A EXTENSÃO DA IMUNIDADE RECÍPROCA ÀS EMPRESAS ESTATAIS

July 22, 2017 | Autor: B. Barcellos Araújo | Categoria: Direito Tributário (Tax Law), Direito Público, Direito Econômico, Análise econômica do direito
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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA BERNARDO BARCELLOS ARAÚJO

A EXTENSÃO DA IMUNIDADE RECÍPROCA ÀS EMPRESAS ESTATAIS

CURITIBA 2012

BERNARDO BARCELLOS ARAÚJO

A EXTENSÃO DA IMUNIDADE RECÍPROCA ÀS EMPRESAS ESTATAIS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba. Orientador: Prof. Maurício Dalri Timm do Valle

CURITIBA 2012

BERNARDO BARCELLOS ARAÚJO

A EXTENSÃO DA IMUNIDADE RECÍPROCA ÀS EMPRESAS ESTATAIS Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos professores:

Orientador: ___________________________

______________________________ Prof. Membro da Banca

Curitiba,

de

de 2012.

Este trabalho é dedicado a todos aqueles que, de qualquer forma, ajudaram a construí-lo.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a toda minha família, pelo amor incondicional que dedicam a mim e que espero corresponder à altura. Agradeço, ainda, à educação “ortodoxa” que me deram, pois, se não tivesse sido desta maneira, jamais seria capaz de saborear a vida. Esta é a única dívida que carrego comigo. Agradeço e dedico grande parte deste trabalho, à Roberta Ribas, uma vez que me devoto a transformar o mundo num lugar melhor apenas para vê-la sorrir. Agradeço novamente, pois você me faz querer ser sempre um homem melhor. Agradeço, também, a família Ribas, pelas pessoas maravilhosas que são. Sou grato por todo carinho que me foi conferido durante estes últimos anos, bem como por me permitirem fazer parte de suas vidas. Aos amigos, Fábio Meger, Leonardo Frota, Guilherme Cilião, José Umberto Sacchelli Moraes e William Weiss, por me cativarem a buscar no conhecimento as respostas para a vida, assim como na vida as respostas para o conhecimento, meu muito obrigado. Ao Professor Orientador Maurício do Valle, que tanto me ensinou com as mais agradáveis discussões sobre os mais diversos assuntos, agradeço-lhe com a mais profunda estima e admiração que posso oferecer: a de um amigo. Ao Professor Coorientador Smith Robert Barreni, deixo meu testemunho de respeito e afeição às lições de excelência ministradas tanto em direito quanto em ética, pois, além de inspirar em mim a paixão pelo Direito Tributário, sempre me ensinou de maneira exemplar os ideais de disciplina, dedicação e persistência, pelos quais serei eternamente grato. Às colegas, Tayla Alves e Fernanda Loyola, pela atenção e companheirismo prestados ao longo desta caminhada, que sempre tiveram muito a oferecer, sem esperar receber nada em troca. Virtudes dignas de verdadeiras amigas. Finalmente, agradeço a Bukowski, por me ensinar que algumas coisas nunca mudam e, às vezes, nem devem mudar.

“O mal que existe no mundo provém quase sempre da ignorância, e a boa vontade, se não for esclarecida, pode causar tantos danos quanto a maldade. Os homens são mais bons que maus, e na verdade a questão não é essa. Mas ignoram mais ou menos, e é a isso que se chama virtude ou vício, sendo o vício mais desesperado o da ignorância, que julga saber tudo e se autoriza, então, a matar.” - Albert Camus

RESUMO

O presente trabalho objetiva demonstrar a incompetência das Pessoas Jurídicas de Direito Público para tributar as Empresas Públicas prestadoras de serviço público, sob a tese de que a Imunidade Recíproca, prevista no Art. 150, VI, a, CF/88, deveria ter aplicação estendida também às Empresas Estatais – Ao longo da pesquisa, vamos analisar os aspectos gerais das normas jurídicas, trataremos especificamente das normas jurídicas tributárias, e finalmente, observaremos as normas de imunidade. Para tanto, faremos um breve aprofundamento sobre o instituto da competência tributária a fim de fundamentar a análise sobre as teorias de imunidade, a fim de esclarecer a incompetência das pessoas políticas para instituir tributos. Esgotados estes assuntos, examinaremos o instituto da imunidade recíproca, que determina a incompetência dos entes políticos a tributarem-se uns aos outros, uma vez que este tipo de obrigação tributária inviabilizaria o devido funcionamento dos entes políticos. E é sob este prisma que será analisada a aplicabilidade da imunidade recíproca sobre as empresas estatais, que, em alguns casos, atuam como se entes políticos fossem, geralmente, quando delegadas de prestar serviços públicos privativos em regime de monopólio (ao exemplo da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos). Entretanto, também serão vistos casos diversos, em que a aplicabilidade seria exceção, estipulando devidas restrições ao benefício fiscal concedido às empresas estatais. Por fim, nos posicionaremos sobre o tema no sentido de que o Princípio da Imunidade Recíproca deve, via de regra, se estender às Empresas Estatais, contudo, sempre comportando exceções. Notável, portanto, a importância da tributação sobre a estrutura destas empresas, constituindo, assim, campo fértil à discussão do tema ventilado neste projeto de pesquisa. Palavras-chave: Imunidade, Imunidade Recíproca, Empresa Estatal, Incompetência Tributária, Regime Jurídico, Aplicabilidade, Exceções.

SUMÁRIO RESUMO .......................................................................................................................... 7 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9 2 PREMISSAS.................................................................................................................. 11 2.1 NORMA JURÍDICA ..................................................................................................... 11 2.1.1 Normas Constitucionais ........................................................................................... 14 3 COMPETÊNCIA ............................................................................................................ 17 3.1 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA............................................ 24 3.1.1 Privatividade ............................................................................................................ 24 3.1.2 Indelegabilidade ....................................................................................................... 25 3.1.3 Incaducabilidade ...................................................................................................... 26 3.1.4 Inalterabilidade......................................................................................................... 27 3.1.5 Irrenunciabilidade..................................................................................................... 28 3.1.6. Facultatividade ........................................................................................................ 29 4 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ............................................................................................ 31 4.1 ORIGEM HISTÓRICA ................................................................................................. 31 4.2 CONCEITO ................................................................................................................. 33 4.2.1 Imunidade como Norma de Incompetência Tributária .............................................. 34 4.2.2 Destinadas a Situações Específicas e Suficientemente Caracterizadas .................. 37 4.2.2.1 Imunidades aplicáveis apenas aos impostos ........................................................ 38 4.2.3 Imunidades como “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar” ...................... 40 4.2.4 Imunidades Definidas como Princípios Constitucionais e também como “Circunstâncias Extrajurídicas” ......................................................................................... 41 4.2.5 Imunidades como “Hipóteses de Não-incidência Constitucionalmente Qualificadas” 42 4.2.6 Considerações Finais............................................................................................... 44 5 IMUNIDADE RECÍPROCA ............................................................................................ 46 5.1 PRINCÍPIO FEDERATIVO .......................................................................................... 48 5.2 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA MUNICIPAL ................................................................. 50 5.3 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ........................................................ 52 5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 53 6 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA – EMPRESAS ESTATAIS ............................ 56 6.1 EMPRESAS PÚBLICAS ............................................................................................. 57 6.2 SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA ...................................................................... 59 6.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 61 7 APLICABILIDADE......................................................................................................... 64 7.1 IMUNIDADE RECÍPROCA APLICADA ÀS EMPRESAS ESTATAIS EM REGIME DE MONOPÓLIO.................................................................................................................... 66 7.2 IMUNIDADE RECÍPROCA APLICADA AOS SERVIÇOS ESSENCIAIS DAS EMPRESAS ESTATAIS EM REGIME DE CONCORRÊNCIA........................................... 67 7.3 IMUNIDADE RECÍPROCA APLICADA ÀS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS E EXPLORADORAS E ATIVIDADE ECONÔMICA.................................................................................................................... 71 CONCLUSÃO................................................................................................................... 74 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 75

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1

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, propomos o exame sobre a extensão do princípio da imunidade recíproca às empresas estatais. Para tanto, analisaremos a teoria da norma jurídica, nos aprofundando sobre a norma jurídica tributária, capítulo essencial para dissertarmos livremente ao longo deste trabalho acadêmico. Esgotado este tema, vamos estudar o instituto da competência tributária para, então, podermos falar abertamente sobre as imunidades tributárias e todas as suas teorias, destacando-as, finalmente, como normas constitucionais que cuidam da incompetência tributária dos entes políticos para instituir exações. Vistos estes assuntos, passaremos a tratar sobre a imunidade específica contida no art. 150, VI, a, da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, em que reside a imunidade recíproca, estabelecendo a incompetência dos entes políticos para tributarem uns aos outros, em razão dos princípios federativo e da autonomia municipal. Ao término da pesquisa sobre as imunidades, nos debruçaremos sobre as empresas estatais – empresas públicas e sociedades de economia mista -, analisando seu conceito e aspectos, para, em nosso último capítulo, observarmos como se aplica a elas a imunidade recíproca. O estudo sobre o fenômeno da aplicabilidade da imunidade recíproca às empresas estatais compreende-se a partir do seguinte raciocínio: Quando uma empresa estatal é criada, por meio de lei, para realizar a prestação de serviço público ela recebe, por delegação, a competência para exercer atividade típica do estado, assim, se equiparando a ele em direitos e deveres. O problema é que as empresas estatais devem, como expresso pelo legislador constituinte, obedecer ao regime jurídico de direito privado, ficando excluídas, via de regra, do manto imunizante. Entretanto, se as empresas públicas prestarem exclusivamente serviço público por meio de delegação, não há que se impedir extensão da imunidade, uma vez que agem em nome do estado, prestando serviço à coletividade em nome do interesse público, tornando-se, assim, longa manus do ente político que delegou a

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prestação de serviço, por isso, dispensado de recolher tributos referentes aos seus fins essenciais. Exauridas estas noções introdutórias, vamos agora iniciar o estudo sobre a extensão do princípio da imunidade recíproca às empresas estatais.

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PREMISSAS

As Imunidades Tributárias, inseridas na Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, em seu artigo 150, da seção “Das Limitações do Poder de Tributar”, serão objeto inicial de nossa pesquisa. Destarte, analisaremos a norma jurídica. Concluída esta tarefa, estudaremos o instituto da competência tributária e então, nos aprofundaremos sobre as teorias sobre a imunidade tributária. A imunidade específica contida no inciso VI, alínea “a”, da Constituição, será estudada em capítulo específico e, como veremos posteriormente, sua aplicabilidade sobre as empresas públicas, matéria esta, que foi decidida e pacificada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Neste tópico de premissas, dedicaremos nossa atenção ao estudo da norma jurídica em geral e, finalmente, examinaremos a norma jurídica tributária, parte essencial para compreensão de nosso estudo.

2.1

NORMA JURÍDICA

Todo o direito contemporâneo se fundamenta no positivismo jurídico, que associa a ideia de justiça à validade da norma jurídica, em decorrência da vontade do legislador. Logo, se uma norma é válida, ela é justa. Para a norma ser válida, ela deve estar incluída no ordenamento jurídico, que é um agrupamento de normas hierarquizadas. Mas o que é uma norma? A norma jurídica, para Norberto Bobbio, é uma proposição prescritiva 1. Salientamos, ainda, que a norma deve conter um enunciado que determina condutas humanas àqueles a quem se dirige.

1

BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 52-54. “Do ponto de vista formal, que aqui elegemos, uma norma é uma proposição. Um código, uma constituição são um conjunto de proposições. Trata-se de saber qual é o status das proposições que compõem um código, uma constituição. A tese aqui sustentada é a de que as normas jurídicas pertencem à categoria das proposições prescritivas.”.

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Para Hans Kelsen, a norma é aquele ato ou fato jurídico que além de regular condutas humanas, deve objetivamente ter relevância ao mundo jurídico, e que foi previsto num enunciado legal 2. Dito isso, a norma deve então ser incluída no universo jurídico, para que produza seus efeitos. O universo jurídico é nada mais do que um conjunto de normas, que, por sua vez, formam um ordenamento. Do ordenamento surge o sistema. Geraldo Ataliba ensina que “(...) as constituições nacionais formam sistemas, ou seja, conjunto ordenado e sistemático de normas construído em torno de princípios coerentes e harmônicos, em função de objetivos socialmente consagrados.” 3. Este sistema, como dito por Geraldo Ataliba, é também hierarquizado, ou seja, contém normas que possuem diferentes valores e, da mesma forma, todas estas normas detêm poder, umas sobre as outras. Logo, se existem normas superiores e inferiores dentro de um ordenamento, de onde advém o poder delas? O raciocínio esboçado por Hans Kelsen é o seguinte: “Uma norma que representa o fundamento de validade de outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, norma inferior.” 4. Mas até onde isto se estende? Seria esta uma redução infinita? O fundamento de validade do direito não teria, então, validade? Hans Kelsen responde todas estas perguntas através da norma fundamental (Grundnorm). Explica:

Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada de uma 2

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8.ed. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2009. p. 2/4. “Se analisarmos qualquer dos fatos que classificamos de jurídicos ou que têm qualquer conexão com o direito – (...) – poderemos distinguir dois elementos: primeiro, um ato que se realiza no espaço e no tempo, sensorialmente perceptível, ou uma série de tais atos, uma manifestação externa de conduta humana; segundo, a sua significação jurídica, isto é, a significação que o ato tem do ponto de vista do Direito.”. E, continuando o desenvolvimento do raciocínio, “O que transforma este fato num ato jurídico (lícito ou ilícito) não é a sua facticidade, não é o seu ser natural, isto é, o seu ser tal como determinado pela lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza, mas o sentido objetivo que está ligado a esse ato, a significação que ele possui. O sentido jurídico específico, a sua particular significação jurídica, recebe-a o fato em questão por intermédio de uma norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que lhe empresta a significação jurídica, por forma que o ato pode ser interpretado segundo esta norma. A norma funciona como esquema de interpretação.”. 3 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1968. p. 3. 4 KELSEN, 2009, Ibid., p. 215.

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norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui 5 designada como norma fundamental (Grundnorm). (grifos originais). .

Assim, não há que se falar em insegurança jurídica, vez que o sistema confere validade ao próprio sistema. Desta maneira, conclui Hans Kelsen,

A procura do fundamento de validade de uma norma não é – como a procura da causa de um efeito – um regressus ad infinitum; ela é limitada por uma norma mais alta que é o fundamento último de validade de uma norma dentro de um sistema normativo, ao passo que uma causa última ou primeira não tem lugar dentro de um sistema de realidade natural. (grifos 6 originais). .

Anote-se, ainda, que a norma fundamental não é a Constituição Federal e muito menos está expressa nela. A norma fundamental é o fundamento que dá origem e validade para o sistema 7. Nas palavras de Hans Kelsen, “A força de obrigatoriedade da norma fundamental é, ela própria, auto evidente, ou, pelo menos, presume-se que o seja.”

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. Nascendo daí, todo o direito. Assim, da norma

fundamental surgem novas normas e com estas, novas obrigações, devidamente qualificadas e hierarquizadas dentro do sistema. Diante disso, toda a matéria tributária é tratada dentro da Constituição, e mais uma vez, nos elucida Geraldo Ataliba,

É, pois, universal e necessária a presença de disposições que cuidem da matéria tributária, nas constituições modernas. O conjunto delas, harmonizado com certos outros princípios constitucionais mais genéricos, forma o que se designa por “sistema constitucional tributário”, oferecendo o quadro geral informador das atividades tributárias, ao mesmo tempo que a colocação essencial das posições, demarcações e limites dentro dos quais e segundo os quais se desenvolve a trama tributária, ou les trois manches 9 de la partie que se joue entre le contribuable et le fisc, [as três rodadas da partida jogada entre o contribuinte e o fisco], como saborosamente o diz

5

Ibid., p. 217. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 163. 7 KELSEN, loc. cit. 8 KELSEN, Ibid., p. 164. 9 Tradução escolhida para a palavra que também pode significar conjunto, série, grupo. 6

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Trotabas, isto é, a disciplina das faculdades do poder tributante e as 10 garantias e direitos do contribuinte. (tradução nossa) .

Posto isto, fica claro que toda a matéria tributária deve se operar dentro do campo traçado pelo legislador constituinte. Logo, concluída esta passagem, vamos agora analisar a inclusão da norma imunizante dentro do sistema constitucional, para darmos seguimento ao nosso estudo.

2.1.1 Normas Constitucionais

As Imunidades tributárias são normas expressas dentro da Constituição, ou seja, normas de estrutura que delimitam a aplicabilidade de normas inferiores, como no caso, as normas infraconstitucionais. Por estarem inseridas no corpo da Lei Maior, elas trazem em si uma carga material de relevante importância e interesse ao Sistema Constitucional Tributário. Ao mesmo tempo, as Imunidades exprimem a vontade do legislador constituinte originário de assegurar garantias aos contribuintes, bem como a buscar a consecução dos valores que contempla ao Estado de direito. É necessário, ainda, acrescentar a classificação entre as regras de estrutura e regras de conduta, que nos ensina Paulo de Barros Carvalho,

Os teóricos gerais do direito costumam discernir as regras jurídicas em dois grandes grupos: normas de comportamento e normas de estrutura. As primeiras estão diretamente voltadas para a conduta das pessoas, nas relações de intersubjetividade; as de estrutura ou de organização dirigem-se igualmente para as condutas interpessoais, tendo por objeto, porém, os comportamentos relacionados à produção de novas unidades deônticojurídicas, motivo pelo qual dispõem sobre órgãos, procedimentos e estatuem de que modo as regras devem ser criadas, transformadas ou 11 expulsas do sistema. (grifos originais). .

Diante disso, conclui-se que as normas de imunidade classificam-se como normas de estrutura, em razão de estabelecerem, explicitamente, a proibição 10

ATALIBA, 1968, p. 9. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 187.

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referente à edição de outras normas que visem a tributar as hipóteses em si consagradas. Outrossim, estas características conferem a elas status de normas autoaplicáveis, pois incidem diretamente sobre seus beneficiados sem embargos de qualquer espécie. Ainda, é necessário citar o seguinte ensinamento de Roque Antonio Carrazza,

Impende notar que a imunidade é ampla e indivisível, não admitindo nem por parte do legislador (complementar ou ordinário), nem do aplicador (juiz ou agente fiscal), (...), a não ser, é claro, que já estão autorizados na própria 12 Lei Maior. .

Desta maneira, elas não são passíveis de restrições e, ou, meios-termos, em razão de sua essência, ou melhor, porque assim desejou o legislador constituinte. As

Imunidades

tributárias

são

espécies

normativas

únicas,

apenas

encontradas na Constituição pátria, que, em virtude de sua rigidez e taxatividade, conferiu a elas superioridade hierárquica, que as diferem e as tornam inflexíveis frente a quaisquer novas leis ou atos normativos que venham a ser editados ou expedidos. Frise-se também aqui, que as Imunidades são cláusulas pétreas, intocáveis pelas Emendas Constitucionais, uma vez que elas asseguram a forma Federativa de Estado (art. 60, § 4, I, CF), que será examinada em tópico futuro. Portanto, quando Paulo de Barros Carvalho ensina que as Imunidades são uma “classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas”, ele se refere ao contexto em que elas se encontram por estarem inseridas dentro da Constituição Federal, em seu art. 150, estabelecendo as “Limitações do Poder de Tributar”. Vale mencionar que referida seção que foi erroneamente definida pelo constituinte, posto que não limita o Poder de Tributar, pelo contrário, especifica os limites e a abrangência da Competência Tributária, a qual dedicamos capítulo exclusivo para seu estudo.

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CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27.ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 778

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COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Chegamos aqui, ao ponto mais importante sobre o exame da norma imunizante. Porém, antes de analisarmos a incompetência tributária nas hipóteses de imunidade, vamos estudar a competência tributária lato sensu. Reconhecendo a relevância do tema, nos cabe explica-lo minuciosamente ao leitor. Segundo Paulo de Barros Carvalho, competência tributária é “uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos.”

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. Sendo assim, conseguimos vislumbrar pela leitura da

transcrição que a competência deriva do poder constituinte originário, logo, deriva também da norma fundamental, portanto, detém poder para instituir, modificar e/ou revogar normas que tratem sobre matéria tributária. Contudo, a competência é matéria controvertida, porque, em razão de uma imprecisão linguística do constituinte, muitos entendem e associam competência “à função legislativa”

14

, bem como quanto à sua aplicação, como ensina Cristiane

Mendonça. Tudo isso, porque a Competência Tributária reside na Seção II, do título VI da Constituição Federal, chamada “Das Limitações do Poder de Tributar”. Ocorre que, em virtude deste descuido do constituinte, os conceitos de Poder e Competência conflitam, causando confusão àqueles que os interpretam. Cristiane Mendonça esclarece que estes dois institutos divergem no seguinte ponto: “Enquanto o poder não sofre limitação jurídica alguma, a competência nasce limitada, exatamente por ser disciplinada pelo Direito.”

15

. Assim, fundamental é a

distinção para mantermos o rigor exigido pelo estudo científico. Logo, concluímos que a competência advém do poder. Explica-nos Alfredo Augusto Becker,

A capacidade de agir (Poder) dos indivíduos, em fase dinâmica (atividade), converge para o centro de gravidade (Bem Comum autêntico ou falso) e 13

COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 111. 14 MENDONÇA, Cristiane. Competência Tributária. 1. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 28. 15 Ibid, p. 40.

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deste irradia-se. O fenômeno da transindividualização da capacidade de agir (Poder) dos indivíduos ocorre precisamente naquele momento em que ela se irradia de um único centro de convergência (Bem Comum). E transindividualizando-se, aquele Poder (capacidade de agir) deixa de ser o do indivíduo e passa a constituir o Poder (capacidade de agir) do Ser Social 16 – Estado – gerado (criação continuada) pelos indivíduos. (grifo original). .

Diante disso, entende-se que do Poder emana a Competência, e esta é repartida entre os entes políticos, como o próprio Alfredo Augusto Becker a define, em citação de José Roberto Vieira, “Esta parcela de Poder é a competência.” 17. O Estado, nas palavras de José Afonso da Silva,

Constitui-se de quatro elementos essenciais: um poder soberano de um povo situado num território com certas finalidades. E a constituição, como dissemos antes, é o conjunto de normas que organizam estes elementos 18 constitutivos do Estado: povo, território, poder e fins. (grifos originais) .

A forma de Estado escolhida pelo Brasil é a Federativa, “(...) caracterizada pela união de coletividades públicas dotadas de autonomia político-constitucional (...)”

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, assim dividida em Estados (ou Estados-membros), e que, quando reunidos,

constituem a União. Anote-se que os Municípios e o Distrito Federal são, pois, pessoas políticas autônomas das mencionadas acima, e não se submetem – pelo menos em tese – a qualquer uma das outras pessoas políticas de direito público. Diante disso, conclui-se que, pela forma federativa, o Estado brasileiro comporta em sua estrutura uma organização de pessoas políticas, e cada uma destas detém competência, ou seja, sua parcela de Poder, que, após ter sido outorgada do povo para o Estado, é repartida entre os seus integrantes.

A repartição de competências entre a União e os Estados-membros constitui o fulcro do Estado Federal, e dá origem a uma estrutura estatal complexa, que apresenta, a um tempo, aspectos unitário e federativo. É unitário enquanto possui um único território que, embora dividido entre os 16

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3.ed. São Paulo: Lejus, 1998. p. 185-186. 17 BECKER, 1972 apud VIEIRA, José Roberto in TÔRRES, Heleno Taveira. Teoria Geral da Obrigação Tributária: Estudos em Homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 619. 18 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 98. 19 Ibid., p. 99.

18

Estados-membros, está submetido ao poder da União no exercício da competência federal, e ainda uma só população, formando um único corpo nacional, enquanto regida pela constituição e legislação federais. É federativo (associativo), enquanto cabe aos Estados-membros participar na formação da vontade dos órgãos federais (especialmente no Senado Federal, que se compõe de representantes dos Estados, art. 46 da Constituição, e também pela participação das Assembléias Legislativas estaduais no processo de formação das emendas constitucionais, art. 60, III) e enquanto lhes é conferida competência para dispor sobre as matérias que lhes reserva a Constituição Federal, com incidência nos respectivos territórios e populações. Com isso, constituem-se no Estado federal duas esferas governamentais sobre a mesma população e o mesmo território: a 20 da União e a de cada Estado-membro. (grifos originais) .

Dito isso, acrescentamos que os Municípios têm também sua esfera de competência, porém esta diverge do princípio federativo, sendo regida pelo princípio da autonomia municipal. Os estudos sobre o princípio federativo e princípio da autonomia municipal serão aprofundados quando tratarmos especificamente sobre a imunidade recíproca. Esta breve recapitulação sobre o estudo do direito constitucional brasileiro nos serviu para compreender os fundamentos da competência tributária. Nesta esteira, reforça o desenvolvimento de nosso raciocínio, Clélio Chiesa, dizendo que,

O Estado brasileiro optou por adotar a forma federativa de Estado, atribuindo à União, aos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios competência Legislativa. O constituinte originário repartiu, então, entre essas unidades jurídicas, a capacidade política. Isto é, outorgou-lhes a possibilidade de editar comandos normativos sobre assuntos de sua 21 competência. .

Pelo exposto, verifica-se que a competência pode instituir a cobrança de exações por meio de lei. Instituto diverso é a capacidade, que, por meio de lei, fiscaliza (as situações passíveis de serem tributadas), exige (o tributo devido, no caso de constatado o débito tributário) e arrecada (os tributos devidos). Roque Antonio Carrazza explica que a “Competência Tributária é a aptidão para criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e 20

SILVA, 2007, p. 101. CHIESA, Clélio. A Competência Tributária do Estado Brasileiro: Desonerações Nacionais e Imunidades Condicionadas. 1.ed. São Paulo, Max Limonad, 2002. p. 26.

21

19

suas alíquotas”

22

. Desta afirmação, questionamos o seguinte, aonde é criado o

tributo? Neste ponto, nos reservamos a adotar teoria de José Souto Maior Borges, também abraçada por José Roberto Vieira, que, por sua vez, destaca que a Constituição cria tributos, ao contrário do entendimento majoritário da doutrina. As teses se dividem em duas, uma diz que a Constituição Federal não criou tributos, apenas outorgou competência para tanto, e a outra, por nós adotada, estabelece que os tributos foram concebidos dentro da Carta Magna. José Roberto Vieira, em seu artigo “E, Afinal, A Constituição Cria Tributos!”, elucida o debate afirmando o seguinte,

Em nenhum momento da sua brilhante advocacia da tese, José Souto Maior Borges declarou plenamente instituído o tributo no Código Maior. Teve sempre a cautela e a sutileza próprias da precisão científica, que reconhecidamente o caracteriza, para dizer “iniciada” a criação do tributo com a outorga de competência. Algo insuficiente, admite, mas que já é 23 “algo”; pois insuficiente não equivale a inexistente. ,

Desta forma, apesar de insuficiente, a criação do tributo se inicia na Constituição, assim, o legislador constituinte delegou competência pré-estabelecida ao legislador infraconstitucional – exceto nas hipóteses de competência residual -, para instituir normas tributárias. Verificamos estar correta esta assertiva através da seguinte lógica: se o tributo é reconhecido pela sua base de cálculo e por seu aspecto material, como ensina Geraldo Ataliba

24

, a denominação das hipóteses de

incidência (ao exemplo de: auferir renda, prestar serviço, comercializar mercadorias e/ou serviços), deu início a criação do tributo. Neste sentido, argumenta José Roberto Vieira que,

(...) ao discriminar as competências tributárias, o legislador da Carta Magna não se restringiu a mencionar o “nomem juris” dos tributos, mas já estabeleceu algo de sua hipótese de incidência, pelo menos do núcleo do 25 seu critério material. (grifos originais) .

22

CARRAZZA, 2011, p. 533. VIEIRA in TÔRRES, 2005, p. 637-638. 24 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 130. 25 ATALIBA, 2011, p. 130. 23

20

Todavia, a norma competência tributária está estruturada e tem seus limites desdobrados em duas vertentes. Uma delas se atém a estabelecer os limites matérias da norma, e a outra, aos seus limites formais. Lembrando que a competência pode ser obrigatória ou facultada ao ente político que a exerce, Cristiane Mendonça a estrutura nos seguintes termos;

Deve-ser a autorização (permissão) para distintos sujeitos de direito (ocupantes de órgãos unipessoais ou colegiais), de acordo com determinados limites formais (relativos ao procedimento) e materiais (concernentes à substância dos enunciados a serem criados), editarem e revogarem (parcial ou totalmente) enunciados prescritivos instituidores de tributos e o dever jurídico de a comunidade respeitar o exercício de tal permissão (faculdade), em consonância com os limites previstos no sistema.

(...)

Deve-ser a autorização (imposição-obrigatoriedade), para distintos sujeitos de direito (ocupantes de órgãos unipessoais), de acordo com determinados limites formais (relativos ao procedimento) e materiais (concernentes à substância dos enunciados a serem criados), editarem e revogarem (parcial ou totalmente) enunciados prescritivos instituidores de tributos e o direito subjetivo de a comunidade exigir o cumprimento da imposição (obrigatoriedade) em consonância com os limites previstos no 26 sistema. (grifo nosso). .

Logo, nos deparamos com uma autorização para editar normas, decorrendo desta um dever de obediência daqueles a quem ela se dirige, ficando estes obrigados para com o ente tributante, bem como outra autorização, que, por sua vez, decorre a obrigação do ente tributante para com seus contribuintes. Outrossim, em seus limites materiais, a norma de competência descreve qual será a matéria, propriamente dita, a ser tributada. Como já mencionado antes, temos os exemplos de auferir renda, prestar serviço, comercializar produto e/ou serviço. O mesmo se aplica às outras espécies tributárias, não só aos impostos. Os limites formais impõem a legislação, arrecadação e a execução destes supramencionados. Assim, notamos que estes limites estruturais se complementam e instruem a composição das normas de competência. 26

MENDONÇA, 2004, p. 70.

21

Ressaltamos que a norma tributária deve observar os limites instituídos pela própria Constituição, ao exemplo das imunidades aqui tratadas, bem como das garantias asseguradas ao contribuinte também em seu art. 5º, que visam a assegurar os fins objetivados pelo sistema constitucional. Destacamos, ainda, que a pedra de toque da competência se resguarda na observância do princípio da legalidade, mais precisamente, da estrita legalidade tributária. O princípio da legalidade encontra-se disposto no art. 5º, II, da Constituição: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O princípio da estrita legalidade tributária, por sua vez, se encontra disposto no art. 150, da Constituição Federal: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Veja que não obstante a previsão legal do art. 5º, o legislador constituinte esculpiu, novamente, no corpo do Texto Maior esta garantia aos contribuintes, a fim de assegurar os direitos destes. Apenas normas competentes são válidas, estão vigentes, e podem ser aplicadas dentro do nosso ordenamento, ao passo de que todas elas homenageiam o princípio da segurança jurídica. Se analisadas de maneira inversa, ou, se inobservados quaisquer um destes requisitos normativos, a norma estará passível de ter declarada sua inconstitucionalidade. Observados estes limites, Roque Antonio Carrazza explica que o ente político dotado de competência tributária pode, exercendo a atividade legislativa,

(...) aumentar a carga tributária (agravando a alíquota ou a base de cálculo do tributo, ou ambas), diminuí-la (adotando o procedimento inverso), ou, até, suprimí-la, através da não-tributação pura e simples ou do emprego do mecanismo jurídico das isenções. Pode ainda, perdoar débitos tributários já nascidos ou parcela-los, anistiando, se entender que é o caso, as eventuais 27 infrações tributárias cometidas. .

Assim, exercendo a competência conforme esta seja necessária para concretizar suas necessidades financeiras.

27

CARRAZZA, 2011, p. 535.

22

Por fim, esclarece Roque Antonio Carrazza que “(...) o tributo só vai irromper, in concreto, quando, tendo uma lei traçado, cuidadosamente, todos os aspectos da norma jurídica tributária (...)”

28

, devendo, necessariamente, serem editadas normas

que tratem exaustivamente do tributo. Neste momento, cessa o campo de atividade da competência, e dá-se lugar à capacidade tributária ativa – que arrecada, fiscaliza e executa o tributo instituído.

3.1

CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Discorridas as linhas gerais da competência, examinaremos seus aspectos, como os estabeleceu Roque Antonio Carrazza. Segundo o autor, existem seis aspectos que definem este instituto, sendo estes a (i) privatividade; (ii) indelegabilidade; (iii) incaducabilidade; (iv) inalterabilidade; (v) irrenunciabilidade; e (vi) facultatividade do exercício, que serão estudados a seguir.

3.1.1 Privatividade

Em primeiro lugar, constatamos que a privatividade é a característica que determina a exclusividade da competência a determinado ente político. Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, “No Direito Brasileiro, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, no tocante à instituição de tributos, gozam de privatividade ou, se preferirmos, de exclusividade.” (g.o).

29

, sendo assim, cada ente

político é dotado de competência única e exclusiva sobre o tributo que lhes foi entregue pelo constituinte. Ensina novamente Roque Antonio Carrazza;

As normas constitucionais que discriminam as competências tributárias encerram duplo comando: 1) habilitam a pessoa política contemplada – e 28 29

Ibid., p. 535-536. CARRAZZA, 2011, p. 550.

23

somente ela – a criar, querendo um dado tributo; e 2) proíbem as demais de virem a instituí-lo. Efetivamente, a reserva de competência tributária importa, a contrario sensu, interdição, que resguarda a eficácia de sua singularidade. Ao mesmo tempo em que afirma a aptidão daquela pessoa política para criar aquele determinado tributo, nega a das demais para fazerem o mesmo, ou seja, para o instituírem. É cláusula vedatória implícita, de endereço erga omnes, salvo é claro, o próprio destinatário da faculdade: 30 a pessoa política competente, nos termos da Constituição Federal. (g.o.) .

Diante disso, conclui-se que a privatividade, pelo seu duplo comando, constitui a inviolabilidade de seu direito para tributar. Finalmente, aduzimos que não há de se falar em bitributação em matéria de competência, pois se um ente cobiçar instituir a sua cobrança estaria, assim, ultrapassando os limites de sua própria competência, fato passível de invalidação por configurar afronta a Lei Maior.

3.1.2 Indelegabilidade.

Outra característica da competência tributária é a sua indelegabilidade. A competência é atribuída a cada ente pelo constituinte originário e esta não pode ser outorgada para outros entes políticos, “quer no todo, quer em parte, ainda que por meio de lei.” 31. Ainda, como nos explica Paulo de Barros Carvalho, concluímos que se o legislador constituinte teve a intenção de instituir o sistema tributário constitucional de forma exaustiva para alcançar a sua rigidez, e, estando contidas aí as competências tributárias, este o fez para evitar o seu colapso. Desta maneira,

(...) a ilação é imediata em termos de reconhecer a vedação da delegabilidade, bem como a impossibilidade de renúncia. Que sentido haveria numa discriminação rigorosa de competências, quando se 32 permitisse que uma pessoa delegasse a outra as habilitações recebidas? .

CARRAZZA, loc. cit. Ibid., p. 708. 32 CARVALHO, 2011, p. 274. 30

31

24

Não apenas careceria de sentido, como também iria estagná-lo. Note-se que, além de indelegável, é impossível mesmo que se operada através da via legislativa, em razão do princípio da segurança jurídica. Neste sentido, leciona Roque Antonio Carrazza que,

As normas constitucionais que partilham as competências tributárias poderiam ser, a qualquer momento, alteradas por normas infraconstitucionais e, longe de se imporem às pessoas políticas, oscilariam a bel-prazer da vontade de seus legisladores ordinários. Na parte tributária, pelo menos, a Constituição Federal, de rígida, transformar-se-ia em flexível. Haveria, com efeito, aí a possibilidade de alteração constante do modelo constitucional por parte daqueles que deveriam obedecê-lo e colocá-lo em 33 funcionamento. .

Logo, resta claro que esta estirpe principiológica torna a indelegabilidade da competência elemento essencial para a Constituição de um Estado democrático de direito.

3.1.3 Incaducabilidade

A incaducabilidade caracteriza a impossibilidade de que as normas editadas pelos entes políticos competentes venham a perder sua validade com o decorrer do tempo. Cristiane Mendonça nos explica “(...) que a competência para produzir normas jurídico-tributárias é incaducável, pois, normalmente, inexiste marco temporal para o seu exercício, fixado na regra autorizadora.” 34, e, além disto, é oportuno lembrar que a incaducabilidade assegura a validade da competência, mesmo que não exercitada, constituindo-a atemporal, pelo menos enquanto vigente a Constituição Federal.

33 34

CARRAZZA, 2011, p. 716. MENDONÇA, 2004, p. 283.

25

Nesta esteira, nos ensina Maurício Dalri Timm do Valle; “O decurso do tempo não é circunstância que impeça a pessoa política titular da competência tributária de exercitá-la. Logo, a competência tributária é incaducável.” 35. Por fim, trazemos esta breve consideração de Paulo de Barros Carvalho, para quem,

A Constituição existe para durar no tempo. Se o uso da faixa de atribuições fosse perecível, o próprio Texto Supremo ficaria comprometido, posto na contingência de ir perdendo parcelas de seu vulto, à medida que o tempo fluísse e os poderes recebidos pelas pessoas políticas não viessem a ser 36 acionados, por qualquer razão histórica que se queira imaginar. .

Diante disso, concluímos que o poder, mesmo que inativo, não deixa de existir, tendo os entes políticos ao seu dispor competência para ser exercida ao tempo de sua vontade.

3.1.4 Inalterabilidade

O aspecto da inalterabilidade da competência diz respeito vezes a “impossibilidade de alteração da competência legislativo-tributária, no plano infraconstitucional, pela pessoa política que a titulariza”

37

, posição adotada por Roque

Antonio Carrazza, e também a “impossibilidade de alteração das regras de produção normativa pelo legislador de reforma constitucional.”

38

, posição esta, adotada por

Paulo de Barros Carvalho. Impende acrescentar que ambos os doutrinadores têm razão em seus pontos de vista, cabendo a nós estudarmos a abrangência da inalterabilidade, tanto na esfera constitucional, quanto na infraconstitucional. Primeiramente, vamos examinar a inalterabilidade no âmbito constitucional. Desta ponderação, irrompe o seguinte questionamento: são passíveis de alteração as competências discriminadas pelo constituinte? 35

VALLE, Maurício Dalri Timm do. Princípios Constitucionais e Regras-matrizes de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Universidade Federal do Paraná – p. 47. 36 CARVALHO, 2011, p. 274. 37 MENDONÇA, op. cit., p. 284-285. 38 MENDONÇA, 2004, p. 284-285.

26

Aparentemente, não há nada que impeça o legislador que o faça. As competências podem ser alteradas por meio de emenda constitucional, sem atentar contra o princípio federativo. Um exemplo desta possibilidade é o Projeto de Emenda Constitucional 233/08, que pretende a criar um novo tributo, o IVA-F (imposto sobre valor agregado – federal), de competência da União. No âmbito infraconstitucional, não há pessoa política capaz de alterar a carta de competências, sendo apenas o constituinte derivado a pessoa apta para realizar determinadas

alterações,

assim,

portanto,

inalteráveis

as

competências

discriminadas na Constituição.

3.1.5 Irrenunciabilidade

O aspecto da irrenunciabilidade é fundado sob o prisma de que os entes competentes não podem abdicar desta que lhes foi conferida pelo constituinte, pelo simples fato de que se o fizessem, estariam, assim, se destruindo. Frise-se que a competência é facultada à pessoa competente, que pode ou não instituir a cobrança da exação. Todavia, jamais a competência poderá ser renunciada por qualquer uma das pessoas políticas. Um dos exemplos mais célebres da facultatividade do exercício da competência está atrelado à instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, que caberia a União, através de Lei Complementar, regulamentar a cobrança deste tributo não vinculado. Nesta esteira, reforça Cristiane Mendonça, ao afirmar que,

“(...) os órgãos constituídos podem até não exercer a competência legislativo-tributária recebida da Constituição, em virtude de seu caráter 39 facultativo. No entanto, não estão autorizados a renunciá-la.” .

Resta claro, portanto, que as pessoas políticas de direito público não podem renunciar a competência que detém.

39

MENDONÇA, 2004, p. 291.

27

3.1.6 Facultatividade

A facultatividade encontra-se na parte final dos aspectos aqui estudados e cuida da possibilidade dos entes políticos se utilizarem da tributação para arrecadar receita. Nas palavras de Roque Antonio Carrazza,

(...) na medida em que o exercício da competência tributária não está submetido a prazo, a pessoa política pode criar o tributo quando lhe aprouver. Tudo vai depender de uma opção, a ser feita pelos seus Poderes Executivo e Legislativo, sempre, é claro, por meio de lei (no mais das vezes ordinária, mas, no caso dos empréstimos compulsórios e dos impostos 40 residuais, complementar). (grifo original) .

Desta assertiva, constata-se que não há força que obrigue os entes a tributar, logo, configura-se a sua facultatividade. No fim da transcrição, porém, nota-se que existe uma ressalva para a instituição da lei tributária, que acredito ser pertinente esclarecer para a reflexão. As duas espécies tributárias mencionadas – empréstimos compulsórios e impostos residuais -, por serem tributos de competência da União, aplicam-se a todos os brasileiros, desta forma, necessitam de aprovação da maioria absoluta de ambas as casas legislativas, representando assim, pelo menos em tese, a vontade do povo brasileiro. Vale lembrar, ainda, que neste caso, a lei é como também descrita por Roque Antonio Carrazza, uma “limitação ao exercício da competência tributária” 41, de onde retiramos este excerto:

A lei tributária deve conter critérios idôneos e suficientes para coatar quaisquer arbitrariedades do Fisco. Tais critérios devem necessariamente apontar: a) os destinatários do tributo (os contribuintes), porquanto não se admite fique relegada ai arbítrio da Fazenda Pública a inclusão ou a exclusão de determinadas categorias de contribuintes; e b) os pressupostos do tributo, isto é, a coisa, o ato, o fato, a situação ou a qualidade da pessoa

40 41

CARRAZZA, 2011, p. 723. CARRAZZA, 2011, p. 278. - Subtítulo n. 3.2., do Capítulo VI – Legalidade e Tributação.

28

que constitui o pressuposto objetivo da tributação, e, também, a relação em 42 que se deve achar o sujeito passivo da prestação. (g.o.) .

Sendo

considerados

todos

estes

critérios,

a

lei

tributária

deve

preventivamente frear qualquer pretensão por parte do Fisco que vise a constranger os contribuintes, atuando diretamente sobre a aplicação do direito tributário. Outrossim, Roque Antonio Carrazza ainda aduz que a opção de tributar, ou não, depende de motivação ou, como ele mesmo define motivação política, que,

Em termos mais técnicos, inspiram a chamada decisão política conveniência, a vantagem e a utilidade, aferíveis pelo Poder Legislativo pelo Chefe do Executivo, enquanto participam da elaboração da lei. Eles quem tem a faculdade discricionária de agir, não estando sujeitos 43 limitações acerca do mérito da orientação que irão seguir. (g.o.). .

a e é a

Diante disso, é patente a influência das decisões políticas sobre a tributação. Ainda, mais um desdobramento deste são os tributos utilizados para atingir objetivos extrafiscais

44

,

prestigiando

ou

preterindo,

assim,

determinadas

situações

específicas. Por fim, resta evidente a possibilidade conferida aos entes políticos para tributar e, assim, concluímos também os aspectos da competência tributária.

4

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Uma vez analisada a competência tributária e suas características, podemos agora aprofundar com liberdade o estudo das imunidades, que, tão simplesmente, são normas jurídicas de incompetência tributária, como veremos mais abaixo. Faremos, ainda, um breve exame sobre a origem histórica do instituto em questão, e, posteriormente, discorreremos sobre as teorias propostas acerca das imunidades.

42

Ibid., p. 279. Ibid., p. 724. 44 CARVALHO, 2011, p. 290. - “A essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade.”. 43

29

4.1

ORIGEM HISTÓRICA

A ideia da tributação surge como um instrumento para sustentar o Estado e assim, consolidar sua soberania. Pois, se imaginarmos um Estado que não tenha recursos para se organizar, este dificilmente seria reconhecido. A partir desta premissa, reconhecemos que o Estado, mesmo em suas formas mais primitivas de sociedade organizada, já exigia de seus súditos exações e, mesmo nestes tempos, eram instituídas também “Imunidades” à determinadas pessoas que eram desobrigados a contribuir. A origem da palavra tributo remonta a Roma Antiga. Este advém do latim “tributum” e surge do verbo “tribuere” que, parafraseando Regina Helena Costa em comentário aos ensinamentos de Sílvio Meira, “significa, inicialmente, repartir em tribos e, depois, repartir em sentido geral.”

45

. Sendo compreendida aqui, a

arrecadação, que seria dividida e utilizada pelo Estado. Já no tempo do Império, se originou a “immunitas”, que “significa negação de múnus, ou encargo – expediente pelo qual se liberavam certas pessoas e situações do pagamento dos tributos exigidos na sustentação do Estado.”

46

, encontramos

aqui, o embrião da ideia pela qual são utilizadas e contempladas hoje as Imunidades em nossa Constituição. Verificamos que, desde a Idade Antiga, as sociedades mais primitivas foram capazes de privilegiar certas pessoas, atestando sua ausência de capacidade contributiva, e as poupando de suas obrigações tributárias. Ainda, é importante ressaltar que, historicamente, a tributação teve forte impacto sobre as transformações sociais. No século XVIII, quando Luís XVI exigia a cobrança de excessivos impostos sobre a plebe, que não via sua contribuição sendo revertida em melhoria social e, ainda cumulada a ausência do princípio da igualdade tributária, uma vez que a nobreza da época e o clero se recusavam a ser onerados, instaurou-se a Revolução Francesa, na qual classe burguesa destituiu a Monarquia Francesa sobre os ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade. 45 46

COSTA, 2001, p. 27. COSTA, 2001, p. 27.

30

Enquanto isso, no Brasil, também no século XVIII, no mesmo ano de 1789, foi desconstituída a Inconfidência Mineira, revolta que visava a separar o Estado de Minas Gerais do Império Português, em virtude da instituição da “Derrama”, dia em que uma comitiva da coroa portuguesa vinha às terras das Minas Gerais, mais especificamente à cidade de Ouro Preto, antiga Vila Rica, para cobrar em ouro os impostos devidos por seus súditos. O movimento, inspirado por ideias iluministas, desejava se libertar do domínio político e econômico português, sendo a primeira revolta separatista de nossa história, que foi frustrado pela traição de um dos inconfidentes em face dos demais. Evidenciada a fragilidade dos contribuintes, as políticas fiscais devem levar em consideração as situações e pessoas que são mais vulneráveis às suas exigências. É exatamente neste campo que as Imunidades devem agir. Sempre que constatadas as mudanças políticas e sociais, as Imunidades foram, através dos tempos, se amoldando aos princípios constitucionais que visam alcançar e, assim, acabaram por exonerar determinadas pessoas do pagamento de tributos. Cabe ao legislador, portanto, a tarefa de destacar as situações específicas que deseja privilegiar em determinado tempo histórico, e à doutrina, conceituar este instituto, bem como esmiuçar sua extensão e aplicabilidade. É o que passamos a estudar.

4.2 CONCEITO

Sabemos que a parte mais difícil em qualquer ciência se encontra na tarefa de conceituar. Quando a tentamos fazer, muitas vezes em razão de nossa limitação linguística, deixamos algum detalhe passar nos despercebido, que, como explica Roque Antonio Carrazza, “no mundo infinito e ondeante do pensamento, cada autor acaba por captar alguma peculiaridade que escapou à argúcia dos demais.”

47

.

Outras, por força da hermenêutica jurídica, se encontram nas lacunas que podem emergir da escolha de determinadas palavras, causando a confusão de seu leitor.

47

CARRAZZA, 2011, p. 138.

31

Independentemente destas dificuldades, necessitamos nos apegar a uma definição e, para tanto, escolhemos a de Paulo de Barros Carvalho, que as ensina como,

A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas 48 e suficientemente caracterizadas (grifo original). .

Embora nebuloso, começaremos explicando pontualmente a significação dos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, e, assim que esgotada a teoria das imunidades como normas de incompetência, passaremos a estudar as outras correntes doutrinárias que se aventuraram a conceituar o instituto.

4.2.1 Imunidade como Norma de Incompetência Tributária

Escolhemos a definição de Paulo de Barros Carvalho, para quem a imunidade é uma norma que estabelece “de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno.” (g.o.)

49

, exatamente por ser a tese mais

precisa sustentada pela doutrina. Diante disso e, após a análise do capítulo anterior, temos que a imunidade limita a competência dos entes políticos, devendo estes observarem os limites estabelecidos pelas hipóteses de imunidade. Desta maneira, enquanto a competência tributária estabelece – delimita, demarca – a área em que pode o legislador infraconstitucional atuar, editando leis para estabelecer, através destas, o vínculo obrigacional tributário, as imunidades vêm,

em

sentido

contrário,

determinar

a

incompetência

infraconstitucional. Sobre o tema, discorre Roque Antonio Carrazza,

48 49

CARVALHO, 2011, p. 236. CARVALHO, 2011, p. 237.

do

legislador

32

Muito bem, as regras de imunidade tributária também demarcam (no sentido negativo, embora) o campo reservado à tributação. Se preferirmos, apontam os limites materiais e formais da atividade legislativa tributária.

Noutras palavras, a competência tributária é igualmente desenhada por normas negativas, que veiculam o que se convencionou chamar de 50 imunidades tributárias. (g.o.) .

Note-se, pois, que a incompetência surge no mesmo momento em que a competência (dentro do Texto Maior). Dito isso, se utilizarmos o raciocínio lógico e, aderindo à tese aqui adotada sobre a criação dos tributos de José Souto Maior Borges, sustentada por José Roberto Vieira, as normas de incompetência são criadas ao mesmo tempo em que são criadas as normas de competência. No mesmo sentido, ensina Regina Helena Costa,

Cuidando-se de disposição imposta pelo Poder Constituinte Originário, a competência tributária já nasce desprovida do campo constitucionalmente imune. Vale dizer, a competência tributária é a liberdade de instituir tributos dentro de certos limites, desenhados pela Constituição.

As normas atributivas de competência e as normas imunizantes – que são normas negativas de competência – são contemporâneas, pelo quê inadequado falar-se na sucessão cronológica destas em relação às 51 primeiras. .

Concluímos, assim, que não existe hierarquia entre normas de competência em relação às normas de incompetência, e vice-versa. Quanto aos aspectos da norma de incompetência, estas são concebidas pelo constituinte como normas impassíveis de sofrer qualquer tipo de alteração ou restrição, total ou parcial, exceto pela via das Emendas Constitucionais, e sempre visando a ampliar os direitos dos contribuintes, visto que as imunidades são cláusulas pétreas na medida em que asseguram direitos fundamentais (art. 60, IV, CF/88). Ainda, pode-se dizer que a norma imunizante é “ampla e indivisível”

52

e,

“(...) de eficácia plena e aplicabilidade imediata, produzindo todos os seus efeitos, 50

CARRAZZA, Roque Antonio. A Imunidade Tributária das Empresas Estatais Delegatárias de Serviços Públicos: Um Estudo sobre a Imunidade Tributária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. 1.ed. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 20. 51 COSTA, 2001, p. 44. 52 CARRAZZA, 2004, p. 23.

33

independente da edição de normas inferiores.” (g.o.)

53

, como foram definidas por

Roque Antonio Carrazza. Diante disso, inferimos que o legislador infraconstitucional fica limitado a obedecer ao que foi disposto pela vontade do constituinte, que decidiu privilegiar determinados “fatos, bens ou situações”

54

, uma vez que estes carregam em si

algum valor contemplado pela Carta Magna e, por isso, devem ser imunes à tributação. Sobre o assunto, ensina Paulo de Barros Carvalho,

55

É imperioso que o núcleo deôntico do comando constitucional denuncie uma proibição inequívoca, dirigida aos legisladores infraconstitucionais e tolhendo-os no que tange à emissão de regras 56 jurídicas instituidoras de tributos. (g. n.) .

Fica restrita, portanto, a edição de normas tributárias destinadas à tributação daqueles que foram albergados pela Constituição. A proibição supracitada é inserida na estrutura da norma imunizante, transformando-a em norma de incompetência. Assim, se uma determinada norma de conduta (tributária) almejar onerar contribuinte

imune,

ela

sequer

chegará

a

atingi-lo,

uma

vez

que

a

inconstitucionalidade tolheu-a antes mesmo de adquirir eficácia. Sobre as imunidades enquanto normas de incompetência, vejamos o que tem a dizer Cristiane Mendonça,

Ao engendrarem as hipóteses imunes à tributação, proibindo que os sujeitos ativos da relação de competência legislativa editem enunciados instituidores de tributos relativamente àquelas situações específicas e suficientemente caracterizadas no texto constitucional, os versículos constitucionais de imunidade desenham, juntamente com outros limites, a autorização57 permissão que figura no consequente da NCLT. .

53

CARRAZZA, loc. cit. Ibid., p. 21 55 Para melhor compreensão, esclareço que o núcleo deôntico reside no âmago de cada norma, estabelecendo se esta é uma norma que atribui permissão, obrigação ou a proibição da conduta que regula. Para aprofundamento sobre o tema, indico a consulta a BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 104-112. 56 CARVALHO, 2011, p. 236. 57 MENDONÇA, 2004, p. 178. 54

34

A Norma de Competência Legislativo Tributária (NCLT), mencionada acima, estabelece os limites para editar ou alterar a norma em questão. Por conseguinte, a imunidade altera o aspecto material a que se dirige a NCLT, impedindo-a de tributar àquele que foi indicado pelo constituinte. Note-se, pois, que a norma de imunidade impede a aplicabilidade da norma infraconstitucional sobre a pessoa imune como um todo, não apenas em relação a fato determinado (critério da regra-matriz de incidência). No mesmo sentido, leciona Roque Antonio Carrazza,

A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As normas constitucionais que, direta ou indiretamente tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza 58 jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações. .

Concluímos, portanto, que o constituinte escolheu beneficiar determinadas pessoas ao esculpir no corpo da Carta Magna as imunidades tributárias. São estas pessoas que serão objeto de exame do próximo tópico.

4.2.2 Destinadas a Situações Específicas e Suficientemente Caracterizadas

Pelo exposto acima, vimos que as normas imunizantes são endereçadas a determinadas situações específicas e suficientemente caracterizadas, como definidas por Paulo de Barros Carvalho e, como veremos, as imunidades beneficiam, em última análise, pessoas. Observe que, ao editar a norma de imunidade, o constituinte privilegiou no Texto Maior situações específicas que devem ser impassíveis à tributação. Logo,

questiona-se,

porque

não

deixar

esta

tarefa

ao

legislador

infraconstitucional? A nosso ver, ao descrever as hipóteses de imunidade, o legislador constituinte homenageou os princípios consubstanciados dentro da própria Constituição. Assim explicitam Aires Fernandino Barreto e Paulo Ayres Barreto, 58

CARRAZZA, 2011, p. 772.

35

As tipificações constitucionais dos fatos, pessoas ou bens sobre os quais não têm as pessoas políticas competência tributária, são reveladoras de valores privilegiados pela Constituição, porque decorrentes de princípios nela própria consagrados. O constituinte, ao estabelecer, no art. 150, VI, da CF, que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios Instituir impostos sobre as situações ali expressamente indicadas, reafirma valores que hão de ser protegidos pela ordem jurídica: expressões de princípios reconhecidamente consagrados pela Constituição. 59 .

Logo, resta claro que o constituinte não escolheu aleatoriamente os beneficiados pelas imunidades, sendo a edição destas normas uma homenagem aos valores contidos na própria Carta Magna. Utilizaremos, nesta parte de nossa pesquisa, o viés de Roque Antonio Carrazza, para quem “a imunidade é sempre subjetiva, já que invariavelmente, beneficia pessoas, quer por sua natureza jurídica, quer pela relação que guardam com determinados fatos, bens ou situações.” (g.o). 60. A subjetividade advém da classificação feita pela doutrina tradicional – ao exemplo de Aliomar Baleeiro -, que “classifica as imunidades em subjetivas, objetivas e mistas, conforme alcancem pessoas, coisas ou ambas.” (g.o). 61. Diante disso concluímos que é desnecessária tal classificação, uma vez que a imunidade sempre irá privilegiar a relação da pessoa com o fisco, em razão de sua natureza jurídica

62

, na medida em que não será molestado a entregar parte de sua

riqueza aos cofres públicos. Concluída a teoria das imunidades como norma de incompetência tributária, passamos agora a estudar a sua aplicabilidade, bem como suas outras teorias.

4.2.2.1

Imunidades aplicáveis apenas aos impostos

Dispõe o inciso VI, do art. 150 da Constituição Federal, “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: instituir impostos (...)”. 59

BARRETO, Aires Fernandino; BARRETO, Paulo Ayres. apud CARRAZZA, 2004, p. 24. CARRAZZA, 2011, p. 774. 61 CARRAZZA, loc. cit. 62 Ibid., p. 775. 60

36

Ao lermos este excerto da Carta Magna, é possível inferir que as imunidades específicas que disciplinam o inciso VI, do art. 150 estendem-se apenas aos impostos, excluindo assim, todas as outras espécies tributárias (taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios)

63

. Mas será que

ficam as hipóteses de imunidade limitadas apenas aos impostos? Parece-nos que não. Vejamos a opinião de Paulo de Barros Carvalho sobre o assunto,

A redução é descabida, transparecendo como produto de exame meramente literal (e apressado) ou como o resultado de considerações metajurídicas, que não se prendem ao contexto do direito positivo que vige. Que motivo de ordem superior ditaria o princípio de que o legislador constituinte, no exercício de suas prerrogativas, pudesse estar impedido de organizar as competências tributárias, de tal modo que tolhesse a decretação de certas taxas ou a impossibilitasse a criação de contribuições 64 de melhoria? Com assomos jurídicos, nenhum. .

Logo, verificamos que esta “redução” utilizada pelo constituinte foi uma mera economia lógica, ou talvez, um descuido por parte do mesmo. No mesmo sentido, destaca Regina Helena Costa,

Se, diante do Direito Positivo, as normas imunizantes referem-se, basicamente, a impostos, tal realidade não enseja a conclusão pela inviabilidade de se estabelecer normas imunizantes acerca dos tributos 65 vinculados. .

Ainda, vale acrescentar que o próprio constituinte também criou hipóteses de imunidades específicas à incidência sobre taxas, ao exemplo do disposto pelo art. 5, inciso XXXIV, “a” e “b”, que enuncia: “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra a ilegalidade ou abuso de poder; e b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”. 63

Não vamos aqui adentrar na discussão sobre as teorias existentes acerca das espécies tributárias, ou qual a melhor teoria a ser abraçada. Para aprofundamento sobre o tema, aconselhamos a consulta ao artigo As espécies tributárias no ordenamento jurídico brasileiro, de Octavio Campos Fischer. 64 CARVALHO, 2011, p. 230-231. 65 COSTA, 2001, p. 47.

37

Assim, concluímos que é infundada a pretensão de restringir a aplicação dos efeitos da imunidade apenas aos impostos, sendo estes, extensíveis a quaisquer espécies tributárias.

4.2.3 Imunidades como “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”

A Doutrina clássica, difundida por Aliomar Baleeiro, entende as imunidades como limitações constitucionais ao poder de tributar, acompanhado também por Rubens Gomes de Sousa e, atualmente, Aires Fernandino Barreto e Paulo Ayres Barreto. Esta tese, não está errada, é, contudo, insuficiente

66

, em decorrência da

generalidade atribuída a “expressão compreensiva do conjunto de princípios e demais regras disciplinadoras da definição e do exercício da competência tributária.” 67

. Concluímos, portanto, que não é possível haver, no estudo científico,

confusão entre institutos, uma vez que as imunidades são fundadas em princípios, e não uma combinação destes. Assim, as generalidades dos princípios constitucionais tributários

68

necessitaram ser trabalhadas e refinadas pelo constituinte, até que,

enfim, irrompem na edição das imunidades tributárias, estas sim, normas específicas que tratam de matéria tributária. Ainda, distingue Regina Helena Costa que,

Enquanto as imunidades denegam a própria competência, inibindo o seu exercício em relação a certas hipóteses, os princípios orientam o adequado exercício da competência tributária. Os princípios tributários pressupõem, assim, a existência de competência tributária; as imunidades, por seu turno, 69 pressupõem a inexistência dessa competência.

66

COSTA, 2001, p. 35. COSTA, loc. cit. 68 Ibid., p. 37. 69 COSTA, loc. cit. 67

38

Diante disso, é imprópria a definição utilizada pela doutrina tradicional, tendo em vista que as “limitações constitucionais ao poder de tributar” são uma expressão aberta e imprecisa.

4.2.4 Imunidades Definidas como Princípios Constitucionais e também como “Circunstâncias Extrajurídicas”

Há também, corrente doutrinária que qualifica as imunidades tributárias como princípios constitucionais expressos, no entanto, não procede tal afirmação. Esta tese, defendida por Bernardo Ribeiro de Moraes, entende que as imunidades seriam princípios expressos inseridos no corpo da Carta Magna. Parece-nos que esta tese foi construída como um desdobramento da tese das “limitações constitucionais ao poder de tributar”, e que, como foi exposto acima, existem diferenças substanciais entre estes dois institutos. Ainda, assevera Regina Helena Costa dizendo que,

“São, sim, as imunidades, aplicações ou manifestações de um princípio, que podemos batizar de princípio da não obstância do exercício de direitos 70 fundamentais por via da tributação.” (g.o.) .

Diante disso, fica evidente que a definição de imunidade como princípio constitucional advém da associação entre sua essência e sua finalidade. Outra vertente da doutrina clássica, representada por Ormezindo Ribeiro de Paiva, acredita que as imunidades são “circunstâncias extrajurídicas”, em razão do tratamento diferenciado que recebem as pessoas privilegiadas pelas hipóteses de imunidade. Pois bem, uma vez que o ordenamento contempla hipóteses de imunidade a fim de privilegiar determinadas pessoas e, quando o faz, celebra a realização dos princípios nela esculpidos, entende-se por redundante a classificação de

70

COSTA, 2001, p. 39.

39

circunstância extrajurídica, pois, como mencionado por Regina Helena Costa, o constituinte apenas “absorve valores, juridicizando-os.” 71. Regina Helena Costa, mais uma vez, conclui, dizendo que,

Diante da possibilidade de exigir tributos em relação a determinadas pessoas, bens e situações, o Estado, no exercício do Poder Constituinte Originário, opta, diversamente, pelo incentivo a certas atividades 72 socialmente relevantes, renunciado à própria competência tributária. .

Logo, tem-se que tanto os princípios, quanto as imunidades, aspiram assegurar direitos aos contribuintes, entretanto, as imunidades o fazem de maneira específica, enquanto os princípios podem ser evocados em situações análogas. As imunidades seriam, então, os princípios instrumentalizados, ou melhor, formalizados.

4.2.5 Imunidades

como

“Hipóteses

de

Não-incidência

Constitucionalmente

Qualificadas”

As imunidades foram também definidas como “hipóteses de não-incidência constitucionalmente qualificadas” por alguns doutrinadores, ao exemplo de Amílcar de Araújo Falcão, Eduardo Domingos Bottallo, Ives Gandra da Silva Martins e José Souto Maior Borges. A não-incidência é fenômeno diverso da imunidade, que foi erroneamente utilizado por parte desta corrente doutrinária. O primeiro divisor de águas encontra-se na classificação normativa das normas imunizantes. Estas são, conforme foi explicitado anteriormente, normas de estrutura e não de conduta. Frise-se que as normas de estrutura definem o arquétipo jurídico em face de outras normas, enquanto as normas de conduta estabelecem regras àqueles a que são dirigidas. 71 72

COSTA, 2001, p. 46. COSTA, loc. cit.

40

Diante disso, a ilação é evidente, as imunidades são, com efeito, normas de estrutura. Acerca do tema, comenta Regina Helena Costa,

As normas imunizantes - como também as normas isentivas – qualificam-se como regras de estrutura, porque dispõem acerca da produção de outras 73 normas, isto é, do válido exercício da competência tributária. .

E ainda, no mesmo sentido, ensina Paulo de Barros Carvalho que “As regras de imunidade são normas de estrutura, enquanto as de incidência são preceitos de conduta.” 74. Além disto, compete acrescentar que a utilização da expressão “nãoincidência” foi compreendida em acepção diversa de sua essência. Explica-se: A regra-matriz de incidência tributária, constituída de uma hipótese de incidência e um consequente tributário, estabelece a relação obrigacional quando ocorrido o seu fato imponível

75

. Subsumindo

76

o fato à hipótese descrita, o

enunciado prescritivo instaura a relação obrigacional. Sem embargos, portanto. Mas o que acontece se um dos critérios da regramatriz de incidência não for preenchido? Se o fato imponível não se subsumir a hipótese de incidência, somente então ocorrerá fenômeno da não-incidência. Neste sentido, vejamos a crítica à definição de imunidade como hipótese de não incidência, feita por Paulo de Barros Carvalho,

A crítica presta-se a uma de suas acepções, precisamente aquela que sugere ter inexistido o fenômeno da subsunção do fato à regra e, por conseguinte, não haveria falar-se em efeitos jurídicos. É por incidir que a proposição normativa qualifica pessoas, coisas e estados de coisas, bem

73

COSTA, 2001, p. 43. CARVALHO, 2011. p. 227. 75 ATALIBA, 2011, p. 70: “Fato imponível é o fato concreto, localizado no tempo e no espaço, acontecido efetivamente no universo fenomênico, que – por corresponder rigorosamente à descrição prévia, hipoteticamente formulada pela hipótese de incidência legal – dá nascimento à obrigação tributária.”. 76 Ibid., p. 69: “Subsunção é o fenômeno de um fato configurar rigorosamente a previsão hipotética da lei. Diz-se que um fato se subsume à hipótese legal quando corresponde completa e rigorosamente à descrição que dele faz a lei.”. 74

41

como é incidindo que o sistema, como um todo, atinge a disciplina integral 77 do relacionamento intersubjetivo. (g.o.) .

Logo, extraímos do excerto que ao enunciarmos que a não-incidência aplicase às imunidades, equivale dizer que inexistiu relação jurídica, portanto, as hipóteses de imunidade não são reconhecidas pelo direito, se ocorridas. Repare que a utilização do vocábulo da “não-incidência” também se refere à não aplicação do consequente tributário (= critério pessoal + critério quantitativo). Elucida a discussão, Regina Helena Costa, afirmando que,

“Incidência”, nessa significação, assemelhar-se-ia a “eficácia”, isto é, a aptidão da norma para produzir efeitos jurídicos; e, assim, a “não-incidência” traduzida na norma imunitória consistiria na ineficácia do exercício da competência tributária em relação a determinadas pessoas, bens e 78 situações. .

Desta maneira, o sentido atribuído às imunidades resume-se basicamente a sua não produção de efeitos jurídicos. É, porém, incabível esta definição, sendo assim, mais uma entre aquelas que devem ser repudiadas em nossa pesquisa.

4.2.6 Considerações Finais

Concluímos, assim, que as teorias anteriores sobre as imunidades não estavam

necessariamente

erradas,

eram,

muitas

vezes,

insuficientes

ou,

simplesmente, frutos de confusões. Posto isso, podemos proclamar que foram superadas as adversidades sobre as imunidades tributárias no que tange aos seus aspectos gerais, estudaremos agora a imunidade recíproca, que reside na letra “a”, do inciso VI, do art. 150, da Constituição Federal.

77 78

CARVALHO, 2011, p. 229. COSTA, 2001, p. 43.

42

5 IMUNIDADE RECÍPROCA

Esgotadas as teorias acerca da imunidade tributária, estudaremos agora a imunidade específica pertinente à construção do objeto de nossa pesquisa. Acredito que seja necessário remontar seus fundamentos para que possamos compreender com clareza a aplicabilidade desta imunidade. As origens desta se encontram no julgado da suprema corte estadunidense, “McCulloch vs. Maryland”, redigida pelo Juiz John Marshall, em 1819. No caso em tela, o Estado de Maryland pretendia tributar uma sucursal do Banco dos Estados Unidos da América, visto, então, como uma extensão dos tentáculos do Estado. 79 Aliomar Baleeiro nos relata que,

Pela primeira vez, se afirmou a tese da imunidade dos meios de ação do Governo Federal em frente às pretensões do fisco dos Estados, pois “the power to tax involves the power to destroy” e, então, ficariam à mercê de um 80 governo todos os servidões e instrumentos de outro. .

Assevera ainda, neste mesmo sentido, Roque Antonio Carrazza, uma vez que, “as pessoas políticas não poderiam exigir, umas das outras, impostos, exatamente para não destruí-las ou criar-lhes dificuldades de funcionamento.” 81. E ainda, Regina Helena Costa complementa este raciocínio, tendo em vista que,

O argumento maior do qual se deduz a imunidade recíproca é a supremacia do interesse público sobre o privado, beneficiando o patrimônio, a renda e os serviços de cada pessoa política como instrumentalidades para o 82 exercício de suas funções públicas. (grifo original) .

Evidente, portanto, a impossibilidade deste tipo de obrigação. As pessoas políticas não devem e não podem tributar o erário público. Estas onerações levariam apenas levariam à destruição das pessoas políticas, como demonstrado acima. COSTA, 2001, p. 136. BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 8.ed. atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 383. 81 CARRAZZA, 2011, p. 790. 82 COSTA, 2001, p. 138. 79 80

43

Tendo em mente o julgado da Suprema Corte Americana, o legislador o inseriu em nossa Carta Magna, a fim de esculpir este princípio em nosso Sistema Constitucional Tributário,

contudo,

ainda

que

não

estivesse

expresso

na

Constituição, ele seria implícito, por força do princípio federativo (isonomia das pessoas políticas). A imunidade recíproca, presente na Constituição Federal da República Federativa do Brasil em seu art. 150, inciso VI, alínea “a”, determina que “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços uns dos outros”. A fim de firmarmos um conceito sobre o instituto, citamos aqui as palavras de Paulo de Barros Carvalho, que define a imunidade recíproca como: “(...) uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios.” 83. Diante disso, é imperioso frisar que a imunidade recíproca encontra suas fundações em dois princípios constitucionais tributários: No princípio federativo e no princípio da autonomia municipal. É este o ensinamento de Hugo de Brito Machado:

“Ressalte-se que a imunidade recíproca é uma forma de expressão do princípio federativo. Não se pode conceber uma Federação sem a imunidade tributária recíproca. Assim, a regra da imunidade está protegida contra possível emenda constitucional, por força do disposto no art. 60, § 4º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (...) a forma 84 federativa de Estado.”.” .

Com efeito, constatamos que este raciocínio se estende aos municípios, pois, mesmo que não façam parte da federação, não poderiam ser coagidos a pagar impostos aos entes federativos, muito menos, exigir deles as exações de sua competência. Para melhor compreensão, dedicaremos o estudo dos próximos subitens a estes princípios que fundamentam a imunidade recíproca.

CARVALHO, 2011, p. 240. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 285. 83

84

44

5.1 PRINCÍPIO FEDERATIVO

Não obstante as considerações feitas sobre o princípio federativo já trazidas a este trabalho, em que citamos José Afonso da Silva

85

, gostaríamos, ainda, de fazer

mais algumas observações pertinentes ao estudo do tema. O princípio federativo foi a forma de estado escolhida pelo constituinte, que significa, nas palavras de Roque Antonio Carrazza,

uma associação, uma união institucional de Estados, que dá lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que dele participam (Estadosmembros). Nela, os Estados Federados, sem perderem suas personalidades jurídicas, despem-se de algumas tantas prerrogativas, em 86 benefício da União .

Dito de outra maneira, o Estado brasileiro é a composição das pessoas políticas (estados-membros – incluído aqui, o distrito federal - e a união) que dele fazem parte. Necessitamos destacar que o princípio federativo preza pela soberania do Estado. A soberania é fundamento de nosso Estado democrático de direito

87

. Seria

inconcebível a formação de qualquer Estado sem que fossem observados o princípio federativo e da soberania. Sobre o assunto, discorre novamente Roque Antonio Carrazza:

Soberania é a faculdade que, num dado ordenamento jurídico, aparece como suprema. Tem soberania quem possui o poder supremo, absoluto e incontrastável, que não reconhece, acima de si, nenhum outro poder. (...) o Estado, é a única instituição soberana, porquanto superiorem non 88 recognoscens. .

85

Cf. as citações nºs. 18, 19 e 20. CARRAZZA, 2011, p. 139. 87 BRASIL. Legislação. Constituição Federal da República Federativa do Brasil (1988). 7.ed. São Paulo: Saraiva. 2011. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania”. 88 CARRAZZA, 2011, p. 139. 86

45

Reconhecida a soberania da União (como Estado Federal), bem como a dos Estados-membros, é edificada a Federação. Importante, também, mencionar que a soberania não se confunde com a autonomia das pessoas políticas. Nas palavras de José Roberto Vieira, “A ideia de Soberania está ligada ao Estado federal no plano internacional, enquanto a ideia de Autonomia é imprescindível para figurar a federação no plano interno.” (g. o.) 89. Dito isso, relembramos que a Constituição Federal é o instrumento que regula as relações entre estas pessoas. Assim nos ensina Paulo de Barros Carvalho:

Convivem, harmonicamente, os Estados-membros e a União, como pessoas políticas distintas e autônomas, que encontram no Diploma Básico a fonte superior de suas prerrogativas e de suas limitações. Não há superioridade entre as unidades federadas, assim como entre elas e a 90 pessoa União. .

Claro, portanto, a isonomia entre as pessoas políticas, posto que não exista relação de submissão entre as pessoas políticas. Entretanto, acrescenta Regina Helena Costa, que,

As pessoas políticas não podem tributar-se, umas às outras, por via de impostos, não somente por ausência de capacidade contributiva, que dá suporte a essa imposição fiscal, (...) mas também porque são entes iguais entre si, ideia incompatível com a de jus imperiae, fundamentadora da 91 exigência de impostos. .

Diante disso, resta claro que os entes federados estão em pé de igualdade e, por isso, não podem onerar uns aos outros por meio de impostos. No entanto, os municípios ficam sujeitos a fazer parte do polo passivo da regra matriz de incidência? Ficariam eles excluídos do campo imunitário?

89

VIEIRA, José Roberto. Princípios Constitucionais e Estado de Direito. Revista de direito tributário. São Paulo: Malheiros, n. 54, ou./dez. 1990. p.102. 90 CARVALHO, 2011, p. 203-204. 91 COSTA, 2011, p. 120.

46

De antemão, afirmamos que os municípios são albergados pela imunidade, bem como tal sujeição seria inconstitucional, por força do princípio da autonomia municipal, objeto de estudo de nosso próximo subitem.

5.2 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA MUNICIPAL

A Constituição, em seus arts. 29 e 30 cingiu o princípio da autonomia municipal e, conferiu a estas pessoas políticas poder para instituir suas próprias leis, executá-las e como a julgá-las, tendo, como suas únicas limitações, aquelas previstas na Lei Maior 92. Cabe aqui citar as lições de Roque Antonio Carrazza, uma vez que, “De fato, os Municípios não influem, nem muito menos decidem, no Estado Federal. Dito de outro modo, não participam da vontade jurídica nacional.”

93

Sendo, por isso,

autônomos. É importante notar que, em que pese não fazerem parte da federação, os municípios receberam, utilizando o vocábulo de Paulo de Barros Carvalho, dignidade constitucional

94

, servindo de complemento ao pacto federativo, no que toca a

organização do estado brasileiro. Mas o que caracteriza este princípio? Mais uma vez, Roque Antonio Carrazza nos elucida o questionamento, propondo que,

A autonomia municipal, (...), é a faculdade que a pessoa política Município tem de, dentro do círculo de competência pré-traçado pela Constituição, organizar, sem interferências, seu governo e estabelecer, sponte própria, 95 suas normas jurídicas.

92

CARRAZZA, 2011, p. 178. Ibid., p. 177. 94 CARVALHO, 2011. p. 204. 95 CARRAZZA, 2011, p. 178. 93

47

Daí que extraímos a competência residual para legislar sobre assuntos de seu interesse

96

, podendo, assim, instituir a legislação tributária que lhe for conveniente,

observando, claro, os freios que lhe forem impostos pela Carta Magna. Finalmente, arremata Roque Antonio Carrazza, afirmando que “Instituindo e arrecadando livremente seus tributos, o Município reafirma sua ampla autonomia, em relação às outras pessoas políticas.” 97. Portanto, temos que os Municípios detém isonomia uns em relação aos outros, bem como complementam o pacto federativo, na medida em que legislam sobre matérias de relevância específica, não podendo sofrer qualquer tipo de transgressão por parte de qualquer um dos entes federados, também por força da isonomia das pessoas políticas, sob pena de intervenção federal 98. Feitas estas considerações acerca do princípio da autonomia municipal, concluímos nosso exame sobre as fundações da imunidade recíproca, no entanto, é pertinente tratarmos sobre um último princípio que, em razão de sua ausência nas relações entre as pessoas políticas, merece destaque em nosso trabalho: o princípio da capacidade contributiva.

5.3 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O princípio da capacidade contributiva está elencado no art. 145, § 1, da Constituição, que dispõe:

art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: § 1.º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos

96

BRASIL. Legislação. Constituição Federal da República Federativa do Brasil (1988). 7.ed. São Paulo: Saraiva. 2011. “Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local;”. 97 CARRAZZA, op. cit., p. 194. 98 Ibid., p. 192.

48

individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades 99 econômicas do contribuinte. .

Notamos, pois, que se trata de uma norma de estrutura que determina a postura do legislador infraconstitucional quanto à edição de futuras normas, devendo estas, possuírem caráter personalíssimo em face de seus destinatários. É o que ensina Roque Antonio Carrazza:

Importante destacar, ainda, que o legislador deve, enquanto descreve a norma jurídica instituidora dos impostos de caráter pessoal (...), não só escolher fatos que exibam conteúdo econômico (...), como atentar às desigualdades próprias das diferentes categorias de contribuintes. Noutras palavras, a norma jurídica tributária deve trazer em seu bojo elementos suficientes para que, no momento da aplicação ao caso concreto, as especificidades econômicas de cada contribuinte, isoladamente 100 . considerado, sejam levadas em conta (...).

Ainda, pontua com maior precisão, Regina Helena Costa, lecionando que,

No plano jurídico-positivo, a capacidade contributiva significa que um sujeito é titular de direitos e obrigações com fundamento na legislação tributária vigente, que é quem vai definir aquela capacidade e seu âmbito. No plano ético-econômico, por sua vez, relaciona-se com a justiça econômica material. Aqui se designa por “capacidade contributiva” a aptidão econômica do sujeito para suportar ou ser destinatário de impostos, que depende de dois elementos: o volume de recursos que o sujeito possui para satisfazer o 101 gravame e a necessidade que tem de tais recursos. .

Dito isso, verificamos que, grosso modo, o princípio da capacidade contributiva leva a norma a analisar a situação econômica do sujeito obrigado a recolher determinado tributo aos cofres públicos. Com efeito, vislumbramos que há no espírito da norma, a premissa de alcance da justiça fiscal 102, como bem lembra Kiyoshi Harada.

BRASIL. Legislação. Constituição Federal da República Federativa do Brasil (1988). 7.ed. São Paulo: Saraiva. 2011. 100 CARRAZZA, 2011, p. 102. 101 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 26. 102 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 18.ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 362. 99

49

Assim, podemos extrair deste raciocínio que o princípio da capacidade contributiva traz consigo o princípio da isonomia combinado com o princípio da justiça. A relevância do tema em análise para nosso estudo é que, por conta de todo o exposto, é impossível se pretender onerar os entes políticos uma vez que estes não detém capacidade contributiva, haja vista que dispõem apenas de bens públicos que, por sua vez, são impenhoráveis 103. Logo, constatamos que a ausência de capacidade contributiva das pessoas políticas fundamenta, conjuntamente com o princípio federativo e o princípio da autonomia municipal, a imunidade recíproca.

5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Exaurido o estudo sobre princípios que dão assento a imunidade recíproca, faremos breves considerações acerca da extensão da aplicabilidade do dispositivo constitucional. Extraímos da leitura da parte final do art. 150, VI, a, da Constituição, que a expressão “patrimônio, rendas ou serviços”, é utilizada pelo constituinte. Ela é reiterada na letra “c”, e também no § 3º e § 4º. Evidente, portanto, que o constituinte veda a instituição de tributos sobre o patrimônio, rendas ou serviços, das pessoas a quem atribui imunidade. A partir da simples leitura da previsão constitucional e, numa reflexão superficial, concluiremos que as imunidades estendem-se apenas as hipóteses mencionadas. Nas palavras de Aliomar Baleeiro, “(...) do que se infere a exclusão de outras atividades estranhas a tais finalidades, como, por exemplo, a venda de veículo e outros bens a terceiros (...)”

104

. Ficando, assim, algumas atividades

excluídas do manto imunizante e causando tal confusão. Contudo, esclarece-nos Roque Antonio Carrazza que,

103 104

CARRAZZA, 2011, p. 806. BALEEIRO, 2010, p. 413.

50

(...) a Constituição usou, nesta passagem (como em tantas outras), de linguagem econômica e, portanto, não-jurídica. Lembramos que, para a Economia, todos os impostos ou são sobre a renda, ou sobre o patrimônio 105 ou sobre serviços. .

Logo, vislumbra-se que a confusão não passou de um mero descuido linguístico por parte do legislador constituinte, esclarecida, portanto, a obscuridade acerca da questão. No entanto, ainda é necessário ponderarmos sobre a redação do § 3º do art. 150, VI, da CF, que transcrevemos abaixo:

As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

Do excerto, extraímos que a imunidade recíproca, ou a permissão para não recolher tributos não se estende à totalidade das atividades realizadas pelo ente político. Hugo de Brito Machado nos ensina que,

A imunidade não se aplica (a) ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados; (b) ou em que haja 106 contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. .

Concluímos, portanto, que a aplicabilidade do princípio da imunidade recíproca se estende apenas as hipóteses em que não há exploração de atividade econômica de caráter privado (ou seja, que tenham finalidade lucrativa) e, nos casos em que houver contraprestação ou pagamento pelos serviços prestados. A análise deste tema – a extensão da aplicabilidade do princípio da imunidade recíproca - é o problema objeto de nosso estudo, uma vez que as empresas públicas são regidas pelo regime jurídico de direito privado (art. 173, II,), conforme determina 105 106

CARRAZZA, 2011, p. 790. MACHADO, 2006, p. 297.

51

a Constituição e, assim, não estão aptas a receberem privilégios fiscais também por força de previsão constitucional (art. 173, § 2º), muito embora devam ser albergadas por este instituto.

6 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA – EMPRESAS ESTATAIS

Neste capítulo, passamos a analisar as figuras da administração pública relevantes a nossa pesquisa: as empresas públicas e as sociedades de economia mista. As autarquias e as fundações Públicas, que também fazem parte da administração indireta, serão postas de lado, uma vez que estão protegidas pela imunidade recíproca por previsão constitucional (art. 150, VI, § 2º.)

107

, em razão de

sua natureza jurídica. É necessário esclarecer que o presente tópico propõe o exame das Empresas Estatais justamente para atestar que há confusão sobre o regime jurídico a elas estipulado quando delegatárias de serviços públicos e, quando ausentes de capacidade contributiva, bem como afastada a consecução de fins lucrativos. Isto porque, as autarquias, como ensina Marçal Justen Filho, visam a desempenhar atividades administrativas

108

, que seriam, segundo a lição de Celso

Antônio Bandeira de Mello, direitos e obrigações do estado

109

, e que, no entanto,

são delegadas a estas pessoas jurídicas. Logo, quando uma empresa estatal que, assim como as autarquias, deve ser necessariamente criada por lei, exerce atividade administrativa (prestação de serviço público) – nos termos descritos acima -, deve ela ser considerada uma

107

BRASIL. Legislação. Constituição Federal da República Federativa do Brasil (1988). 7.ed. São Paulo: Saraiva. 2011. “§ 2. º A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações públicas instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas funções essenciais ou às delas decorrentes.”. 108 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 116. 109 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 146.

52

pessoa jurídica de Direito Público e não de Direito Privado, ao contrário do que determina o inciso II, do art. 173, da Constituição 110. É esta a reflexão de Roque Antonio Carrazza:

Podemos proclamar, pois, que, neste caso, as sociedades de economia mista e as empresas públicas, pelas atribuições delegadas de Poder Público que exercitam, são, tão-só quanto à forma, pessoas de Direito Privado. Quanto ao fundo, são instrumentos do Estado, para a prestação de serviços públicos. Na medida em que criadas pela lei, com a específica finalidade de leva-los adiante, acabam fazendo as vezes das autarquias, embora – damo-nos pressa em proclamar – com elas não se confundam. (g. 111 o.) .

Feitas estas considerações iniciais, acrescento que iremos aprofundar este raciocínio no próximo capítulo, quando tratarmos especificamente da aplicabilidade da imunidade recíproca às empresas estatais. Por enquanto, vamos estudar as características que definem as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

6.1 EMPRESAS PÚBLICAS

Empresa pública é, segundo a definição de Marçal Justen Filho,

Uma pessoa jurídica de direito privado, dotada de forma societária, cujo capital é de titularidade de pessoas de direito público e cujo objeto social é a 112 exploração de atividade econômica ou a prestação de serviço público. .

Assim, destacamos quatro pontos fundamentais das empresas públicas: 1) São pessoas jurídicas de direito privado; 2) constituídas como sociedade empresarial; 3) tendo seu capital social distribuído em cotas e controlada por pessoa

110

BRASIL. Legislação. Constituição Federal da República Federativa do Brasil (1988). 7.ed. São Paulo: Saraiva. 2011. “II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;”. 111 CARRAZZA, 2004, p. 40-41. 112 JUSTEN FILHO, 2006, p. 125.

53

de direito público; 4) sendo seu objeto social a exploração de atividade econômica ou a prestação de serviço público. Diante disso, passamos a analisar com maior vagar cada uma destas características. Na medida em que são pessoas jurídicas de direito privado, elas possuem, conforme a explicação de Marçal Justen Filho, autonomia organizacional e titularidade de patrimônio próprio

113

, não ficando vinculadas, portanto, à entidade

política, apenas a lei que lhe criou. Levando em conta o fato de serem regidas pelo regime jurídico de direito privado, pode se dizer que elas também não estão atreladas a determinadas imposições de direito público, lembrando, novamente, que o único compromisso que possuem, é para com a lei que deu ensejo a sua criação. Ao analisarmos a constituição da empresa pública, verificamos que qualquer seja a forma societária escolhida para se organizar, ela deve, por condição sine qua nom, ser controlada pessoa de direito público. Marçal Justen Filho esclarece que “Não existe definição precisa acerca da forma societária por meio da qual seria constituída a empresa pública.”

114

, sendo,

portanto, um tipo específico de sociedade. Ainda, Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece-nos uma imprecisão linguística sobre o art. 5º do Decreto-lei 200 (que dispõe sobre a organização da Administração Pública Federal), combinado com o art. 5º do Decreto-lei 900 (que alterou certas disposições sobre o Decreto-lei 200), posto que as empresas públicas somente pudessem ser aquelas criadas e constituídas com o capital da União

115



clara a extensão da disposição legal, uma vez que qualquer outra pessoa de direito público detém competência para constituir empresas públicas, seja por força da fungibilidade do instituto, ou pela eventual necessidade de atendimento ao interesse público, tanto para a exploração de atividade econômica, quanto para prestação de serviços públicos. Finalmente, o tópico mais importante referente às características das empresas públicas, é para nós, o objeto social da empresa pública.

113

JUSTEN FILHO, loc. cit. JUSTEN FILHO, loc. cit. 115 MELLO, 2006, p. 172-173. 114

54

O objeto das empresas públicas pode ser: a) exploração de atividade econômica ou; b) prestação de serviços públicos. É fundamental observarmos as diferenças entre empresas públicas que prestam de serviços públicos das empresas públicas que exploram atividade econômica. Sobre a distinção destes tipos de objeto social, trago aqui um excerto do voto do Ministro Carlos Velloso proferido nos autos do Recurso Extraordinário n. 407.0995, que consignou:

É preciso distinguir as empresas públicas que exploram atividade econômica, que se sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto as obrigações trabalhistas e tributárias (C.F., art. 173, § 1º), daquelas empresas públicas prestadoras de serviços públicos, cuja natureza jurídica é de autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no § 1º do art. 173 da Constituição, sujeitando-se tais empresas prestadoras de serviço público, inclusive à responsabilidade objetiva (C.F., art. 37, § 6º). 116 .

Assim, verificamos que estes objetos sociais são diversos, pois, enquanto um tipo de objeto busca proteger determinado segmento econômico, o outro busca a satisfação do bem comum. Dito isso, adiantamos que este argumento se aplica também às sociedades de economia mista, que serão examinadas no subitem a seguir.

6.2 SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

Conforme exposto anteriormente, as sociedades de economia mista fazem parte da administração indireta, almejando a captação de recursos da iniciativa privada para realizar os fins previstos em seus objetos sociais. Marçal Justen Filho define sociedade de economia mista como:

116

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 407.099-5. Relator: Ministro Carlos Velloso. Diário de Justiça da União, Brasília, 06 ago. 2004.

55

Uma sociedade anônima sujeita a regime diferenciado, sob o controle de entidade estatal, cujo objeto social é a exploração de atividade econômica 117 ou a prestação de serviço público. .

Consideramos,

portanto,

que

as

três

características

marcantes

das

sociedades de economia mista: 1) São elas, sociedades anônimas; 2) Controladas por entidade estatal; 3) para fins de explorar atividade econômica ou prestar serviço público. Levando em conta que mencionamos logo acima a diferenciação entre empresa estatal – no caso, as empresas públicas – que explora atividade econômica e que presta serviço público, deixaremos de analisar esta característica a fim de evitar redundâncias. Sendo assim, as sociedades de economia mista organizam-se como sociedades anônimas, obedecendo, portanto, as disposições da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/67 – que, inclusive, trata sobre as sociedades de economia mista entre os arts. 235 a 241). Logo, faz-se necessário entender o que é uma sociedade anônima e como ela se estrutura. Vejamos as considerações de Fábio Tokars:

As sociedades anônimas (principalmente se consideradas as abertas) foram concebidas como instrumentos para a obtenção de elevados recursos, necessários ao desenvolvimento de atividades econômicas de grande porte. Facilita-se o ingresso de investidores e desta forma evitando a necessidade de captação de recursos junto às instituições financeiras, em operações em que a incidência de elevados juros normalmente inviabiliza os investimentos pretendidos. Ao atrair acionistas, efetiva-se a captação de recursos sem a assunção de débitos (afinal, os acionistas são sócios, e não credores da 118 sociedades). .

Desta maneira, observamos que a fim de obter maiores recursos para custear o empreendimento, as sociedades anônimas dividem seu capital social em cotas. As companhias abertas recebem autorização da Comissão de Valores Mobiliários para

117

JUSTEN FILHO, 2006, p. 126. TOKARS, Fábio. Primeiros estudos de direito empresarial: teoria geral, direito societário, título de crédito, direito falimentar, contratos empresariais. 1.ed. São Paulo; LTr, 2007. p. 108. 118

56

oferecer suas cotas no mercado de ações, enquanto as companhias fechadas não fazem a oferta pública de suas ações 119. Aqueles que compram cotas desta sociedade anônima se tornam sócios da sociedade

anônima,

com

direitos

e

obrigações

específicos,

tendo

sua

responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas 120

e recebem, pela sua participação na sociedade, a parte que lhe cabe da divisão

dos lucros da companhia: os dividendos. É imperioso registrar que as sociedades anônimas devem escolher democraticamente seus administradores, que ficam encarregados de dirigir a empresa de forma suplementar

121

às deliberações do sócio (ou dos sócios) que

detém o controle acionário 122. Marçal Justen Filho aduz dizendo que “O poder de controle consiste no poder jurídico de determinar o destino da sociedade, o que se traduz na eleição ad maioria dos administradores da companhia, submetendo-os à observância de diretivas e orientações.” 123. Diante disso, impende acrescentarmos que o controle acionário das sociedades de economia mista reside com a entidade estatal responsável pela exploração da atividade econômica ou da prestação de serviços. Daí a denominação “economia mista”, uma vez que o capital social recebe participação da iniciativa privada e deve devolver o lucro em dividendos a seus sócios. Por fim, reiteramos que não é possível conceber uma sociedade de economia mista em que o controle acionário não esteja sob a guarda da pessoa política competente para instituí-la. Se assim não o fosse, não estaríamos falando de uma sociedade de economia mista, e sim, de uma sociedade anônima.

119

Ibid., p. 109. TOKARS, loc. cit. 121 Ibid., p. 120-121. 122 Ibid., p. 124-125. 123 JUSTEN FILHO, 2006, p. 128. 120

57

6.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do exame das empresas estatais supramencionadas, conseguimos traçar algumas características comuns entre elas. As empresas estatais são sempre criadas por meio de lei, impedindo que estas escapem de perseguir os fins aos quais foram concebidas e, também, devem atuar em determinado setor econômico, por outorga de pessoa política competente para sua administração. Sendo assim, atestamos que a entidade estatal delega o desempenho da atividade econômica a ser explorada ou do serviço a ser prestado, em razão da importância da atividade a ser explorada. Façamos a seguinte reflexão: O legislador constituinte distribuiu competência aos entes federados e aos municípios para cuidar de determinados assuntos em função de sua relevância ao interesse público

124

. Como via de regra, as atividades reguladas pelo Poder Público

para explorar atividade econômica ou prestar serviços públicos não são passíveis de exploração/prestação pela iniciativa privada, uma vez que o livre jogo das forças do livre mercado tendem, intrinsecamente, à instabilidade e, por conseguinte, influem diretamente sobre a soberania nacional 125. Diante disso, pode-se fazer necessário o estabelecimento da tutela destes campos econômicos através das empresas estatais – administração indireta. Contudo, o desempenho das atividades de algumas empresas estatais pode ser muito problemático. Vejamos: No caso da prestação de serviço público, esta prestação deve, simplesmente, ser realizada. Portanto, se existe prestação de serviços de interesse público cuja competência seja exclusiva de pessoa política sendo, então, delegada a uma empresa estatal, tal necessidade deve ser suprida. Não interessa, aqui, a rentabilidade da empresa por força do princípio da supremacia do interesse público 124

SILVA, 2009, p. 477. CARRAZZA, 2004, p. 39: “(...) é ponto bem averiguado que algumas atividades só podem ser exploradas pelo Estado, no Brasil representado pelas pessoas políticas (a União, os Estadosmembros, os Municípios e o Distrito Federal). É que a Constituição entendeu que elas são tão essenciais, ou dizem tão perto com a soberania nacional, que não convém naveguem ao sabor da livre concorrência.” 125

58

sobre o interesse privado. Concluímos, então, que pode uma empresa estatal ser deficitária em razão da atividade que exerce, caso o custo do serviço seja maior que o valor da receita de sua venda. Esclarece-nos Roque Antonio Carrazza:

É que o serviço público vem prestado por determinação legal; não porque foi remunerado por meio de taxa, preço ou tarifa. Logo, há de surdir, ainda que tal pagamento se revele insuficiente para manter o equilíbrio econômico-financeiro da delegatária. Dito de outro modo, recebendo remuneração insuficiente (ou até nada recebendo), a delegatária é obrigada 126 a prosseguir em suas finalidades, legalmente estabelecidas. (g. o.)

Com efeito, a empresa estatal delegatária de serviços públicos fica vinculada ao serviço que presta por determinação legal, independentemente de seu equilíbrio econômico-financeiro. É o que constata, mais uma vez, Roque Antonio Carrazza, ao dizer que:

Sobremais, o serviço público é indisponível. Melhor dizendo, a empresa estatal delegatária presta-o, nos termos da lei, para atender, conforme determina a Constituição, ao interesse público. Trata-se de um ônus, não de uma faculdade. Res extra commercium, é insuscetível de negociação, que da parte delegatária (que é obrigada a prestá-lo, nos termos da lei), quer do usuário (que, para ele ter acesso, deve curvar-se às exigências legais 127 pertinentes. .

Por esta impossibilidade de recusa diante da prestação de serviço, não estaria, neste momento, a empresa estatal atuando justamente como longa manus do estado? É este o tema sob a análise de nosso próximo capítulo.

126 127

CARRAZZA, 2011, p. 794. Id., 2004, p. 33.

59

7 APLICABILIDADE

Chegamos, enfim, a parte final de nosso estudo, em que estudaremos a aplicabilidade da imunidade recíproca sobre as empresas estatais. Em breve retrospectiva, vimos que: a) as imunidades são normas jurídicas constitucionais tributárias, que dispõem a incompetência das pessoas políticas para tributar determinadas pessoas em/e/ou situações específicas; b) a imunidade recíproca determina a incompetência das pessoas políticas a tributarem-se umas às outras; c) as empresas estatais são pessoas jurídicas de direito privado, criadas por meio de lei pelos entes políticos, integrando, assim, a chamada “administração indireta”, bem como; d) as empresas estatais delegatárias de serviços públicos visam a realizar prestações à coletividade, para o fim de suprir as necessidades do interesse público. Diante disso, constatamos que as empresas estatais executam as atividades que foram atribuídas pelo constituinte às pessoas políticas, tornando-se, portanto, representantes destes no que toca à sociedade, contudo, sem perderem a sua autonomia

128

e personalidade jurídica, sendo assim, distintas das pessoas políticas

(e, por isso, sob o regime de direito privado). No entanto, como foi ensinado por Roque Antonio Carrazza anteriormente, as empresas estatais, enquanto delegatárias de serviços públicos tomam as feições de uma autarquia e, com isso, devem ser albergadas pelo § 2º, do art. 150, da Constituição. Impende mencionar que, mesmo não sendo mantidas pelo Poder Público, as empresas estatais, neste sentido o integram, tendo em vista sua função como delegatárias. Roque Antonio Carrazza nos explica que,

As empresas estatais, quando delegatárias de serviços públicos – e que, portanto, não exploram atividades econômicas -, não se sujeitam à tributação por meio de impostos justamente porque são a longa manus das pessoas políticas que, por meio de lei, as criam e lhes apontam os objetivos públicos a alcançar.

128

Autonomia, como vimos acima, que deve ser relativizada, pois está preestabelecida pelos alicerces da lei que a criou.

60

A circunstância de serem revestidas da natureza de empresa pública ou de sociedade de economia mista não lhes retira a condição de pessoas administrativas, que agem em nome do Estado, para a consecução do bem 129 comum. (g. o.) .

Regina Helena Costa aprofunda a análise deste fenômeno, esclarecendo que:

O raciocínio resume-se no seguinte: se o serviço público for prestado diretamente pela pessoa política estará, indubitavelmente, imune à tributação por via de impostos. Ora, a mera delegação da execução desse serviço público, pela pessoa que e titular da competência para prestá-lo à coletividade, por meio de lei, a uma empresa por ela instituída – empresa pública ou sociedade de economia mista -, que se torna delegatária do serviço, não pode, portanto, alterar o regime jurídico – inclusive tributário – que incide sobre a mesma prestação.

A descentralização administrativa, como expediente destinado a garantir maior eficiência na prestação de serviços públicos (art. 37, caput, da CF), não tem o condão de alterar o tratamento a eles dispensado, consagrador 130 da exoneração tributária concernente a impostos. .

Logo, pelas razões acima expostas, vemos que resta clara a extensão do princípio da imunidade recíproca às empresas estatais. Entretanto, nos adiantamos em dizer que a extensão do princípio da imunidade recíproca não deve ser generalizada e muito menos, aplicada irrefletidamente. Sendo assim, vamos analisar as hipóteses de imunidade que incidem sobre as empresas estatais.

129 130

CARRAZZA, 2004, p. 38. COSTA, 2001, p. 144.

61

7.1 IMUNIDADE RECÍPROCA APLICADA ÀS EMPRESAS ESTATAIS EM REGIME DE MONOPÓLIO

No caso do monopólio, temos a mais clara expressão da aplicabilidade do princípio da imunidade recíproca às empresas estatais, pois, não havendo concorrência no campo econômico, a empresa estatal é indiscutivelmente a longa manus do Estado. Verifica-se, ainda, que esta posição foi corretamente consolidada pelas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nos julgados do Recurso Extraordinário n. 407.099-5

131

, em que litigavam a Empresa Brasileira de Correios e

Telégrafos – ECT, e Município de São Borja, e também no Agravo em Recurso Extraordinário n. 363.412-7

132

, em que eram partes o Município de Salvador e a

empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – INFRAERO. 131

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 407.099-5. Relator: Ministro Carlos Velloso. Diário de Justiça da União, Brasília, 06 ago. 2004. “EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido.”. 132 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo em Recurso Extraordinário n. 363.412-7. Relator: Ministro Celso de Mello. Diário de Justiça da União, Brasília, 18 set. 2008. “E M E N T A: INFRAERO - EMPRESA PÚBLICA FEDERAL VOCACIONADA A EXECUTAR, COMO ATIVIDADEFIM, EM FUNÇÃO DE SUA ESPECÍFICA DESTINAÇÃO INSTITUCIONAL, SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA - MATÉRIA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE MONOPÓLIO ESTATAL (CF, ART. 21, XII, "C") - POSSIBILIDADE DE A UNIÃO FEDERAL OUTORGAR, POR LEI, A UMA EMPRESA GOVERNAMENTAL, O EXERCÍCIO DESSE ENCARGO, SEM QUE ESTE PERCA O ATRIBUTO DE ESTATALIDADE QUE LHE É PRÓPRIO - OPÇÃO CONSTITUCIONALMENTE LEGÍTIMA - CRIAÇÃO DA INFRAERO COMO INSTRUMENTALIDADE ADMINISTRATIVA DA UNIÃO FEDERAL, INCUMBIDA, NESSA CONDIÇÃO INSTITUCIONAL, DE EXECUTAR TÍPICO SERVIÇO PÚBLICO (LEI Nº 5.862/1972) - CONSEQÜENTE EXTENSÃO, A ESSA EMPRESA PÚBLICA, EM MATÉRIA DE IMPOSTOS, DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL FUNDADA NA GARANTIA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA (CF, ART. 150, VI, "A") - O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DESSA GARANTIA CONSTITUCIONAL, QUE TRADUZ UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DO POSTULADO DA FEDERAÇÃO - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DA INFRAERO, EM FACE DO ISS, QUANTO ÀS ATIVIDADES EXECUTADAS NO DESEMPENHO DO ENCARGO, QUE, A ELA OUTORGADO, FOI DEFERIDO, CONSTITUCIONALMENTE, À UNIÃO FEDERAL - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - AGRAVO IMPROVIDO. - A INFRAERO, que é empresa pública, executa, como atividade-fim, em regime de monopólio, serviços de infraestrutura aeroportuária constitucionalmente outorgados à União Federal, qualificando-se, em razão de sua específica destinação institucional, como entidade delegatária dos serviços públicos a que se refere o art. 21, inciso XII, alínea "c", da Lei Fundamental, o que exclui essa empresa governamental, em matéria de impostos, por efeito da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, "a"), do poder de tributar dos entes políticos em geral. Conseqüente inexigibilidade, por parte do Município

62

Nesta oportunidade, consignou-se na jurisprudência o entendimento de que as empresas estatais – no caso, empresas públicas – são albergadas pela imunidade recíproca independentemente de seu regime jurídico, reforçando a tese sustentada acima por Regina Helena Costa e por tantos outros doutrinadores. Contudo, será possível conceber a imunidade recíproca se aplicada em regime de concorrência? É o que passamos a analisar.

7.2 IMUNIDADE RECÍPROCA APLICADA AOS SERVIÇOS ESSENCIAIS DAS EMPRESAS ESTATAIS EM REGIME DE CONCORRÊNCIA

Vimos no subitem anterior que está consolidado pela doutrina e pela jurisprudência a aplicação da imunidade recíproca sobre as empresas estatais em regime de monopólio, mas que dizer sobre esta aplicação em regime de concorrência? A nosso ver, consideramos possível a aplicação do dispositivo imunizante mesmo em regime de concorrência, se considerado o raciocínio que decorre da distinção entre os tipos de serviços públicos como privativos e não privativos. Consideram-se

serviços

públicos

privativos

aqueles

expressamente

esculpidos no corpo da Lei Maior. Do outro lado, encontram-se os serviços públicos não privativos, que podem ser desenvolvidos tanto pelo Estado quanto pelo setor privado 133.

tributante, do ISS referente às atividades executadas pela INFRAERO na prestação dos serviços públicos de infra-estrutura aeroportuária e daquelas necessárias à realização dessa atividade-fim. O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA, QUE REPRESENTA VERDADEIRA GARANTIA INSTITUCIONAL DE PRESERVAÇÃO DO SISTEMA FEDERATIVO. DOUTRINA. PRECEDENTES DO STF. INAPLICABILIDADE, À INFRAERO, DA REGRA INSCRITA NO ART. 150, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO. - A submissão ao regime jurídico das empresas do setor privado, inclusive quanto aos direitos e obrigações tributárias, somente se justifica, como consectário natural do postulado da livre concorrência (CF, art. 170, IV), se e quando as empresas governamentais explorarem atividade econômica em sentido estrito, não se aplicando, por isso mesmo, a disciplina prevista no art. 173, § 1º, da Constituição, às empresas públicas (caso da INFRAERO), às sociedades de economia mista e às suas subsidiárias que se qualifiquem como delegatárias de serviços públicos.”. 133 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros. 2007. p. 123-124.

63

Veja-se, portanto, que se aplica, indubitavelmente, às empresas estatais prestadoras de serviços públicos privativos a imunidade recíproca, tendo em vista a exclusividade da prestação. Isso porque, como vimos anteriormente, a delegação de competência para administrar serviços públicos decorre da importância atribuída pelo legislador constituinte à essencialidade do serviço e/ou do seu impacto sobre a soberania do Estado. Evidente, então, que ao delegar a prestação do serviço à empresa estatal, a tarefa de cuidar do setor econômico foi transmitida do ente político competente – e, portanto, responsável – à empresa estatal. Diante disso, deduzimos que, via de regra, o trato da prestação de serviços deve ser executado pela empresa estatal. Contudo, o que dizer sobre as empresas estatais que desenvolvem prestação de serviço público não privativo? Pelos ensinamentos de Eros Grau, vislumbramos que, neste âmbito, podem empresas estatais concorrer com empresas privadas no desenvolvimento de serviços públicos, tais como educação e saúde, entre outros. Dito isso, acreditamos que não deve ser afastada a imunidade das estatais, vez que ao realizar a prestação de serviços públicos, a empresa estatal continua a fazer às vezes do Estado. Por este motivo, deve ter preferência na prestação do serviço, haja vista as garantias fundamentais asseguradas pela Constituição Federal em seu art. 6º 134. Isso porque, a simples concorrência, não exclui o caráter de pessoa administrativa que se afeiçoa a empresa estatal. Pois, a priori, a prestação de serviços públicos será sempre de competência e responsabilidade do Estado. Ao realizar a prestação, a empresa estatal atua como se este fosse em face da coletividade. Note-se, pois, que a empresa estatal, enquanto prestadora de serviço público, ainda que não privativo, o faz sob o regime jurídico diferenciado da empresa privada, tendo em vista o objetivo de atingir o bem comum, como determina a lei que a criou.

134

BRASIL. Legislação. Constituição Federal da República Federativa do Brasil (1988). 7.ed. São Paulo: Saraiva. 2011: “Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”.

64

Logo, vemos que, neste caso, ocorre a transferência de titularidade sobre a prestação de serviço público do ente político para a empresa estatal. Assim, nos deparamos com uma empresa que, somente quanto a forma, está constituída sobre o regime de direito privado, pois, atua como se pessoa administrativa fosse. Utilizando-nos da analogia, é bem verdade que diversas autarquias – albergadas constitucionalmente pela imunidade recíproca – atuam nas áreas que lhes foram delimitadas em regime de concorrência com instituições privadas e, ainda assim, não lhes é suprimida a imunidade recíproca, posto que a imunidade não afeta as relações econômicas entre os concorrentes, nem sequer beneficia injustamente a empresa estatal em detrimento das empresas privadas, uma vez que a imunidade deve se estender apenas as finalidades essenciais da estatal e, como mencionamos acima, a empresa estatal é titular das prerrogativas para a prestação do serviço público ficando, também por isso, a frente das empresas privadas. Frise-se que a tese em desenvolvimento não implicaria em ofensa ao princípio da igualdade na livre concorrência, uma vez que não seria concedido nenhum benefício fiscal indevido à empresa estatal, havendo, sim, aplicação direta do princípio da isonomia, em razão do regime jurídico diferenciado que possui a empresa estatal. Como participante da administração indireta e representante do estado frente à coletividade, a empresa estatal está destituída de capacidade contributiva. Qualquer vínculo obrigacional contraído pela empresa estatal pode implicar em graves consequências sobre a sua organização financeira (“the power to tax involves the power to destroy”). Não há que se dizer que a empresa privada, que optou por desenvolver atividade econômica de prestação de serviços públicos, estaria prejudicada pela imunidade das estatais, pois, decidiu adentrar em campo prestacional de titularidade – ainda que não exclusiva – do Estado. Nesse caso, a empresa privada não estaria exercendo, propriamente, o regime de concorrência com a empresa estatal, exatamente porque vem realizar a atividade com a finalidade de suprimir certa deficiência do Estado sobre determinada prestação de serviço público. Veja-se, que o fenômeno que se apresenta neste caso, não é o da concorrência entre a empresa estatal e a empresa privada sobre determinado setor

65

de prestação de serviço público. Há, aqui, a incursão de empresas privadas sobre campo de atividade prestacional de competência implícita do estado, que deveria administrá-lo através de empresas estatais. Com efeito, as empresas privadas vêm suprir faltas sociais, tendo em vista a costumeira impotência da prestação de serviços públicos, em virtude das políticas públicas de direito financeiro. Realizando estas prestações de forma onerosa, as empresas privadas tornam-se cientes do risco assumido sobre a atividade que desenvolvem, e não o fariam se não fosse vantajoso, financeiramente. Vemos, assim, que resta configurada, portanto, a capacidade contributiva destes em contraste às empresas estatais. Ainda, se considerarmos a possibilidade da prestação de serviço público pelas empresas privadas ser mais eficiente do que a oferecida pela empresa estatal, vislumbraremos um quadro de letargia da estatal, situação esta que, além de não atender ao princípio da eficiência, afetaria profundamente a estrutura econômica da estatal, bem como a administração da prestação. Assim, temos que a simples concorrência não é razão suficiente para afastar a imunidade recíproca das estatais, pois a aplicabilidade desta imunidade é conferida apenas a suas finalidades essenciais, em função dos objetivos perseguidos pela empresa estatal (sejam estes delegados pelo ente político, ou simplesmente visando atender ao interesse público) e, também, por ser a titular das prerrogativas para a sua realização. Outrossim, impende mencionar que a presente atuação da iniciativa configura, por si só, o status de longa manus do estado, suprindo as faltas apontadas acima. Entretanto, reiteramos que a imunidade recíproca deve ser aplicada apenas aos serviços essenciais prestados pelas estatais, ou seja, apenas àqueles serviços discriminados na lei que deu ensejo a sua criação e pelos quais fica vinculada à prestação devem ser imunes à tributação pela via dos impostos. Este raciocínio decorre da interpretação do § 2º, do art. 150, da Constituição, que prevê a extensão da imunidade recíproca apenas “ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”.

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Portanto, ao que parece, a empresa estatal ao prestar serviço diverso daquele pelo qual foi criada, ultrapassa as balizas constitucionais da imunidade que lhe foi concedida, aí sim, havendo ofensa ao princípio da lealdade de concorrência. Assim, temos que a estatal não deve extrapolar os limites dispostos pela lei que a criou, nem os limites estabelecidos pela Constituição, no que toca a aplicabilidade da imunidade recíproca, pois, caso uma empresa estatal incorra numa das hipóteses de incidência de atividade diversa daquela preestabelecida em lei, deve, consequentemente, proceder ao recolhimento da exação devida, haja vista o excesso na condução da prestação dos serviços que lhe competem. Desta maneira, é possível vislumbrar os limites da imunidade recíproca das estatais delineado na própria Constituição, bastando equipará-las – para estes fins ao tratamento reservado às autarquias e fundações públicas. Fazemos apenas uma ressalva final, registrando que, independentemente da tese que foi sustentada acerca da aplicabilidade da imunidade recíproca em regime de concorrência, devem sempre serem observadas as particularidades do caso concreto, ponderando acerca das consequências jurídicas possíveis de serem desencadeadas sobre a aplicação ou não-aplicação da imunidade.

6.3 IMUNIDADE RECÍPROCA APLICADA ÀS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS E EXPLORADORAS DE ATIVIDADE ECONÔMICA

Neste ponto, se faz necessário analisar este subitem com certa cautela, uma vez que, como exposto acima, as sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado que captam recursos para realizar seus fins através de participação de capital privado e, como também foi dito acima, devem devolver parte dos rendimentos aos seus sócios acionistas, estes, chamados de dividendos. Sobre este obstáculo, Roque Antonio Carrazza posiciona-se no sentido de que:

Se uma estatal receber o nomem iuris de sociedade de economia mista, mas seus capitais constitutivos forem exclusivamente governamentais, ou o

67

capital privado for insignificante ou, ainda, meramente simbólico, será verdadeira empresa pública, e como tal deverá ser tratada, inclusive para 135 fins processuais. (g. o.) .

Contudo, a sociedade de economia mista que não se enquadrar nos preceitos estabelecidos acima estará, assim, impedida de receber o manto imunizante. Verificamos, então, que se a sociedade de economia mista que tiver parcela de capital privado praticamente ínfima em relação à participação do capital público deve ser considerada empresa pública. Dito isso, devemos voltar às lições citadas acima, em que diferenciamos sociedade de economia mista que explora atividade econômica de sociedade de economia mista que presta serviços públicos. Vimos que a prestação de serviços públicos busca simplesmente atender a uma necessidade do interesse público, deixando de lado o fim lucrativo da prestação e, por algumas vezes, até não recebendo qualquer contraprestação pelo serviço prestado. Por não visar à obtenção de lucros como sua finalidade essencial, constatamos que estas sociedades de economia mista estão albergadas pela imunidade recíproca, uma vez que se configuram a elas o status de longa manus do Estado. No entanto, às sociedades de economia mista que exploram atividade econômica estão afastadas da salvaguarda constitucional, pois buscam o acúmulo de capital e, com isso, detém, além de capacidade contributiva, a obrigação de repasse dos lucros da empresa para seus acionistas. Ainda que fosse concedida a imunidade, seria inconcebível que uma sociedade de economia mista deixasse de recolher tributos pela exploração de atividade econômica e, posteriormente, acabasse por distribuir os valores devidos ao fisco para seus sócios. Neste mesmo sentido, decidiu acertadamente o Supremo Tribunal Federal no Agravo em Recurso Extraordinário n. 285.716, em que a Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS pleiteava a imunidade recíproca em face das exações exigidas pelo

135

CARRAZZA, 2004, p. 50.

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Município de Santos, em que se restou inadmitida a pretensão imunizante da sociedade de economia mista. 136. Diante do exposto, conclui-se que a imunidade recíproca se estende apenas as sociedades de economia mista que realizarem prestações de serviço, bem como que detenha pequena parcela de capital privado sobre a empresa.

136

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo em Recurso Extraordinário n. 285.716. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Diário de Justiça da União, Brasília, 26 mar. 2010. “EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA (ART. 150, VI, A DA CONSTITUIÇÃO). IMÓVEL UTILIZADO PARA SEDIAR CONDUTOS DE TRANSPORTE DE PETRÓLEO, COMBUSTÍVEIS OU DERIVADOS. OPERAÇÃO PELA PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. PETROBRÁS. MONOPÓLIO DA UNIÃO. INAPLICABILIDADE DA SALVAGUARDA CONSTITUCIONAL. 1. Recurso extraordinário interposto de acórdão que considerou tributável propriedade imóvel utilizada pela Petrobrás para a instalação e operação de condutos de transporte de seus produtos. Alegada imunidade tributária recíproca, na medida em que a empresa-agravante desempenha atividade sujeita a monopólio. 2. É irrelevante para definição da aplicabilidade da imunidade tributária recíproca a circunstância de a atividade desempenhada estar ou não sujeita a monopólio estatal. O alcance da salvaguarda constitucional pressupõe o exame (i) da caracterização econômica da atividade (lucrativa ou não), (ii) do risco à concorrência e à livre-iniciativa e (iii) de riscos ao pacto federativo pela pressão política ou econômica. 3. A imunidade tributária recíproca não se aplica à Petrobrás, pois: 3.1. Trata-se de sociedade de economia mista destinada à exploração econômica em benefício de seus acionistas, pessoas de direito público e privado, e a salvaguarda não se presta a proteger aumento patrimonial dissociado de interesse público primário; 3.2. A Petrobrás visa a distribuição de lucros, e, portanto, tem capacidade contributiva para participar do apoio econômico aos entes federados; 3.3. A tributação de atividade econômica lucrativa não implica risco ao pacto federativo. Agravo regimental conhecido, mas ao qual se nega provimento.”.

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CONCLUSÃO

Por todo o exposto, concluímos que o princípio da imunidade recíproca se aplica às empresas estatais, pois a vedação do art. 150, VI, a, da CF, visa a impedir que os entes políticos tributem-se uns aos outros. Assim, quando uma empresa estatal, recebe de um determinado ente político a delegação de prestar serviço público, ocorre à transfiguração da estatal, que passa a fazer às vezes do estado - como as autarquias - e, por isso, deve receber também a prescrição do § 2º deste art. 150 da CF, pois, neste sentido, foram equiparadas ao estado. Logo, podemos falar que as empresas estatais, como pessoas da administração indireta que são, estão escusadas de recolher tributos, tendo em vista que os valores obtidos pela estatal durante a prestação de serviço devem ser considerados dinheiro público. Ainda, empresas estatais que prestam serviços públicos não privativos, estariam também escusadas de recolher tributos, vez que têm preferência para prestá-los. Outrossim, empresas estatais que prestam serviço público não essencial e em regime de concorrência, estão sim obrigadas a recolher tributos, sob pena de violarem o princípio de direito econômico da lealdade de concorrência. Finalmente, afirmamos que a imunidade recíproca das empresas estatais, tanto em regime de monopólio quanto em regime de concorrência, aplica-se apenas aos seus fins essenciais, nunca ultrapassando os limites previstos pela Constituição (art. 150, §2º.).

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