A FACE PRIVADA DA ARQUITETURA MODERNA A idealização do Edifício Esther

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A FACE PRIVADA DA ARQUITETURA MODERNA A idealização do Edifício Esther Fernando Atique Universidade de São Paulo Escola de Engenharia de São Carlos Departamento de Arquitetura e Urbanismo Av. Trabalhador São-Carlense, 400 – Jd. Lutfala – São Carlos / SP [email protected]

Este artigo trata de um dos aspectos da história das cidades brasileiras que ainda se encontra pouco estudado: a ação dos promotores. Envolvidos nas reformas urbanas e no processo de verticalização dos primeiros anos do século XX, muito pouco se sabe sobre a escala de influência que exerceram nessas atividades. A partir do estudo de uma das mais tradicionais famílias paulistas, a Família Nogueira, antiga proprietária do Edifício Esther, marco da Arquitetura Moderna nacional, averiguam-se quais interesses conduziram-na à construção de um arranha-céu nos anos 30, procurando demonstrar que alguns dos ideais tradicionalmente expressos como parte exclusiva do repertório dos arquitetos também estavam presentes no discurso desses agentes promotores. O anseio dos arquitetos autores do projeto em ver novos parâmetros arquitetônicos estabelecidos no país, encontrava ressonâncias nas idéias dos promotores: ambos viam nesse empreendimento uma oportunidade de se aliarem ao esforço de modernização da sociedade brasileira.

PALAVRAS-CHAVE Metropolização, Arquitetura Moderna, Verticalização

I. A METRÓPOLE MANUFATURADA Durante a década de 30, circulavam pelas ruas da cidade de São Paulo, nos bondes da Light, slogans que almejavam denotar de forma direta e incisiva a então condição de São Paulo: "a cidade que mais cresce no mundo"; ou: "Nova Iorque na América do Sul". Antes de serem simplesmente instrumentos de propaganda, estes anúncios imputavam diariamente nas mentes dos habitantes da cidade a imagem do nascimento de uma Metrópole. Entendida pela elite dominante como o espaço onde as palavras progresso, civilização e disciplina seriam corporificadas, proporcionando um novo locus de vida e ação, a Metrópole era manufaturada a cada dia, afastando de si as reminiscências de seu próprio passado em prol da Modernidade. Com definição passível de interpretações diversas, tanto quanto a própria noção de Metrópole, a noção de Modernidade, muitas vezes, equipara-se aos seus termos correlatos modernismo e

Pesquisar modernização. Contudo, sempre procura-se definir a Modernidade como o "desenvolvimento do projeto iluminista de domínio da natureza, baseado na racionalidade e na objetividade" (SOMEKH: 1997;33), o qual permitiu o incremento de estruturações maquinistas e de relacionamentos que vieram a alterar as dimensões da vida cotidiana nos últimos séculos. Por outro lado, modernização pode ser entendida como as ações concretas desenvolvidas a partir dessas idéias florescidas. Conforme coloca José Roberto do Amaral Lapa, "moderno, Modernidade, modernismo e modernização (...) emergem, a cada tempo, com ímpeto, trazendo consigo a chancela do atual que se opõe à velha ordem e portanto ao que é arcaico, (...) ao que não deve ser, pois não responde mais à dinâmica da realidade social e à sua viabilização" (LAPA: 1995; 18). Assim, ser moderno no Brasil, era muitas vezes, ter caráter modernizador, ou seja, ser patrocinador de ações novas e de estruturas inéditas. Dessa forma, os bondes, automóveis e viadutos eram a encarnação máxima de cidade renovada e repleta de novidades, trazidas, de forma alguma ocasionalmente, pela elite, que tinha, então, seu nome vinculado ao perseguido progresso. Ao contrário da Europa que via na máquina e na velocidade o prenúncio de novas condições culturais e sociais, a elite brasileira via nos mesmos elementos mais uma oportunidade de distinção e de demonstração de poderio, já que ela própria ditava as regras de civilidade de que desfrutaria. Romper o gabarito da cidade, era então, dentro desse contexto, ostentar a bandeira da Modernidade. A febre de construção expressa no filme "Sinfonia de uma Metrópole", dos anos 20, celebra este ideal. Para os promotores dos primeiros arranha-céus, tornar-se visível por todos numa cidade que se destruía praticamente a cada trinta anos, era garantir sucesso e condições melhores de disputa num mercado que se mostrava, a cada dia, mais acirrado. Henrique Dumont Villares, engenheiro agrônomo, empresário e membro do Instituto de Organização Racional do Trabalho – IDORT – após permanência na Europa e nos Estados Unidos, escreveu, em 1946, um tratado intitulado: Urbanismo e Indústria em São Paulo, onde discorria sobre como manter São Paulo à frente do parque industrial brasileiro, aliando o planejamento urbano aos interesses da indústria. Villares diz que "é fácil constatar que as iniciativas em nosso meio têm alcançado um sucesso que não se observa em nenhum outro ponto do país. De fato, caracteriza-se São Paulo por um espírito empreendedor e uma invulgar capacidade de trabalho" (VILLARES: 1946; 13). Em outro trecho, Villares complementa seu raciocínio dizendo que "orientando o desenvolvimento urbano de São Paulo para seus futuros destinos, uma obra gigantesca foi realizada pelo Prefeito Prestes Maia na

Pesquisar capital paulista, com a concepção nítida das verdadeiras finalidades do Urbanismo. É preciso, porém, que a iniciativa particular [grifo nosso], numa clara compreensão de sua órbita de ação, coopere nessa tarefa com o poder municipal. O espírito de iniciativa dos paulistas, que fêz a grandeza desta terra, não deixa só ao Estado as realizações que lhe competem (Idem, p.21). Conforme transparece no discurso de Villares, o tema da metropolização de São Paulo, tinha, inegavelmente, o filtro dos interesses econômicos, o que imputava, necessariamente, às iniciativas edilícias ou urbanísticas, o fator rentabilidade. Assim, quando Villares coloca que a iniciativa privada, especialmente os industriais, tinham uma espécie de compromisso ético com o desenvolvimento do parque econômico paulista, não se deve considerar tal declaração apenas uma força de expressão. A noção de que São Paulo havia sido cunhada pelos interesses dos paulistas de origem era algo recorrente. A própria declaração de que Prestes Maia estava realizando transformações na cidade, está imbuída dessa atenuação do Estado como agente produtor da metrópole. A produção privada da metrópole paulistana estava tão amalgamada no pensamento da época, que não se ouvem declarações de que a municipalidade promoveu obras de embelezamento ou reformas urbanas, mas sim de que personagens as fizeram, constituindo os famosos capítulos da história urbana conhecidos como as 'reformas de Antônio Prado' ou 'Prestes Maia'. Todavia, não se sabe precisar porque as verdadeiras iniciativas privadas, constituídas em torno de ações específicas de empresas ou personalidades são raramente abordadas na historiografia. Os agentes produtores, importantes personagens na confecção da cidade, são raramente estudados. Dessa forma, parece que a produção da cidade, ou da metrópole, teve apenas poucos agentes, diminuindo, assim, a própria abrangência do conceito de metrópole. Conforme Nicolau Sevcenko em Orfeu estático na Metrópole "essa polifonia arquitetônica e urbanística, que fazia de São Paulo uma cidade mirífica, meio exótica, meio íntima, híbrida do convencional com o inusitado, do impostado com o imprevisto, fora antes o produto de múltiplas iniciativas incongruentes que de alguma ação orgânica ou sequer mediadora"(SEVCENKO: 1992; 118). De fato, muitas ações corroboraram para que a metrópole paulistana adquirisse a imagem que apresentou nas primeiras décadas do século. Resta, ainda, recuperar a imagem de seus produtores, que apesar de se auto-celebrarem enquanto agentes essenciais da dinâmica modernizadora, permanecem hoje, envoltos no manto do esquecimento.

Pesquisar II. UM AFÃ MAQUINISTA: a Família Nogueira e sua noção de Modernidade Constituída em torno da figura de José Paulino Nogueira, a Família Nogueira teve durante a passagem do século XIX para o XX, grande influência na vida política, econômica e social paulista. Considerada por si mesma como um dos mais tradicionais ramos de paulistas "de origem", a Família Nogueira sempre esteve envolvida em iniciativas inovadoras, nas quais se enfatizava uma primazia de São Paulo no âmbito nacional. Nascido em 13 de fevereiro de 1853, o campineiro José Paulino Nogueira, sempre esteve vinculado a atividades de grande repercussão. Político desde os primeiros anos de sua juventude, chegou a exercer a presidência da Câmara Municipal de Campinas durante um período conturbado dessa cidade, -1889-1896, quando foi assolada pela epidemia de febre amarela. Envolveu-se numa campanha de limpeza urbana que, conforme seu relato ao republicano Francisco Glicério, não hesitou em usar da violência em prol da higienização de sua cidade. Contudo, as atividades de José Paulino não se restringiram à política ou ao comércio. Desde o último quartel do século XIX, ele passa a diversificar seus negócios e empreendimentos, tornando-se uma espécie de 'colecionador' de atividades. Num período de vinte anos, tornouse Diretor do Partido Republicano Paulista, proprietário da Companhia Agrícola de Cravinhos, primeiro Presidente do Banco Comercial de São Paulo, fundador da Companhia Paulista de Seguros, Diretor-Presidente da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e acionista das Companhias Paulista e Sorocabana, além de proprietário de terras nos arrabaldes de Campinas, região conhecida como Funil e que foi o cerne de seus empreendimentos vinculados à organização da Usina Açucareira Esther, principal empreendimento da Família nas décadas seguintes. Personagem exemplar daquilo que o Prof. José Roberto Lapa caracteriza como um Ser Moderno: "(...) republicano e abolicionista, imigrantista e amante do progresso, higiênico e sintonizado com o que ia pela Europa e Estados Unidos" (idem; 19), José Paulino tornou-se figura primordial para as atividades desenvolvidas por sua Família, adotando noções consideradas como arrojadas e necessárias a um empreendedor: diversificação de negócios, controle intensivo de suas atividades e empresas, aglutinação de todos os seus empregados e familiares ao redor de sua pessoa, e adoção de posturas inovadoras.

Pesquisar Fundador da Usina Açucareira Esther, em 1898, nos arrabaldes de Campinas, José Paulino, ao lado de seu genro e sucessor, Paulo de Almeida Nogueira, deu início a uma vertiginosa ação no campo da urbanização e arquitetura. Aproveitando-se de sua influência nos meios ferroviários, bem como de sua presidência frente a Câmara de Campinas, ele conseguiu junto ao governo Provincial a montagem de um núcleo colonial habitado por imigrantes nórdicos, denominado de Campos Salles, em terras de sua propriedade. Tal núcleo seria o suporte de mão de obra para o seu negócio mais auspicioso: a Usina Açucareira Esther. A Usina Esther, montada a partir das instalações primitivas do alambique Funil, proporcionou o descortinar de vários empreendimentos, os quais tornam irrefutável a contribuição da Família Nogueira na configuração de atitudes de interesse da Arquitetura e do Urbanismo. Interligada a Campinas e a São Paulo mediante a Estrada de Ferro Carril Agrícola Funilense, subvencionada à Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, a Usina Esther despertou em seus empreendedores a necessidade da introdução de posturas e máquinas que ainda eram pouco encontradas no interior paulista. Como necessitava de mão de obra abundante, principalmente para o plantio, colheita e transformação da cana em seus sub-produtos, instalaram-se vários núcleos de habitação. Alguns deles foram traçados como núcleos fabris próximos às máquinas da Usina, enquanto outros foram localizados ao longo da linha férrea, ao longo de sua extensão entre Campinas e a Usina Esther. A cidade de Cosmópolis, localizada a 200 Km da capital de São Paulo, surgiu a partir da implantação do núcleo colonial Campos Salles. Sendo o principal local de manutenção de mão de obra da Usina Esther, a Família Nogueira sempre teve grande influência sobre sua dinâmica urbana. Essa influência não se limitava apenas à atividades econômicas do local, mas perpassava pela toponímia adotada, na qual era explicitada a contribuição da Família Nogueira ao progresso do estado de São Paulo. Esta postura, deve ser entendida dentro do ideal nacional, e também paulista da época, de forjar uma tradição, e assim, revestir de importância empreendimentos que fossem realizados por paulistas de raízes. Paulo Nogueira, que teve seu diário íntimo publicado por seus netos em 1955, frisa por diversas vezes sua situação de 'paulista de origem'. Isto acontece quando fala do nascimento de seu neto, José Bonifácio, 'o qual possui mais uma vez um nome de tradição, vinculado ao Patriarca da Independência', ou quando apresenta seus antepassados, como 'netos da Viscondessa de Campinas, a primeira a plantar café no estado de São Paulo'(NOGUEIRA: 1955; 12). Dentro deste panorama modernizador, o núcleo habitacional suporte da Esther deveria estar na visão dos proprietários, em consonância com a infra-estrutura adotada para a usina, o que

Pesquisar explica, em certo sentido, a denominação de Cosmópolis dada à colônia recém-montada. Ao instaurar, através de posturas ordenadoras e vigilantes, a imagem de um lugar sadio e apto a elevar o nome de seus idealizadores, criava-se, um novo conceito de núcleo habitacional, um núcleo cosmopolita em pleno interior. A história oficial do município diz que o nome Cosmópolis veio "exatamente por sua capacidade de congregar tantos povos pacificamente" (VOZ DO MUNICÍPIO: 1997; 4). Nesse aspecto, a preparação de modelos comportamentais incidia não apenas na toponímia ou ramo de atividades. Corre no seio da Família Nogueira uma história de que irrompendo em Campinas a notícia da proclamação da República, José Paulino ao lado de Francisco Glicério e Campos Salles, ferrenhos defensores do regime que se impunha, desfilaram pelas ruas daquele município ao lado de Esther Nogueira, filha de José Paulino, travestida de esfinge da República. Tal incidente mostra que as próprias pessoas deveriam representar o ideal de Modernidade perseguido por essa classe. Assumindo identidades e comportamentos afinados com as reformas que empreendiam – sejam elas nos planos políticos, econômicos ou urbanos -, a vinculação explícita dessa elite era uma das mais importantes estratégias para introduzir a normatização da vida cotidiana, capaz de exemplificar uma racionalidade individual e coletiva, considerada como fundamental para o bem estar da nova vida que forjavam. No diário de Paulo Nogueira estão, ainda, miríades de comentários sobre visitas acontecidas à Usina Esther, onde os elogios feitos às máquinas, aos campos, ao núcleo, e até mesmo às refeições servidas são detalhadamente narrados. Dessa forma, criava-se uma rede de carisma que envolvia desde o núcleo urbano até os produtos Esther, instaurando um círculo de prestígio que favorecia o prosseguimento e expansão dos negócios da família. Este prestígio era testemunhado pelas visitas ilustres que a usina recebia, entre as quais estão os Matarazzo, Washington Luiz, Barão Geraldo Rezende e o Conselheiro Antonio Prado. Como se vê, desde sua gênese muitas foram as ações de caráter modernizador vinculadas à esta empresa: instaurava-se uma usina de açúcar onde o café estava liderando o ciclo econômico, dotando-a de nova tecnologia de produção, requeriam-se serviços dos mais famosos profissionais da época para a construção da indústria, - como Henrique Dumont e seu filho Santos Dumont -, e do arquiteto Ramos de Azevedo. Contudo, a noção de diversificação dos negócios empreendida por José Paulino Nogueira desde o último quartel do século XIX, veio encontrar fortes ressonâncias ainda no século XX. Nas décadas de 10 e 20, Paulo de Almeida Nogueira, sucessor na liderança econômica da família após a morte de José Paulino, adquiriu uma quantidade expressiva de ações das Cia.

Pesquisar Mogiana, e fundou o Banco Commercial de São Paulo e tornou-se grande pecuarista, comercializando os sub-produtos com a marca Esther. Em 1920, já exportando grande parte dos produtos da Usina Esther, tomou a iniciativa de transferir o escritório desta de Cosmópolis para São Paulo, instalando-o à Rua São Bento, num sobrado próximo ao Largo de São Francisco. Todavia, seus ramos de atuação não ficaram restritos à Usina Esther. Pelo contrário, Paulo Nogueira começou a transitar por diversas áreas da economia numa estratégia de diversificação dos negócios solidária com a garantia de lucros e de finanças saudáveis. Nesse sentido, na década de 30, Nogueira assumiu a presidência da Companhia Fazendas de Café, fundou a Associação dos Usineiros de São Paulo, e foi aclamado seu presidente. Já em 1936, assume também, a presidência da Federação de Criadores de Bovinos do Estado de São Paulo, constituindo-se, na mesma época, em acionista da Companhia Agrícola de Ribeirão Preto e em proprietário da Fábrica de Tecidos Santa Branca de São Paulo. O acúmulo de funções de Paulo Nogueira, - fora as expostas até aqui, ele também foi corretor imobiliário, advogado e conselheiro de diversas pessoas como Conde Matarazzo, e inúmeros fazendeiros, bem como deputado estadual - fez com que suas atividades assumissem proporções de grande companhia. Dessa forma, alicerçava-se, de uma vez, a constituição de um grupo familiar forte, dotado de liderança nos meios empresariais paulistas, o que deixava entrever, a necessidade da constituição de um cartão de visitas, capaz de demarcar solidamente a presença dos Nogueira na economia nacional.

III. MÁQUINA EMPRESARIAL OU MÁQUINA DE MORAR? A concepção e a arquitetura do Edifício Esther Interessado em equiparar-se aos nascentes conglomerados empresariais da São Paulo da década de 30, que tinham suas sedes como parte importante no processo de consolidação de mercado consumidor, Paulo de Almeida Nogueira, decidiu por volta de 1932, construir um prédio capaz de aglutinar os escritórios de seus diversos empreendimentos, contribuindo para demarcar a posição de prestígio que vinha sendo perseguida por sua família há pelo menos três décadas. O pesquisador Lúcio Machado referindo-se aos primeiros anos do século XX, diz que "a construção era contratada e realizada num regime predominantemente comercial. Nessas condições, ao cliente interessava, sobretudo, a idoneidade comercial do empreiteiro de obras. O costume era encomendar várias propostas a vários construtores, que se dispunham

Pesquisar a fazer o projeto e o orçamento graciosamente." (MACHADO apud SOMEKH: 1997; 148). Tradicionalmente, esta atitude ficou conhecida como Concurso Fechado, e tal qual os concursos públicos, espécies de editais eram elaborados pelos proprietários visando balizar as proposições arquitetônicas, muitas vezes, até mesmo antes da elaboração do Programa de Necessidades. O Edifício Esther nasceu de atitude semelhante. Coerente com o utilitarismo burguês, Nogueira procurou aliar os valores simbólicos do prédio que encomendava com a busca de rentabilidade. Ou seja, ao ter seus escritórios locados num prédio próprio e de grandes dimensões, a imagem do grupo empresarial estaria assegurada, mas os gastos seriam astronômicos. Todavia, colocando-se habitações, que pelos próprios termos dos contratos de locação, permitiriam longos anos de contribuições, a manutenção dos escritórios estariam asseguradas sem dispêndios extras. Presume-se que tais anseios por parte da Usina Esther tenham sido traduzidos nos termos desse concurso fechado, os quais nortearam a elaboração das propostas para o edifício. Tais proposições foram realizadas por profissionais do ramo da construção civil do eixo Rio – São Paulo, escolhidos pelo empreendedor. Os termos entregues aos participantes do concurso tinham, como já dito, o intuito de esclarecer que a construção do prédio vertical se prestaria às rendas, mas teria, também, que abrigar a sede dos empreendimentos da Família Nogueira. Mediante a leitura do Diário de Paulo Nogueira, pode-se constatar que, tal edital não explicitava uma determinação pela construção de um edifício de linhas racionalistas. A postura assumida por Nogueira de contatar vários profissionais para elaborarem propostas para seu edifício, pode ser analisada sob a ótica de rentabilidade, já que seu discurso de empreendedor

a

contemplava

quase

que

persecutóriamente.

Ao

proporcionar

a

competitividade orçamentária e a disputa por um cliente de tal importância, os profissionais teriam de conciliar nas propostas monumentalidade e baixo custo. A monumentalidade almejada por Nogueira para o prédio é facilmente entendida, se levarmos em consideração que a edificação seria o cartão de visitas de suas empresas e, portanto, deveria se apresentar com solidez e imponência. Infelizmente, só encontramos registro de duas propostas formuladas para o edifício Esther nessa fase de escolha. De uma delas, elaborada por Oswaldo Arthur Bratke, resta apenas uma perspectiva pouco ilustrativa da solução projetual. A outra proposta tornou-se bem conhecida, pois redundou, basicamente, no edifício construído por Vital Brazil1. As demais propostas – não se sabe o número exato – foram relegadas ao esquecimento pela historiografia da

Pesquisar Arquitetura Brasileira durante quatro décadas, culminando com a destruição dos arquivos onde estavam guardadas, na Usina Esther, em 1975. Verifica-se que o programa elaborado para o Esther decorre, em muito, da forma de condução dos negócios da Família Nogueira, mais especificamente, da diversidade de atividades do empresário Paulo Nogueira. A concentração da administração de todos os seus negócios num único espaço, com certeza levou à elaboração de um programa que pudesse contar com espaços amplos, capazes de serem remodelados, re-arranjados espacialmente, conforme a dinâmica das atividades econômicas da família. Tal dinâmica ao ser explorada pelos autores do projeto, os cariocas Adhemar Marinho e Álvaro Vital Brazil, levou à existência de espaços flexíveis como mote projetual. Vital Brazil apontou em entrevista, que o edifício deveria ser "rentável, tinha um preço préfixado e não podia fugir desse orçamento" (SEGAWA: 1987;62). Isso o levou a propor, inclusive, que no Esther fossem construídos apenas salões comerciais ao invés de dotá-lo de uso misto entre escritórios e habitações. A lógica de Brazil era que ao suprimirem-se as habitações, o valor total entregue ao proprietário no final do Concurso, seria facilmente contemplado, já que os salões comerciais seriam divididos por lageotas de 6 cm, fazendo com que as alvenarias fossem utilizadas apenas nas faces externas da edificação. Mas, a economia com as alvenarias poderia proporcionar a utilização de materiais mais nobres ou de soluções projetuais mais inovadoras. Temos como exemplo, a vontade de Brazil em dotar todas as unidades de iluminação artificial indireta, mas "infelizmente neste particular não pudemos, por motivos alheios a nossa vontade, realisar o nosso plano" (BRAZIL E MARINHO in REVISTA POLITÉCNICA: 1938; 232). Não só essa vontade não foi conseguida; o edifício tinha, pelas razões já apontadas, que possuir habitações para rendas. É extremamente importante notar que todo o discurso de Álvaro Vital Brazil na apresentação do Edifício Esther, publicado nas Revistas Politécnica e Acrópole, respectivamente, em 1938 e 1939, dá-se pelo viés da economia. Poucas vezes, em seu texto, a vontade estética é capaz de justificar escolhas por si mesmas. Nesse sentido, ao versar sobre o sistema estrutural Brazil chega a dizer: "A secção circular é a mais econômica e mais clássica sob o ponto de vista estético" (Idem; 229); ou então, diz que usando "revestimento de paredes de todas as cozinhas, dispensas, instalações sanitárias de empregados, 'halls' de serviços, com azulejos brancos nacionais (...) conseguimos um revestimento perfeitamente higienico e da forma mais económica possivel" (op. Cit.). Até mesmo na explicação para o uso de cinco elevadores no edifício, sua abordagem é pelo caráter econômico, só que aplicado à economia de transporte:

Pesquisar "sendo o Edificio 'misto', apartamentos e escritórios, resolvemos por economia no transporte, confundir a circulação de 'serviço' dos apartamentos, com a de escritórios, isolando sempre a circulação nobre de apartamentos (op. Cit.). Nota-se, então, que as preocupações financeiras de Vital Brazil coincidem, muitas vezes, com as de seu cliente. Como aponta o Professor Roberto Conduru, o rigor técnico e construtivo desenvolvido por Brazil, permitiu que ele se amoldasse às exigências, sobretudo as econômicas dos termos do concurso. Apesar de trabalharem em áreas diferentes e de terem posturas diversas frente aos conceitos de Modernidade, Vital Brazil e Paulo Nogueira, tinham em comum a capacidade de serem grandes estrategistas. Nogueira sempre buscou concretizar seus anseios mediante o estímulo à concorrência utilizando-se de um planejamento ardoroso de suas atividades. Isto permitiu com que ele adquirisse um grau de confiabilidade no mercado financeiro muito grande, e não poucas vezes se utilizou das mesmas atitudes para ver seus empreendimentos progredirem. Vital Brazil, segundo a auto-imagem que transparece em suas declarações, soube unir o racionalismo de sua formação como engenheiro com sua perspicácia, obtendo uma incomum capacidade de atuação, expressa em suas obras por "um cuidadoso dimensionamento técnico: do apuro do pormenor aos limites do orçamento, sem prejuízo da funcionalidade e da plástica e firmemente assentada na convicção por uma arquitetura moderna"(SEGAWA: 1987; 59). A interlocução entre suas áreas de formação – Arquitetura pela Escola Nacional de Belas Artes, e Engenharia pela Escola Politécnica do Rio -, são expressas, especificamente no caso do Esther, pela capacidade de propor espaços e soluções arquitetônicas que ao se revestirem desse discurso econômico, seriam facilmente implementadas, já que a lógica de seu cliente era baseada nesses termos. A capacidade de Vital Brazil de entender o pensamento de Paulo Nogueira, permitiu com que o Esther adquirisse a feição que tem hoje. Certamente, não se pode atribuir a Paulo Nogueira a escolha pela estética racionalista, pois para ele, o importante no edifício Esther era responder às questões de representatividade social e simbólica. O peculiar nesse convívio entre Nogueira e Brazil, está no fato de Vital Brazil ter tido noção exata de como gerenciar seus ideais arquitetônicos - grandemente influenciados por Le Corbusier – permitindo instaurar pela primeira vez no país uma arquitetura modernista. A referência de que os projetos pioneiros da arquitetura vinculada ao International Style eram mais caros, parece não encontrar respaldo no edifício Esther. Não pelo fato de não concordarmos com tal afirmativa, uma vez que, certamente, os experimentalismos

Pesquisar arquitetônicos com concreto armado, estruturas metálicas e materiais não produzidos em série durante as primeiras décadas do século, elevavam o preço final das construções. Nossa afirmação em contrário vem da postura tomada por Vital Brazil. Postura que surge quando o arquiteto depara-se com uma oportunidade de construir um edifício de grande porte dentro dos dogmas modernos que comungava, e que ainda não havia sido executado no país. Todavia, tendo o lado econômico como fator limitante, certamente as propostas seriam direcionadas para uma arquitetura tradicional, ou que se pretendia modernista, apesar de não explicitamente vinculada ao International Style. Adotando a economia como o caminho mais importante para construir o edifício Esther segundo os parâmetros modernistas, Vital Brazil e Adhemar Marinho2 propuseram uma edificação onde os limites orçamentários foram ditatoriais, mas imprescindíveis para vencerem a concorrência. A este respeito, Vital Brazil declarou que "de fato, essas idéias básicas me influenciaram muito - [ idéias de Le Corbusier e seus cinco pontos da Arquitetura Moderna presentes no edifício]. Mas obedeciam também a um programa. Se eu tinha planos livres, se precisava resolvê-los, fi-los com economia e para atender a um programa. Já o Ministério da Educação teve planos livres, resultou numa obra caríssima - aliás, foi feita pelo Baumgart , mas por exigência dos arquitetos. A estrutura do Ministério não tem vigas - é baseada em estrutura cogumelo -, então é realmente muito trabalhosa, com gasto excessivo de aço, o que na época pesava muito no orçamento porque o ferro custava muito dinheiro. Mas era um palácio e eles não podiam ver só o lado econômico, e eu estava fazendo um prédio que deveria ser rentável, tinha um orçamento. Então imaginei uma estrutura em que utilizei material mais econômico" (SEGAWA: 1987; 62). A arquitetura do Esther contempla também, aspectos estilísticos que foram usados para a exaltação das empresas Esther, como almejava Nogueira. Todas as portas ostentavam a engrenagem, logomarca da Usina Esther. Essa proliferação da simbologia dos proprietários, presente, também, nos carpetes de entrada, nos elevadores, nas maçanetas, - tendia a deixar clara a atuação da Família Nogueira, impondo aos usuários do edifício a noção de que o edifício tinha um grande empreendedor e gestor. Vital Brazil ao sujeitar-se a este requisito, poderia ter permitido que o poderio de seu cliente o conduzisse, provavelmente, a posturas diversas daquelas almejadas por ele. Contudo, sendo ele, um ferrenho admirador da estética modernista propagada por Le Corbusier através do purismo e de seus livros posteriores, soube utilizar desse condicionante, e realizar no Esther a difundida conjugação das artes. Assim,

Pesquisar todos os indícios simbólicos dos proprietários receberam tratamento espacial de maneira a tornarem-se parte integrante da Arquitetura do prédio, e não adendos. Crê-se que somente com a conjugação das características encontradas em empresário e arquiteto, desempenhadas por Paulo de Almeida Nogueira e Álvaro Vital Brazil, foi que se conseguiu a constituição de um dos ícones mais irrefutáveis da Moderna Arquitetura Brasileira, o Edifício Esther, que nos dizeres de Mário de Andrade era a legítima "Casa Moderna."

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAZIL, Vital e MARINHO, Adhemar (1938). Edifício Esther. In Revista Acrópole, nº 1, ano 1, (maio). São Paulo, s.e., pp. 54-66. (1938). Edifício Esther. In Revista Polytechnica, ano XXXIV, (maio-agosto). São Paulo: Escola Polytechnica, s/p. CONDURU, Roberto (1995). Álvaro Vital Brazil: rigor e urbanidade. In Revista Arquitetura e Urbanismo, nº 62, (outubro/novembro). São Paulo: PINI, pp.81-89. LAPA, José Roberto do Amaral ( 1995). A Cidade: Os Cantos e os Antros .São Paulo: EDUSP. NOGUEIRA, Paulo de Almeida (1955). Minha Vida: diário de 1893 a 1951. São Paulo: Empresa Gráfica Revista dos Tribunais. SEGAWA, Hugo (1987). O Herói desconhecido da Moderna Arquitetura Brasileira – entrevista. In Revista Projeto nº 96, (fevereiro). São Paulo: Arco Editorial, pp. 59-64. SEVCENKO, Nicolau (1992). Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Cia das Letras. SOMEKH, Nádia (1997). A Cidade Vertical e o Urbanismo Modernizador: São Paulo 1920-1939. São Paulo: Studio Nobel / EDUSP. VILLARES, Henrique Dumont (1946). Urbanismo e Indústria em São Paulo. São Paulo: Empresa Gráfica Revista dos Tribunais. VOZ DO MUNÍCIPIO (1997). Sociedade de Canto Campos Salles comemora 67 anos de inauguração. Cosmópolis: Revista Destaque; suplemento mensal do Jornal Voz do Município; nº 02.

NOTAS 1

O Projeto inicial do Edifício Esther foi elaborado pelo escritório carioca formado por Álvaro Vital Brazil e seu colega de turma, e posterior sócio, Adhemar Marinho. Todavia, o projeto executivo e a construção do edifício estiveram a cargo apenas de Vital Brazil, uma vez que Marinho permaneceu no Rio de Janeiro. 2 Deve-se dizer que a capacidade técnica de Marinho deveria ser bem afinada com o mercado financeiro, uma vez que esse arquiteto afastou-se da Arquitetura e tornou-se administrador das empresas herdadas de seu sogro.

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