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May 22, 2017 | Autor: Marcelo Silva | Categoria: Aristotle, Aristotle's Ethics, Aristóteles
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Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Departamento de Filosofia

A felicidade como bem supremo em Aristóteles

Marcelo Forte do Carmo Silva Filosofia Antiga Trabalho orientado pelo Professor Pedro Mesquita

2017


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Introdução

Das obras que Aristóteles escreveu acerca do tema da ética, a Ética a Nicómaco, pode ser considerada como a principal. Ainda assim, a sua teoria moral pode ser encontrada na obra Ética a Eudemo e nos tratados Magna Moralia. Aristóteles, na sua obra, Ética a Nicómaco, identifica a existência de um bem supremo para a vida humana - a felicidade. Considera-a como bem supremo em detrimento de outros bens, como a honra, o prestígio social, a riqueza ou até mesmo a saúde porque, apesar destes últimos poderem levar o indivíduo à felicidade, o contrário nunca acontecerá, estes serão apenas meios para um fim, enquanto que a felicidade é o fim em si mesmo. A capacidade racional do homem leva-o a discernir entre uma boa e má ação, sendo que só a boa ação é considerada excelente e, por sua vez, promotora de felicidade. A felicidade consiste então em praticar ações boas de acordo com a nossa razão. A felicidade, para Aristóteles, não é uma emoção, mas sim algo que pode ser desenvolvido através da prática. Com o hábito de praticar ações excelentes, os homens deixam de fazer o que não é correto e passam a agir corretamente. Assim sendo, o homem feliz é aquele que satisfaz as suas preferências e os seus desejos racionais porque eles estão alinhados com um sentido orientador e, como tal, não só quer fazer o que está certo como o faz. Neste trabalho proponho mostrar como é que Aristóteles chega ao bem maior e qual o nosso papel enquanto homens para alcançar esse bem. Terminarei com uma breve exposição acerca da possibilidade de enquadramento da perspectiva de Aristóteles numa ética consequencialista.

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Índice

1.A procura do bem final

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2. O papel do Homem na procura da felicidade

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3. A questão do domínio de si

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4. Enquadrar-se-á a posição de Aristóteles numa teoria ética consequencialista?

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5. Bibliografia

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6. Bibliografia electrónica

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1.A procura do bem final Aristóteles começa a sua obra afirmando que tudo parece “lançar-se para um certo bem” (1094a1). Ora, este bem que Aristóteles refere não é um bem que cada um de nós gostaria de alcançar, ou um tipo de bem que só satisfaria os nossos interesses pessoais, o bem em causa é o bem maior, o bem que reconhecemos e aceitamos como sendo plenamente capaz de satisfazer as nossas vontades. Aquele que deveria ser considerado o nosso objetivo final logo à partida para a realização de uma determinada ação. O facto de considerarmos a existência de vários bens que se poderiam tornar fins das nossas ações leva a uma dificuldade acrescida na orientação da nossa conduta. Ao ter noção deste facto, Aristóteles decide procurar as características de um tal bem final, bem esse que oriente a nossa conduta em todas as situações mas depara-se logo aí com um entrave a esta investigação: as situações não são todas iguais, por isso, a definição de um bem final terá alguma margem de erro, margem essa que deve ser logo reconhecida à partida, não se vá dar o caso de estarmos a exigir “conclusões aproximadas a um matemático e exigir demonstrações a um orador.”. Assim sendo, afirma que, se no meio das muitos fins que as nossas ações possam ter, há um “pelo qual ansiamos por causa de si próprio, e os outros fins são fins, mas apenas em vista desse (…)” (1094a18), esse seria o bem supremo. Quer isto dizer que, se há algo que ansiamos apenas e só por si mesmo, sem necessitar de mais nada que o complemente, esse é o bem supremo. A juntar a isto, surge também a necessidade de auto-suficiência desse bem universal, ou seja, se apenas possuíssemos esse bem, a nossa vida seria plena. Isto pode levar a que o bem final seja bastante abrangente ao ponto de, por si próprio e sem nada que o complemente, seja suficientemente valioso e importante para que possamos levar uma vida agindo apenas de forma a alcançá-lo. É aceite de forma unânime que esse bem pode muito bem ser a felicidade. O problema aqui começa quando procuramos definir o que é a felicidade porque esta tem diferentes sentidos para cada um de nós, para uns é o prazer, para outros a honra e, para outros ainda, é a riqueza. Os três exemplos anteriores são as definições mais associadas à felicidade. Aristóteles rapidamente explica porque é que estas atribuições não podem corresponder à definição de felicidade que procura. Aqueles que apenas vivem a sua vida buscando a fruição do prazer são como “animais de pasto” (1095b21), querendo isto dizer que apenas vêem a vida passar nunca fazendo uso das suas potencialidades racionais, capacidade essa tão valorizada por Aristóteles por ser ela própria que nos distingue de todas as outras espécies animais. 4

Os que afirmam que a felicidade se traduz na honra caem no erro de simplificarem demasiado a própria definição de honra porque esta acaba muitas vezes por ser um meio para chegar a outro fim (excelência), não sendo assim auto-suficiente e, portanto, viola um dos critérios estipulados por Aristóteles. Por último, os que dizem ser a riqueza entram em contradição com os critérios de definição do bem maior uma vez que, o dinheiro apenas serve de bem externo para atingir, ou outros bens externos ou outros fins que não ele próprio, não sendo assim nem o fim nele próprio, nem autosuficiente porque, em caso de doença, por muito dinheiro que possamos ter, apesar de através dele podermos pagar ao melhor médico, se não houver um bem maior, neste caso a saúde, todo o dinheiro e toda a especialidade do médico são inúteis. Apesar da riqueza não ser o bem maior, Aristóteles não faz dele uma coisa má e reconhece que pode ajudar a alcançar a felicidade em alguns casos. A felicidade surge como o bem que cumpre os critérios propostos uma vez que procuramos atingi-la apenas por ela própria e não como meio para chegar a outro bem, e porque, apesar de existirem outros bens que valorizamos, se nos dessem a hipótese de escolher apenas um que fosse definitivo, certamente escolheríamos a felicidade.

2. O papel do Homem na procura da felicidade Depois de identificada a felicidade com bem supremo, temos de identificar como podemos alcançá-la. Para isso, Aristóteles questiona qual é a função que os humanos devem desempenhar. Partindo do princípio que não nascemos apenas para sobreviver, função essa que é perfeitamente desempenhada pelos vegetais, e que, aliás, parece ser a única que podemos comparar com o homem, excluindo as funções de alimentação e capacidade de crescimento. Podemos dizer que possuímos um determinado tipo de perceção do mundo à nossa volta, mas nesse caso poderíamos ser comparados a qualquer ser vivo, mas nós somos mais que isso, somos mais que a mera noção daquilo que nos rodeia. Resta-nos então a nossa capacidade racional, capacidade essa que mais nenhum animal possui e que nos torna, de certa forma, seres superiores em relação a outros. Descoberta esta função específica do homem, podemos mostrar como chegar ao bem supremo. Para isso, Aristóteles distingue dois tipos de virtudes, as teóricas e as éticas. As primeiras, são virtudes que vão sendo adquiridas por meio da educação e acumulação de conhecimentos e que, como tal, precisam de tempo por parte de quem as procura adquirir, até que se possam ser úteis. As segundas, desenvolvem-se através da prática constante, ou seja, aquele que quiser ser bom numa 5

determinada perícia, tem de a praticar de forma virtuosa, isto é, entregando-se completamente ao que está a fazer, até que, pelo hábito de praticar essa ação, se torne excelente. Por isso, aquele que queira ser justo, deve ser habituado desde que nasça a praticar a justiça. Agora, aliando a nossa capacidade racional a um “sentido orientador” (1098a4), isto é, algo que reconhecemos como sendo o que de melhor há a fazer numa dada situação, resta-nos então, agir de acordo com aquilo que achamos ser o melhor. É esta função da racionalidade que nos torna superiores pois reconhecemos quando estamos a agir mal e quando estamos a agir bem. Podemos concluir, que o homem só não age da forma correta em cada situação, partindo do princípio que todas as circunstâncias são normais, porque assim não o deseja, e o facto de não o desejar, não o torna um digno possuidor da sua razão. Então, o ato virtuoso é aquele que se situa entre dois extremos: o excesso e o defeito. Esse meio-termo é relativo a cada indivíduo porque muito dificilmente teríamos uma lei que abrangesse todas as circunstâncias específicas da vida humana e, como tal, cada um de nós, é juiz das suas próprias ações. A felicidade pressupõe então uma parte prática, isto é, temos de agir de forma excelente para que possamos encontrar a verdadeira felicidade. Esta ação não pode ser esporádica porque há um acumular de experiência que só o tempo traz, o facto de repetirmos uma ação muitas e muitas vezes faz com que esta se torne excelente, e só este tipo de ação é que o homem deve procurar, pois só assim está a tirar partido das suas potencialidade enquanto homem e a realizar ações que se aproximam do que mais há de divino. A felicidade adquire-se então com o hábito de praticar ações excelentes, porque essa é a função de todo e qualquer homem.

3. A questão do domínio de si Tendo ficado feita a distinção entre os dois tipos de virtudes, Aristóteles, no Livro VII, vai desenvolver a questão do domínio de nós próprios. Começa por afirmar que existem três formas do nosso caráter que têm de ser evitadas: “ São elas a perversão, a falta de autodomínio e a bestialidade.” (1145a17). Aquele que possui autodomínio, mantém-se fiel às suas crenças mesmo quando bastante persuadido a enveredar por um caminho completamente oposto. Já quem não detém o domínio de si, apesar de reconhecer uma ação como sendo nefasta, pratica-a, porque a emoção ao praticá-la se sobrepõe à razão para não o fazer. Aristóteles, de início, parece ter uma posição contrária à de Sócrates (1145b23) em relação a quem detém o domínio de si. Sócrates afirmava que se alguém possuísse verdadeiro conhecimento 6

de causa, nunca poderia perder o domínio de si. Tinha este perspetiva porque não imaginava algo mais poderoso do que o conhecimento, e isto impedia-o de estar à mercê de qualquer tipo de afectos. Para Sócrates, quando alguém agia contra aquilo que tinha conhecimento, apenas demonstrava que, esse alguém, na verdade, não possuía o conhecimento que achava possuir, porque quem age dessa forma age por ignorância. Ora, Aristóteles não via a situação da mesma forma, já que não estava convencido quanto à possibilidade de ficarmos “cegos por ignorância.” (1145b30). Afirma, para começar, que possuímos dois tipos de conhecimento: aquele que realmente possuímos e aquele que utilizamos (1146b33). De seguida, parece propor uma perspetiva “(…)envolvendo o que no espírito de Aristóteles parece uma reconstrução racional dos antecedentes da nossa acção.”1 , isto é, admite a existência de dois tipos de premissas - maior e menor -, sendo que a primeira diz respeito aos fins que procuramos atingir; e a segunda, à situação particular em que nos encontramos. Posto isto, Aristóteles conclui, dizendo que podemos ter conhecimento de uma determinada situação universal, mas não o utilizar na situação em que nos encontramos. (1147a4); Imaginemos, por exemplo, alguém que quer fazer dieta e, por essa mesma razão, decide não comer doces. Um dia, passa por uma pastelaria e vê todos aqueles bolos na montra. Isto despertalhe a maior das vontades de comer um, e come, mesmo sabendo que não pode. Isto demonstra que, apesar de possuirmos o conhecimento, ele só nos é válido quando posto em prática, caso contrário, não mostrámos que éramos verdadeiros possuidores do mesmo, ou então, demonstra que ficámos à mercê de algum tipo de afeto que nos levou a agir de forma diferente àquela que era a correta. A conclusão de Aristóteles, contrariamente ao que se esperava, é mais próxima da concordância com Sócrates, do que o contrário. A isto deve-se o facto de não conseguir evitar chegar àquilo a que Sócrates também tinha chegado: o conhecimento é de facto o que de mais poderoso há visto que os afetos não correspondem a nenhuma verdade, mas sim, a uma opinião, uma preferência, e, quando escolhidos em detrimento do conhecimento, significa que perdemos o domínio de nós próprios porque não estamos a agir racionalmente.

4. Enquadrar-se-á a posição de Aristóteles numa teoria ética consequencialista? Uma das questões que propus responder neste trabalho foi a de verificar a possibilidade da teoria das virtudes de Aristóteles se enquadrar numa ética consequencialista. Começaremos então 1

Retirado de Aristotle, de Christopher Shields (Londres: Routledge, 2006). Trad. Desidério Murcho.

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por tentar perceber o que é uma ética consequencialista e depois tentar verificar se se adequa àquilo que Aristóteles tentou esclarecer. Em primeiro lugar, temos a saber que o consequencialismo integra a corrente ética normativa, ou seja, procura definir como devemos agir em toda e qualquer situação. Dentro desta corrente surge também o deontologismo, mas posição esta que não será aqui abordada. Depois, há que saber que a tese central do consequencialismo: uma ação é bom quando produz o maior prazer possível. Desta tese, surgem várias variantes: hedonistas, utilitaristas, egoístas éticos. Neste trabalho, limitar-nos-emos aos utilitaristas. Estes têm como máxima: uma ação moralmente boa é aquela que maximiza a felicidade para o maior número. Tendo sido feito este pequeno enquadramento, comecemos então a tratar da questão proposta. Aristóteles defende que o bem maior para o homem é a felicidade. Os utilitaristas procuram maximizar a felicidade. Até aqui as coisas parecem enveredar por caminhos semelhantes. Os problemas surgem quando procuramos responder à questão: o que devo fazer? Os utilitaristas, por um lado, diriam, que, faz-se o que for preciso para que a nossa máxima de maior felicidade seja atingida. Isto pressupõe, à partida, que um utilitarista não olha a meios para alcançar os seus fins, nem que esses meios sejam mentir, roubar ou matar. Ora, Aristóteles, consideraria tais atos como vis porque nunca, em circunstância alguma, devemos matar ou roubar para obter seja o que for. Devemos agir de forma virtuosa, isto é, no meio de dois casos extremos, pois é aí que se encontra a virtude, e é a partir desse meio, que é relativo a cada situação, que se executam ações excelentes. Outra situação que criaria discórdia é o facto de, para atingir a máxima felicidade, os utilitaristas se exporem a conflitos internos acerca do que devem e do que realmente querem fazer. Por exemplo, um determinado indivíduo está a fazer uma dieta. Daqui a uma semana será o seu aniversário e a sua filha, juntamente com a sua esposa, vão fazer-lhe o bolo que ele mais gosta para esta ocasião especial. Acontece que, visto estar a fazer dieta, não pode comer o bolo. Se não comer o bolo, a sua filha e esposa vão ficar chateadas com ele porque não valorizou minimamente o trabalho e a atenção que tiveram por ele. Este indivíduo encontra-se agora divido entre, comer o bolo para fazer com que a sua filha e esposa fiquem felizes, indo assim contra aquilo que devia fazer; ou então, não comer o bolo porque é aquilo que deve fazer, mas desta forma deixará a sua esposa e filha e infelizes. Neste caso, o utilitarista acabaria por escolher a primeira opção porque é a aquela que mais máximiza a felicidade (duas pessoas ao invés de apenas uma), mesmo sabendo que não é a opção preferida. A esta decisão, a teoria Aristotélica opunha-se, pois só uma decisão racional pode fazer8

nos alcançar a felicidade. Só uma decisão racional, aliada a uma moralidade prática e aos desejos certos, isto é, devemos por em prática aquilo que consideramos ser a ação excelente para a situação em que nos encontramos e devemos fazê-lo porque é isso que nos dá prazer fazer, pode resultar na felicidade. Assim sendo, e como forma de conclusão, verificámos que a posição de Aristóteles não se podia enquadrar com o consequencialismo. Apesar de partilharem aspetos semelhantes quanto ao fim desejado, neste caso, ambas estão relacionadas com a felicidade, a forma como agem para as alcançar difere em quase tudo. Uma, foca-se apenas nos meios para o alcançar pondo de parte interesses subjetivos (consequencialismo); outra, apesar de se preocupar com os meios escolhidos para chegar à felicidade, é guiada pela razão humana, estando assim dependente da excelência de quem pratica determinada ação para a realizar de forma excelente. A teoria das virtudes de Aristóteles foca-se no desenvolvimento de hábitos que levem os homens a fazer aquilo que acham ser excelente.

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5. Bibliografia Fonte Primária

- Aristóteles - Ética a Nicómaco. Trad. António de Castro Caeiro. 4ª Edição. Lisboa. Quetzal Editores. 2012. Fonte Secundária - Guthrie, W.K.C - Os filósofos gregos - De Tales a Aristóteles. Trad. Maria José Vaz Pinto. 1ª Edição. Lisboa. Editorial Presença. 1987.

6. Bibliografia electrónica - Kraut, Richard - Aristotle’s Ethics. The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2016 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = .

- Shields, Christopher - Aristotle. Trad. Desidério Murcho. Crítica na rede (2010). URL=< http:// criticanarede.com/viverbem.html>.

- Sinnott-Armstrong, Walter - Consequentialism. The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2015 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = .

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