A Filosofia que não é

September 24, 2017 | Autor: Idalina Correia | Categoria: Philosophy, Filosofía
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Não parece verdade, mas é. O mito que melhor assenta à filosofia e aos filósofos é o de Narciso. A vaidade do próprio e a rejeição do impróprio, uma tão imensa quanto "ninfasta" adulação pela eternidade e pelo absoluto, a teimosia em permanecer num idealismo cercado pelas águas onde se vê e revê… ou, então, uma Fénix em "remorte" e remorso, incapaz de renascer, deitada a soçobrar no divã do psicanalista. Acobardada em queixumes de beata choradeira, permanece ajoelhada no túmulo daquele que considera o último grande filósofo, JP Sartre. Adora discursar sobre os seus bens, como grande latifundiário do saber. Acorda manhã após manhã, bem cedo, para mensurar a sua propriedade em hectares de ar e pó.
Desconfia de tudo o que a circunda, que por acaso é algo de tão rafeiro ou bastardo e comezinho quanto a vida que por aí se vive, e insiste em conceder salvos-condutos apenas a quem se dedicar à arte de encriptar o discurso (os académicos) e aos jardineiros paroquiais de metáforas pardacentas (os pensadores). Prefere sentar-se no salão de fumadores de cachimbo da sua mansão com todo o género de particulares a discorrer sobre o universal, de forma universal. Age de forma filosoficamente correta e só nessa medida é que permite a entrada do particular técnico-científico por quem nutre a mais sardónica inimizade. Atura com enfado a ladainha do acontecimento, do dado, do empírico, do experimental, do verificável, e, por detrás, sussurrante e conspiradora, ri-se como o riso próprio dos que riem do que não compreendem e se orgulham disso. Quando sai à rua, segue a passo emancipado, arejado, distribui simpatia pelas redondezas e sai para defender geometricamente aquilo que não pratica. O que é não pratica? Slavoz Zizek, diz que filosofia é fazer as perguntas mais simples. Nunca vislumbrei, por cegueira certamente, qualquer indício de uma pergunta simples em qualquer uma das suas obras. Deparei-me sempre com um acérrimo vómito ideológico envolto num vasto torpor opinativo. Já Deleuze dizia, sensivelmente desta forma: o conceito sobrevoa como um pássaro em voo rasante o campo de batalha das opiniões contraditórias aniquiladas. E diz, de forma muito inteligente, Afonso Cruz, na obra "O pintor debaixo do lava-loiças", pela voz de um dos personagens: "a metafísica sem duas pessoas a gritar não passa de ciência exata como a matemática."
O facto é, em passando os dias a separar o que é seu do que lhe não pertence, a filosofia como velha solitária e avarenta, dissipa qualquer possibilidade de se constituir como instrumento de inteligibilidade do sentido da experiência apenas pela simples razão de que uma tal tarefa aponta para o futuro e não para o passado. E o passado da filosofia sabemos que vem em tons de dourado e o futuro não se sabe em que tons virá. E o que é preciso fazer, o que urge, o que agora é confuso e precisa de se aclarar, é sempre demasiado inoportuno, não há espaço na agenda e como tal não há compromisso.
Estou convicta de não se consegue encontrar na filosofia especialmente nesta que se ensina o mais ínfimo sinal de uma expedição pelo sentido das coisas, do mundo, dos homens. A expensas de um tal itinerário que para sempre permanecerá agitado por novas perguntas, novas paisagens, outros mapas, mais terra a percorrer, são avultadas e incomportáveis. Ninguém gosta de ver destruído aquilo que arduamente construiu. E, os filósofos como construtores de sentido, como engenheiros de maquinaria conceptual ou mecânicos de engenhos discursivos, preferem ficar tranquilos na contemplação das geniais construções do passado ou, então, dedicam parte substancial do seu tempo de vida a decifrar o código hermenêutico de tais edificações, entupindo, sempre que possível os alunos com o máximo de ideias ininteligíveis porque pavonear-se lá no cume de uma sabedoria que julgam possuir serviria de pouco se não reunissem uma multidão acéfala à sua volta.



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