mudanças nos modos de inserção da categoria na sociedade, como também em relação a concepção do fenômeno psicológico (BOCK, 2001). Por a politização da categoria, é colocado em xeque o fenômeno psicológico, abstrato e universal, relacionado a ideia de natureza humana e é engendrada a concepção do fenômeno psicológico enquanto produção de subjetividade, o que possibilita a aproximação Psicologia com as lutas sociais. Com isso, parte dos psicólogos dá um salto ao perceber que, para ampliar seu espaço e sua contribuição social, não basta o conhecimento das teorias psicológicas. Pelo contrário: é preciso perscrutar nossos instrumentos; por em cheque nossa visão de homem e de mundo; assumir a atuação política de nossa atuação profissional e analisar criticamente, o alcance nossas intervenções (BOCK, 2001, p. 21)
O Serviço Social também obteve muitos avanços na inserção neste espaço, fazendo a mediação entre a expectativa institucional e a intencionalidade do profissional ao atender sua população usuária sem uma perspectiva criminalizadora de comportamentos ou idealizada de família, sem o apelo ao “ajustamentos social” e descontruindo o papel de investigador da verdade nos processos. É importante destacar o caráter inovador observado no processo de construção e consolidação do FASP, em especial ao se considerar o espaço institucional em que está inserido, marcado historicamente por relações de poder e hierarquia. Os desafios vivenciados no exercício profissional e na relação institucional em especial as lutas por mudança, novos sentidos, relações horizontalizadas e democratização dos processos decisórios no Poder Judiciário – encontram lugar privilegiado de enfrentamento e de fortalecimento dos atores envolvidos na organização coletiva e política. É possível sinalizar relevantes pautas inseridas e conquistas alcançadas por meio da ação coletiva dos assistentes sociais e psicólogos do TJES, que dificilmente seriam possíveis mediante atuações de cunho imediatista e/ou individual.
Podemos sinalizar sobre o alinhamento do FASP aos projetos éticopolíticos das respectivas categorias, materializado através da direção política expressa nas ações desenvolvidas nos últimos dez anos. Ao promover a qualificação profissional continuada, na perspectiva teóricametodológica e éticopolítico crítica, buscase contribuir para o exercício profissional competente e comprometido. No que se refere à luta coletiva dos assistentes sociais e psicólogos por melhorias nas condiçoes éticas e técnicas do trabalho, esta se insere no contexto de lutas da classe trabalhadora, marcado pela carência de recursos institucionais, mudança nos parâmetros legais e institucionais que orientam as relações de trabalho, pela falta de reconhecimento profissional e pelo desmonte das políticas públicas. As articulações realizadas com os movimentos sociais e o sindical assinalam para estratégias de lutas mais amplas, que extrapolam a atuação do Serviço social e Psicologia, embora sejam a ela vinculadas. O FASP, enquanto uma organização coletiva institucionalizada, tem buscado conjugar a valorização do trabalho interdisciplinar com a capacitação técnica e educação permanente, com as lutas políticas internas (reconhecimento das atribuições das categorias, melhores condições de trabalho, articulação com o sindicato) e com as lutas sociais mais amplas (direcionamento éticopolítico, participação em fóruns, conselhos e movimentos sociais), o que possui grande relevância para o exercício profissional e para a consolidação da autoimagem das profissões. Denotase que diversas pautas se mantêm na história de luta do FASP, relacionadas principalmente aos rebatimentos da reestruturação do mundo do trabalho, do contexto de expansão do conservadorismo e de perdas de direitos historicamente conquistados e da natureza e função social do Poder Judiciário na vida e no trabalho de assistentes sociais, psicólogos e da sociedade como um todo. A definição de prioridade das pautas perpassa o contexto sociopolítico e institucional, assim como a identidade política e os interesses expressos pelo coletivo de profissionais e pela direção executiva. É possível sinalizar sobre a predominância de mobilizações e lutas do FASP relacionadas as questões de caráter técnico e corporativista, em relação as de amplitude política e de reconhecimento de pertencimento à classe trabalhadora. Desta forma, a expansão e capilarização das lutas mais amplas, principalmente por meio de articulações estratégicas com movimentos
sociais que compartilham do mesmo projeto de sociedade, ainda se apresenta como um desafio ao FASP, embora seja inegável os avanços já alcançados nesse sentido.
3 Considerações finais “A escuridão estendese mas não elimina o sucedâneo da estrela nas mãos. Certas partes de nós como brilham! (...) Há soluções, há bálsamos para cada hora e dor.”
Diante dos elementos expostos, podemos destacar a especificidade do FASP, uma organização coletiva institucionalizada, que conjuga a capacitação técnica com a prerrogativa de promover uma educação permanente, que não seja desvinculada de demandas das categorias profissionais e tampouco das lutas sociais mais amplas, buscando a inserção e articulação com os movimentos sociais e espaços participativos. O FASP tem se apresentado como um importante espaço de problematização da aliança histórica entre o Judiciário e os saberes do Serviço Social e da Psicologia no controle dos comportamentos e dos modos de vida de determinados grupos sociais, além de se instituir e se fortalecer cotidianamente como um espaço de luta política. Percebemos que o Fórum tem caminhado em consonância com os aspectos éticopoliticos dos projetos profissionais e a garantia de um espaço articulador de troca e sistematizaçao da prática, atento aos debates e às demandas da sociedade. Esta forma de organização, tornase fundamental em tempos de individualização das lutas e do fortalecimento do “homem egoísta”, no qual se identifica esvaziamento de espaços coletivos, além de reprodução de posturas acríticas e naturalizadoras das desigualdades sociais. Notase ainda que as principais demandas desde a criação até os dias atuais ainda se mantém e fazem parte da própria configuração técnica e política deste espaço coletivo em permanente construção, quais sejam, formação/capacitação profissional, lutas por melhores condições de trabalho, aumento no quantitativo de trabalhadores e busca por um atendimento qualificado, crítico e comprometido com a população usuária.
Frisase também que, por meio desta organização coletiva, os profissionais conseguiram
se fazer “enxergar” institucionalmente e obtiveram êxito em alguns de seus pleitos. Participam de
espaços administrativos dentro do Tribunal, no qual poderão pleitear maiores avanços: como a participação no planejamento estratégico do TJES em 2015 e a recente criação de um grupo de trabalho das CAMS pelo Ato Normativo nº74/2015 que “Institui o Grupo de Trabalho para análise situacional e proposição de melhorias nas Centrais de Apoio Multidisciplinar (CAMs) do Poder Judiciário do Espírito Santo” (DJES nº 4987). Concluímos ainda que a descentralização em comissões temáticas instituídas pela reformulação do regimento interno e grupos de trabalhos deliberados em plenária, permitiram a equipe técnica do judiciário, se debruçarem teoricamente e construírem estratégias, diante da diversidade das demandas jurisdicionais, administrativas e políticas que lhe são apresentadas, possibilitando uma gestão com maiores possibilidades de encontros e participação. Salientase porém, que com o aumento da sobrecarga de trabalho, adoecimento de servidores e falta de condições estruturais dificultam a participação massiva nestes outros espaços. Percebemos com isto, que as questões técnicas não podem estar alijadas dos pressupostos éticopolíticos e das lutas internas e externas das categorias para que não haja retrocesso, apenas (re)construção e resistências. Referências bibliográficas: BOCK, Ana. Mercês Bahia. (2001). História da organização dos psicólogos e a concepção do fenômeno psicológico. In JacóVilela, A. M., Cerezzo, A. C., Rodrigues, H. B. C. (Orgs.), Cliopsyché hoje: fazeres e dizeres psi na história do Brasil (pp. 2533). Rio de Janeiro: Relume Duramá; FAPERJ. BORGIANNI, Elizabete. Para entender o Serviço Social na área sociojurídica. In: Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo, nº 115, 2013, p.407442. BRASIL. Código de Ética Profissional do Serviço Social. Brasília: CFESS, 2003. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_1993.pdf . Acesso em 07 de abril de 2014 BRASIL. Código de Ética Profissional da Psicologia. Brasília: CFP, 2005. Disponível em: http://site.cfp.org.br/wpcontent/uploads/2012/07/codigo_etica1.pdf . Acesso em 07 de abril de 2014 CRESWELL, John W. Projeto de Pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
FÁVERO, Eunice Teresinha. O Serviço Social no Judiciário: construções e desafios com base na realidade paulista. In: Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 115, p. 508526, jul./set. 2013 DELEUZE, Giles; GUATTARI, Félix. O antiédipo: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Imago, 1976. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984. GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996. MINAYO, Maria Cecília. O desafio da Pesquisa Social. In: MINAYO, Maria Cecília, DESLANDES, Suely Ferreira e GOMES, Romeu (orgs.). Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 2013. p. 929 NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético político do Serviço Social. In: MOTA, A. E. et al. Serviço Social e saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2006.