A exploracao do meio envolvente no ensino de Historia

July 15, 2017 | Autor: Tome Morais | Categoria: HIstória, Educação, Ensino de História, Ensino De História
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O uso do meio envolvente no desenvolvimento do conhecimento histórico: uma recensão teórica
Tomé Pedro Morais
RESUMO
O professor não age apenas como um transmissor de conhecimento, mas como um mediador entre o objecto a ser apreendido e o aluno. Neste processo, ele recorre a várias ferramentas mediadoras que podem lhe auxiliar, como um objecto da cultura material, uma visita a um museu, ou mesmo uma imagem desde que a mesma retrate aspectos ligados ao passado. O trabalho aborda a exploração do meio envolvente enquanto documento histórico durante as aulas, em virtude do mesmo indiciar uma produção cultural, carregado de significados, tanto de forma implícita, quanto explicita. De facto, o meio envolvente pode e deve assumir um papel fundamental de significação na estrutura cognitiva do aluno, para, a partir dele, demonstrar as representações que determinados grupos forjaram sobre a sociedade em que viveram, como pensaram ou sentiram o seu presente ou como se estabeleceram as correlações entre o tempo e o espaço. Assim, partindo-se do meio envolvente, o aluno pode ser capaz de fazer diferenciações, abstracções e outras operações que o permitam fazer a leitura das distintas temporalidades e, por via disso, incentivá-lo a aprender e a apreender a História.

Palavras chave: Meio Envolvente/História local; Pinturas Rupestres; Processo de Ensino e Aprendizagem; Professor.

ABSTRACT
A teacher does not simply act as a knowledge transmitter, but as a mediator between the object to be learnt and the student. In this process the teacher applies several mediating tools that can aid him, such as cultural material objects, a visit to a museum, or even an image as long as they have to do with the past. This essay deals with exploration of historic documentaries during the lessons, in order to create significant cultural results, in explicit or in implicit way. In fact, the environment may or plays a very important role of meaning in the structure of the students` knowledge, so that from this knowledge, the student may demonstrate representation that determinate different groups that forge the society that they lived, as they thought or felt their present or as they established the correlations between time and the space. Thus, beginning from the surroundings, the student be able to differentiate, abstractions and other operations that allow them to make understanding of different times. Moreover, by doing this, motivating them to learn and discern History.
Key Word: Surroundings/ local history; paintings; teaching and learning process; teacher
O presente artigo procura explorar o debate em torno das possibilidades da exploração do meio envolvente no desenvolvimento do conhecimento histórico. Para o efeito, procura analisar como ocorre a mobilização de um conjunto de elementos que se localizam nas proximidades de uma localidade, como são os casos de monumentos históricos, rituais, túmulos, valas comuns, pinturas e gravuras rupestres, memoriais, museus, edifícios antigos, entre outros aspectos, que directa ou indirectamente se relacionam com o passado histórico de uma comunidade e que podem ser usados ou podem auxiliar ao professor no tratamento de conceitos históricos, conteúdos de História ou para a iniciação da produção histórica.
O ensino da História com recurso ao meio envolvente é uma das práticas preconizadas para o processo de ensino e aprendizagem em História, pelo facto de permitir uma compreensão adequada dos conteúdos, bem como o enriquecimento do campo didáctico de história e em especial de história local, existente nas proximidades de qualquer escola que se localize em uma localidade, posto administrativo e nos municípios. Esta estratégia traz uma nova perspectiva para o ensino de História, ao valorizar a historicidade de pessoas comuns e ao trazerem à tona acontecimentos, personagens e lugares comuns e mais próximos aos alunos, rompendo, em consequência, com a história tradicional.
Um rastreio das potencialidades do meio envolvente indicia a existência de inúmeras possibilidades para a sua exploração, com a capitalização de arquivos públicos e particulares, os livros de acta de reuniões, jornais antigos, monumentos, fotos, entrevistas registadas, documentos antigos (contratos, atos de posse), filmes, músicas, no quotidiano das pessoas, e uma infinidade de suportes. A este título, Neves, atesta que:
As atas das câmaras de vereadores registram com riqueza de detalhes, o dia-a-dia de um município e seus habitantes. Para além do universo político, com a mesma intensidade, abordam o econômico e social, com uma fotografia de corpo inteiro da comunidade municipal. As posturas municipais e as leis orgânicas dos municípios indicam os parâmetros das relações sociais NEVES (2002:98).
Portanto, deve-se chamar atenção para a importância do papel do professor na aplicação desta nova metodologia, com o fundamento de tornar as aulas mais motivadoras, levando os alunos a perceberem que sua própria vida já é uma grande história e que o conhecimento histórico pode ser elaborado por todos, independentemente de qualquer condição social, política, económica e cultural. MANIQUE & PROENÇA (1994) acreditam que, através do Estudo do Meio, é possível abordar conteúdos que impliquem o envolvimento de diferentes áreas científicas, tendo em comum o facto de se desenvolverem num lugar e época concretos. Os autores afirmam que o uso do Meio é privilegiado em todos os níveis de ensino, pois é portador de um carácter transdisciplinar, interdisciplinar e disciplinar. Trata-se de uma área na qual se interligam diversas disciplinas e onde se estabelecem relações que caracterizam as sociedades humanas. Em conformidade com PROENÇA (1992), "o ensino/aprendizagem da História através do meio adquire um carácter motivador para as crianças, pois contribui para a melhor inserção na sociedade pelo contacto com os problemas do meio".
Estudos atinentes ao envolvimento do meio local no ensino de história são já uma nota presente. A título de exemplo, PINTO, (2012), desenvolveu o uso de fontes patrimoniais em educação histórica, relacionando com a educação patrimonial na sua tese de doutoramento. O autor apresenta, de forma sistemática, actividades educativas relacionadas com o uso de objectos e sítios históricos que constituem, de alguma forma, o meio envolvente, procurando perceber de que forma os alunos podem aprender, com base em fontes patrimoniais, através de actividades de ensino e aprendizagem de História realizadas no exterior da escola.
Outra perspectiva desenvolvida no âmbito do meio envolvente foi no quadro da compreensão das concepções dos professores relativamente ao contributo do estudo do meio para o ensino da História. Neste campo tratou-se de investigações no âmbito da Cognição Histórica, onde diversos trabalhos foram realizados, por exemplo, por PEEL (1966) e HALLAM (1975). Contudo, estudos mais circunspectos da pesquisa no domínio da cognição histórica tiveram o seu aprofundamento no Reino Unido, em finais dos anos de 1970, com estudos realizados por autores como DICKINSON, LEE, BOOTH E SHEMILT. Tais estudos foram continuados numa outra direcção por THOMPSON (1972), reforçando a importância da exploração do pensamento histórico dos alunos.
Nos anos noventa, do século XX, destacou-se o Projecto Chata, onde PETER LEE e os seus colaboradores investigaram, nos seus estudos empíricos, as questões relacionadas com as idéias das crianças sobre a construção de diferentes narrativas, as causas históricas e a evidência no ensino da História. As investigações envolvendo estes últimos centraram-se em questões muito específicas da História como conceitos de fonte, evidência, metodologia, narrativa, explicação, intencionalidade, causalidade, procurando caracterizar as formas como estes conceitos surgem e se desenvolvem nos alunos. A grande preocupação destes estudos era de perceber como se transformavam as idéias históricas dos alunos, contribuindo, deste modo, para realçar o facto de que essa evolução se processava numa progressão, do menos, para o mais coerente, independentemente dos estádios de desenvolvimento cognitivo, cuja ordem de sucessão e invariância era defendida por Piaget.
Numa outra linha de estudo similar e mais didáctica, realizada por ROLDÃO (1995), trata da necessidade de se estudar o meio e de consciencializar as crianças sobre a realidade em que vivem, de modo a prepará-las para compreenderem e intervirem nessa mesma realidade. Para este estudo, o professor deve ter como objectivo primordial levar as crianças a adquirirem o sentido de relação homem/meio e a compreender as suas implicações nas vivências sociais, económicas e culturais dos indivíduos e das sociedades. O mesmo pensamento é partilhado por PROENÇA (1992) ao se referir da necessidade de aprofundar a relação escola/meio, pois nem sempre existiu uma assistência na prática lectiva que permitisse a concretização dessa intenção. Os dois últimos autores são unânimes em afirmar que era necessário integrar nos currículos o Estudo do Meio, através da criação da disciplina Meio Físico e Social no 1º Ciclo do Ensino Básico.
Os temas estudados em estudo do meio, para ROLDÃO (1995), dividem-se em áreas integradoras que possibilitam a articulação de aprendizagens de todas as outras áreas. Tais aprendizagens proporcionam às crianças não só a compreensão das interligações entre diversas áreas de saber para a compreensão de um tema em estudo, como o desenvolvimento de várias competências em torno de um assunto em estudo e também o aprofundamento desse mesmo tema em diferentes áreas.
A linha geral seguida no presente artigo assenta-se em DEWEY citado por ROLDÃO (1995), pelo qual percebe-se que "o estudo do meio próximo, ou seja, o estudo do meio local é uma forma de promover a aprendizagem activa". Segundo esta perspectiva, as crianças devem explorar fisicamente o meio local para se puder compreender e compreender o mundo em que vivem. A estratégia de ensinar a História a partir de realidades mais próximas dos alunos ou da história local tem, segundo SCHMIDT e CAINELLI, (2004:114), a importância de o aluno conhecer e aprender a valorizar "o património histórico da sua localidade, do seu país e do mundo".
SCHMIDT (2007:190-191), por outro lado, refere o estudo da história local como uma estratégia que pode ser usada como elemento constitutivo da "transposição didáctica" do saber histórico científico em saber histórico escolar. A história local pode ser vista como "estratégia de ensino" quando possibilita "desenvolver actividades vinculadas directamente com a vida quotidiana, entendida como expressão concreta de problemas mais amplos" e também "como estratégia de aprendizagem", uma vez que o trabalho com história local pode garantir controlos epistemológicos de conhecimento histórico, a partir de recortes seleccionados e integrados ao conjunto do conhecimento."
Ao se referir ainda sobre a História Local, SCHMIDT (2007:123) afirma que:
é possível "produzir a inserção do aluno na comunidade da qual ele faz parte; criar a própria historicidade e produzir a identificação de si mesmo e também do seu redor, dentro da História, levando - o a compreender como se constitui e se desenvolve a sua historicidade em relação aos demais, entendendo quanto há de história em sua vida que é construída por ele mesmo, quanto tem a ver com elementos externos a ele próximos; distantes; pessoais; estruturais; temporais e espaciais.
Ao se trabalhar com história local na perspectiva de SCHMIDT (2007:191), " possibilita gerar actividade de pesquisa, criada a partir de realidades quotidianas" e, por último, "permite trabalhar com diferentes níveis de análise económicas, política, social e cultural no âmbito mais reduzido, evidenciando as diferentes dimensões e ritmos temporais", por outro lado, o trabalho com espaços menores pode facilitar o estabelecimento de continuidades e diferenças, evidências de mudanças, dos conflitos e permanências. Com uma abordagem histórica,
voltada para a história local, os alunos despertarão em si a noção de que são formadores activos da história de sua comunidade, e não só da comunidade, mas por serem integrantes de um país, serão também sujeitos históricos de sua nação, deixando de serem objectos históricos imperceptíveis para serem sujeitos históricos"; "eles saberão que fazem parte de uma formação histórica e que são parte integrante e de grande importância para a construção social, levando-os a uma valorização e redescoberta de sua própria história e cultura, além de se sentirem com um papel indispensável para as futuras gerações que ali em sua comunidade viverão, (...). (AMADO, 1990:36)
Segundo AMADO (1990:38), esta conscientização pelo resgate histórico, "além de fazer uma relação entre passado e presente, mostra como as pessoas são seres actuantes na construção da história". Para FERNANDES (2001:43), "a valorização e o resgate da memória através da história local", é algo bastante importante que deve ser ressaltado. Para ele, o fundamental ponto na experiência de se abordar a história local nas escolas é a ligação do aluno com a sua cidade, destacando-se, nisso, o patrimônio histórico cultural (material ou não), em virtude dos mesmos estarem ligados a ele por toda a sua vida, pese embora o aluno, na maioria das vezes, não perceba e não valorize sua história, suas características comunitárias e mesmo seus traços culturais típicos da sua sociedade. Despertar o interesse do aluno por esses patrimônios que contam também a história dos que ali vivem já é uma saída para preparar estes estudantes para o nascimento de uma consciência histórica forte, que provocará mudanças necessárias na vida dos jovens (politicamente e socialmente).
MANIQUE & PROENÇA (1994) reconhecem que os estudos da História local são invariavelmente motivadores para os alunos devido à possibilidade de realização de variadíssimas actividades sobre temas que lhes são comuns. A motivação deve, no entanto, assumir uma posição superior à simples curiosidade, de modo a fomentar um verdadeiro trabalho de investigação.
Uma das temáticas pertinentes na discussão sobre ensino de história nas últimas décadas, se refere ao uso de documentos históricos na prática de sala de aula e, mais especificamente, desde o fim do século XX até o momento, com vistas à produção do conhecimento. Neste sentindo CERRI e FERREIRA (2007:72) salientam que:
os questionamentos sobre o uso restrito e exclusivo de fontes escritas conduziu a investigação histórica a levar em consideração o uso de outras fontes documentais, aperfeiçoando as várias formas de registos produzidos. A comunicação entre os homens, além de escrita, é oral, gestual, figurada, música e rítmica.
É aí onde, no quadro da utilização do meio envolvente para o ensino da História tem particular interesse em usar fontes históricas directas, sobretudo com alunos das classes iniciais, uma tarefa que requer, entretanto, que sejam definidas estratégias adequadas por parte do professor. Sobre esta temática, RIBEIRO (2004:14) no seu artigo sobre A Exploração do pensamento arqueológico na aula de História, realiza uma experiência com alunos do 5° ano de escolaridade, colocando os mesmos em contacto com objectos do passado como pontas de seta e outros. Nessa experiência, Ribeiro obteve bons resultados ao constatar que a utilização do meio envolvente e neste caso, as fontes arqueológicas na sala de aula de História, permite aos alunos acederem mais rápido ao passado, devido ao contacto directo com elas e desperta neles uma situação de interesse devido ao factor antiguidade. Para o alcance destes resultados, tratando se de alunos com 10 a 12 anos de idade, COOPER (2004:55) em seu artigo sobre "O pensamento histórico das crianças" aborda a necessidade de as crianças entrarem em contacto com os objectos do passado como uma forma que os leva a imaginar o que os homens do passado sentiam e pensavam ao utilizar um determinado objecto. O autor propõe algumas estratégias de ensino que melhor promovem o pensamento histórico envolvendo:
Experiência com significado – visita a locais e museus onde as crianças possam explorar e extrapolar – abordagem trans – curricular
Questões abertas e simples sobre evidência – chave, de modo a permitir diferenciar entre saber, supor e não saber.
Utilização de vocabulário seleccionado a diferentes níveis de abstracção e
Uma atmosfera relaxante de expressão livre, onde as crianças possam sentir- se confiantes na sua habilidade de conversar.
O uso do meio envolvente no ensino da História Local é por vezes marginalizado pelos professores, preocupando-se mais em trabalhar os conteúdos programáticos propostos ou cumprir com os programas. Isto revela, entre outras coisas, falta de vontade política por parte do Governo no sector de educação em definir ou propor novas estratégias para o ensino e forçar o professor a alcançar uma percentagem alta no aproveitamento. Por outro lado, nota-se nos próprios professores a falta de iniciativa em resgatar à herança histórico-cultural de uma comunidade, peça fundamental para a construção da história da nação. BARCA e HELENA (2011:84) afirmam que: "proporcionar aos jovens o contacto directo com diferentes tipologias de património, fomentar a sua leitura a níveis cada vez mais exigentes, são práticas educativas com enormes potencialidades". Portanto, o professor ao colocar os alunos em contacto com o meio envolvente no processo de ensino da História, pode constituir uma excelente estratégia para a aprendizagem dos mesmos.
No quadro do uso do meio envolvente, o professor de História, melhor preparado, tem maiores possibilidades de não agir apenas como um transmissor de conhecimento, mas como um mediador entre o objecto a ser apreendido e o aluno, fazendo dos alunos, os maiores protagonistas. Nesse processo, aquele pode recorrer a várias ferramentas mediadoras e que o auxiliam na sala de aulas, como um objecto da cultura material, fazendo uma visita a um museu, ou pinturas rupestres ou outros locais históricos. Sobre esta estratégia, RIBEIRO (2004) salienta que colocar os alunos frente aos objectos do passado, mesmo que com réplicas, possibilita aos alunos fazerem inferências sobre o passado, nomeadamente no social e no quotidiano. Contudo, é importante sublinhar que as fontes históricas ao serem usadas como um auxílio da produção do conhecimento em história, na prática de sala de aula, mesmo constituindo-se numa ferramenta bastante importante para a aula, não devem ser simplificadas a uma mera ilustração de conteúdos, uma vez que se traduzem em artefactos culturais repletos de intencionalidades e informação útil para a comunidade e não só. Nesse processo, as fontes históricas devem ou podem assumir um papel fundamental de significação na estrutura cognitiva do aluno: demonstrar as representações que determinados grupos forjaram sobre a sociedade em que viviam, como pensavam ou sentiam, como se estabeleceram no tempo e no espaço; pode servir para que o aluno seja capaz de fazer diferenciações, abstracções que o permitam fazer a leitura das distintas temporalidades as quais está submetido. Por outro lado, torna-se necessário que o professor considere as vivências dos alunos bem como acautelar-se na selecção dos métodos a utilizar na aula, pois estes, na perspectiva de RIBEIRO (2004), contribuem significativamente para o desenvolvimento do pensamento histórico.
Trabalhar com a história local como estratégia de ensino para introduzir conteúdos não programáticos ou além dos manuais didácticos articulando conteúdos locais, permite, de certa forma, levar o aluno a desenvolver a consciência histórica, pois ele consegue perceber a história da sua localidade sendo parte dela. Segundo BARCA e PINTO (2011:83), os alunos podem reflectir "(...) sobre evidência histórica a partir de fontes patrimoniais, a questionarem ou a ouvirem diferentes argumentos".
Para SCHMIDT, (2007:194) "a consciência histórica dá à vida uma "concepção do curso do tempo", trata do passado como experiência e revela o tecido da mudança temporal, na qual estão amarradas as nossas vidas, bem como as experiências futuras para as quais se dirigem as mudanças".
O professor, ao pautar pelo ensino da História Local, deve ter atenção a questão do método que, segundo SCHMIDT E CAINELLI (2004:78), " (...), deve considerar que as idéias históricas dos alunos são marcadas pelas suas experiências de vida e pelos meios de comunicação". Contudo, é necessário ter em consideração de que as idéias históricas são conhecimentos que estão em processo de constante transformação. O professor, ao considerar as idéias dos alunos, pode definir os conteúdos específicos e temas a serem trabalhados na sala de aula, bem como problematizá-los. Em torno disso, RIBEIRO (2004:56) refere que no ensino de História, o estudo do passado não se faz através da observação directa nem de experimentação, mas se eles entrarem em contacto com as fontes podem exercitar a capacidade de observação, potenciando o conhecimento significativo de um determinado período histórico-etimológico. É nesse contexto que trabalhar com as pinturas rupestres do povoado de Ncoca, focalizando o contexto histórico do seu registo e a sua localização geográfia, pode ajudar a levar os alunos a desenvolverem uma consciência histórica sobre os anteriores habitantes da região, descrevendo o seu modo de vida, e pode permitir que os mesmos possam lidar com uma simbologia muito forte para a localidade e seus habitantes. Neste sentido, CAINELLI citando HOBSBAWN afirma que:
Ser membro de uma comunidade humana é situar-se em relação ao seu passado (ou da comunidade), ainda que apenas para rejeitá-lo. O passado é, portanto, uma dimensão permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana (CAINELLI, 2008).
Ao optar por fazer um recorte epistemológico a respeito das pinturas rupestres de Ncoca se faz necessário discutir a história local e regional dentro da perspectiva do ensino de história. Para o uso da história local no ensino da História, SCHMIDT e CAINELLI (2004:112) afirmam ser necessário observar duas questões julgadas por eles como fundamentais:
Em primeiro lugar, é importante observar que uma realidade local não contém, em si, a chave de sua própria explicação, pois os problemas culturais, políticos, económicos e sociais de uma localidade explicam-se, também, pela relação com outras localidades, outros países e, até mesmo, por processos históricos mais amplos. Em segundo lugar, ao propor o ensino de história local como indicador da construção de identidade, não se pode esquecer de que, no actual processo de mundialização, é importante que a construção de identidade tenha marcos de referência relacional, que devem ser conhecidos e situados, como o local, o nacional, o latino-americano, o ocidental e o mundial. (2004:112)
A história local pode ser usada como estratégia de aprendizagem pedagógica do ensino de história, como "elemento constitutivo da transposição didáctica do saber histórico para o saber histórico escolar". Para SCHIMIDT e CAINELLI, (2004:113) o estudo da história local pode "garantir uma melhor apropriação do conhecimento histórico baseado em recortes seleccionados do conteúdo, os quais serão integrados no conjunto do conhecimento". Sendo assim, estudar história local "contribui para uma compreensão múltipla da História, pelo menos em dois sentidos: na possibilidade de ver mais de um eixo histórico local e na possibilidade da análise de micro - histórias, pertencentes a alguma outra história que as englobe e, ao mesmo tempo, reconheça suas particularidades." (Ibid)
Outro aspecto a ser levado em consideração é o de que o ensino da História Local é um processo que não pode se limitar apenas a sala de aulas, pois que, segundo BARCA e PINTO (2011), no seu artigo sobre no quadro da investigação dos mecanismos individuais e sociais de interiorização do passado histórico pelos jovens em torno dos níveis conceptuais de uso da evidência histórica, no contexto da questão de educação histórica, concluem que há uma necessidade de se transpor a sala de aula para envolver o meio em que os alunos se encontram, os conhecimentos e os pontos de vista veiculados pelas suas famílias, pelas instituições que frequentam e os meios de comunicação de massa a que acedem.
O uso escolar de fontes históricas está alinhado com a historiografia recente, rompendo com a noção tradicional de fonte, originária do cientismo do século XIX, concebida como "fonte d`água" e entendida no sentido de que, "assim como das fontes d`água, das documentais jorrariam informações a serem usadas pelo historiador" FUNARI, (2006:85). É nessa ruptura em que as pinturas rupestres constituem recurso pedagógico privilegiado que possibilitam aos alunos adquirirem, progressivamente, o olhar indagador sobre o mundo de que fazem parte.
Quanto ao uso de tais documentos/fontes em sala de aula, há importantes indicações metodológicas propostas por FONSECA (2003) que "preconizam o papel activo do aluno nos procedimentos de compreensão e interpretação de fontes históricas". Esta perspectiva também é partilhada por COOPER (2004:57) ao propor a realização de inferências sobre as fontes históricas em sala de aula mediante questões simples e orientadoras que dão pistas aos alunos sobre o que se pretende com os objectos, formulando suposições para que possam interpretar o passado.
Mais do que objectos ilustrativos, as fontes devem ser trabalhadas no sentido de desenvolver habilidades de observação, problematização, análise, comparação, formulação de hipóteses, crítica, produção de sínteses, reconhecimento de diferenças e semelhanças, enfim, capacidades que permitam ao aluno desenvolver um espírito de construção do conhecimento histórico numa perspectiva independente.
Os procedimentos a serem desenvolvidos no tratamento de fontes em sala de aula requerem competências específicas do professor de história na organização do trabalho pedagógico, com o propósito didáctico, porque o uso de documentos como pinturas rupestres, pode favorecer o desenvolvimento do pensamento histórico, facilitando "a compreensão do processo de produção do conhecimento histórico pelo entendimento de que os vestígios do passado se encontram em diferentes lugares, fazem parte da memória social e precisam ser preservados como património da humanidade" BITTENCOURT (2004:333).
A realização de trabalho com patrimónios ou objectos históricos em sala de aula pode ser bastante útil, poupar tempo e recursos financeiros, se seguir-se a experiência de CAINELLI (2006:67), em seu estudo que teve COOPER (2004) como referência sobre pela qual realiza-se um estudo com crianças de oito anos na arte do conhecimento histórico, periodizando as suas narrativas, as relações com objectos no presente e no passado e o desenvolvimento das noções temporais. Pelo estudo, percebeu-se que, através da actividade, as crianças baseavam-se da imaginação histórica estabelecendo relações com o seu presente para explicar o passado e de maneira exemplar foram construindo valores a partir de exemplos familiares.
Outra experiência também menos dispendiosa proposta pela autora está ligada a ideia de levar os alunos a visitar museus históricos onde elas podem pensar sobre outros objectos antigos, visto que a criança aprende com experiências que tenham significado, ou realizando actividades que lhe possibilitem expor as suas ideias fora do recinto escolar. A visita ao museu pode ser articulada às actividades de sala de aula, seguindo a proposta de RAMOS (2004:24); (…) o professor inicia a percepção dos alunos e aí eles terão o direito de saborear, com mais intensidade, as propostas de reflexão oferecidas pelo museu. Desse modo, não se trata mais "visitar o passado", e sim de animar estudos sobre o tempo pretérito, em relação com o que já é vivido no presente.
Nesse processo, ao professor caber-lhe-ia a tarefa de monitorar a visita, obedecendo a uma sequência cronológica dos diferentes objectos existentes, auxiliada de relatos em torno dos mesmos e colocando algumas questões orientadoras aos alunos. Nesta perspectiva, segundo CAINELLI (2006: 70) o professor deve ter condições de ensinar e pensar historicamente a partir do entendimento das crianças, despertando neles o interesse pela contemporaneidade através do passado que a fundamente. "A questão principal é proporcionar à criança possibilidade de dialogar com o passado através das vozes e vestígios que o tempo multifacetado permite".
Do que foi até aqui exposto, pode concluir-se que o meio envolvente, ao tratar de assuntos referentes a uma determinada região, localidade, cidade, distrito ou posto administrativo, presta-se como uma das ferramentas inovativas para a iniciação de estudos históricos que, muitas vezes, pode encerrar complexidades que ultrapassam um simples testemunho do passado, em virtude de caracterizar-se pela valorização das particularidades, das diversidades e por ser um dos pontos de partida para a formação de uma identidade local ou regional.
A possibilidade de exploração do meio envolvente é reforçada pelo facto de ser num grupo localizado, particular, que, pela exploração da mesma temporalidade, onde se desenrola qualquer curso da história e é, também, naquele e por via deste que se garante a continuidade de qualquer processo, sendo, por essa via, uma das condições para tornar tangível e concreta toda historicidade. Assim, a importância do estudo da história local nas escolas integra-se na tentativa de fazer com que o aluno reaprenda e valorize a história da sua sociedade e a sua própria história, mostrando que o mesmo é participante da história, tornando também este ensino importante para sua vida, desconstruindo assim a idéia de que o ensino da história não lhe diz respeito, pois não está ligado a ele, rompendo, portanto, a forma de ensino tradicional de memorização sistemática de datas e factos, para a construção de um estudo participativo e investigativo por parte do professor e do aluno, reafirmando a importância e a necessidade da interacção escola e comunidade. É, nesse contexto, que para tornar a aula mais cativante, no processo da manipulação das fontes é necessário levar os alunos a perceberem que a sua própria vida já é uma grande história e que o conhecimento histórico pode ser elaborado por todos, independentemente do aspecto a ser tratado, isto é, seja ele de índole social, político, económico e cultural, dado que, cada passo, cada vestígio, cada transformação e cada feito de cada um, isto é, a marca histórica individual, torna-se história, a história do grupo, concretizando o facto de que todos são seres históricos activos, construtores de uma história colectiva, cujo legado continuará presente, seja na memória dos mais próximos ou sob forma de um repositório mental.
O novo currículo do ensino básico ao recomendar como estratégia para a iniciação Histórica o estudo da História Local não faz por mero exercício emblemático, dado que é a partir do local que o aluno começa a construir sua identidade e a tornar-se membro activo da sociedade civil, no sentido de que faz prevalecer seu direito de acesso aos bens culturais, representados aqui pelo património histórico-cultural, tanto na sua forma material ou imaterial.
Diante das constatações feitas ao longo da pesquisa, é de sugerir que os Centros e Institutos de Formação de Professores procurem enquadrar, nos seus planos de formação de professores, acções em torno da educação patrimonial e do ensino de história local a curto e médio prazos. Por outro lado, esta iniciativa não deve ser exclusivamente governamental: é preciso que os professores e a comunidade se mobilizem, faça propostas, exija resultados, entre outras acções, que incentivem o ensino da História local. Nesse contexto, o professor pode convidar um membro da sociedade para se referir a prováveis datas da fixação da população na região ou um outro acontecimento que marque a comunidade.
A utilização de documentos /fontes no ensino da história é uma componente que deve ser incorporada nos manuais e livros didácticos, bem como no controlo ou supervisão de seu uso em sala de aula e na literatura de cunho pedagógico usada pelos professores primários, visando a sua implementação. Para que o trabalho com fontes históricas na sala de aula do ensino primário se efective com sucesso e na perspectiva da produção de conhecimento histórico, os cursos de formação de professores primários devem ser redimensionados na componente histórica, de modo a possibilitar que os formandos vivenciem, ainda no seu percurso formativo, experiências criativas e consistentes no uso de fontes históricas, para que, durante as aulas, eles tenham pontos conceptuais de partida para o ensino de história.
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SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. O ensino de História Local e os desafios da formação de consciência histórica. In: MONTEIRO, Ana Maria. et all (ORGs.) Ensino de História: sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: MauadX: Faperj, 2007.




Mestre em Educação/Ensino de História - Professor no Departamento de Ciências Sociais e Filosoficas da Universidade Pedagógica de Moçambique, Delegação do Niassa
E-mail: [email protected] ; Cel-+258 825595170 – Moçambique – Niassa - Lichinga

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