A fiscalização pelo TC de normas internas contrárias ao direito internacional convencional em matéria de direitos fundamentais

May 25, 2017 | Autor: Paulo Manuel Costa | Categoria: Direitos Fundamentais, Direito Internacional dos Direitos Humanos
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WORKING PAPER N.º 01

A FISCALIZAÇÃO PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DAS NORMAS INTERNAS CONTRÁRIAS AO

DIREITO INTERNACIONAL CONVENCIONAL FUNDAMENTAIS

PAULO MANUEL COSTA 2006

EM

MATÉRIA DE DIREITOS

A fiscalização pelo TC de normas internas contrárias ao direito internacional convencional em matéria de direitos fundamentais 2

Nota

O trabalho que agora se disponibiliza foi apresentado e defendido, em 2000, na disciplina de Contencioso Constitucional, da Pós-Graduação de Ciências Políticas e Internacionais, que frequentei na Faculdade de Direito de Lisboa, no ano lectivo de 1999/2000. Em relação à versão original foram introduzidas pequenas alterações, sem influência no seu conteúdo substancial.

Março de 2006. Paulo Manuel Costa

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ÍNDICE

ABREVIATURAS I – INTRODUÇÃO II - CONSIDERAÇÕES GERAIS III - DIREITO INTERNACIONAL CONVENCIONAL NA ORDEM INTERNA IV - NORMAS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS V - FISCALIZAÇÃO PELO TC DE NORMAS INTERNAS CONTRÁRIAS

A

4 5 6 9 13 18

NORMAS INTERNACIONAIS

VI - CONCLUSÃO VII - BIBLIOGRAFIA VIII - ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

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20 21 23

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ABREVIATURAS:

AR - Assembleia da República CRP - Constituição da República Portuguesa DIC - Direito internacional convencional DUDH - Declaração Universal dos Direitos do Homem DR - Diário da República GR - Governo PR - Presidente da República TC - Tribunal Constitucional

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I. INTRODUÇÃO 1. A finalidade deste trabalho é verificar se o Tribunal Constitucional tem competência para fiscalizar a constitucionalidade de normas internas contrárias às normas internacionais convencionais, em matéria de direitos fundamentais. A matéria da qualificação da desconformidade entre o direito interno e o direito internacional convencional, bem como a competência do Tribunal Constitucional para a apreciar, tem dividido a doutrina e a jurisprudência portuguesas. Por esse motivo iremos traçar, muito brevemente, o quadro geral das soluções apresentadas, as quais se baseiam na resposta dada às seguintes questões: - qual o sistema de recepção do direito internacional convencional na ordem jurídica portuguesa? - qual a posição hierárquica das normas internacionais convencionais no direito interno português? - qual o âmbito da competência do Tribunal Constitucional para fiscalizar a desconformidade entre as normas internas e as normas internacionais convencionais?

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II. CONSIDERAÇÕES GERAIS 2. A Constituição Portuguesa (CRP)1, aprovada após a Revolução dos Cravos, reflecte uma preocupação acrescida pelos Direitos Fundamentais dos cidadãos. O relevo concedido a esta matéria é não só uma reacção ao clima político e cívico vivido durante as anteriores quatro décadas de limitação e repressão dos direitos e das liberdades individuais pelo poder instituído, mas também representa o interesse crescente das democracias ocidentais pelo respeito dos direitos fundamentais dos seus cidadãos. Nesse sentido, ao longo do texto da CRP, diversas normas dão corpo a este entendimento, traduzindo a vontade do povo português, afirmada no seu preâmbulo, de «garantir os direitos fundamentais». Assim, é afirmado que: - a República Portuguesa se basea na dignidade da pessoa humana2, no respeito e na garantia dos direitos e das liberdades fundamentais3; - Portugal se deve reger nas relações internacionais pelo princípio do respeito dos direitos do homem4; - uma das tarefas fundamentais do Estado é garantir os direitos e as liberdades fundamentais5; - os direitos fundamentais consagrados na CRP não excluem outros constantes das leis ou regras de direito internacional6; - a interpretação e integração dos preceitos sobre direitos fundamentais deve fazer-se de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH)7/8; - as leis de revisão constitucional terão de respeitar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos9. Esta preocupação traduziu-se na consagração da Parte I da CRP aos “Direitos e deveres fundamentais”, englobando os artigos 12.º a 79.º, repartidos por entre três títulos: Título I -

1

Aprovada pela Assembleia Constituinte em 2 de Abril de 1976 e publicada no Diário da República n.º 86, de 10 de Abril de 1976, com as alterações introduzidas pelas Leis Constitucionais n. os 1/82, de 30 de Setembro; 1/89, de 8 de Julho; 1/92, de 25 de Novembro; 1/97, de 20 de Setembro; 1/2001, de 12 de Dezembro; e, 1/2004, de 24 de Julho. 2 Artigo 1.º 3 Artigo 2.º 4 Artigo 7.º, n.º 1. 5 Artigo 9.º, al. b). 6 Artigo 16.º, n.º 1. 7 Artigo 16.º, n.º 2. 8 A DUDH foi publicada no Diário da República, I.ª série, de 9 de Março de 1978. 9 Artigo 288.º, al. d).

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Princípios Gerais; Título II - Direitos Liberdades e Garantias; Título III - Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais. Para além destas normas, encontram-se outros preceitos sobre direitos fundamentais ao longo do texto da CRP10. 3. O direito internacional vigora na ordem jurídica portuguesa, nos termos regulados pelo artigo 8.º da CRP. Assim: - fazem parte integrante do direito português, as normas e os princípios de direito internacional geral e comum; - vigoram na ordem interna, as normas constantes de convenções internacionais, desde que regularmente ratificadas ou aprovadas, verificados dois requisitos: terem sido publicadas no Diário da República (DR) e enquanto Portugal a elas estiver vinculado internacionalmente; - vigoram directamente na ordem interna, as normas emanadas pelos orgãos competentes de organizações internacionais de que Portugal faça parte e desde que os respectivos tratados constitutivos assim o estabeleçam. 4. É da competência do Governo (GR) a negociação das convenções internacionais11, cabendo a sua aprovação à Assembleia da República (AR)12 ou ao GR13, conforme as matérias sobre as quais versam. Em função disso, as normas internacionais podem ser aprovadas sob a forma de resolução14 ou de decreto15. Cabe ao Presidente da República (PR) ratificar as resoluções da AR e assinar os decretos do GR, que aprovem convenções internacionais16, as quais terão de ser publicadas no DR17 para vigorarem na ordem interna, sob pena de serem ineficazes18. 5. Em termos de fiscalização da constitucionalidade, as normas internacionais estão sujeitas às seguintes especificidades de regime: 10

Andrade (1998, p. 86) aponta, por exemplo, o direito de não pagar impostos inconstitucionais ou ilegalmente liquidados e cobrados (artigo 103.º, n.º 3) ou o direito de participação política consagrado no artigo 124.º, n.º 1. 11 Artigo 197.º, n.º 1, al. b). 12 Artigo 161.º, al. i). 13 Artigo 197.º, n.º 1, al. c) 14 Artigo 166.º, n.º 5. 15 Artigo 197.º, n.º 2. 16 Artigo 134.º, al. b). 17 Artigo 119.º, n.º 1, al. b). 18 Artigo 119.º, n.º 2.

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- a inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais regularmente ratificados não impede a aplicação das suas normas na ordem jurídica portuguesa, desde que verificadas duas condições: essas normas sejam aplicadas na ordem jurídica de outra parte contratante e a inconstitucionalidade não resultar da violação de uma disposição fundamental da CRP19; - o PR dispõe de competência para solicitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade de normas de convenções internacionais20, que lhe tenham sido submetidas para ratificação ou assinatura; se for declarada a inconstitucionalidade de alguma norma pelo TC, o PR deverá vetar o diploma, embora a AR a possa confirmar por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções21; - a recusa de aplicação de uma norma constante de convenção internacional pelos tribunais, com fundamento na sua inconstitucionalidade, torna obrigatório o recurso pelo Ministério Público, da referida decisão, para o TC22.

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Artigo 277.º, n.º 2. Artigo 278.º, n.º 1. 21 Artigo 279.º, n.º 4. 22 Artigo 280.º, n.º 3. 20

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III. DIREITO INTERNACIONAL CONVENCIONAL NA ORDEM INTERNA 6. A matéria das relações entre o direito internacional convencional (DIC) e as normas de direito interno está dependente da solução encontrada para as seguintes questões: - sistema de vigência das normas internacionais; - valor jurídico das normas internacionais na ordem jurídica portuguesa. A doutrina portuguesa têm sobre estas questões sustentado posições divergentes. 7. A resposta para a questão da vigência das normas internacionais convencionais na ordem jurídica portuguesa, pode ser encontrada num dos seguintes métodos de acolhimento do direito internacional: - sistema de transformação, ou seja, o direito internacional convencional só vigora na ordem jurídica, após ter sido convertido em normas internas; - sistema de recepção plena ou automática, em que a vigência do direito internacional convencional não está dependente da adopção material das suas normas pelo direito interno, vigorando na ordem jurídica enquanto fonte imediata ou autónoma, podendo ser directamente aplicável. A doutrina adopta sobre esta questão uma posição quase unânime23: a ordem jurídica portuguesa consagra, no artigo 8.º, n.º 2, um sistema de recepção plena das normas internacionais convencionais. A jurisprudência constitucional tem reflectido também esta tendência geral24. 8. Nós aderimos à posição maioritária, dado ser também nosso entendimento que a CRP adoptou, no artigo 8.º, n.º 2, um sistema de recepção geral ou plena do direito internacional, o que significa que as normas internacionais vigoram na ordem jurídica portuguesa, sem necessidade de serem transformadas em normas internas, exigindo-se apenas, para a sua vigência: - a aprovação ou ratificação pelos orgãos portugueses competentes; - a publicação oficial no DR; e, - a vinculação internacional do Estado português. 23

Nesse sentido, cfr. Canotilho (1999, pp. 764 e 765), Miranda (1985, p. 9), Ramos (1981, pp. 127 e ss.), Pereira e Quadros (1997, pp. 110 e ss), Queiró (1976, p. 330), Vitorino (1993, pp. 15 e ss.), Soares (1988, p. 83). 24 Cfr., Ac. 47/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 2, pp. 361-362; Ac. 107/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 4, pp. 312-313; Ac. 5/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, p. 328; Ac. 24/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, p. 376; Ac. 118/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 6, p. 285; Ac. 66/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 18, p. 425; Ac. 100/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 21, p. 371.

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9. Sobre a posição do DIC na hierarquia das fontes de direito internas, podem ser adoptadas, fundamentalmente, cinco posições: - supraconstitucional; - constitucional; - infraconstitucional, mas supralegal; - infraconstitucional e idêntica às normas legais; - infraconstitucional e infralegal. A doutrina portuguesa, maioritariamente, adire à posição de que as normas internacionais convencionais têm valor infraconstitucional, mas supralegal25. Por sua vez, Pereira e Quadros defendem que as normas internacionais sobre Direitos do Homem tem valor supraconstitucional, enquanto as restantes normas de DIC têm valor infraconstitucional, mas supralegal (1997, p. 121). Por fim, Medeiros (1989, p. 368 e ss) defende que a solução a adoptar depende de a norma internacional constar de tratado (valor infraconstitucional, mas supralegal, embora com valor idêntico às leis orgânicas) ou de acordo internacional (valor infralegal, com prevalência sobre os decretos regulamentares). A jurisprudência do Tribunal Constitucional, quando tomou posição sobre esta matéria, aderiu também à corrente maioritária26. 10. A nossa posição é a de que as normas internacionais convencionais revestem natureza infraconstitucional, mas supralegal. Mas uma vez que essa qualificação não resulta expressamente de nenhum artigo da CRP, terá que ser fundamentada com base nas diferentes normas do ordenamento constitucional. Assim, a natureza infraconstitucional resulta, por um lado, da finalidade do artigo 8.º, n.º 2: estabelecer as condições em que é admissível a vigência do direito internacional convencional na ordem jurídica portuguesa. Ou seja, o DIC só vigora na ordem jurídica portuguesa porquê a CRP o permite e nas condições por ela consagradas. Que assim é, resulta muito claramente do artigo 277.º, n.º 2, o qual não permite, a contrario, a vigência de norma internacional materialmente inconstitucional, bem

25

Cfr., nesse sentido, Ramos (1981, p. 144), Miranda (1985, pp. 12, 16-17), Soares (1988, p. 97) e Queiró (1976, p. 330). 26 Cfr. , Ac. 62/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3, p. 385; Ac. 24/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, pp. 376-377; Ac. 118/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 6, pp. 285-286; Ac. 158/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 6, p. 380; Ac. 66/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 18, pp. 425-426.

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como estabelece as condições em que essas normas, quando orgânica ou formalmente inconstitucionais, podem ser aplicadas na ordem jurídica portuguesa. Por outro lado, o artigo 119.º, n.º 1 da CRP, relativo à publicação de actos no Diário da República coloca as convenções internacionais depois das leis constitucionais, sendo que, se a intenção do legislador constituinte fosse conferir natureza constitucional ou supraconstitucional às normas internacionais convencionais, teria tido isso em consideração na ordenação feita, como fez com a alínea c) ao equiparar as leis e os decretos-lei. Por fim, as normas de direito internacional convencional estão sujeitas à fiscalização da sua constitucionalidade (artigo 277.º, n.º 2; artigo 278.º, n.º 1; artigo 279.º, n.os 1 e 4; artigo 280.º, n.º 3), ou seja, estão dependentes de um juízo de conformidade com as normas constitucionais. A natureza supralegal do DIC assenta na previsão do n.º 2 do artigo 8.º, o qual estabelece que as normas constantes de convenções internacionais vigoram na ordem interna, enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português, pelo que a única conclusão possível é que o legislador ordinário não pode criar normas contrárias às normas internacionais, dado que estas só deixam de vigorar quando Portugal delas se desvincular internacionalmente, nos termos e modos permitidos por esses instrumentos internacionais e não pela emissão de normas internas contrárias às suas previsões. Também a ordem hierárquica estabelecida no artigo 119.º n.º 1, que coloca as convenções internacionais antes do direito ordinário, se pode invocar para sustentar agora a sua natureza supralegal. Ao contrário de Medeiros, não nos parece que se possa invocar o artigo 277.º, n.º 2 para fundamentar uma distinção de valor hierárquico das normas internacionais perante as normas internas, conforme constassem de tratados, em que teriam valor supralegal, ou em acordos sob forma simplificada, em que teriam valor infralegal (1989, pp. 368 e ss). Em primeiro lugar, porque este artigo regula apenas a desconformidade das normas internacionais perante a CRP. Assim, são estabelecidas diferentes consequências conforme a norma que enferma de inconstitucionalidade orgânica ou formal conste de tratado ou de acordo sob forma simplificada. Do n.º 2, a contrario, é legitimo concluir que, em caso de inconstitucionalidade, as normas deste último não podem vigorar na ordem jurídica, por serem contrárias à CRP, mas já não nos parece que se possa concluir que uma lei ou decreto-lei deva prevalecer sobre um acordo sob forma simplificada que seja conforme com o texto constitucional. Em segundo lugar, a CRP permite a vigência dessas normas, por consideração dos interesses em causa: por um lado, a forma de vinculação do Estado Português (processo mais complexo,

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formal e longo de aprovação dos tratados) e, por outro lado, uma desconformidade que não resulta da violação de uma disposição fundamental da CRP27. Ora, no caso dos acordos sob forma simplificada, a maior facilidade na sua elaboração e aprovação poderão não ter permitido uma correcta ponderação na sua elaboração, e, por outro lado, poderá ser mais fácil proceder a alterações no seu texto de forma a adequá-lo com a CRP. Em terceiro lugar, não nos parece que a invocação do artigo 278.º, n.º 1, feita por Medeiros (1989, p. 371) possa servir de contraponto ao artigo 119.º, n.º 1, fundamentalmente, por dois motivos: - o artigo 278.º, n.º 1 refere-se à fiscalização preventiva da constitucionalidade, a pedido do Presidente da República, e a ordem dos actos normativos aí estabelecida tem por base a importância da intervenção do Presidente da República nos diferentes actos normativos (ratificação, promulgação e assinatura); - o artigo 280.º, n.º 3 ao estabelecer o recurso obrigatório para o Ministério Público, coloca em primeiro lugar, a convenção internacional (que terá de abranger os tratados e os acordos) e só depois os actos legislativos e os decretos regulamentares, por esta ordem.

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Artigo 282.º, n.º 2, in fine.

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IV - NORMAS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS 11. Em nosso entender, às normas internacionais sobre direitos fundamentais é concedido pela CRP um tratamento especial. Este decorre não só da especial relevância, já referida28, dada pelo legislador constitucional à matéria dos direitos fundamentais, mas também do artigo 16.º da CRP. 12. O n.º 1 do artigo 16.º estabelece que os direitos fundamentais consagrados na CRP não excluem quaisquer outros constantes das regras aplicáveis de direito internacional. A doutrina29, maioritariamente, considera que esta norma consagra uma cláusula aberta, permitindo o reconhecimento de direitos fundamentais não consagrados na CRP, posição com a qual estamos de acordo. 13. No entanto, consideramos que esta norma vai mais além, procedendo à constitucionalização formal das normas internacionais sobre direitos fundamentais. Só a intenção de constitucionalizar estas normas, pode permitir perceber a redacção deste artigo, dado que a admissão de vigência de outras normas internacionais sobre direitos fundamentais, na ordem interna, já decorria do artigo 8.º, n.º 2. Em sentido contrário, Miranda considera que os direitos fundamentais decorrentes de normas internacionais são direitos fundamentais em sentido material e não em sentido formal, por não beneficiarem das garantias inerentes às normas constitucionais: a rigidez ligada à revisão constitucional e a fiscalização da constitucionalidade (1985, p. 130). Mas, no nosso entender, esta afirmação só pode ser entendida como consequência, ou seja, as normas que não integram a CRP formal não beneficiam daquelas duas garantias, mas estas não podem ser utilizadas como fundamento para afastar a constitucionalização daquelas normas, dado que se situam num momento posterior. 14. O facto do artigo 278.º, n.º 1 sujeitar as normas internacionais a fiscalização preventiva da constitucionalidade, não nos parece que seja uma argumento contrário à constitucionalização das normas internacionais sobre direitos fundamentais, pelas seguintes razões: - todos os actos normativos importantes são susceptíveis de serem submetidos a fiscalização preventiva, com a excepção das leis de revisão constitucional, para as quais o artigo 286.º, n.º 3, 28

Cfr. supra n.º 2. Cfr., nesse sentido, Vitorino (1993, p. 30), Andrade (1998, pp. 76-77), Gouveia (1995, p. 313), Miranda (1998, p. 152) e Canotilho (1999, p. 379).

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estabelecendo a obrigatoriedade de promulgação pelo Presidente da República, na prática impossibilita que este accione aquele meio de controlo da constitucionalidade, pois se o TC declarasse a sua inconstitucionalidade, o Presidente da República teria, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, de vetar a lei de revisão30; - resultando os actos normativos internacionais de uma fonte de produção legislativa externa, deverão, por esse facto, ser susceptíveis de um juízo de conformidade com a ordem jurídica portuguesa, a qual desvaloriza as desconformidades menos graves (artigos 277.º, n.º 2 e 279.º, n.º 4). 15. Para além disso, se se considerar que estamos apenas perante uma cláusula aberta e o valor jurídico das normas internacionais é infraconstitucional, então estamos a proceder a uma divisão entre direitos fundamentais “de primeira”, localizados na CRP, e direitos “de segunda”, não formalmente constitucionais, posição esta incompatível com o lugar central que os direitos fundamentais assumem no edifício constitucional e com a “evolução” da protecção internacional dos Direitos do Homem, que tem levado ao reconhecimento de novos direitos, os quais nem sempre são de menor relevância comparativamente com aqueles que constam da CRP. 16. Na defesa do valor supraconstitucional de todas as normas internacionais relativas aos Direitos do Homem, Pereira e Quadros invocam a expressão do artigo 16.º, n.º 1, «não excluem», como querendo significar que em caso de conflito entre as normas constitucionais e as normas internacionais (consuetudinárias e convencionais) serão estas últimas que prevalecerão (1997, p. 117). Pela nossa parte, não concordamos com esta posição, pois o artigo 16.º deve ser conjugado com o artigo 8.º, que regula a vigência do direito internacional na ordem interna. E se relativamente às normas previstas no artigo 8.º, n.º 1, poderá ser admissível a defesa do seu carácter supraconstitucional, já no que respeita às normas internacionais convencionais, parece-nos que não é aceitável a atribuição dessa natureza, dado que, como reconhecem aqueles autores (Pereira e Quadros, 1997, p. 121), estas normas estão sujeitas à fiscalização da sua constitucionalidade. 17. Apesar disso, consideramos que a sujeição das normas internacionais convencionais, em matéria de direitos fundamentais, à fiscalização da constitucionalidade, não é um argumento suficiente para impedir a constitucionalização daquelas normas, em face do artigo 16.º, n.º 1. Isto porque as próprias leis de revisão constitucional, conforme já referido, e ninguém dúvida da sua

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Esta excepção decorre do carácter específico do processo de revisão constitucional, consagrado nos artigos 284.º a 289.º

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natureza constitucional, podem ser inconstitucionais31, por violação das normas relativas ao processo de revisão (artigos 284.º a 286.º e 289.º) ou por violação dos limites materias (artigo 288.º). Deste modo, a sujeição à fiscalização da constitucionalidade não significa, no caso das normas relativas a direitos fundamentais, que estas não revestem natureza constitucional, mas apenas que estão sujeitas a um juízo de conformidade com as normas existentes na CRP. Pelo que, no caso de serem desconformes, serão declaradas inconstitucionais, não vigorando na ordem jurídica interna, defendendo-se assim a CRP de contradições que poderiam pôr em causa a sua coerência e coesão. 18. O artigo 17.º estende o regime de direitos, liberdades e garantias aos direitos fundamentais de natureza análoga. Como refere Gouveia, não se vê como a extensão daquele regime possa incidir sobre direitos não integrantes da constituição formal, dado que ele pressupõe essa força suprema e visa «defender os direitos da intervenção eventualmente agressiva do legislador ordinário» (1995, pp. 307-308). E, se é verdade que as normas internacionais já gozam, em face do artigo 8.º, n.º 2, de prevalência perante a legislação ordinária, não deixa de ser importante, como refere Andrade, a extensão do regime de direitos, liberdades e garantias, especialmente da aplicabilidade directa e da vinculação das entidades públicas e privadas (1998, p. 79, nota 9). Em face disto, e em alternativa, só duas posições são admissíveis: - uma, é considerar que o artigo 17.º não se aplica aos direitos fundamentais previstos no artigo 16.º, n.º 1, o que esvazia por completo esta norma; - a outra, é defender que esses direitos beneficiariam de uma protecção idêntica à dos direitos fundamentais constantes da constituição, apesar de manterem valor infraconstitucional, ficando por explicar as razões que, levando à concessão dessa protecção, impedem o reconhecimento do seu carácter constitucional32.

31

Sobre a matéria da inconstitucionalidade das leis de revisão constitucional cfr., por exemplo, Miranda (1987, pp. 186 e ss.) e Canotilho (1999, pp.1002 e ss.). 32 Em nosso entender, esta posição pressupõe uma visão formal dos direitos fundamentais, a qual é contrária às soluções adoptadas pela CRP, com a existência de direitos fundamentais fora da Parte I (cfr. supra n.º 2) e com a integração de preceitos na Parte I que não devem ser qualificados de direitos fundamentais (Andrade indica como estando nesta situação, por exemplo, os n.os 2 e 3 do artigo 23.º, referente ao Provedor de Justiça, dado que nenhum destes preceitos consagra «posições jurídicas subjectivas individuais, nem se destina a garanti-las, nem mesmo se refere imediatamente a uma ideia de Homem e à sua dignidade: estabelecem normas de organização política ou, quando muito, definem faculdades e competências de certas entidades no quadro de opções organizatórias», 1998, pp. 89-90).

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19. O n.º 2 do artigo 16.º estabelece que todos os preceitos relativos a direitos fundamentais, quer sejam constitucionais, quer legais, devem ser interpretados e integrados de harmonia com a DUDH. Sobre qual a posição que a DUDH ocupa na hierarquia das fontes de direitos, têm sido tomadas diferentes posições pela doutrina. Miranda sustenta não ser de aceitar um conflito insanável entre as normas constitucionais originárias e as normas que integram a DUDH, considerando que existindo uma contradição parcial, a DUDH deverá ver o seu alcance retraído (1998, p. 150). No entanto, no caso das normas constitucionais

provenientes

de

revisão

constitucional,

a

contradição

implicará

a

inconstitucionalidade destas últimas, dado que a CRP procede à recepção formal da DUDH como «conjunto de princípios gerais de Direito internacional elevados a princípios de Direito constitucional português» (Miranda, 1998, p. 150). Por sua vez, Gouveia defende que a DUDH não é uma fonte autónoma, servindo apenas, como direito subsidiário, para integração de lacunas (1995, p. 148). Quanto a Andrade, parece admitir a constitucionalização dos direitos fundamentais que resultem de princípios contidos na DUDH (1998, p. 79, nota 8). Já Otero considera que a CRP não só procede a uma recepção formal da DUDH, como concede a esta última valor supraconstitucional (1990, p. 603 e ss.). Queiró defende que a DUDH faz parte do direito constitucional positivo no que respeita a direitos fundamentais, tendo força jurídica superior à CRP (1976, p. 325). Por último, Pereira e Quadros sustentam também que a DUDH tem valor hierárquico superior à CRP, conclusão que, na opinião destes autores, já resultaria do artigo 8.º, n.º 1 (1997, p. 117). 20. Em nossa opinião, a CRP ao reconhecer à DUDH a função de delimitação da interpretação e da integração dos seus preceitos sobre direitos fundamentais está a reconhecer-lhe um valor supraconstitucional. Não parece que se possa defender que o artigo 16.º, n.º 2 procede apenas à recepção da DUDH na ordem jurídica portuguesa, já que esta conclusão se pode retirar do artigo 8.º, n.º 133, pois é pacífico que a DUDH faz parte do direito internacional geral ou comum.

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Nesse sentido, cfr. OTERO, 1990, pp. 606-607.

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Por outro lado, se os preceitos constitucionais devem ser interpretados de harmonia com a DUDH, parece-nos claro que, no caso de serem contrários à DUDH, não podem ser válidos e, como tal, não podem manter a sua vigência. Com efeito, uma conclusão contrária implicaria que o artigo 16.º, n.º 2 não tivesse qualquer efeito prático, dado que, nesse caso, a DUDH funcionaria como um instrumento interpretativo confirmativo dos princípios estabelecidos na CRP e, em caso de divergência, seria sempre afastada. Logo, se como defendemos, em caso de conflito é a DUDH que deve prevalecer, devemos então concluir que esta reveste um valor superior. E esta superioridade, manifesta-se tanto perante os preceitos constitucionais originários como perante aqueles resultantes de revisão constitucional. Se admitimos que não é provável uma contradição profunda entre os preceitos constitucionais originários e a DUDH, não nos parece que se possa afastar a hipótese de um conflito entre eles, como parece defender Miranda, que apenas admite uma contradição parcial que, na sua opinião, conduzirá a «uma retracção do alcance da Declaração» (Miranda, 1998, p. 150). Ora, esta afirmação parece ser contraditória com a opinião que o autor expõem mais à frente, segundo a qual «cada novo direito tem de coexistir com os demais direitos, sem quebra da unidade do sistema» (Miranda, 1998, p. 156). Com efeito, novos direitos, mesmo sem contradizer preceitos anteriores, poderão introduzir modificações no sentido e âmbito de aplicação das normas, acarretando a sua desconformidade com a DUDH. Nesse caso, e em face de um conflito, parece-nos que deverá ser a DUDH a prevalecer.

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V - FISCALIZAÇÃO PELO TC DE NORMAS INTERNAS CONTRÁRIAS A NORMAS INTERNACIONAIS

21. Para a qualificação da desconformidade de uma norma interna contrária a uma norma internacional convencional existem, fundamentalmente, duas posições na doutrina portuguesa que defendem o carácter supralegal das normas internacionais: - uma que considera estarmos perante uma situação de inconstitucionalidade, dado que a norma interna contrária a convenção internacional está a violar o artigo 8.º, n.º 2, o qual estabelece a prevalência do DIC sobre o direito interno34; e, - a outra que defende estarmos perante uma situação de inconstitucionalidade indirecta ou ilegalidade, dado que não está em causa a desconformidade entre uma norma infraconstitucional e uma norma constitucional, mas sim a desconformidade entre duas normas infraconstitucionais, violando a norma interna, por esse facto, indirectamente, o preceito constitucional que estabelece a prevalência da norma internacional35. 22. Esta matéria dividiu profundamente o TC, com a 1.ª Secção a defender que aquela desconformidade se deveria qualificar de inconstitucionalidade, tendo o TC competência para a apreciar36, e a 2.ª Secção a considerar estarmos perante uma situação de inconstitucionalidade indirecta ou ilegalidade, não podendo o TC tomar conhecimento dela, dado que tal não era permitido pela CRP, que limitava a aprecição da ilegalidade às situações previstas no artigo 280.º, n.º 237. 23. Embora a divergência quanto à qualificação da desconformidade se mantivesse, a alteração do artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC)38, através do

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Neste sentido, por exemplo, Soares, 1988, p. 99. Com este entendimento, por exemplo, Miranda, 1985, p. 18 e Medeiros, 1989, p. 374. 36 Cfr., nomeadamente, Ac. 27/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 2, p. 451, Ac. 62/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3, pp. 389 e ss., Ac. 24/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, p. 378, Ac. 118/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 6, p. 286-287, Ac. 158/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 6, p. 386-388, Ac. 66/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 18, p. 426. 37 Cfr., nomeadamente, Ac. 47/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3, p. 366, Ac. 88/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 4, p. 418-419, Ac. 107/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 4, p. 315, Ac. 118/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 4, pp. 356 e ss., Ac. 8/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, p. 330-331, Ac. 154/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 16, p. 246, Ac. 281/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 17, p. 157, Ac. 185/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 22, p. 441. 38 Aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 143/85, de 26 de Novembro; 85/89, de 7 de Setembro; 88/95, de 1 de Setembro; e, 13-A/98, de 26 de Fevereiro. 35

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aditamento da alínea i)39, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, veio permitir a sua apreciação pelo TC40, mesmo quando este considere que aquela desconformidade se deve qualificar de ilegalidade. 24. Em nossa opinião, a desconformidade de normas internas contrárias a convenções internacionais deverá qualificar-se de inconstitucionalidade, pelo que aderimos à posição expressa pela 1.ª Secção do TC, em diversos acórdãos, no sentido de que a norma interna está submetida a dois vícios: ilegalidade, por desconformidade com a norma internacional, e inconstitucionalidade, por violação do princípio da prevalência das normas internacionais convencionais (previsto no artigo 8.º, n.º 241). Ora, como resulta do artigo 277.º, n.º 1, uma norma é inconstitucional quando viola normas constitucionais ou os princípios consignados na CRP, pelo que sendo a inconstitucionalidade o vício mais grave, deverá absorver o menos grave, a ilegalidade. E, deste modo, excluimos que se utilize a previsão do artigo 280.º, n.º 2 para fundamentar uma eventual semelhança com as normas internacionais, dado que: - por um lado, os casos indicados são uma excepção, em que a ilegalidade é o vício relevante; - por outro lado, a não inclusão das normas internacionais nesse elenco significa que a qualificação que o legislador constitucional faz dessa desconformidade é diferente da dos casos indicados. Se o legislador constitucional permite a vigência de normas internacionais inconstitucionais (artigo 277.º, n.º 2) ou a ratificação de tratado internacional declarado inconstitucional pelo TC (artigo 279.º, n.º 4), não se vê como possa ficar indiferente perante a contradição das normas internacionais pelas normas internas, em violação das disposições constitucionais. Nem parece que o argumento de que essa desconformidade pode ser apreciada pelos tribunais comuns deva ser procedente, dado que o TC é, nos termos do artigo 221.º, o orgão jurisdicional «ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional», pelo que não nos parece que deva ficar indiferente perante a violação da CRP.

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Sobre a questão da constitucionalidade desta norma cfr., por exemplo, Canotilho, 1999, pp. 975-976 e Medeiros, 1990, pp. 375-376. 40 No sentido de que a referida alteração pretendeu pôr termo à divergência jurisprudencial entre as duas secções do TC sobre a competência para conhecer dos recursos em matéria de desconformidade entre normas internas e normas internacionais convencionais cfr., nomeadamente, Ac. 321/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 23, p. 361, Ac. 603/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 23, p. 578. 41 Cfr. supra n.º 10.

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VI - CONCLUSÃO 25. Na sequência do exposto anteriormente, deverá então concluir-se, não só que o TC tem competência para apreciar a desconformidade de normas internas contrárias a normas internacionais em matéria de direitos fundamentais, como deverá entender-se que estas são constitucionalizadas pela CRP, devendo essa violação ser qualificada de inconstitucionalidade.

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VII - BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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Vitorino, António (1993), Protecção Constitucional e Protecção Internacional dos Direitos do Homem: Concorrência ou Complementaridade?, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa.

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VIII - ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL CONSULTADOS Acórdão n.º 27/84, de 21 de Março de 1984, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 2, 1984, pp. 445 e ss. Acórdão n.º 47/84, de 23 de Maio de 1984, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3, 1984, pp. 357 e ss. Acórdão n.º 62/84, de 19 de Junho de 1984, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3, 1984, pp. 371 e ss. Acórdão n.º 88/84, de 30 de Julho de 1984, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 4, 1984, pp. 415 e ss. Acórdão n.º 100/84, de 31 de Outubro de 1984, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 4, 1984, pp. 285 e ss. Acórdão n.º 107/84, de 14 de Novembro de 1984, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 4, 1984, pp. 309 e ss. Acórdão n.º 118/84, de 28 de Novembro de 1984, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 4, 1984, pp. 355 e ss. Acórdão n.º 8/85, de 9 de Janeiro de 1985, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, pp. 325 e ss. Acórdão n.º 24/85, de 6 de Fevereiro de 1985, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, pp. 353 e ss. Acórdão n.º 118/85, de 10 de Julho de 1985, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 6, 1985, pp. 281 e ss. Acórdão n.º 158/85, de 31 de Julho de 1985, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 6, 1985, pp. 375 e ss. Acórdão n.º 174/87, de 20 de Maio de 1987, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, 1987, pp. 733 e ss. Acórdão n.º 266/87, de 8 de Julho de 1987, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10, 1987, pp. 7 e ss. Acórdão n.º 154/90, de 3 de Maio de 1990, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 16, 1990, pp. 245 e ss. Acórdão n.º 281/90, de 30 de Outubro de 1990, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 17, 1990, pp. 153 e ss.

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Acórdão n.º 66/91, de 9 de Abril de 1991, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 18, 1991, pp. 421 e ss. Acórdão n.º 100/92, de 17 de Março de 1992, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 21, 1992, pp. 365 e ss. Acórdão n.º 170/92, de 6 de Maio de 1992, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 22, 1992, pp. 319 e ss. Acórdão n.º 185/92, de 20 de Maio de 1992, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 22, 1992, pp. 437 e ss. Acórdão n.º 277/92, de 14 de Julho de 1992, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 22, 1992, pp. 859 e ss. Acórdão n.º 321/92, de 8 de Outubro de 1992, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 23, 1992, pp. 357 e ss. Acórdão n.º 603/92, de 17 de Dezembro de 1992, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 23, 1992, pp. 573 e ss. Acórdão n.º 162/93, de 9 de Fevereiro de 1993, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 24, 1993, pp. 407 e ss. Acórdão n.º 405/93, de 29 de Junho de 1993, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 25, 1993, pp. 609 e ss. Acórdão n.º 281/94, de 23 de Março de 1994, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1994, pp. 793 e ss.

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