A FLEXIBILIDADE DOS LUGARES: COMO A UTILIDADE PODE CARACTERIZAR O LUGAR

July 25, 2017 | Autor: Drielle Vargas | Categoria: Urban Planning, Urban Design, Arquitetura e Urbanismo, Urbanismo, Urban Void, Vazios Urbanos
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A FLEXIBILIDADE DOS LUGARES: COMO A UTILIDADE PODE CARACTERIZAR O LUGAR THE FLEXIBILITY OF THE PLACES: AS UTILITY CAN FEATURING THE PLACE NUNES, Drielle (1) (1)

Doutoranda do Curso de Doutoramento em Urbanismo na FA-ULISBOA e-mail: [email protected]

RESUMO Com a caracterização dos espaços urbanos não utilizados e adotando como premissa a sua importante influência na concepção da cidade, tanto morfológica quanto conceitual e sua constante alteração diante da realidade urbana temporal, pondera-se a utilização destes lugares, sem contudo retirar sua característica intrínseca que é o próprio senário de lugar livre. Para isso, faz-se referência ao uso destes espaços de maneira transitória, intermitente, flexível, proporcionando-lhes diversos estágios de funcionalidade e uso em determinados períodos de tempo, como forma de estímulo econômico, ecológico e social. A partir do levantamento bibliográfico, orienta-se este artigo numa linha teórica, sob a perspectiva dos autores que já possuem larga experiência no tema, comparando-se as perspectivas dos diversos pensadores. Com esta estratégia, é possível que se encontre um ponto de consonância entre os diversos aspectos dissonantes já sabidos existentes entre os diversos autores e as realidades europeia e latino-americana. Os espaços livres podem ser definidos, assim, em público ou privado, entretanto, adota-se uma nova perspectiva para caracterizar o conceito de identidade e utilidade destinada ao espaço urbano como um todo. O uso promovido nestes espaços até então caracterizados como livres de função, vêm favorecer a aceitação funcional do espaço urbano em desuso. PALAVRAS CHAVE: vazios urbanos, vazio construído, vazio demográfico, desuso. ABSTRACT With the characterization of unused urban spaces and adopting premised its important influence on the design of the city, morphologic and its conceptual and constantly changing face of urban temporal reality, considering the use of these places, without removing its intrinsic feature is senary free place itself. For this, reference is made to the use of these spaces for transient, intermittent, flexible way, providing them various stages of functionality and use in certain periods of time, as a form of economic, ecological and social stimulation. From the literature survey, this article is oriented in a theoretical line, from the perspective of authors who already have extensive experience in the subject, comparing the perspectives of diverse thinkers. With this strategy, it is possible that find it a point of agreement between the various dissonant aspects already known between the various authors and the European and Latin American realities. The free spaces can be defined thus in public or private, however, is adopted a new perspective to characterize the concept of identity and usefulness intended for urban space as a whole. The promoted these spaces hitherto characterized as free function, use come foster acceptance of functional urban space into disuse. KEYWORDS: empty urban, empty constructed, demographic void, disuse. Como citar: NUNES, D. V. (2014). A Flexibilidade Dos Lugares: Como a Utilidade Pode Caracterizar o Lugar . Lisboa: 3º Colóquio de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design Portugal e Brasil.

INTRODUÇÃO – A POSSIBILIDADE DOS LUGARES Observar a cidade, as atividades que ela comporta e as paisagens que ela proporciona é mais do que apenas questão de memória e significado, andar pela cidade e conseguir compreender o caminho certo a seguir, como se deslocar e como chegar onde é preciso é uma questão de “legibilidade” (LYNCH, 1996), esta preocupação demonstrada por Lynch (1996) tem que ser relacionada na atualidade também com a questão de poder seguir por certo caminho, e se sentir seguro em atravessar determinado trecho da cidade, sendo com qual meio de transporte for. A cidade para ser heterogênea (JACOBS, 2001) e acessível precisa permitir que as escolhas e necessidades humanas sejam cumpridas por completo, permitindo assim, que as deslocações, as permanências e as interações sociais em determinados ambientes, ou em todos os ambientes urbanos sejam possíveis. Essa possibilidade dos lugares é alcançada quando se é permitido desenvolver neles as atividades necessárias, opcionais e sociais, definidas por Jan Gehl (2006), onde as atividades necessárias, como ir ao trabalho e à escola, são desempenhadas independente das condições urbanas disponíveis. Entretanto as atividades opcionais, como o passear, são desempenhadas apenas em ambientes favoráveis e agradáveis, assim como as atividades sociais que dependem da interação entre pessoas para acontecer. Assim como Gehl (2006) acredita que as cidades devem possuir espaços mais humanizados e disponíveis à interação social, Santos (1985) enfatiza a necessidade de desenvolver e criar espaços de lazer em bairros, com nível econômico inferior à média da cidade do Rio de Janeiro. O objetivo dele não foi de todo alcançado, pois naquele ambiente de estremos, existiam problemas muito mais graves do que a falta de espaços de lazer. Contudo ficou claro que ao descrever a vida na rua, a diversidade de usos e a dinâmica social que ali aconteciam, ele conseguira definir um perfil de lazer característico destes habitantes do subúrbio carioca. Seguindo esta lógica de compreensão social do ambiente urbano e sabendo a forte influência que “A Imagem da Cidade” (LYNCH, 1996) exerce sobre seus atores. Pretende-se observar os elementos que configuram essa paisagem urbana de forma que possa ser percebido o real valor em proporcionar diferentes tipos de usos aos diversos espaços, promovendo a diversidade urbana (JACOBS, 2001) tão importante para o sucesso das grandes cidades. Assim como a importância em entender que “um espaço é sempre o espaço de alguma coisa, assim como as coisas só podem ter lugar em algum espaço” (SANTOS, 1985, p. 49), onde uma cidade de possibilidades, é uma cidade viva, com histórias para contar e com uma função e um significado em cada um de seus elementos, é uma cidade pensada e moldada sob o

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olhar do conhecimento urbano, tanto em seus espaços edificados quanto em seus espaços livres. Resumindo, a maneira de atingir o sucesso urbano é proporcionar a possibilidade dos lugares desempenharem uma função, sendo ela uma função histórica, comercial, social, de lazer ou convivência. Qualquer função que seja, desde que seja uma função. Uma cidade completa considera a origem e os destinos de cada parcela que nela existe, não havendo aqui ou ali espaços residuais ou parcelas remanescentes. Neste sentido é que propõe-se trazer para a discussão a questão do vazio urbano, aqui representado simplesmente pela palavra “lugar” como representação de um “espaço ocupado ou que pode ser ocupado por um corpo” (PRIBERAM, 2008-2013), com esta definição procura-se alcançar a visualização do vazio como parte da composição urbana. Não sendo mais nem menos do que espaços urbanos, concebidos e transformados para comportar a sua utilização por um ator, habitante, corpo, por uma pessoa ou por várias. Além da possibilidade dos lugares, nos termos acima descritos, ser um caráter interessante para se desenvolver nos espaços urbanos, outro traço importante é a flexibilidade dos lugares. As coisas que possuem perfil flexível, são possíveis de serem moldadas e possuem grande capacidade de mudança (PRIBERAM, 2008-2013), é neste sentido que adota-se este termo e tenta-se aplica-lo ao ambiente urbano. Sousa (2010), sugere uma transitoriedade dos espaços urbanos, no sentido de perda de utilidade, quando determinado edifício está passando por um processo de desvalorização e está passando a ser obsoleto para logo a seguir se tornar vago. Admite-se assim o termo flexibilidade dos lugares no sentido oposto ao da transitoriedade de Sousa (2010), conotando um sentido de transitoriedade ascendente, de valorização, e modernização de certo espaço vago, sendo ele edificado ou não. A CARACTERÍSTICA DOS LUGARES O surgimento da manifestação territorial caracterizada como vazio urbano acontece em meados do século XIX, como consequência do êxodo rural do período pós-industrial. Entretanto é a partir de 1970, quando iniciam as grandes obras de adaptação da rede viária ao automóvel, multiplicam-se as linhas de ferro e as instalações industriais sofrem grandes processos de perda de uso e função é que este conceito adota proporções preocupantes e iniciam-se os estudos sobre o tema (CLEMENTE, SILVEIRA, & SILVEIRA, 2011). Neste contexto ainda sob o impacto dos anos 1970 o vazio urbano surge, como dito por Villaça (1983), como um grande terreno vago, podendo conter ou não infraestrutura urbana caracterizado pela sua vasta dimensão territorial desprovida de edificações (CLEMENTE, SILVEIRA, & SILVEIRA, 2011). É desta maneira que o vazio urbano surge, numa referência 3

mais de distanciamento do que de aproximação da cidade formal, e como um elemento único e sem muitas classificações. É único e estável, é vazio e pronto. Entretanto Santos (1985) insere a dimensão social no pensamento sobre o vazio urbano e traz às discussões que a função pode ser moldada em cada “receptáculo vazio”, para que este adquira uma forma e sirva como elemento qualificador do ambiente. “O ambiente vai se degradando pelos vazios físicos e morais” (SANTOS, 1985, p. 28) e neste sentido o sítio vai perdendo a vida e as suas qualidades, à medida que os vazios edificados surgem, surgem também possibilidades desses lugares serem apropriados de forma indevida e não programada, nem ao menos planejada pelos governantes. É desta forma que o vazio é inserido na realidade urbana, por um lado os governantes e formadores de opinião entendem-no como um terreno vago e sem vida. Por outro lado os moradores de localidades afetadas pelas novas infraestruturas e pelas desapropriações, deparam-se com uma realidade um tanto diferente, onde o vazio edificado atrai desvantagens econômicas e sociais. Partindo do pressuposto, “os não-lugares são tanto as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e dos bens como os próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais.” (AUGÉ, 1995, p. 33). Para Augé (1995) o não-lugar é o oposto do lugar, um lugar para este autor é um local antropológico, que possui identidade, relacionamento e história. Onde as pessoas podem se identificar, podem se relacionar e podem fazer história. Portanto um não-lugar é o local onde estas características não existem. Com este pensamento, Augé (1995) pretendia demonstrar que aquilo que trazia consigo uma história e fazia parte de um conjunto de locais significativos na cidade, assim como aqueles locais onde a interação e comunicação entre as pessoas era possível de acontecer, e também locais onde as pessoas pudessem reconhecer algum acontecimento do passado, estes sim tinham importância dentro da cidade. Enquanto que os lugares novos frutos de intervenções urbanas, como as autoestradas, os viadutos, os caminhos de ferro, eram não-lugares, por não permitirem o acontecimento destas características acima citadas. Inclusive ele incluiu nos não-lugares, os próprios meios de transporte, assim como os centros comerciais. A definição de Terrains vague é em si ambígua e alvo de múltiplos sentidos, “por una parte "vague" en el sentido de vacante, vacío, libre de actividad, improductivo, en muchos casos obsoleto. Por otra parte "vague" en el sentido de impreciso, indefinido, vago, sin límites determinados, sin un horizonte de futuro.” (SOLÀ-MORALES, 1996, p. 22). Desta forma a identidade deste conceito é baseada em extensões de terrenos que possuem caráter de abandono, desdobra-se sobre frações de terreno que foram abandonados, por se tornarem

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obsoletos, não tendo sido utilizados mais em sua totalidade, por colapso estrutural ou por falência administrativa, é o passado representado no presente urbano. De tal forma é confirmada a sobreposição de vazio físico e vazio social. O vazio físico (terrain vague), onde não há edificação, e não há exatamente nada, a não ser a perspectiva de mudança, ou somente o plano de que aquele espaço vago possa ser alvo de alguma edificação futuramente. E o vazio social (não-lugares) que distingue os lugares antropológicos, ou lugares que possuem alguma vida, seja ela social ou de recordação histórica, dos não-lugares que não possuem nada disso, ou seja, o não-lugar é um local sem vida social, sem recordações ou história, é um vazio diferente. Cada característica de vazio é defendida em sua natureza e originada em momentos muito próximos historicamente. Com isso, pode-se demonstrar a preocupação existente quanto aos contrastes urbanos. Para o desdobramento subsequente é interessante ressaltar as mudanças enfrentadas na passagem de século, com a observação do início da obtenção de resultados provenientes da aplicação dos planos de ordenamento territorial, e com o agravamento do uso do automóvel. Uma realidade latino-americana neste período é também o deficit habitacional. Neste contexto, Clichevsky (2000) faz entender que o vazio seria um local de possibilidades positivas para as diversas classes econômicas e sociais presentes na cidade. Para os que não possuíam casas, poderia ser uma provável habitação, mais acessível aos excluídos. Para os que estavam sem áreas de lazer ou convivência, teria a possibilidade de transformar esses vazios em áreas verdes, equipamentos, recreação. Para as classes de investidores e para o estado, significaria lucro e comercializações e agregações fiscais. Assim como para a cidade de maneira global, poderia ser um ponto de sustentabilidade. Desta forma, a autora pensa no vazio como um local de esperança e faz transparecer esta ideia ao dar infinitas formas de promover o tratamento destes lugares, através da expectativa dos diversos atores urbanos. Não obstante, Rem Koolhaas (2012), traz uma definição bem menos esperançosa, e muito mais crítica, da condição do vazio. Neste sentido ele diz que o “espacio basura es la contrafigura del espacio, un territorio con problemas de visión, expectativas limitadas y una reducida seriedad.” (KOOLHAAS, 2012, p. 6). Neste sentido ele procura dizer que este é um local de equívocos, onde as principais decisões quanto ao destino destes locais são deixadas de lado, e estes espaços se tornam locais contraditórios e sem grandes expectativas. Para Koolhaas (2012) este espaço é caracterizado por fontes negativas, advindas dos resíduos que a humanidade deixa sobre o planeta, onde as adições construtivas caracterizadas pelo “mais e mais, mais é mais” (KOOLHAAS, 2012, p. 6), faz surgir um império de confusão, misturando os extremos e criando espaços montados desfavoravelmente, em função de usos contraditórios. 5

Contudo Andréa Borde (2003), entendendo e estudando a realidade brasileira e a característica dos vazios urbanos ali encontrados, definiu-os da seguinte maneira “os vazios urbanos seriam, a princípio, áreas da cidade sem função, sem conteúdo social” (BORDE, 2003, p. 1). Neste contexto urbano e através da definição deste pensamento ela transparece a identidade do vazio construído ou em processo de se tornar um vazio construído, definindo assim o vazio potencial como um local que pode se tornar um vazio real muito brevemente, devido seu estado atual de obsolência, degradação ou em processo de desuso. De tal forma em suas pesquisas Borde (2003) descreve a presença dos vazios intersticiais e residuais, e a crescente proporção que eles tomam, neste espaço de tempo, com o surgimento dos novos loteamentos e empreendimentos habitacionais, estes suprem uma faixa do deficit habitacional, caracterizado pela classe média, entretanto são os principais desbravadores deste fenômeno de vazio intersticial nas principais cidades latino americanas. Como é permitido observar, a cidade é a tradução da complexidade e da diversidade, com isso o misto de conceitos e definições, assim como de nomenclaturas para apenas um modelo de formatação urbana é crucial para percebermos não só o que significa um vazio, mas também a importância que esta forma de organização ou desorganização sócio espacial tem sobre a configuração das grandes cidades e metrópoles contemporâneas. Esta importância é enfatizada por Sofia Morgado (2005), que não só define o desocupado como nada ou vazio, mas também o proporciona a característica de elemento influenciador de algumas formas de ocupação. À partida considera-o também com evidência e o caracteriza como protagonista da formação da metrópole. O vazio negativo e suburbano, adota aqui uma característica de centralidade e relevância na configuração morfológica urbana. Nuno Portas (2007), por sua vez, também definiu o vazio urbano com alguma ambiguidade, como demonstrou anteriormente Solà-Morales (1996). Para ele a terra pode não estar vazia no sentido literal da palavra, mas sim estar simplesmente desvalorizada, entretanto demonstrando certa potencialidade de reutilização para outros fins ou usos, que tenham mais ou menos a intenção de demonstrar os seus cheios. Ou seja, para ele as características que possuem o poder de definir um vazio são basicamente as que descrevem seu caráter construtivo, se possuem ou não edificação e seu caráter de utilidade, se possuem ou não função ou uso. Na concepção de Portas (2007) os vazios urbanos proporcionam uma dinâmica conceitual de utilidade dos espaços urbanos. Contudo esta dinâmica de transformação dos vazios em oportunidades tem a possibilidade de ser muito benéfica para a cidade, mas também muito “perversa”, como ele mesmo diz. Estes novos usos precisam ser pensados e planeados pelos

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governantes e técnicos para que o tratamento destinado aos vazios faça sentido na realidade em que estará inserido. Cristina Cavaco (2008), assim como Borde (2003), compreende que “os vazios urbanos contemporâneos concretizam-se como interstícios”, ou seja, são resíduos vagos e sem utilidade, mas lugares promissores, onde podem surgir novos usos e novas intenções. Para Cavaco (2008) os vazios podem ser classificados segundo a premissa retirada de alguns autores, e organizados em sete categorias distintas. O vazio-paisagem, o vazio infraestrutural, o vazio expectante, os vazios de cedência ou de interdição, o vazio verde, o vazio interior colectivo, e o fragmento ou o simulacro do vazio tradicional. Entretanto é através do “vazio ilegítimo” que Cavaco (2008) demonstra sua preocupação maior ao caracterizá-lo como um espaço não pensado, e consequência de planos, regras, leis e determinações traçadas sem a possibilidade de visualização das suas reais consequências futuras. Este é o espaço resquício do disperso, é o entre, é o que se encontra entre um aglomerado urbano e outro, depositados às margens das cidades. É incluído aqui um dos três universos conceituais que Sousa (2010) adotou para a construção da sua dissertação de mestrado. Um deles é o “Universo Construído” que engloba os vazios residuais, o outro é o “Universo Econômico” que é caracterizado pelas áreas industriais. Entretanto o contexto do “Universo Social” é o se pretende destacar. O “Universo Social” contempla os vazios demográficos, ou seja, são “áreas urbanas que eram densamente construídas, mas que com a consequente desocupação devido, por exemplo, à substituição do perfil populacional, levam à redução da densidade populacional e ao consequente aparecimento dos chamados ‘vazios demográficos’, que se traduzem no abandono e degradação das construções e do tecido urbano” (SOUSA, 2010, p. 60) Careri (2013), por sua vez, enfatiza a questão do protagonismo do vazio, da mesma maneira como o enfatizou Morgado (2005), e descreve a importância que este espaço livre demonstra ao construir uma nova referência no contexto da paisagem urbana. Sobre este aspecto ele compara o cheio e o vazio da seguinte forma “o espaço sedentário é mais denso, mais sólido e, por isso, cheio, ao passo que o nômade é menos denso, mais líquido e, por isso, vazio.” (CARERI, 2013, p. 40). Neste contexto ele salienta a importância em se utilizar novamente esses espaços menos densos, por serem elementos de composição da estrutura urbana, e uma das formas de se fazer isso é através do walkability, para Careri (2013) é necessário voltar a viver a cidade e para isso é preciso voltar a utilizar as suas ruas para andar e conviver. Acreditando no vazio como algo extremamente físico e visual e como elemento que compõe a paisagem, Careri (2013) defende que “o vazio é a ausência, mas também a esperança, o espaço do possível.” 7

Com toda essa discussão em torno de um mesmo objeto, entretanto um objeto multifacetado e cada vez mais amplamente mencionado. Como é que podem ser simplificadas as conclusões, ou resumidas estas definições, ou até mesmo reduzida a quantidade de identidades presentes num mesmo problema? Com estes inúmeros conceitos e com as inúmeras nomenclaturas é prudente traçar uma linha de raciocínio, para atender a problemática arranjada, sobre a possibilidade e flexibilidade dos lugares. A UTILIDADE DOS LUGARES Após a conceituação dos distintos autores, adota-se a premissa de que no caso europeu a principal caracterização do que é vago segue em torno da questão da expansão territorial dispersa, e os espaços de transição entre um núcleo urbano e outro. Contudo no caso latinoamericano as questões do vazio mais impactantes se referem aos vazios intersticiais e às edificações desocupadas. E é sobre este pressuposto que faz-se compreender que os lugares para serem lugares precisam conter função (SANTOS, 1985). Deste modo, entende-se que o cheio, enquanto espaço construído pode ser caracterizado como vazio, enquanto lugar sem uso e sem função social. Neste sentido entende-se que o vazio urbano ainda é um campo em aberto no que acarreta o assunto social (BORDE, 2003), além de possuir conceitos e definições distintos, em ambientes urbanos distintos, onde os autores possuem ideias formadas sobre o vazio urbano, entretanto até certo ponto desconexas. A complexidade em se tratar um tema destes é muitas vezes limitadora. Sendo assim, para facilitar a compreensão dos lugares, admite-se como definição: O terreno livre - Diz respeito àquilo que não é edificado, é o terreno em si, sem construções, entretanto com benfeitorias e infraestrutura urbana. Muitas vezes terrenos oriundos de doações feitas de agentes loteadores aos municípios, engloba-se aqui nesta definição também os terrenos particulares, caracterizados como vazios intersticiais ou residuais (BORDE, 2003), comprados e não edificados. Muitas vezes esses últimos são alvo de especulação imobiliária, por este motivo ficam vazios durante muito tempo. Todos esses terrenos livres, causam uma dinâmica urbana de cheios e vazios, interessante do ponto de vista ecológico/ambiental, contudo, na maior parte dos casos estes lugares possuem uma conotação negativa no espaço da cidade, tanto para os pedestres e ciclistas de forma direta, quanto indiretamente para a sociedade (SANTOS, 1985). Pode-se dizer de terreno livre também aquele que é remanescente das infraestruturas urbanas, entretanto apenas a área remanescente, não considerando aqui os próprios “não-lugares” (AUGÉ, 1995). O vazio construído - Engloba-se aqui, tudo que se refere às edificações que não estão sendo utilizadas, como prédios de apartamentos, hotéis, residências, centros comerciais, edifícios antigos, depósitos e fábricas, todas estas edificações com uma qualidade em particular, a 8

perda de função. Construções que por algum motivo, externo ou intrínseco, deixaram de desempenhar suas funções e se tornaram edificações além de obsoletas também inutilizadas (CLEMENTE, SILVEIRA, & SILVEIRA, 2011). Outro formato de vazio construído, consequência da crise econômica que abarcou muitos países, é o vazio arquitetônico, caracterizado por uma nova edificação que ainda não foi comercializada (BORDE, 2003). O desuso - Condiz com espaços edificados ou não, que por suas características funcionais e de ocupação, não comportam a socialização (SOUSA, 2010), além de comprometerem a própria utilização, comprometem também a possibilidade dos lugares, deixando de exercer certas funções que são necessárias para contribuir com o ambiente urbano. De tal forma, este conceito de vazio pode ser utilizado em conjunto com os conceitos acima citados, podendo complementá-los na definição dos espaços e na forma como proceder em sua compreensão na dinâmica urbana. A FLEXIBILIDADE DOS LUGARES Ao se promover a flexibilidade dos lugares, almeja-se compreender e atender as expectativas urbanas de um espaço particular. Objetiva-se assim, tornar cada espaço urbano, construído ou não um receptáculo de uma nova função, que sirva para suprir uma necessidade social, ou qualquer outra necessidade intrínseca ao local. Assim como, propiciar possibilidade aos lugares, é promover o espaço de uso público de forma que este esteja adequado ao uso das pessoas, sendo espaços próprios para o uso por necessidade, por opção ou para socialização (GEHL, 2006). O nomadismo ou o “espaço do ir” (CARERI, 2013, p. 42) ou simplesmente o caminhar, é a maneira como se ligam os lugares, os pontos fixos. As origens e os destinos urbanos só são possíveis através deste caminho e desta área de transição, no sentido de que tão importante quanto o estar em algum lugar é o poder estar lá. Esta característica de nomadismo de constante mudança e em constante estado de transporte físico e conceitual é o cerne da concepção flexível dos lugares. Onde sua característica principal é esta dualidade entre espaços de estar com condições de espaços de ir. Numa abrangência mais alargada, é possível destinar a classificação de lugares flexíveis, àqueles imóveis urbanos particulares, construídos ou não, que estão em condição de desuso. Para que, pelo período de tempo necessário, até que sua utilização definitiva seja promovida, seja possível a condição de imóvel “emprestado”. Já a possibilidade dos lugares é uma ação de adequação e melhoramento das condições físicas e funcionais do espaço público. NOTAS CONCLUSIVAS 9

Após este trajeto teórico e conceitual pode-se dizer que diante da caracterização do cheio construído como vazio de função e do terreno vago intersticial também como vazio funcional, ponderam-se duas perspectivas positivas para estas realidades. Uma delas é do desenvolvimento da conexão destes vazios expectantes através da promoção da possibilidade dos lugares, conectando-os através de caminhos necessários, opcionais e sociais. A outra realidade é a da flexibilidade dos lugares, configurada sobre os cheios e vazios não funcionais e não utilizados, transformando-os temporariamente em ambientes urbanos saudáveis e úteis. Neste contexto, a possibilidade dos lugares surge para melhorar a qualidade do desenho urbano e com isso fazer com que os espaços urbanos comuns e de uso coletivo sejam melhor aproveitados nos projetos e mais atrativos às pessoas que usam estes locais de forma opcional ou para socialização. Já a flexibilidade dos lugares surge como fundamento para estimular o uso de imóveis urbanos particulares. Proporcionando-lhes condições de uso temporário, onde o aspecto mais relevante é a condição de imóvel “emprestado”, já que este terreno vago intersticial poderá desempenhar funções urbanas de finalidade particular ou coletiva entretanto possuindo um caráter transitório. Esta constante variação das utilidades e funções dos ambientes urbanos caracteriza uma maior diversidade urbana e maior competitividade das regiões da cidade. Neste sentido a expectativa é de elevação da qualidade do desenho urbano, e consecutivamente da qualidade de vida na cidade. REFERÊNCIAS AUGÉ, M. (1995). Não-Lugares. Lisboa: Editora 90º. BORDE, A. L. (2003). Percorrendo os Vazios Urbanos. X Encontro Nacional da Anpur, (pp. 1-16). Rio de Janeiro. BRASIL. (1988). Constituição Federal. Brasil. CARERI, F. (2013). Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo: G. Gili. CAVACO, C. (2008). Espaçamentos Ilegítimos ou a Condição Suburbana do Vazio. CLEMENTE, J. C., SILVEIRA, J. A., & SILVEIRA, J. G. (2011). Vazio Urbano ou Subutilizado? Entre Conceitos e Classificações. Cadernos de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, pp. 40-70. CLICHEVSKY, N. (2000). Vazios urbanos nas cidades latino-americanas. Cadernos de Urbanismo. GEHL, J. (2006). La Humanización del Espacio. Barcelona: Editorial Reverté. JACOBS, J. (2001). Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes. KOOLHAAS, R. (2012). El espacio basura. Estridentópolis: Al Fin Liebre Ediciones Digitales. LYNCH, K. (1996). A Imagem da Cidade. Lisboa: Edições 70. MORGADO, S. (2005). Protagonismo de la Ausencia - Interpretación Urbanística de la Formación Metropolitana de Lisboa Desde lo Desocupado. BARCELONA. PORTAS, N. (2007). Do Vazio ao Cheio. PRIBERAM. (2008-2013). Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Obtido em 28 de 04 de 2014, de Priberam: http://www.priberam.pt SANTOS, C. N. (1985). Quando a Rua Vira Casa. São Paulo: Projeto. SOLÀ-MORALES, I. d. (1996). Presentes y Futuros. Arquitectura en las Ciudades. Barcelona.

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