A falácia dos \"10% do PIB para a educação\"

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A falácia dos “10% do PIB para a educação” Antonio Caleari

Publicado em 09/2014.

Os  gastos  do  Estado  têm  por  limitação  objetiva  suas  fontes  de  receita  e  compromissos  já assumidos.  Bradar  por  um  aporte  desta  monta  significa,  invariavelmente,  aumentar  a tributação ou cortar os gastos. Surpreendeu­me  ter  ouvido,  desta  vez,  porém,  proferida  por  respeitável  docente  da  USP,  a  “besteira  da  moda”  e  lugar­ comum protagonista das manifestações, desde o ano passado: a tal proposta de “10% do PIB para a educação”. Não menos irresponsável do que tecnicamente risível, dita pauta política ofende até mesmo a inteligência daqueles pouco familiarizados com as noções mais básicas de finanças públicas. É óbvio, mas – à luz (ou sombra) de tamanha ignorância, a qual naturalmente adveio dos festejos de junho – é preciso que seja esclarecido: o Governo (seja ele municipal, estadual, federal ou intergaláctico) não tem o poder de vincular o seu orçamento tendo por base o PIB (que é a soma das atividades econômicas do país). Para isso seria preciso estatizar o país inteiro! Os gastos do Estado têm por limitação objetiva suas fontes de receita e compromissos já assumidos. Qualquer proposta que não leve isso em conta peca por irresponsabilidade fiscal. Para além do questionabilíssimo “efeito simbólico” deste mote (o que  se  poderia  apresentar  como  escusa),  não  há  estudo  que  indique,  claramente,  o  impacto  no  orçamento  público resultante da vinculação dos investimentos para a educação, tendo uma significativa fatia do PIB como referência. Os  mais  afoitos  dirão  que  sou  contra  os  investimentos  nesta  área  fundamental  para  o  nosso  desenvolvimento.  Mas  é justamente por me sensibilizar com esta legítima reivindicação que me incomodou ver tal falácia ser repetida a esmo pelos papagaios democráticos. Dizer­se que esta ou aquela área carece de mais investimentos – em especial a educação – é algo de profundo consenso, até mesmo  se  considerados  os  mais  contrastantes  matizes  ideológicos.  É  um  discurso  fácil,  e  cômodo,  levantar  esse  tipo  de bandeira sem que se apresente uma contrapartida que viabilize sua aplicação. Num  contexto  social  de  profundo  “engessamento”  das  finanças  públicas  –  extremamente  comprometidas  com  folha  de pagamentos,  previdência,  dívidas,  dentre  outros  (vide  a  atual  situação  da  USP)  –  bradar  por  um  aporte  desta  monta significa, invariavelmente, aumentar a tributação ou cortar os gastos. Discussão  esta  que  –  substancialmente  política,  para  além  da  verificada  superficialidade  –  deveria  se  desenvolver  num ambiente  de  muito  mais  conhecimento  de  causa  do  que  as  fanfarronices  da  turba  a  qual,  de  repente,  teve  um  surto  de consciência cívica. Apontar­se, objetivamente, quais medidas viabilizariam o incremento nos recursos para a educação é a parte difícil deste processo.  Significa  ter  de  tomar  um  lado  em  questões  profundamente  impopulares,  como  a  majoração  de  impostos, redução  de  salários  de  certos  setores  nababescos  da  Administração  ou  a  recusa,  por  exemplo,  a  gastos  não  prioritários como a Copa do Mundo. Poucos  têm  a  coragem  de  lembrar  que,  por  ocasião  do  anúncio  do  Brasil  como  sede,  o  clima  foi  de  inegável  euforia  e comemoração. Súbita  e  tardiamente  –  frise­se  –  e  já  com  o  evento  em  vias  de  realização  (com  todos  os  contratos  assinados  e  estádios praticamente  prontos;  ou  seja,  sem  ter  como  voltar  atrás),  os  tais  “movimentos  populares”  e  um  amplo  setor  dos “formadores de opinião” resolveram, intempestivamente, se indignar. Não me consta que tenha havido uma mobilização proporcional, à época em que ainda dava tempo de reverter esta sandice de construir novos estádios enquanto o povo chafurda na merda. “Perderam o barco”. Os  hipócritas  que  criticam  a  Copa  hoje,  tendo­a  aplaudido  ontem,  reproduzem  o  mesmo  tipo  de  desinformação  que  nos brindou com esta pérola dos “10% do PIB para a educação”.

De  fato  –  e  não  deixa  de  constituir  uma  ironia  –  a  baixa  instrução  é  também  um  sério  problema  daqueles  que  dizem defender a educação.

Autor Antonio Caleari Bacharel  em  Direito  pelo  Largo  de  São  Francisco  (FD­USP)  e  autor  do  livro  “Malleus Holoficarum:  o  estatuto  jurídico­penal  da  Revisão  Histórica  na  forma  do  Jus  Puniendi versus Animus Revidere” (Chiado Editora: Lisboa, 2012). Site(s):

 

www.malleusholoficarum.com.br www.revisionismo.com.br

Informações sobre o texto Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT) CALEARI, Antonio. A falácia dos “10% do PIB para a educação” . Revista  Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3989, 3 jun. 2014. Disponível em: . Acesso em: 19 maio 2015.

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