A EXTRAFISCALIDADE E PROGRESSIVIDADE DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL: PROGRESSIVIDADE E PRODUTIVIDADE

June 13, 2017 | Autor: Francisco Bueno | Categoria: Direito, Rural Planning and Development, Brasil, Direito Tributário, Agronegócios
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A EXTRAFISCALIDADE E PROGRESSIVIDADE DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL: PROGRESSIVIDADE E PRODUTIVIDADE

Francisco de Godoy Bueno

Sumário 1.

Introdução.............................................................................................................. 3

2.

O Estatuto da Terra e a Empresa Rural .................... Erro! Indicador não definido.

3.

Função agrária do imóvel Rural .............................. Erro! Indicador não definido.

4.

A Fattispecie da empresa agrária em contradição com a empresa rural ............ Erro!

Indicador não definido. 5.

A garantia da Empresa Agrária ao empreendimento Erro! Indicador não definido.

6.

Considerações Finais .............................................. Erro! Indicador não definido.

7.

Bibliografia ............................................................. Erro! Indicador não definido.

A EXTRAFISCALIDADE E PROGRESSIVIDADE DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL: PROGRESSIVIDADE E PRODUTIVIDADE Francisco de Godoy Bueno1

1. Introdução O Anexo I da Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, estabelece as alíquotas atualmente vigentes para o Imposto Territorial Rural – ITR, as quais variam de acordo com grau de utilização da propriedade (GU) e com o tamanho da propriedade.

Assim, a propriedade de um mesmo imóvel com área de até 50 hectares poderá sofrer alíquotas que variam de 1,00%, se seu GU for menor que 30%, a 0,45%, na hipótese de atingir um grau de utilização maior que 80%.

Ao seu turno, um imóvel com igual grau de utilização (quoeficiente entre área produtiva e área aproveitável) de mais de 80, poderá ter a alíquota majorada, de 0,03% para 0,45%, caso a sua área total supere os 5000 hectares. Veja-se a tabela de alíquotas constante do Anexo I da Lei 9393/96 – 1, na íntegra:

Área total do imóvel

GRAU DE UTILIZAÇÃO - GU ( EM %)

(em hectares) Maior que 80 Até 50

0,03

Maior que 65 até 80 0,20

Maior que 50 até 65 0,40

Maior que 30 até 50 0,70

1,00

Maior que 50 até 200

0,07

0,40

0,80

1,40

2,00

Maior que 200 até 500

0,10

0,60

1,30

2,30

3,30

Maior que 500 até 1.000

0,15

0,85

1,90

3,30

4,70

Maior que 1.000 até 5.000

0,30

1,60

3,40

6,00

8,60

Acima de 5.000

0,45

3,00

6,40

12,00

20,00

Alíquotas ITR - Anexo I da Lei 9393/96 - 1 1

Advogado e mestrando pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Até 30

Essa diferenciação da tributação sobre a propriedade imobiliária rural em virtude do grau de utilização e do tamanho da propriedade não são inovações da Lei de 1996, atualmente em vigência2. Tendo em vista as disposições constitucionais que fixam as diretrizes da regra-matriz de incidência desse imposto, entretanto, merecem uma análise mais detida com vistas a verificar a legalidade e a constitucionalidade da fixação do quantum debeatur do ITR de acordo com estabelecido pela Lei de 1996.

Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, exceção feita aos tributos fixos, o critério quantitativo dos tributos é dado a partir da alíquota e da base de cálculo (base imponível), previstas na regra matriz de incidência3. A base de cálculo é a grandeza instituída na regra-matriz tributária instituída para dimensionar o fato gerador. Combinando-se esta à alíquota, se tem o valor da prestação tributária 4.

A alíquota, que também compõe o critério material da regra-matriz de incidência, pode ser definida como a quota-parte que o estado arrecada da base de cálculo ou da medida do fato gerador. As alíquotas podem ser fixas, progressivas ou regressivas, conforme haja variação do seu valor em função da base de cálculo5. E, sendo assim, configura-se em importante instrumento da extrafiscalidade e da justiça fiscal 6.

A norma jurídica tributária tem uma finalidade objetivamente determinável e estruturante da relação jurídico-tributária7. Nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência dos nossos tribunais distinguem dos tributos sua finalidade fiscal, de arrecadação de recursos para o

2

O Artigo 50 do Estatuto da Terra, Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, já previa alíquotas progressivas do ITR, de 0,2% a 3,5% em função do número de módulos fiscais do imóvel. Mais recentemente, já sob a égide da Constituição de 1988, a Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, também estabeleceu alíquotas que seriam progressivas em função do tamanho e regressivas em função do grau de utilização, com tabela de alíquotas muito semelhante à atual, mas com valores sensivelmente inferiores, com diferenciação da tributação incidente sobre propriedades nos municípios localizados no Polígono das Secas, na Amazônia Oriental, na Amazônia Ocidental ou no Pantanal Mato-grossense. 3 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. Pág. 321. 4 Id. Ib. Pág. 324. Segundo o professor, são três funções distintas as da base de cálculo, a saber: a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; e c) confirmar ou infirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma. 5 Id. Ib. Pág. 335. 6 MORAES, Oswaldo. Dicionário de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1973. Vernáculo: Alíquota. Pág. 10. 7 Ávila, Humberto. Proporcionalidade e Direito Tributário. In: Schoueri, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2003, pág. 345.

custeio do Estado, ou extrafiscal, conforme sua vocação de servir como instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada8. Ambas as funções coexistem no tributo, mas, conforme o perfil da regra-matriz de incidência, prevista na Constituição e na lei tributária, haverá maior ou menor prevalência desta ou daquela função acessível 9.

No caso do ITR, nunca se negou que esse imposto tivesse nítido caráter extrafiscal, sendo da sua essência a tributação diferenciada com objetivo de garantir a política agrária em vigor, desde o Estatuto da Terra. Estudaremos neste breve artigo, no entanto, as características especiais do regramento agrário estabelecido pela Constituição de 1.988 e, por consequência, seus reflexos tributários quanto à extrafiscalidade do ITR, especialmente para examinar o cabimento das alíquotas progressivas acima apresentadas, estabelecidas na Lei nº 9.3.93/96.

2. A Função Social da Propriedade na Constituição de 1988

A Constituição cidadã, como ficou conhecida a carta-magna promulgada em 1988, foi pródiga em estabelecer direitos sociais e princípios de justiça social. Esse era o principal clamor da população à época, em período não só de redemocratização do País, mas também de severa crise econômica. Sem dúvida, trata-se de uma das constituições menos libertárias da história brasileira, com severas disposições de intervenção no domínio econômico e na atividade privada.

Quanto à propriedade rural, por sua vez, não foi novidade que a Constituição brasileira condicionasse o seu exercício à função social, como previsto no Artigo 186. Com efeito, o Artigo 147 da Constituição de 1946 já mencionava que “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social”10. Houve, desde, então, por outro lado, grande

8

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1972. Pág. 536. 9 Id. Ib. Pág. 536 10 Art. 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.

evolução no que se entendia por essa função social e as consequências decorrentes dessa função. A Constituição de 1945, ainda, determinou que “lei poderá promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”, ressalvada a indenização dos proprietários rurais, mediante pagamento da prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública (Art. 147 §1º11). Esse dispositivo foi mais tarde regulamentado pelo Estatuto da Terra, Lei 4.504/64, que classificando as propriedades rurais em função de tamanho (latifúndio e minifúndio) e em função da exploração (empresa rural), para determinar a desapropriação das propriedades muito grandes (latifúndios) ou muito pequenas (minifúndios), além de outras hipótese, decorrentes do mau uso da propriedade (Artigo 2012).

Essa matéria não sofreu significativas alterações com a Constituição de 1967, nem mesmo com o ato institucional nº 9/69 ou com a emenda constitucional nº 1/69, que alteraram o texto constitucional no período de exceção. Foi apenas com a Constituição de 1988 que a matéria, anteriormente regulamentada pelo Estatuto da Terra, ganhou novos contornos e hierarquia. A atual carta constitucional é expressa no sentido de que “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte

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§ 1º Para os fins previstos neste artigo, a União poderá promover desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento da prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária, segundo índices fixados pelo Conselho Nacional de Economia, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação a qualquer tempo, como meio de pagamento de até cinqüenta por cento do Impôsto Territorial Rural e como pagamento do preço de terras públicas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 10, de 1964) 12

Art. 20. As desapropriações a serem realizadas pelo Poder Público, nas áreas prioritárias, recairão sobre: I - os minifúndios e latifúndios; II - as áreas já beneficiadas ou a serem por obras públicas de vulto; III - as áreas cujos proprietários desenvolverem atividades predatórias, recusando-se a pôr em prática normas de conservação dos recursos naturais; IV - as áreas destinadas a empreendimentos de colonização, quando estes não tiverem logrado atingir seus objetivos; V - as áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários, parceiros e posseiros; VI - as terras cujo uso atual, estudos levados a efeito pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária comprovem não ser o adequado à sua vocação de uso econômico.

anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.” (Art. 185).

Quanto à função social da propriedade rural, a carta de 1988 determinou que a Lei estabelecesse critérios e graus de exigência para determinar o cumprimento dos seguintes requisitos, a saber: a) aproveitamento racional e adequado; b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e d) exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores (Artigo 186 13).

Além disso, o constituinte da redemocratização estabeleceu que a propriedade produtiva e a pequena e média propriedade rural são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária, com tratamento especial pela legislação agrária que determine os requisitos par o cumprimento da função social (Artigo 18514).

Da confrontação desses comandos constitucionais, se verifica importante diferença com o que vinha estabelecido no Estatuto da Terra. Em primeiro lugar, a desapropriação do imóvel rural com pagamento em títulos da dívida agrária passou a ser permitida apenas e tão somente para os casos de descumprimento da função social, revogadas todas as demais cláusulas do Artigo 2015. Em segundo lugar, e por consequência, restou supérflua

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Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 14 Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a propriedade produtiva. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social. 15 Art. 20. As desapropriações a serem realizadas pelo Poder Público, nas áreas prioritárias, recairão sobre: I - os minifúndios e latifúndios; II - as áreas já beneficiadas ou a serem por obras públicas de vulto; III - as áreas cujos proprietários desenvolverem atividades predatórias, recusando-se a pôr em prática normas de conservação dos recursos naturais; IV - as áreas destinadas a empreendimentos de colonização, quando estes não tiverem logrado atingir seus objetivos; V - as áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários, parceiros e posseiros; VI - as terras cujo uso atual, estudos levados a efeito pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária comprovem não ser o adequado à sua vocação de uso econômico.

e revogada a classificação das propriedades em latifúndios ou minifúndios, já que deixou de ser autorizada a desapropriação em virtude da dimensão do imóvel.

O sistema constitucional atualmente vigente garantiu, para a propriedade rural, uma proteção funcional, vinculada à sua vocação de bem de produção 16, independentemente de aspectos formais e mesmo de tamanho da gleba de terras, que poderá ser pequena, média ou mesmo grande e não sofrerá intervenção desde que seja produtiva. Conforme ensina Gustavo Silas Rezek, no sistema constitucional atual, não há prevalência da grande empresa sobre a empresa familiar, nem ocorre protecionismo exacerbado desta última em prejuízo da primeira 17.

Essa alteração de enfoque permitiu à doutrina agrarista brasileira superar uma análise estática da propriedade agrária, analisada apenas do ponto de vista formal, para adotar um enfoque dinâmico, fundado na empresa agrária18, em que a atividade e a organização empresarial da agropecuária passam a ser mais importantes que a estrutura fundiária19. O fundo rústico se torna apenas um dos elementos do estabelecimento, passando a empresa agrária a ser o elemento central do direito agrário20.

Nesse contexto agrarista é que entendemos ser mais adequada a interpretação da legislação pertinente à tributação da propriedade rural pelo ITR.

3. A extrafiscalidade do ITR

A razão primeira de existir dos tributos é seu objetivo fiscal, ou seja, de custeio do Estado para suas finalidades constitucionais. No âmbito da fiscalidade, é imprescindível

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SCAFF, Fernando Campos. A Empresa e o Direito Agrário, In Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo, v.15. n.57. jul./set. 1991. p.58-63. 17 REZEK, G. E. Kallas. Imóvel Agrário. Curitiba: Juruá, 2008. Pág. 156. 18 DE MATTIA, Fabio Maria. Empresa agraria e estabelecimento agrario. Revista de Direito Civil, Imobiliario, Agrario e Empresarial. Sao Paulo. v.19. n.72. abr./jun. 1995. p.40-58. 19 SCAFF, Fernando Campos. Direito Agrário: origens, evolução e biotecnologia. São Paulo: Atlas, 2012. 20 SCAFF, Fernando Campos. Teoria Geral do Estabelecimento Agrário. São Paulo: Saraiva, 2002. Pág. 127.

obedecer aos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, para que os cidadãos e as empresas, com iguais direitos e deveres possam contribuir para a manutenção dos entes públicos de maneira equitativa e proporcional, considerando especialmente as suas diferentes possibilidades.

Ocorre que muitas vezes os tributos têm funções que vão além do custeio do Estado e assumem interesses políticos. A esse fenômeno denomina-se extrafiscalidade, porque submete a tributação a objetivos tributários não arrecadatórios, extrafiscais, para contribuir para fins políticos e econômicos especificamente determinados e expressamente previstos no ordenamento jurídico 21.

Na maior parte das vezes a extrafiscalidade importa em certa tolerância aos princípios fundamentais da fiscalidade, especialmente o da isonomia e da capacidade contributiva, porque, para atingir determinadas finalidades, é preciso estabelecer uma tributação diferente, para o mesmo fato gerador, condicionando uma tributação mais ou menos gravosa ao contribuinte conforme seja atingido ou não o objetivo político extrafiscal. Mesmo assim, não obstante, é preciso garantir certa proporcionalidade22.

Ainda no âmbito da extrafiscalidade, vem ganhando especial atenção nos ordenamentos jurídicos modernos as normas tributárias indutoras, as quais premiam o comportamento desejado pelo legislador, mediante aplicação de uma menor tributação 23. Esse é exatamente o caso do ITR, na Constituição de 1988, que determina que suas alíquotas se fixem “de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas” 24. Não se pode perder de vista esse objetivo na tributação das propriedades rurais 25.

De fato, não é novidade que o ITR é imposto real e com finalidade preponderante extrafiscal. Com efeito, a tributação é incidente sobre a propriedade, posse ou domínio

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Kiyoshi Harada, Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 45 | p. 164 | Jul / 2002 | DTR\2002\390. CRUZ, Bianca de Melo. Princípio Constitucional Tributário do não confisco In: Sistema Tributário, legalidade e direito comparado: entre forma e substancia: proteção dos direitos fundamentais: responsabilidade tributária: procedimentos fiscais: tributação das operações internacionais. Heleno Taveira Torres (coordenador). Belo Horizonte: Fórum, 2010. Pág. 602. 23 Schoueri, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005. Pág. 17. 24 Id. Ib. Pág. 93. 25 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1999. Pág. 252. 22

útil, afetando o direito sobre o imóvel, sem considerar as qualidades subjetivas do contribuinte, especialmente com relação à sua capacidade contributiva. Além disso, a tributação da propriedade sempre permeou objetivos políticos, confirmando o seu caráter extrafiscal, mas essa extrafiscalidade teve diferentes contornos nas constituições brasileiras do último século. Vejamos. A Constituição de 1934, em seu Artigo 126, determinava que “serão reduzidos de cinqüenta por cento os impostos que recaiam sobre imóvel rural, de área não superior a cinqüenta hectares e de valor até dez contos de réis, instituído em bem de família.”. A referida norma incorpora uma redução tributária de caráter extrafiscal, para a proteção tributária à pequena propriedade de subsistência. Trata-se de manifesta regressividade, já que o imposto é reduzido em função de determinadas circunstâncias legalmente previstas, sem alteração da norma matriz de incidência inicialmente estabelecida.

Critérios semelhantes foram adotados pela Constituição de 1946, a partir da Emenda Constitucional nº 5/61, que estabeleceu que “O impôsto territorial rural não incidirá sôbre sítios de área não excedente a vinte hectares, quando os cultive, só ou com sua família, o proprietário.” (Artigo 19, § único). Mais uma vez, a política extrafiscal era dispensar os proprietários de pequenas propriedades da tributação, desde que exercessem o cultivo direto do imóvel. Quanto à natureza jurídica do benefício, entretanto, houve nítida alteração em relação ao inicialmente previsto, na Constituição de 1934.

Com efeito, ao passo que aquela norma estabelecia a diminuição do imposto que ainda deveria incidir, reduzido à metade, estabeleceu o constituinte de 1946 verdadeira imunidade constitucional, vedando a tributação dessas glebas pequenas, empregadas em cultivos familiares. Assim, tornou essas situações específicas, expressamente previstas, imunes à competência tributária dos entes federativos26.

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CARVALHO, Paulo de Barros. Op. Cit. Págs.179 e 188.

Essa regra foi mantida da Constituição de 1967 (Art. 22, § 1º27), mesmo após a Emenda Constitucional nº 1/69 (Art. 21, § 6º28), e foi também recepcionada pela Constituição de 1988 no Artigo 153, § 4º29, mesmo após a emenda constitucional nº 42/00 30.

Ou seja, quanto à tributação diferenciada da propriedade rural em função do tamanho e da destinação em regimes de economia familiar, sempre houve comando constitucional. Sua natureza, no entanto, transmudou-se de regressividade (ou progressividade negativa) extrafiscal para imunidade, também de caráter extrafiscal ou político, sem qualquer relação com o princípio da capacidade contributiva subjetiva do contribuinte, mas tão somente com a situação objetiva do bem tributado.

Quanto aos objetivos políticos da tributação das propriedades pelo ITR, a Constituição de 1988 foi além, e, no afã de se estabelecer como Constituição de cunho intervencionista e desenvolvimentista, estabeleceu autêntica norma tributária indutora para o ITR, ao prescrever que esse imposto “terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas” (Art. 153, §4º)31.

Em virtude dessa inovação, inexistente nas constituições anteriores, pode-se dizer que a Constituição de 1988 estabeleceu uma nova extrafiscalidade ao Imposto Territorial Rural. Com efeito, além do objetivo extrafiscal de proteger a propriedade utilizada pela agricultura familiar, passou a contemplar o objetivo extrafiscal de preservar a função produtiva do imóvel rural, estabelecendo progressividade no intuito de penalizar a manutenção de terrenos agricultáveis incultos.

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Art. 22. § 1º - O imposto territorial, de que trata o item III, mão incidirá sobre glebas rurais de área não excedente a vinte e cinco hectares, quando as cultive, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel. 28 Art. 22. § 6º O impôsto de que trata o item III dêste artigo não incidirá sôbre glebas rurais de área não excedente a vinte e cinco hectares, quando as cultive, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel. 29 Art. 153. § 4º - O imposto previsto no inciso VI terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas e não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel. 30 § 4º. II - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel. 31

SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. Cit. Pág. 93.

Essa progressividade, de caráter nitidamente extrafiscal, vale dizer, também é de caráter absolutamente objetivo, sem qualquer correlação com a capacidade contributiva subjetiva do contribuinte. Com efeito, de acordo com o próprio texto constitucional e com a Lei Agrária, a produtividade ou improdutividade é qualificação do imóvel rural aferida objetivamente, a partir de índices previstos em lei, quais seja, o GU (grau de utilização) e o GEE (grau de eficiência na exploração), estabelecidos na Lei nº 8.629/9332.

Essa ótica de garantir tratamento favorecido ao imóvel produtivo é essencial ao sistema Constitucional de 1988 e está em consonância com a também nova regulamentação agrária estabelecida nos artigos 184, 185 e 186 da Constituição Federal. Com efeito, ao passo que as constituições anteriores apenas preservaram o pequeno proprietário de subsistência da tributação, o constituinte de 1988 utilizou esse novo critério “produtividade” para instituir imunidade à desapropriação (Art. 185) e tributação menos gravosa (Art. 153, §4º), elevando a propriedade produtiva, pequena, média ou grande, a semelhante grau de privilégio da pequena propriedade familiar.

Duas questões de relevo são de se ressaltar nesse sistema. Em primeiro lugar, que os privilégios são objetivos, relativos à propriedade, não ao proprietário, e vinculados à sua situação objetivamente considerada. Em segundo lugar, diferenças de tributação em função do tamanho da propriedade não são estabelecidas em virtude da capacidade contributiva, mas para privilegiar as propriedades exploradas que sejam exploradas em regime de agricultura familiar.

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Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente. § 1º O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel. § 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática: I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea; II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea; III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração.

4. Os limites da progressividade dos impostos reais e a extrafiscalidade

O imposto progressivo (ou regressivo, quando a progressividade é negativa) é aquele que incide de modo diferente sobre um mesmo fato gerador, mediante a variação de alíquotas em função de um critério previsto em lei. Esse critério pode ser objetivo ou subjetivo e daí a importância da distinção proposta por Donato Giannini33 entre impostos de natureza real e de natureza pessoal. Essa doutrina ganhou importantes ecos no Brasil após o votovista do Ministro Moreira Alves, que prevaleceu no julgamento do Recurso Extraordinário nº 153.771 pelo Supremo Tribunal Federal, com a seguinte ementa:

IPTU. Progressividade. - No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. - Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). – (...) Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o subitem 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, no município de Belo Horizonte. 34

33

Instituizioni di Diritto Tributario, Pág. 159. RE 153771, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/1996, DJ 05-09-1997 PP-41892 EMENT VOL-01881-03 PP-00496 RTJ VOL-00162-02 PP-00726. 34

Ou seja, ao analisar alíquotas progressivas do IPTU em função do valor do imóvel, conforme estabelecido em Lei do Município de Belo Horizonte, o Supremo Tribunal entendeu que a progressividade das alíquotas em função do valor do imóvel não poderia corresponder com a progressividade mencionada no § 1º do Art. 156 da Constituição Federal, de caráter extrafiscal, vinculada ao cumprimento da função social da propriedade, no IPTU dependente dos critérios urbanísticos do plano diretor, na forma do § 2º do Artigo 182 da Constituição, não em função do valor do imóvel.

Importante, para entender o julgado, é perceber que o imposto que incide sobre a propriedade sempre varia em função do valor da propriedade. Com efeito, a base de cálculo desse imposto, o valor venal, é valor de mercado do bem e, portanto, pode ser considerado como justa medida econômica do fato gerador (propriedade).

O que o Supremo entendeu inconstitucional àquela ocasião é a progressividade em função do valor do imóvel, ou seja, que alíquotas diferentes fossem pagas em função de propriedades mais valiosas, já tributadas a maior em virtude da majoração necessária da base de cálculo. Na hipótese, por se tratar de imposto real, não se poderia aplicar a genérica previsão de progressividade com vistas à capacidade contributiva porque o valor do imóvel não seria medida dessa capacidade.

Essa interpretação está em linha com os ensinamentos de Ricardo Mariz Oliveira, para quem a capacidade contributiva não se confunde com a existência de patrimônio, fortuna ou riqueza, ou com aptidões pessoais que possam gerar riqueza, e nem se manifesta antes da ocorrência do fato gerador35. Assim, não há correlação entre capacidade contributiva e valor de imóvel tributado.

Por outro lado, é importante consignar que a base de cálculo também pode ser entendida como uma forma de cumprimento do princípio da capacidade contributiva, na medida em que garante proporcionalidade entre a obrigação tributária e o fato imponível 36. Assim, garantindo-se essa proporcionalidade entre patrimônio e exação, estaria sempre atendido o princípio nos impostos reais, sem que houvesse necessidade de progressividade de

35

Oliveira, Ricardo Mariz. Breves Considerações sobre a Capacidade Contributiva e a Isonomia. In: Schoueri, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Quartie Latin, 2003, pág. 522. 36 Id. Ib. Pág. 334.

alíquotas. De fato, majorar alíquotas em função do valor do imóvel, implicaria, necessariamente duplicidade da onerosidade tributária ao patrimônio, pela majoração da base de cálculo e da alíquota.

Evidentemente essa dupla onerosidade, que pode implicar em rompimento da proporcionalidade entre tributação e fato gerador e até se aproximar ao confisco somente poderá ser legalmente estabelecida em casos excepcionais, quando expressamente previstos na Constituição Federal. Em nosso entender, essa foi a principal lição do Supremo Tribunal no acórdão supracitado e da jurisprudência que se seguiu após a inclusão da múltipla progressividade e seletividade do IPTU por meio do § 1º do Art. 156 da Constituição Federal, com a Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 199337.

Com efeito, ficou claro que, anteriormente à Emenda Constitucional nº 29, o cumprimento da função social urbanística do imóvel urbano, na forma ditada pelo plano diretor, era a única causa a autorizar a progressividade das alíquotas do imposto. A progressividade em função do valor do imóvel, para o IPTU só passou a ser considerada constitucional após estar expressamente prevista na Constituição Federal, conforme fixado na súmula 668 do Supremo Tribunal Federal38.

Conforme já afirmamos, tal qual o IPTU, é o ITR um imposto de natureza real e com função extrafiscal expressamente definida de desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, colaborando, dessa forma, com os objetivos da legislação agrária. Evidentemente, portanto, esses mesmos princípios de interpretação da progressividade do IPTU se aplicam ao Imposto Territorial Rural

37

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; (...) § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. 38 Súmula 668: É INCONSTITUCIONAL A LEI MUNICIPAL QUE TENHA ESTABELECIDO, ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL 29/2000, ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS PARA O IPTU, SALVO SE DESTINADA A ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA. Sessão Plenária de 24/09/2003. DJ de 9/10/2003, p. 4; DJ de 10/10/2003, p. 4; DJ de 13/10/2003, p. 4.

Nesse sentido, a Constituição Federal em sua redação original estabelecia que “terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas e não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel.”.

Em virtude de o comando constitucional ser exclusivo em admitir a progressividade para desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, surge a dúvida quanto a constitucionalidade da aplicação de alíquotas progressivas em função do tamanho da propriedade. Com efeito, conforme demonstramos acima, tamanho de propriedade não é medida de produtividade e, no sistema Constitucional e Agrário de 1988, não é um critério relevante de função social. Os imóveis pequenos, médios e grandes têm e devem cumprir a mesma função social, produtiva, sem qualquer distinção quanto ao tamanho, sejam minifúndios, sejam latifúndios.

Essa questão foi analisada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª região, ao julgar a APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011735-23.2009.4.03.6102/SP, proferindo-se acórdão com a seguinte ementa:

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. ITR. LEI 9.393/96. ALÍQUOTA PROGRESSIVA. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. LEGITIMIDADE DA COBRANÇA. SENTENÇA MANTIDA. 1- A Lei nº 9.393/96, ao dispor sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, instituiu progressividade em função do grau de utilização da terra (GU) e do tamanho da propriedade rural, determinando a forma de apuração do valor do imposto. 2- Com a alteração promovida pela EC nº 42/2003 no art. 154, § 4º, não há dúvida que a Constituição passou a albergar a progressividade fiscal. Antes estipulava "terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas" e passou a estipular "será progressivo e terá suas alíquotas (...), anteriormente ao ano-base em questão, sabendo-se que a lei, especialmente a Carta Magna, não contém palavras inúteis. 3- Firmada a jurisprudência no sentido da validade da progressividade de alíquota, nos termos da Lei 9.393/96, consoante o disposto no artigo 154, § 4º, da CF/88

4- Apelação improvida.39

Ora, conforme ensina Rubens Gomes de Souza, aquilo que é claro para um pode ser obscuro para outro e vice-versa40. No caso, embora parecesse não pairar dúvidas sobre a existência, a partir da Emenda Constitucional nº 42, de uma dupla progressividade no ITR, esse não é o entendimento Leandro Paulsen 41, para quem o critério da progressividade do ITR tem de ser necessariamente o grau de produtividade, não se prestando para tanto as dimensões do imóvel.

De fato, a Constituição sempre previu que o ITR terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas. Após a Emenda Constitucional nº 42, houve uma pequena alteração do texto, que passou a prescrever que o imposto “será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas”.

Guilheme Vergueiro, por exemplo, entende que essa mudança no texto constitucional importou, da mesma forma que a Emenda Constitucional nº 29, para o IPTU, na autorização para que houvesse progressividade fiscal na cobrança do ITR, permitindo, assim, um tratamento mais gravoso àqueles que manifestassem mais riqueza em virtude de uma propriedade mais valiosa 42. Nem mesmo esse autor, no entanto, admite a progressividade em função do tamanho da propriedade, já que este não é um critério revelador de capacidade contributiva. Segundo o autor, a progressividade do texto constitucional é vinculada a noção do valor do imóvel e não na dimensão da área 43.

Retomando os conceitos acima, vislumbramos certo exagero na interpretação da Constituição. Com efeito, em que pese a falta de dúvida apresentada no acórdão, não

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. AMS - APELAÇÃO CÍVEL – 327936. Processo: 0011735-23.2009.4.03.6102. UF: SP. Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 28/06/2012. Fonte: e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/07/2012. Relator: JUIZ FEDERAL CONVOCADO CLAUDIO SANTOS. 40 SOUZA, Rubens Gomes de. Normas de interpretação no Código Tributário Nacional In: Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, Educ, 1975. 41 Leandro Paulsen. Direito Tributário – Constituição à luz da doutrina e da Jurisprudência. 11ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. Pág. 331. 42 VERGUEIRO, Guilherme von Müller Lessa. Os limites da progressividade do imposto sobre a propriedade territorial rural In Tributação do Agronegócio (Eduardo de Carvalho Borges, Coordenador). São Paulo: Quartier Latin, 2005. Pág. 144. 43 Id. Ib. Pág. 146. 39

parece inexorável que a Emenda Constitucional nº 42 tenha albergado a progressividade fiscal para o ITR e muito menos a progressividade dimensional, estabelecida na tabela de alíquotas da Lei nº 9.393, transcrita no preâmbulo do presente artigo.

Em primeiro lugar, é de se chamar a atenção de que a Emenda Constitucional promoveu alteração muito sutil na norma orientadora da instituição do Imposto sobre a propriedade territorial rural. Com efeito, decompôs a redação do § 4º do Art. 153 em incisos, mantendo no inciso I, a previsão da progressividade, no inciso II, a regra de não incidência sobre pequenas glebas rurais, e apenas acrescentando o inciso III, para prever que “será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.”.

Ora, essa última parece ter sido a mudança fundamental promovida por essa reforma constitucional. Com efeito, a Emenda Constitucional nº 42/03, que ficou conhecida como minirreforma tributária, teve objetivo predominante de ordem fiscal, para readequar o equilíbrio entre receitas e despesas entre União, Estados e Municípios.

Assim, no primeiro texto da PEC 41/03, que deu origem à mencionada emenda, o Imposto Territorial Rural tinha sido deslocado ao Art. 155 da Constituição, que define a competência tributária dos Estados e do Distrito Federal 44. Foi nos debates legislativos que o dispositivo ganhou a redação atual, com manifesto intuito de garantir aos Municípios, receita extraordinária, mediante a delegação de competência para fiscalizar e cobrar o imposto, que se manteve de competência tributária federal. Nada mais.

Quanto à progressividade fiscal, por outro lado, resta claro que não foi objetivo do constituinte derivado instituí-la. Com efeito, no curso da tramitação da PEC, a proposta foi incluída na Emenda nº 206, apresentada pelo Deputado Federal Eduardo Paes, sugerindo a seguinte redação ao artigo 153, que contemplava expressamente que o ITR seria progressivo, na forma da lei, em relação ao valor patrimonial da propriedade rural;

44

Proposição disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=129816&filename=PEC+41/20 03. Acesso em 3 de abril de 2014.

e progressivo no tempo, conforme o disposto no artigo 184, § 6º”45. Essa proposta, não obstante, foi rejeitada em plenário e não incluída no substitutivo que restou aprovado pelo Congresso Nacional.

Assim, não há qualquer paralelo entre a Emenda Constitucional nº 29, para o IPTU, e a Emenda Constitucional nº 42, para o ITR, como pode parecer pressupor. Ao passo que aquela teve nitidamente o objetivo de albergar uma dupla progressividade para o imposto sobre a propriedade urbana, essa proposta não prosperou quanto à propriedade rural, ao se estabelecer a Emenda Constitucional nº 42.

Assim, é demasiadamente extensiva garantir o efeito de uma dupla progressividade à preposição “e” do novo texto constitucional. No caso, a expressão “será progressiva e terá alíquotas para desestimular a manutenção de propriedades improdutivas” não prevê duas progressividades, mas apenas e tão somente a especificação de que a progressividade do ITR se dará mediante a alíquotas que desestimulem a desídia dos proprietários com a função produtiva dos imóveis rurais 46.

Considerações Finais Conforme a lição do mestre VICENTE RÁO, “nem mesmo a norma reputada clara exclui a interpretação: “a própria clareza é um conceito relativo, pois uma lei clara em seu ditado, pode ser obscura em relação aos fins para os quais tende; e a que foi durante longo tempo, sem jamais haver provocado dúvidas, pode tornar-se obscura mais tarde, em

45

Veja o inteiro teor da Emenda rejeitada em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=143420&filename=EMC+206/ 2003+PEC04103+%3D%3E+PEC+41/2003. Acesso em 3 de abril de 2014. 46 Nem sempre o acréscimo de uma informação por meio da junção de dois segmento com uso da expressão “E” será revestido de valor semântico de acúmulo. Ao contrário, o “E” pode ser utilizado com valor de restrição ao primeiro segmento e, nesse caso, a informação acrescida pode consistir em uma atribuição, ou uma especificação, caso em que o E assume valor restritivo, cuja função é melhor especificar o sentido do primeiro segmento especificativo. É o que acontece no caso em estudo, em que o “E” delimita a progressividade do tributo, reiterando o que era previsto pela texto Constitucional. Veja nesse sentido, NEVES, MARIA HELENA DE MOURA. Gramática de Usos do Português. São Paulo, Editora da Unesp, 2000. P. 742 a 744 (valor semântico do “E”).

virtude da superveniência de relações novas, cuja incidência nesta mesma norma possa causar divergências”47.

No caso que agora apresentamos, demonstramos a difícil tarefa dos contribuintes de compreender a legislação tributária à luz da Constituição e, especificamente, à luz do pouco estudado direito agrário atualmente vigente. A Constituição de 1988 permite repensar a aplicação do princípio da função social (produtiva) do imóvel rural e seus reflexos para o Direito Tributário, certamente não sem consequências. A interpretação das normas de direito tributário, como atividade vinculada, depende do atendimento à estrita legalidade e, sobretudo, da prudente aplicação dos princípios da capacidade contributiva, da vedação do confisco e da proporcionalidade.

Observar a função dos tributos como critério indicador da interpretação, impedindo excessos da interpretação extensiva e analógica da legislação tributárias, é medida prudente para o jurista que se propõe a essa atividade. Nesse sentido, é a lição de Antonio Beliri, para quem vale o princípio que a norma tributária deve ser interpretada tendo em conta de um lado o significado próprio das palavras e, de outro, a intenção do legislador em usá-las48.

No caso do ITR, é absolutamente claro que o critério para a progressividade da tributação incidente sobre os imóveis rurais deve ser utilizado com único objetivo de desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, sendo apenas possível majorar-se as alíquotas em função do grau de utilização e do grau de eficiência na exploração do imóvel, como únicos critérios eleitos para a aferição da produtividade dos imóveis rurais, pela lei e pela Constituição Federal.

Conforme é manifesto na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para que o imposto fosse progressivo em função do valor do imóvel ou mesmo em função da área do imóvel, deveria haver previsão constitucional expressa, não servindo para esse intento as singelas alterações no texto constitucional promovidas pela Emenda Constitucional nº

47

RÁO, Vicente. O Direito e a vida dos direitos. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1977. 1º Volume. Tomo III. Pág. 453. 48 BELIRI, Antonio. Corso Istituizionale di Diritto Tributario. Milano: Giuffrè, 1979. Volume Primo. Pág. 21.

42, que apenas reordenou as diretivas para a regra-matriz de incidência do ITR, agregando, ainda, previsão de direito financeiro, quanto à repartição das receitas tributárias decorrentes desse imposto, que passaram a poder ser integralmente transferidas aos municípios, mediante convênio.

Não há, por outro lado, interpretação possível que autorize a exação progressiva em função do tamanho da propriedade, como previsto pela Lei nº 9.393/96, já que esta não é uma medida de valor, de capacidade contributiva e nem de produtividade, não tendo, ainda, sido elencada expressamente na Constituição como um critério de progressividade para o imposto.

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