A Falácia da Nova Política de Emprego em Moçambique: Afinal

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A Falácia da Nova Política de Emprego em Moçambique: Afinal, Quem Cria Emprego?1 António Francisco, Director de Investigação do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE)

“Pela primeira vez, Moçambique passa a contar com uma Política Nacional de Emprego”, reportou a TVM, em Novembro de 2015, adiantando: “Não existe ainda em Moçambique uma política de emprego com características típicas que se adeque aos diferentes contextos em que o país atravessa...”. De igual modo, o “País Económico” de 11 de Março do corrente ano declarou, de forma ainda mais bombástica: “Estado leva 40 anos a delinear estratégias de emprego... Em 40 anos de independência, Moçambique nunca teve, rigorosamente, uma política que se ocupasse das questões de emprego”. E agora? Com a aprovação de uma nova “Proposta de Política de Emprego” [1] será que podemos dizer: “Finalmente, temos uma nova política nacional de emprego?”. Infelizmente, não. Longe disso! Qualquer pessoa, no seu perfeito juízo e com algum sentido do papel do emprego numa economia de mercado moderna, reconhecerá que a alegada nova Política de Emprego não passa de uma falácia. A simples ideia de que ao longo de quatro décadas, Moçambique não teve uma política de emprego, é um grosseiro anacronismo; talvez mesmo um insulto e desrespeito para com o vasto conjunto de instrumentos legais e administrativos, que ao longo dos anos, têm configurado o quadro de incentivos e desincentivos ao emprego no mercado laboral moçambicano. O próprio texto da Política de Emprego divulgadas confirma a anterior afirmação, ao reconhecer estar “...sustentada por princípios consagrados pela Constituição da República... A Lei do Trabalho, a Lei da Protecção Social, a Lei de Educação Profissional, os Regulamentos de Contratação da Mãode-obra Estrangeira e sobre Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais...”.[1]

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Publicado no Jornal O País Económico (Maputo), 10.06.2016, p. 8-9.

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Para além do conjunto de instrumentos legais e administrativos que formalmente são usados para regular o mercado laboral, existe um vasto conjunto de mecanismos que executores e implementadores da legislação laboral, usam de forma mais ou menos informal ou discricioná r ia, tal como existem outros intervenientes, tais como: sindicatos, organizações profissionais e da sociedade civil, entre outros. Assim, o que dizer deste novo documento, apresentado por uns como a primeira e por outros como nova Política de Emprego em Moçambique? Responderei a esta questão, no comentário que se segue, centrando a atenção em torno de quatro questões mais específicas sobre aspectos analíticos, operacionais e as implicações deste novo documento. As quatro questões servem de subtítulo das quatro secções em que está organizado este comentário.

1.

Afinal, Quem Cria Emprego?

A nível analítico, um documento que se propõe ser uma Política de Emprego deverá responder a uma questão básica e crucial: Quem cria emprego? Se esta pergunta tão simples não é claramente respondida que mais podemos esperar dele? Qualquer político ou economista que apareça a anunciar um plano de “criação e emprego”, seja ele ambicioso ou tímido, merece reservas e desconfiança. A criação de emprego envolve investimento de recursos produtivos e custos aplicados, com vista à obtenção de retorno de forma lucrativa. Sim, vale a pena sublinhar a última expressão: forma lucrativa. Será por acaso que o documento em questão não use uma única vez a palavra “lucro”? Certamente não. Enquanto a política de emprego for ambígua, ou pior do que isso, for suportada por preconceitos e convicções, que o lucro e o juro são rendas “imerecidas” e moralmente reprováveis, não tenhamos ilusões que a alegada nova política de emprego mais serve para dificultar do que facilitar a criação de emprego realmente produtivo. Em rigor, quem cria emprego é a economia, através de empreendedores, usando o investimento de capital, a inovação e realização do lucro no mercado. Analisando o documento, fica-se com a ideia que a “nova” Política de Emprego atribui a mesma importância a empregos em actividades sem fins lucrativos e caritativos que empregos no sector

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produtivo. Assim sendo, duvido que o documento tenha tido a comparticipação de verdadeiros empresários, empreendedores e actores envolvidos na geração de empregos viáveis e produtivos.

2.

Criar Empregos Dignos... do Nada?

Quando os governantes e políticos declaram que querem “criar empregos dignos”, na prática acabam por procurar aumentar o número de funcionários públicos ou subsídio à contratação de empregados em certas actividades privadas. Mas é este o tipo de emprego que o país precisa? De que empregos estamos a falar? Que emprego é importante para a sociedade moçambicana, na actual situação em que se encontra Moçambique? A resposta encontrada na Política de Emprego está longe de ser esclarecedora.

O documento

começa por exaltar uma declaração de princípio repetida em todas Constituições da República (CR) como mera profissão de fé: “trabalho é a força motriz do desenvolvimento e é dignificado e protegido” (CR1975 – Artigo 10º; CR1990 – Artigo 51; CR2004 –Artigo 112). Contudo, os autores passam por cima do legado destrutivo com a Constituição de 1975 lidou com o mercado e que ainda hoje continua a influenciar o actual mercado laboral. Se compararmos as três Constituições implementadas desde a Independência, depressa percebemos que as duas primeiras ignoram completamente a questão do emprego. A terceira Constituição, actualmente em vigor, já menciona o emprego, no sentido de “Direito à Retribuição e Segurança no Emprego” (Artigo 85).[2] Em vários momentos tenho defendido, por escrito e em debates públicos, a necessidade e urgência de uma revisão da constituição económica moçambicana [3]. Este é uma assunto completame nte negligenciado por todas as forças políticas. Contudo, a revisão da constituição económica justificase por diversos motivos, relacionados com a clarificação do quadro jurídico e das regras de jogo formais, relativamente à gestão dos recursos naturais e financeiros, ao papel do Estado e dos principais agentes económicos na sociedade moçambicana, entre outros aspectos fundamenta is para o desenvolvimento económico. Infelizmente este novo documento de Política de Emprego nada contribui para a criação de um ambiente político e social que motive o Estado, os agentes económicos e a sociedade civil a articularem-se no sentido de melhorarem aspectos institucionais indispensáveis para um ambiente laboral saudável na economia moçambicana.

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3.

O Mercado Laboral Carece de Intervenção do Estado? Para Quê?

Numa sociedade que aspire a ser uma sociedade livre e democrática, com uma economia saudável e viável, o Estado apoia o motor da economia, mas não é ele o motor em si. O Estado é, sem dúvida, uma parte vital da sociedade; mas o seu papel positivo, progressista e estruturante, não é um dado adquirido. Se não contribuir efectivamente para a protecção da liberdade e soberania individual, no contexto dos imensos desafios insidiosos e persistentes contra a segurança pública e nacional dos cidadãos, dificilmente a sociedade progredirá de forma saudável e construtiva. Neste sentido, o Estado Moçambicano tem muito com que se ocupar, bastando para isso que se concentre em procurar garantir o bom funcionamento das regras de jogo, do sistema judicial e da administração pública, do policiamento e protecção civil, entre outros aspectos. Numa situação normal (o que não é propriamente o caso de Moçambique, considerando a enorme fragilidade institucional e grande dependência da poupança externa), o Estado depende principalmente das receitas dos impostos. Assim sendo, já é tempo de o Estado Moçambicano passar a agir como agente de apoio ao motor da economia, que é constituído pelos produtores e pelas empresas produtivas e viáveis. Se isto não for claramente percebido, não podemos esperar um desenvolvimento positivo do mercado de trabalho. Muito menos podemos esperar que solução seja o que recentemente foi proposto pelo Pró-Reitor da Universidade Politécnica, Narciso Matos. Segundo Matos, “...sem intervenção deliberada do Estado, o crescimento económico pode alargar o fosso entre pobres e ricos, pode criar mais exclusão social, terreno fértil para a instabilidade social”. É verdade que elevadas taxas de crescimento económico, por si só, não resolvem a escassez de desemprego. Mas se tal acontece o problema não está, nem começa, nas elevadas taxas de crescimento que não geram mais postos de trabalho. O problema está antes; ou seja, precisamente no facto das referidas taxas elevadas de crescimento não serem o resultado de um contributo e envolvimento extensivo e amplo da força de trabalho, rural e urbana. As actuais taxas de crescimento económico em Moçambique (média anual de 7% nos últimos 1520 anos), têm sido predominantemente sustentadas por poupança externa, principalme nte investimento em capital intensivo, ou em infra-estruturas, que contam com um elevado

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envolvimento do Estado e com uma realocação de força de trabalho que pouco contribuiu para o crescimento da produtividade. É pena que o documento da Política de Emprego ignore as poucas mas boas e importantes análises, que têm sido publicadas sobre o crescimento económicos moçambicano na perspectiva das mudanças e dinâmicas do emprego.[4, 5] Matos diz, e bem: “... a Política de Emprego não vai além da enunciação de princípios”; mas logo de seguida adiantou: “Nem tem que ir”. Ai é? Afinal, as políticas públicas apenas servem para enunciações de princípios? Para quê? Para serem usadas na vida quotidiana,

de forma

discricionária, consoante as circunstâncias, as conveniências e os estados de “alma” dos zeladores da coisa pública? Não adira que Matos, ao admitir que Política de Emprego precisa de se tornar realidade, se limite a sugerir “estudos aturados” sobre o que já se fez e o que não se fez. Isto acontece porque Matos não vê melhor alternativa do que insistir na velha abordagem distribucionista, auto-proclamada de progressista, e refém do intervencionismo estatal. Uma abordagem mais preocupada em redistribuir a riqueza disponível do que gerar empregos criadores de riqueza, por via da produtividade de empresas eficientes e viáveis. E quem confunde distribucionismo

com

progressivo, dificilmente poderá recomendar contenção aos fazedores de políticas públicas. Por isso, se os apelos à “intervenção deliberada” do Estado são implementado s, na admira que o resultado acabe por revelar-se prejudicial e nefasto, em vez de benéfico e facilitador da vida dos cidadãos.

4.

O que Esperar desta “nova” Política de Emprego?

Suspeito que o novo documento tenha sido elaborado por pessoas convencidas que planos inventados por burocratas e políticos podem “criar empregos”, dignos ou decentes. Mas um emprego em que as pessoas devem cavar buracos e enchê-los novamente (à lá keynesianismo), em troca de comida ou de alguma recompensa monetária, garante o bem-estar digno? Empregos esporádicos ou casuais criados, porque a Lei do Trabalho impõe que um certo número de moçambicanos seja recrutado por cada estrangeiro admitido, é o tipo de emprego que amplia a base produtiva? Se o emprego gerar bens e serviços que ninguém quer comprar, tem sentido mantê lo? O emprego de estrangeiros é uma ameaça ou uma oportunidade? Porque existe uma legislação para trabalhadores domésticos assalariados (Decreto nº 40/2008) tão diferente da legislação dos 5

demais trabalhadores assalariados no sector privado (Lei nº 23/2007)? Não será porque em relação a esta última, os fazedores da política agem como sindicalistas e zeladores do trabalho “digno” e “decente”, enquanto em relação à primeira agem como patrões? O texto da Política de Emprego dificilmente ajudará a esclarecer as dúvidas anteriores, entre muitas outras que poderiam ser colocadas. Por isso, suspeito que a nova Política de Emprego não passe disto mesmo – mais um documento, entre tantos outros que políticos e burocratas adoram preparar, geralmente sem qualquer entusiasmo, nem preocupação com a sua utilidade prática e os custos envolvidos na sua elaboração. Existe na nova Política de Emprego algo de pioneiro, original e potencialmente reformador e renovador das políticas de empregabilidade, explícitas e implícitas, implementadas ao longo das décadas passadas? Infelizmente, não. Pelo que tenho acompanhado das declarações dos agentes económicos do sector privado (e convém sublinhar “privado”, porque o sector público é outra estória, bastante diferente), duvido que esta Política e Emprego responda positivamente às suas preocupações e desafios. Principalmente às preocupações dos pequenos e médios empresários, que são os que menos capacidade têm de se desenvencilharem das dificuldades que enfrentam e o Estado se mostre incapaz de mitigar. Mesmo os grandes empresários, incluindo os chamados mega-projectos, nem sempre os seus elevados recursos financeiros são suficientemente capazes de resolver os problemas institucionais que enfrentam. Se a minha percepção sobre o novo documento se confirmar, não vejo que possa trazer algo de positivo para a necessária inovação, renovação e correcção das várias políticas que têm contribuído mais para a desincentivar a empregabilidade. E é aqui que lamentavelmente está o problema, no presente momento. O primeiro semestre do corrente ano foi rico em surpresas inesperadas e indesejáveis, para todos aqueles que vivem do seu trabalho e/ou todos aqueles que possuem capital acumulado, ou têm capacidade para mobilizar recursos financeiro e investir na criação de emprego realmente produtivo. Por mais que o Governo apele e declare que precisamos de nos concentrar na produção e aument o da produtividade, há várias anos que não ousava colocar a sociedade moçambicana numa situação

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tão embaraçosa, justificando que as suas declarações sejam recebidas com o maior cepticismo e desconfiança. E porquê? A resposta está no comportamento do próprio Governo para com as instituições de soberania e a população em geral. No corrente ano, precisamente no momento em que o Governo se tem desdobrado em esforços para justificar endividamentos ocultos e ilegais, alegadamente em nome da soberania nacional, continuamos à espera de provas convincentes que tais endividamentos visam contribuir para o aumento da produção e da produtividade da economia moçambicana. Ora, perante uma situação destas, em que o Governo diz aos cidadãos “façam o que eu digo não façam o que eu faço”, existirá algum motivo para acreditar que a nova Política de Emprego merece ser levada a sério? É improvável. Existem muitas coisas que carecem de esclarecimento, mas no fundamental sabemos que o maior problema que enfrentamos presentemente já não é tanto a falta de informação sobre “o que e como fazer”, em termos técnicos e organizativos. O problema é que, nos dois ou três anos passados, o Estado Moçambicano tem feito mais contra do que a favor da melhoria do ambiente de empregabilidade e criação de emprego. Assim sendo, vamos ter que reflectir muito bem como voltar a recuperar a confiança do capital internacional e nacional, para que Moçambique possa converter-se num país de investimento. Sim, um país de investimento, onde valha a pena investir e produzir, num sentido amplo e não apenas concentrados na meia dúzia de produtos minerais e outros de elevada lucratividade a curto prazo. Por enquanto, Moçambique ainda é um país “Maningue nice”, mas principalmente para especulação; na verdade, para especular depressa e logo zarpar. Porém, mesmo a este nível, se nada de melhor for feito a breve trecho, para se reverter rapidamente a tendência degenerativa e de falência destrutiva, não será por muito tempo que Moçambique continuará a ser um país bom para especular. Fazer algo de melhor, em termos de criação de um ambiente de concorrência pacífica e saudável, é necessário mas não suficiente, para se criar um bom ambiente laboral e de emprego. Como escreveu Prémio Nobel em Economia (2008), Paul Krugman ( economista favorito dos defensores do intervencionismo estatal), no seu intitulado “louvor à mão-de-obra barata: empregos ruins com salários baixos são melhores do que a falta de emprego”: “A política de bons empregos em tese e falta de empregos na prática, talvez acalme as nossas consciências, mas não favorecerá os supostos

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beneficiários”.[6] Este questionamento do moralismo enganador, se não ajudar a pensar, muito menos ajudará a agir correctamente. E parafraseando, mais uma vez, Krugman: “...quando as esperanças de centenas de milhões estão em jogo, a análise percuciente não consiste apenas em boa prática intelectual. É, acima de tudo, um dever moral”.[6]

Referências Principais

1. GdM. 2016. Proposta de Política de Emprego. Maio. Governo de Moçambique (GdM). 2. Assembleia da República. 2004. Constituição, assin. em 16 de Novembro de 2004. BR no 051, I Série, de 22 de Dezembro de 2004, pág. 543 a 573. 15203. 3. Francisco, António. 2013. Por uma Nova Constituição Económica em Moçambique. In Dinâmica da Ocupação e do Uso da Terra em Moçambique, ed. Carlos Manuel Serra and João Carrilho, 75–127. Maputo: Escolar Editora. 4. Jones, Sam, and Finn Tarp. 2013. Jobs and Welfare in Mozambique. Working Paper UNUWIDER Research Paper WP2013/045. World Institute for Development Economic Research (UNU-WIDER). 5. Jones, Sam, and Finn Tarp. 2015. Understanding Mozambique’s Growth Experience Through an Employment Lens. Working Paper Series UNU-WIDER Research Paper wp2015-109. World Institute for Development Economic Research (UNU-WIDER). 6. Krugman, Paul. 1999. Globalização e Globobagens: Verdades e Mentiras do Pensamento Económico. 4a. Rio de Janeiro: Editora Campus.

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