A FLEXIBILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INADMISSIBILIDADE DA PROVA OBTIDA POR MEIOS ILÍCITOS, À LUZ DA MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE, NOS CASOS DE PROVAS OBTIDAS POR TERCEIRO PARTICULAR

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A FLEXIBILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INADMISSIBILIDADE DA PROVA OBTIDA POR MEIOS ILÍCITOS, À LUZ DA MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE, NOS CASOS DE PROVAS OBTIDAS POR TERCEIRO PARTICULAR Raniel Fernandes de Ávila1 Lais Zumach Lemos Pereira2 Fecha de publicación: 01/05/2016

Sumário: Introdução; 1.- Fatores influenciadores para a inserção do princípio da exclusão das provas ilícitas na atual Constituição brasileira; 2.- As provas ilícitas, a noção de inadmissibilidade e o dever de esquecimento do juiz; 3.- A teleologia do princípio; 4.- A superação do princípio como dogma: a flexibilização, tendo por base a proporcionalidade; 5.A proporcionalidade no Código de Processo Civil de 2015: breves considerações; 6.- Os subprincípios da máxima da proporcionalidade; 7.- A relativização da inadmissibilidade da prova ilícita no Processo Penal e os casos em que terceiro particular é o agente produtor da prova; 8.- A questão da prova ilícita produzida por terceiro particular no Processo Civil. Conclusões. Referências. Resumo: Com a elevação da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos ao nível de princípio constitucional, as Cortes brasileiras passaram a adotar uma postura, de regra, inflexível. Numa análise de alguns dos julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ),

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Advogado e mestrando, no Brasil, pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), sob orientação do professor Pós-Doutor Rodrigo Reis Mazzei. E-mail para contato: [email protected]

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Advogada e mestranda, no Brasil, pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), sob orientação do professor Doutor Manoel Alves Rabelo. E-mail para contato: [email protected]

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verifica-se que só em hipóteses muito raras o princípio em questão é relativizado. O presente artigo busca enxergar a máxima da inadmissibilidade das provas ilícitas frente a um complexo ordenamento jurídico, integrando-a ao sistema por meio de uma adequada aplicação da técnica da proporcionalidade, a fim de combater um dogmatismo exacerbado que, muitas vezes, acaba por esquecer a própria teleologia do princípio. Além de analisar a jurisprudência e legislação criminal (Código de Processo Penal), revelam-se importantes as inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, que determina a observância da proporcionalidade quando da interpretação e aplicação do referido diploma civilista. Palavras Chaves: Princípio da Inadmissibilidade das Provas Obtidas por Meios Ilícitos. Topois. Proporcionalidade. Teleologia. Constituição Federal. Código de Processo Penal. Código de Processo Civil de 2015. THE FLEXIBILITY OF THE PRINCIPLE OF THE INADMISSIBILITY OF EVIDENCE OBTAINED BY ILICIT MEANS, ACCORDING TO THE PROPORCIONALITY, IN CASES THAT THE EVIDENCES ARE OBTAINED BY PARTICULAR THIRD Abstract: With the rise of the inadmissibility of evidence obtained through unlawful means to the level of constitutional principle, Brazilian Courts have adopted a posture usually inflexible. In an analysis of some of the decisions of the Higher Courts, it appears that only in very rare cases the principle in question is relativized. This paper seeks to see the maximum of inadmissibility of illegal evidence front of a complex legal order, integrating it into the system through a proper application of the proportionality technique, in order to combat an exaggerated dogmatism that often forget the teleology of the principle. In addition to analyze the jurisprudence and the criminal law (Code of Criminal Procedure), it’ s also important take a look at the innovations brought by the Code of Civil Procedure, 2015, which determines the observance of proportionality in the interpretation and application of this statute. Key Words: Principle of Inadmissibility of Evidence Obtained by Unlawful Means. Topois. Proportionality. Teleology. Federal Constitution. Code of Criminal Procedure. Code of Civil Procedure, 2015.

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INTRODUÇÃO Tema de enorme importância no estudo de qualquer ciência processual são as provas, posto que elas desempenham a ímpar função de trazerem a “ verdade” ao juiz. Todavia, após chegar-se à compreensão de que a “ verdade real” é uma utopia e que a busca por esse ideal historicamente resultou em violações diversas ao ser humano, os contemporâneos ordenamentos jurídicos trataram de inserir limitações ao direito à prova, sendo a inadmissibilidade das provas ilícitas uma grande expressão desse “ movimento humanizatório” . O fato é que o princípio da exclusão de provas obtidas por meios ilícitos surgiu com o objetivo de garantir a dignidade da pessoa humana e, especialmente no processo penal, como uma forma de evitar que abusos pretéritos se repetissem. Assim, em razão da forte carga ideológica que serviu de base para a inserção dessa específica limitação ao direito à prova no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal (CF) de 1988, o princípio ganhou uma feição de dogma, sendo tratado como se fosse uma espécie de “ verdade absoluta” . Deveras, os Tribunais Superiores do Brasil somente em casos muito raros admitem a relativização do princípio em questão. Tal atitude restritiva se mostra razoável, como se verá, na medida em que a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos se perfaz em importante valor do sistema de um Estado Democrático de Direito. Todavia, neste trabalho, serão identificados casos – que envolvem a produção de prova por terceiros particulares – nos quais a jurisprudência brasileira tem vacilado e mostrado deixar-se enveredar para uma postura consubstanciada num absolutismo cego, que leva à aplicação de um princípio do sistema sem levar em conta a teleologia daquela norma específica. A solução que se propõe, a fim de se aplicar de forma racional (e sem exageros formalistas) o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, é o uso da máxima da proporcionalidade, a qual, dada a sua enorme importância dentro de um sistema repleto de direitos fundamentais, passou a ser contemplada de forma expressa nos variados diplomas normativos, como se verificará no caso do Novo Código de Processo Civil brasileiro.

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Perceber-se-á que a justiça será observada no caso concreto, caso o método proposto seja colocado em ação. 1

FATORES INFLUENCIADORES PARA A INSERÇÃO DO PRINCÍPIO DA EXCLUSÃO DAS PROVAS ILÍCITAS NA ATUAL CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

O Direito, enquanto conjunto de normas que visam regular a conduta humana, está muito relacionado com a visão de mundo de uma dada comunidade (ou, pelo menos, daqueles que detêm o poder de criar e interpretar as normas). Segundo Kelsen, “ Todo sistema de valores, [...] com a sua ideia central de justiça, é um fenômeno social, o produto de uma sociedade e, portanto, diferente de acordo com a natureza da sociedade dentro da qual emerge” .3 Por isso, é possível encontrar justificativas ideológicas por trás dos mais diversificados institutos jurídicos. Particularmente quanto ao princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, é certo que a delineação que se verifica hoje é resultado de uma série de tensões de ideias ocorridas em momentos que precederam a promulgação da Constituição brasileira de 1988, merecendo destaque: (i) o fortalecimento da noção de dignidade da pessoa humana, posta na Declaração Universal dos Direitos Humanos4; (ii) a repulsa pelos atos praticados pelo Estado brasileiro no período da ditadura militar 5; e (iii) a influência do Direito norte-americano6. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi ediatada em 1948, numa tentativa dos países vencedores da Segunda Guerra Mundial de evitar que outras atrocidades ao ser humano, tais como as que ocorreram no mais devastador conflito bélico do século XX7, viessem a ser repetidas. Assim, 3

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 11 p.

4

Cf. ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas Ilícitas e Proporcionalidade: uma análise da colisão entre os princípios da proteção penal eficiente e da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. 2006. Dissertação de mestrado. Programa de pós-graduação em direito, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Brasília. p. 41-53.

5

Cf. MADEIRA, Ronaldo Tanus. Da Prova e do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 35-36.

6

Cf. CABELEREIRA, Carlos Vinícius Soares. Prova Ilícita no Processo Civil. 2010. Dissertação de mestrado. Programa de pós-graduação em direito, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. p. 54.

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A guerra deixou milhões de mortos, o que provocou uma enorme crise social nos mais variados cantos do Planeta. Isso, sem falar nas atitudes vis que se viram durante o conflito bélico, das quais o holocausto dos judeus, perpetrado pelos nazistas, aparece como uma das expressões que merecem o maior repúdio.

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várias diretrizes de feição humanista – um verdadeiro aglomerado de princípios e direitos que compõem a ideia de dignidade da pessoa humana – cunhadas no citado diploma internacional passaram a ser propagadas pelo mundo e, a partir daí, os países comumente começaram a celebrar tratados internacionais reconhecedores da liberdade, da igualdade, dos direitos sociais, do direito à intimidade, do direito à vida, do direito de não ser torturado, dentre vários outros tidos como inerentes ao ser humano. 8 Paralelamente a essa mudança de paradigma no cenário internacional, o Brasil, especialmente a partir de 1964, ano do golpe militar, iniciou uma progressiva limitação dos direitos dos cidadãos, que teve fim somente com a abertura democrática, acentuada em meados da década de 1980. Durante a ditadura, por meio da Lei de Segurança Nacional e dos frequentes atos institucionais, houve um tipo de legalização da tortura e, também, uma espécie de permissivo legal para violações de domicílio, violações da intimidade e da privacidade das pessoas, para a efetivação da censura à imprensa, dentre outras restrições de direitos. 9 Esse descompasso, sinteticamente demonstrado acima, entre a visão paradigmática internacional – pautada nos princípios insculpidos na Declaração Universal das Nações Unidas – e os atos concretos do regime militar – com alto grau de desrespeito aos direitos humanos – tornou-se paulatinamente insustentável, em especial com o agravamento dos problemas socioeconômicos que o Estado brasileiro enfrentou no final da década de 1970 e início da década de 1980, e levando-se em conta a mobilização popular progressiva em defesa da democracia. Com esse cenário – interno e externo – desfavorável à ditadura, em especial porque o comunismo já não mais era uma ameaça ante o enfraquecimento político e econômico da União Soviética, o regime autoritário veio a ruir. 10 O princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, no Brasil, ganha força nesse quadro político: reforço internacional progressivo dos ideais da Declaração Universal dos Direitos Humanos e repúdio às práticas inquisitivas vigentes durante o regime militar. Para fechar tal cenário, deve-se fazer alusão a não pouca influência exercida pelo Direito americano. Nos Estados Unidos11, já vigorava um 8

Cf. BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Direitos Humanos. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 1-32.

9

Cf. NADAI, Elza; NEVES, Joana. História do Brasil. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 391-393.

10 11

Ibid., p. 404-424. Sobre o pioneirismo americano, cf. GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 101.

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sistema de exclusão de provas (exclusionary rules) bastante condizente com aqueles princípios insculpidos na Declaração Universal de 1948. Assim, o constituinte brasileiro viu no sistema americano a concretização do paradigma internacional, razão pela qual resolveu espelhar-se e, com adequações, inserir o art. 5º, inciso LVI, na Constituição Democrática de 198812: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” . 2

AS PROVAS ILÍCITAS, A NOÇÃO DE INADMISSIBILIDADE E O DEVER DE ESQUECIMENTO DO JUIZ

Conforme ensina Dinamarco, “ o vocábulo prova vem do adjetivo latino probus, que significa bom, correto, verdadeiro; consequentemente, provar é demonstrar que uma alegação é boa, correta e, portanto, condizente com a verdade” .13 Logo, percebe-se que a própria etimologia da palavra “prova” aponta para uma ideia de “ verdade” , a qual historicamente foi um objetivo a ser buscado no processo; o juiz, por não ter presenciado os fatos alegados pelas partes, precisa do auxílio das provas para fazer a reconstrução histórica dos acontecimentos passados. Deve-se destacar, porém, que a “ verdade” jamais poderá ser alcançada em termos absolutos14, já que o juiz pode captar somente uma parcela fática do que se passou. Por isso, mostra-se preciso o ensinamento de Carnelutti, quando ele diz que “[...] a verdade está no todo, não na parte; e o todo é demais para nós” .15 Assim, deve-se lançar mão da noção de 12

A Constituição de 1988 foi a primeira, dentre as várias que o Brasil já teve, a contemplar o princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. É bem verdade que antes de 1988 já houve diplomas normativos infraconstitucionais que abarcaram um ou outro dispositivo com certa menção ao tema, mas dada a pouca abrangência, por exemplo, do Código Penal Militar de 1969, ou a enorme generalidade do art. 332 do Código de Processo Civil de 1973, eles não foram suficientemente prevalentes sobre o ímpeto estatal em buscar provas em prol da segurança nacional, durante a ditadura. Sobre o tema, Cabeleira (Op. cit. p. 45-52, nota 5) e Luciana Fregadolli (FREGADOLLI, Luciana. O Direito à Intimidade e a Prova Ilícita. Belo Horizonte: Livraria Del Rey, 1988. p. 182-185). Por isso que Capez assim qualifica a inserção do princípio na Constituição: “ Trata-se de regra inovadora, posto que ausente das anteriores ordens constitucionais.” (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 362-363).

13

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4ª edição. Volume III. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 58.

14

Nesse sentido, Ferrajoli: “ La impossibilitad de formular um criterio seguro de verdad de lastesisjudiciales depende delhecho de que laverdad ‘ cierta’ , ‘ objetiva’ o ‘ absoluta’ representa siemprela ‘ expresión de um ideal’ ” . (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón: Teoria del Garantismo Penal. Madrid: Editorial Trotta, 1995. p. 50).

15

CARNELUTTI, 1965, apud LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 571.

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verdade processual, como sendo, na definição de Ferrajoli16, uma “verdade aproximativa” , dado que essa “ verdade” é limitada pelo que se pode razoavelmente saber dentro do processo. Destaca-se, ainda, que além dos limites naturais existentes no trabalho de reconstrução dos acontecimentos pretéritos, a Constituição e a lei também impõem limites jurídicos a tal labor recognitivo, numa evidência de que a “ verdade real” já não mais é o fim último a ser buscado no processo. O magistrado deve, antes, visar à verdade (processual) fazendo com que as limitações ao direito à prova sejam respeitadas por todas as partes ao longo do procedimento. Nesse sentido, precisa é a colocação de Lopes Jr.: “[...] a legitimidade da decisão é dada pela estrita observância do contraditório e das regras do devido processo penal ao longo do ritual judiciário, e não em nome de uma (pseudo)verdade nem sempre possível de ser obtida.” 17 Com efeito, não é toda e qualquer prova que pode integrar o conjunto de elementos capazes de levar o juiz a formar o seu convencimento.18 É certo que o sistema veda a inserção no processo (penal, civil, trabalhista e administrativo) de provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, inciso LVI, CF), sendo tal vedação um freio à “ liberdade” de recognição do magistrado. Todavia, nesse contexto, cabe indagar: o que seria “ prova ilícita” ? Em célebre dissertação de mestrado, ao tratar sobre o tema, Cambi19 sintetiza a definição conceitual de prova ilícita ao afirmar que ela é “aquela que contraria o ordenamento jurídico, visto pelo prisma dilatado da Constituição [daí o motivo pelo qual o autor também usa a nomenclatura ‘ provas inconstitucionais’ ], que abrange tanto a ordem constitucional e a infraconstitucional quanto os bons costumes, a moral e os princípios gerais do direito” . Diante disso, pode-se dizer que a noção exposta pode ser 16

FERRAJOLI, Luigi. Op. cit. p. 50-51, nota 12.

17

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 576.

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Tal noção não é uniforme na história. Em várias outras sociedades do passado, as provas eram amplamente admitidas, quase que sem restrições, independentemente se fossem extraídas com ameaças, torturas ou outros meios que, hoje, convencionou-se denominar de “ ilícitos” (interessante a análise de Foucault sobre o sistema de provas na Idade Média, cf. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. 3ª edição. Rio de Janeiro: Nau editora, 2002. 58-60). Na famosa história bíblica, por exemplo, Salomão resolve o caso da guarda de um bebê, proferindo uma ameaça às mulheres que se diziam mães da criança, consistente no partir, com uma espada, o neném ao meio (cf. BÍBLIA. 1 Reis. Português e inglês. Bíblia Sagrada: Português – Inglês/ HolyBible: Portuguese – English. Nova versão internacional (NVI)/ new internationalversion (NIV). 1ª edição, 8ª reimpressão. São Paulo: Editora Vida, 2011. v. 16-28, p. 348). CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006, p. 69.

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construída a partir da leitura conjunta do texto constitucional (especialmente, art. 5°, incisos LVI20 e LIV21) com os seguintes dispositivos legais, dentre outros: Art. 157, Código de Processo Penal: São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Art. 369, Novo Código de Processo Civil22: As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

Nesse conceito, o importante – frisa-se – é que fique caracterizada a violação a direito fundamental, não importando o momento em que se deu a infração (se dentro ou se fora do processo) nem que tipo de norma jurídica foi infringida (se de caráter material ou de direito processual), pois, em todos esses casos, a inadmissibilidade da prova é que deverá ser a consequência imputada.23 Assim, são exemplos de provas ilícitas: aquelas obtidas mediante tortura, maus-tratos, coação ou qualquer tipo de violência (art. 5º, inciso III, CF); busca e apreensão domiciliar realizada sem ordem judicial ou, mesmo com o mandado do juiz, mas durante a noite (art. 5º, inciso XI, CF); informações obtidas com violação à liberdade da pessoa que presta a informação (como o soro da verdade, detector de mentiras, interrogatórios

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Art. 5°, LVI, CF: “ são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” .

21

Art. 5°, LIV, CF: “ ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

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Deve-se destacar que o referido dispositivo analisado de forma isolada dispõe, não sobre provas ilícitas, mas sobre o permissivo legal de haver a produção de provas atípicas (aquelas não previstas de forma expressa na lei). Todavia, analisado sistematicamente, a inteligência do referido artigo pode integrar a definição conceitual de provas ilícitas, como foi demonstrado.

23

Com a nova redação – dada pela lei 11.690/08 – que o art. 157, caput, do Código de Processo Penal (CPP) recebeu, a discussão sobre a definição conceitual de “ prova ilícita” foi alimentada, especialmente porque, para alguns, a clássica diferenciação entre prova ilícita e prova ilegítima não mais tem razão de ser em termos práticos, posto que para essa corrente doutrinária uma e outra devem ser inadmitidas (nessa linha, cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 244247). Entretanto, alguns doutrinadores, como Grinover, Fernandes e Gomes Filho (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 9ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 149), ainda entendem que a classificação de Nuvolone ainda tem efeitos práticos, já que pensam que as provas ilícitas (resultantes de violação a direito material) continuam sendo inadmissíveis e as ilegítimas (resultantes de violação a direito processual) ainda se submetem à teoria das nulidades. Para fins deste trabalho, abandona-se a classificação em “ provas lícitas e ilegítimas” ; concorda-se, portanto, com as críticas formuladas à classificação de Nuvolone.

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exaustivos etc.); prova obtida mediante interceptação telefônica sem autorização judicial (art. 5º, inciso XII, CF) etc. Em todos esses exemplos, percebe-se, há violações ao ordenamento jurídico com repercussão em algum direito fundamental. Provas de tal estirpe não podem fazer parte do material sobre o qual o julgador debruçarse-á para convencer-se da materialidade, autoria ou circunstâncias de um crime, ou para convencer-se dos fatos narrados pelas partes num processo não criminal. Segundo Avolio: “ As provas ilícitas, porque consideradas inadmissíveis pela Constituição, não são por esta tomadas como provas. Trata-se de não ato, não prova, de um nada jurídico, que as remete à categoria da inexistência jurídica” .24 Diante disso, caso o juiz se depare com uma prova ilícita (ou mesmo com uma prova derivada da ilícita – teoria dos frutos da árvore envenenada), verifique o conteúdo que nela existe e depois determine a sua exclusão, verdadeiramente o magistrado deverá proceder com um “forçado esquecimento” daquele teor com o qual se deparou. Ele não poderá basear nenhuma de suas decisões futuras naquela prova, ainda que ela tenha sido hábil o suficiente para “desvendar o caso” . Eis uma razão de se dizer que o livre convencimento motivado do julgador, na verdade, não é tão livre assim; o juiz tem o seu convencimento jurídico adstrito ao material probatório lícito inserido nos autos processuais. 25 3

A TELEOLOGIA DO PRINCÍPIO

Quando o constituinte inseriu o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas na Carta Magna, ele objetivava26, prioritariamente: (i) obter um efeito dissuasório e (ii) garantir o fair trial. Sem ambos os fins, não seria plausível a inserção do princípio na Constituição. Por isso, algumas considerações devem ser feitas. 24

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: Interceptações Telefônicas e Gravações Clandestinas. . 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 84.

25

Sobre o tema, interessante acrescentar que o projeto original da Lei 11.690/08, ao modificar o art. 157 do CPP, previa a substituição do juiz que tivesse tido acesso às provas ilícitas, como uma forma de descontaminação do julgado, garantindo que a sentença e acórdão proferidos no processo não sofressem qualquer influência da prova imputada ilícita. O texto projetado assim dizia: “ Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. [...] § 4º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão.” . Percebeu-se, todavia, que o §4º acima transcrito feria os ideais da celeridade e da razoável duração do processo, motivo pelo qual foi vetado pelo Presidente da República, conforme os pareceres do Ministério da Justiça e da Advocacia Geral da União.

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Sobre a teleologia, cf. ÁVILA, Thiago André Pierobom de.Op cit. p. 116- 124, nota 3.

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O efeito dissuasório referido tem repercussões mais visíveis no processo criminal, tendo sido direcionado, precipuamente, às autoridades policiais judiciárias e afins27, responsáveis pela coleta de provas durante a fase de inquérito, haja vista que eram elas as grandes violadoras dos “direitos humanos” durante o regime militar. Assim, além das sanções civis, administrativas e penais eventualmente aplicáveis, a autoridade coletora da prova por meio ilícito seria desestimulada a repetir violações em outras oportunidades, ao perceber que seria inútil, para fins do processo, na medida em que a prova não seria aceita pelo juiz. Verifica-se, com isso, a feição pedagógica do princípio. O fair trial, por sua vez, consiste na dimensão ética da teleologia referida, perfazendo-se em uma das repercussões do princípio do devido processo legal. É certo que um Estado Democrático de Direito não pode admitir que um julgamento não seja “ limpo” ; deve, antes, zelar pela equidade entre as partes, inadmitindo atitudes desrespeitosas ou violadoras dos direitos humanos. O Estado goza de uma “ superioridade moral” , motivo que o leva a não ser conivente com práticas ilícitas. 28 Por isso, mostra-se coerente a inadmissão, pelo juiz, de provas obtidas mediante a violação do Direito, tanto no processo penal, quanto em qualquer outro ramo do processo (civil, trabalhista ou administrativo). Aqui, faz-se importante destacar que o juiz jamais pode perder de vista a teleologia do princípio constitucional. Do contrário, o magistrado corre sério risco de proceder com aplicações inadequadas e, muitas vezes, que descambam para a injustiça, posto que deixa de considerar outro valor muito importante protegido pelo ordenamento jurídico. Ao desconsiderar a teleologia de uma norma de direito fundamental, não raras as vezes, o julgador passa a aplicá-la de forma cega, pois a tem como um dogma, o qual precisa ser mantido a todo e qualquer custo. 4

A SUPERAÇÃO DO PRINCÍPIO COMO DOGMA: A FLEXBILIZAÇÃO, TENDO POR BASE A PROPORCIONALIDADE

Um dogma29 é uma crença, uma opinião, um ponto de vista que, por motivos ideológicos diversos, é encarado como uma “ verdade absoluta” , 27

Cf. MADEIRA, Ronaldo Tanus. Da Prova e do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 35-52.

28

GÖSSEL, 2001, apud ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Op. cit.. p. 118, nota 3.

29

“ Dogma” (gr. 5ÓYU,CC; lat. Dogma) é um termo que expressa uma opinião, uma crença, um ponto de vista (cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Terceira edição revista e ampliada. Versão digitalizada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

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“ imutável” e “ inquestionável” . O princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos passa a ser visto como um dogma a partir do momento em que o julgador deixa de considerar a possibilidade de lançar mão da flexibilização para, em toda e qualquer circunstância que envolva um caso concreto, inadmitir uma prova que fora obtida mediante a violação do Direito. Em termos mais simples, diz-se que o princípio é dogmatizado, tratado como um verdadeiro sacramento de uma religião30, quando o julgador se nega a sopesá-lo, racionalmente, com outros princípios também relevantes do ordenamento jurídico. Tal atitude – muito embora resulte na proteção de um princípio do sistema –, por ser irrestrita e desconsiderar a existência de outros valores de elevado realce, acaba por descambar para caminhos que podem levar a tortuosas injustiças, condizentes com época já passada: do juiz “boca da lei” , do magistrado visto como um aplicador mecânico do Direito, cuja função era de, apenas, promover a subsunção dos fatos às normas, sem preocupar-se com o conteúdo destas.31 Com efeito, para que a justiça – com contornos delineados no ordenamento – seja mantida mais ou menos intacta, o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas não pode receber um tratamento inflexível, sob pena de outros direitos e princípios importantes não serem considerados. Eis que o julgador se depara com uma verdadeira encruzilhada, conforme explica Zuckerman: [...] há um dilema a ser enfrentado pelos tribunais: se forem admitidas irrestritamente as provas ilegalmente obtidas, haverá estímulo ao comportamento ilícito. Mas, se for recusada prova que compromete o

editor, 2001. p. 56). A palavra foi muito utilizada na Antiguidade para designar as crenças fundamentais das escolas filosóficas e, especialmente após o surgimento da Igreja Católica, foi difundida como expressão das decisões dos concílios e das autoridades eclesiásticas sobre as principais matérias que envolviam a fé (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Edição revista e ampliada. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 292-293). 30

Há um quê de sacralidade na ideia de dogma, o qual denota uma crença naquilo que é uma “ verdade absoluta” , “ imutável” e “ inquestionável” . Cf. CARNEIRO, Rafael Prince. A César o que é de Deus: Magia, Mito e Sacralidade no Direito. 2008. Monografia apresentada para obtenção de grau em direito. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. p. 17-20.

31

Sobre o juiz do Estado Liberal Clássico, cf. ESPINDOLA, Ângela Araújo da Silveira; RAATZ DOS SANTOS, Igor. O processo civil no Estado Democrático de Direito e a releitura das garantias constitucionais: entre a passividade e o protagonismo judicial. Revista Eletrônica Novos Estudos Jurídicos, Itajaí-SC, 2011, v. 16, n. 02, p. 151-154.

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acusado, porque foi obtida desprotegida.32

ilicitamente,

a sociedade

se sentirá

Percebe-se, com isso, que a flexibilização não é um ato simples, especialmente porque um dogma existe em razão de uma forte ideologia que serve como seu sustentáculo – no caso do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, o pano de fundo é o movimento de humanização do processo, já discorrido alhures. Superar as emoções e sentimentos que solidificam a ideia de que um determinado princípio deve ser sempre mantido, pressupõe a lembrança de que há outros princípios muito importantes para o homem, os quais também devem ser considerados no caso concreto.33 Nesse contexto, a teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy cai como uma luva. Para o ilustre doutrinador alemão, existem dois tipos de normas jurídicas de direitos fundamentais, a saber, as regras e os princípios. Em síntese, a diferença entre ambas não é somente em grau de generalidade, mas de qualidade; as regras são cumpridas na lógica do tudo ou nada, enquanto que os princípios são mandados de otimização caracterizados por serem satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende apenas das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. Assim, um conflito entre regras se resolve com uma cláusula de exceção ou com a declaração da invalidade de uma delas; já a colisão entre princípios é resolvida mediante a análise no caso concreto do peso de um e de outro, para que, com o uso da proporcionalidade, seja verificado qual é que tem prevalência. 34 Ressalta-se que o ordenamento jurídico deve ser visto de forma sistemática e unitária, cabendo à proporcionalidade o nobre dever de conferir coesão às normas, harmonizando-as sempre que necessário.35 Nessa toada, vale colacionar o entendimento de Vicente Greco Filho36: 32

ZUCKERMAN, 1989, apud QUEIJO, Maria Elizabeth. O Direito de não Produzir Prova contra si mesmo: o princípio nemotenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 375.

33

Aliás, tal lembrança, diga-se de passagem, foi indispensável para a cunhagem do próprio princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, posto que este é resultado de uma atitude de flexibilização do direito à prova.

34

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 85-120 passim.

35

SILVA, Luciana Vieira. Prova ilícita no processo civil à luz do princípio da proporcionalidade. Disponível em: . Acesso em: 14 maio 2015.

36

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.200-201.

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O texto constitucional parece, contudo, jamais admitir qualquer prova cuja obtenção tenha sido ilícita. Entendo, porém, que a regra não seja absoluta, porque nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Assim, continuará a ser necessário o confronto ou peso entre os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito.

Apresenta-se, então, o escopo da proporcionalidade: adequar as normas jurídicas ao sistema em que estão inseridas, de forma a direcionálas teleologicamente, com vistas a satisfazer o modelo de um Estado Democrático Constitucional. Furtar o princípio da inadmissibilidade da prova ilícita a essa – às vezes, necessária – relativização, à luz da proporcionalidade, tornando-o um valor dogmático e absoluto, comprometeria a própria simetria do ordenamento. Não é à toa que o legislador consignou, de forma expressa no art. 8º do Novo Código de Processo Civil, a “nova mentalidade” que deve ter o julgador: “ Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.” (Grifos nossos).

5

A PROPORCIONALIDADE NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015: BREVES CONSIDERAÇÕES

É deveras elogiável a inovação trazida pelo Novo Código de Processo Civil Brasileiro (lei nº 13.105/2015) ao consagrar expressamente a máxima da proporcionalidade. Note-se que tal dispositivo se encontra inserido no Livro I, Título Único, Capítulo I do CPC/15, o qual trata das Normas Fundamentais do Processo Civil. Ora, é cediço que as Normas Fundamentais de um sistema devem nortear os rumos a serem tomados na interpretação de todo aquele diploma normativo. Nítida se faz, então, a vontade do legislador ao atribuir à proporcionalidade a posição de farol iluminador, pois ela deverá ser observada durante todas as fases do processo civil. Aliás, deve-se chamar a atenção para o fato de ter-se adotado texto que abrange mais que o processo civil. Em verdade, a redação do artigo diz “ao aplicar o ordenamento jurídico” (destacamos), razão pela qual a disposição do art. 8º, que impõe o uso da máxima da proporcionalidade pelo julgador, não deverá restringir-se a normas de direito processual civil, devendo alcançar normas de outros ramos processuais e, até mesmo, www.derechoycambiosocial.com



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normas de direito material, posto que todas elas compõem um conjunto normativo maior denominado “ ordenamento jurídico” , conforme a nomenclatura legal. Outrossim, vale lembrar que a redação original do anteprojeto do ‘ novo’ CPC cuidava da aplicação da proporcionalidade especificamente quanto à inadmissibilidade da prova ilícita. 37 À época, Elias Marques de Medeiros Neto, em excelente artigo apontou com maestria que: O anteprojeto ousou, neste tópico, talvez em virtude da inspiração na doutrina de José Roberto Santos Bedaque, que, em sua excelente obra Poderes Instrutórios do Juiz, defende o ativismo judicial, a participação efetiva do juiz na busca da verdade real, e a possibilidade de se relativizar, no processo civil, a proibição da prova.38

Todavia, pressionados pela doutrina tradicional e receosos com tamanha inovação (o que mostra a existência, ainda, de resquícios de uma ditadura militar há pouco enfrentada, no Brasil) o referido dispositivo foi, lamentavelmente, retirado do texto final do CPC/15. O Novo CPC perdeu a oportunidade de se consolidar um entendimento antidogmático da prova ilícita de forma mais incisiva e explícita. Não obstante, embora não exista na redação final do CPC/15 artigo especifico sobre a aplicação da proporcionalidade aos casos de exclusão da prova obtida ilicitamente, tal interpretação é, como se pode notar, decorrência lógica do art. 8º do referido código. Assim, ao se consagrar a máxima da proporcionalidade como uma forma de conferir maior coesão ao sistema como um todo (não apenas ao processo civil), não se podem excluir, para a aplicação da norma contida no art. 8º do CPC/15, os casos em que o juiz se encontre diante da inadmissão da prova obtida por meios ilícitos.

37

Redação do anteprojeto do ‘ novo’ CPC: Art. 257. As partes têm direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar fatos em que se funda a ação ou a defesa e influir eficazmente na livre convicção do juiz. Parágrafo único. A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos. (Grifo nosso)

38

NETO, Elias Marques de Medeiros. Breves Apontamentos sobre o Regime de Prova no Projeto de um Novo Código de Processo Civil – Uma Leitura em Conformidade com a Efetividade e a Proporcionalidade. Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, v. 12, n. 84, jul./ago. 2013. p.13.

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OS SUBPRINCÍPIOS DA MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE

A proporcionalidade, embora de grande importância para a aplicação do ordenamento jurídico, é termo que comporta forte carga de vagueza, abrindo espaço para eventual arbitrariedade na sua interpretação. Luiz Francisco Torquato Avolio resume as preocupações concernentes à aplicação da proporcionalidade no âmbito da admissibilidade ou não da prova ilícita, da seguinte forma: A teoria [da proporcionalidade] reveste um subjetivismo ínsito, que já deflui da impossibilidade de enunciação dos seus elementos essenciais – interesses e valores – num plano abstrato. Sua aplicação jurisprudencial, como demonstram as linhas de evolução, reveste-se de algumas incertezas. Por isso, como afirma Trocker, não é de causar estranheza o ceticismo daqueles que veem no princípio da proporcionalidade um parâmetro excessivamente vago e perigoso para uma satisfatória sistematização das vedações probatórias. Sem dúvida, existe o perigo, percebido nos precedentes jurisprudenciais colacionados, de que os juízes, na definição da fattispecie singular, venham a orientar-se somente com base nas circunstâncias particulares do caso concreto e percam de vista as dimensões do fenômeno no plano geral. [...] Cappelletti comunga da mesma preocupação com relação à sua aplicação judicial, mas admite que sua utilização poderia transformar-se num importante instrumento para a salvaguarda e a manutenção de valores conflitantes, desde que aplicado em situações tão extraordinárias, que levariam a resultados desproporcionais, inusitados e repugnantes, se inadmitida a prova ilicitamente colhida.39

Não se pode perder de vista, no entanto, que o juízo da proporcionalidade é um juízo jurídico, e não um mero juízo cognoscitivo. Dessarte, com vistas a uma Ciência do Direito melhor construída e pautada em termos mais precisos que tragam uma maior segurança jurídica, a máxima da proporcionalidade foi destrinchada em três outros subprincípios direcionadores da sua efetiva aplicação. São eles: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em strictu sensu.40 Segundo o subprincípio da adequação, a medida a ser adotada pelo Poder Público deve ser apta a atingir os objetivos que a inspiraram, ou seja, haveria de ter uma “correspondência dos meios aos fins” . Quanto à necessidade, busca-se a utilização da medida menos gravosa possível na consecução de seus objetivos, devendo ser confrontado o bem juridicamente protegido e as circunstâncias do caso concreto. E, por fim, a 39

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 66-67.

40

SILVEIRA, Patrícia Azevedo da Silveira. A prova ilícita no cível. In: OLIVEIRA, C. A. Álvaro de. Prova Cível. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 215.

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proporcionalidade em sentido estrito implica na justa medida, ou seja, a restrição da norma a ser flexibilizada deve ser justificada por uma legitima necessidade de tal relativização (trata-se do sopesamento, propriamente dito, entre princípios).41 É nesse contexto que o princípio da vedação da prova ilícita pode, à luz da proporcionalidade, racionalmente e de forma fundamentada, ser afastado. Por conseguinte, como bem destacado por Luiz Francisco Torquato Avolio, “A própria relação ‘ direito material-direito processual’ é de ‘ meio-fim’ , trazendo ínsita a marca da proporcionalidade: o excesso de formalismo no processo, assim, poderia inviabilizar a aplicação do direito material” .42 Nos próximos tópicos, analisar-se-ão alguns julgados (penais e civis) nos quais o dogmatismo da inadmissão da prova ilícita e o incorreto uso da proporcionalidade resultaram em decisões um tanto quanto desastrosas e equivocadas. O que se pretende, frisa-se, é demonstrar a emergente necessidade de se retomar a teleologia dessas normas, a fim de uma melhor aplicação do ordenamento jurídico no caso em concreto. 7

A RELATIVIZAÇÃO DA INADMISSIBILIDADE DA PROVA ÍLICITA NO PROCESSO PENAL E OS CASOS EM QUE TERCEIRO PARTICULAR É O AGENTE PRODUTOR DA PROVA

Patrícia Azevedo da Silveira43, citando Vincenzo Vigoriti, aduz que “a admissão da prova ilícita no processo penal é mais dramática, tendo em vista que de um lado da balança pesa o valor liberdade do cidadão” . Foi por isso que a jurisprudência e a doutrina chegaram à conclusão de que o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas não pode ser levado a cabo quando a prova serve para inocentar o réu (prova ilícita pro reo). Nesse caso, de regra, a prova deve ser admitida, já que a liberdade do inocente é tida como prevalente se sopesada com o princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. 44 Assim, por exemplo, se o réu se vale de uma prova obtida mediante violação de domicílio que seja capaz de provar a sua inocência, ainda que violadora de 41

Ibid., p. 215.

42

AVOLIO, op. cit. p.60.

43

SILVEIRA, Patrícia Azevedo da Silveira. A prova ilícita no cível. In: OLIVEIRA, C. A. Alvaro de. Prova Cível. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 213.

44

MENDES, G.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. Curso de Direito Constitucional. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 689.

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outro direito fundamental, a prova deve ser admitida 45, até porque em casos como esses opera as excludentes da ilicitude, como o estado de necessidade ou a legítima defesa, podendo-se dizer, ainda, que atua a excludente da culpabilidade denominada de inexigibilidade de conduta diversa. 46 Excluindo-se os casos em que a prova ilícita beneficia o réu, poucas são as hipóteses em que se observa, da parte dos Tribunais Superiores do Brasil, a relativização do princípio da exclusão da prova ilícita47, devendose destacar que a atitude restritiva da jurisprudência brasileira se mostra prudente, visto que protege relevante princípio do sistema. Todavia, há vezes, em que os julgadores do Brasil fecham os olhos para peculiaridades muito relevantes dos casos concretos, desconsideram a teleologia do princípio extraído do art. 5º, inciso LVI, da CF e, rigidamente, tratam-no como se fosse absoluto (como um dogma),

45

Ressalta-se que, caso algum outro valor tido como superior seja violado, então a prova, mesmo que benéfica para o réu, deverá ser inadmitida; como exemplo, cita-se a prova obtida mediante tortura que, mesmo pro reo, deve ser extirpada dos autos. Neste sentido, CABELEIRA, Carlos Vinícius Soares. Op. cit. p. 166. nota 5.

46

Aqui, faz-se importante a menção à teoria da exclusão da ilicitude cunhada por Afrânio S. Jardim e mencionada por Paulo Rangel (cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 1344-1347), segundo a qual, se o réu age amparado pelo ordenamento jurídico na busca por uma prova, ainda que ele viole direito fundamental alheio, não se pode conferir à prova o qualificativo de “ ilícita” . Por isso, a expressão “ prova ilícita pro reo” não passa de um nome didático que não expressa o real atributo da prova, posto que se ela é pro reo e pode ser admitida no processo, então ela é lícita. Para os limites deste trabalho, adotar-se-á a nomenclatura didática “ prova ilícita” , mas não se desprezando o importante ensinamento referido.

47

Citam-se alguns exemplos: (i) nos casos em que se verifica o “ abuso de garantias constitucionais” , como nas situações em que o sequestrador evoca a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas para que não seja admitida gravação feita pela família do sequestrado durante o contato por telefone que visa à extorsão (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus no 74.197, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Brasília, DF, 26 nov. 1996. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=75061>. Acesso em: 14 de junho de 2014), ou na hipótese em que o presidiário evoca o sigilo das correspondências para buscar a inadmissão de prova de crime obtida pela administração penitenciária, mediante a abertura de cartas suspeitas (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus no 70.814, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Brasília, DF, 01 mar. 1994. Disponível em . Acesso em: 14 de junho de 2014); (ii) nos casos em que ocorrem os denominados “ conhecimentos fortuitos de provas” , como na situação em que terceiro é flagrado numa interceptação telefônica autorizada pela Justiça, desde que a descoberta mantenha relação com o fato criminoso que foi objeto da investigação (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus no 83.515, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Brasília, DF, 16 set. 2004, Disponível em . Acesso em: 14 de junho de 2014).

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deixando de lado, até mesmo, uma análise mais profunda de eventual colisão com outros princípios de elevado peso. Diante disso, discute-se se as provas ilícitas obtidas por um terceiro particular podem ou não ser utilizadas pelo Estado na persecução penal48. Sabe-se que o STF (Supremo Tribunal Federal) e o STJ (Superior Tribunal de Justiça)49 já se manifestaram em algumas oportunidades no sentido negativo. Porém, haja vista os pressupostos fixados neste trabalho, e levando-se em conta algumas outras considerações a serem feitas a seguir, tem-se que a admissibilidade dessas provas seria a melhor decisão e que a flexibilização do dogma não se configuraria uma afronta à Carta Magna. Passa-se a perquirir o porquê desse entendimento, analisando-se dois casos concretos paradigmáticos. a. O esquecimento da teleologia do princípio da exclusão de provas ilícitas e o dogmatismo cego: o caso Marcos Madureira No HC 80.948/ES50, o Supremo proferiu decisão deferindo o habeas corpus impetrado em favor de Marcos Miranda Madureira, para modo de 48

Conforme destaca Pirobom de Ávila, em várias experiências jurídicas estrangeiras, as provas produzidas por terceiro particular são tranquilamente admitidas no curso do processo: “ (...) tanto os EUA (a partir do precedente Calandra) como Alemanha não possuem restrições à admissão de provas ilícitas obtidas por particulares. Entende-se que, como a inadmissibilidade é um princípio destinado a produzir um efeito dissuasório de arbitrariedades das autoridades encarregadas da persecução penal, não há qualquer efeito preventivo em relação a particulares, o que não justifica o alto custo social da exclusão da prova. Também na França não há exclusão dessas provas por não estarem incluídas na instrução processual.” (Cf. ÁVILA, Thiago Pierom de. Provas Ilícitas e Proporcionalidade: uma análise entre os princípios da proteção penal eficiente e da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Dissertação de mestrado submetida à banca da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2006. p. 232).

49

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) integram as Cortes Superiores do Brasil, sendo o STF o órgão judicial brasileiro mais antigo (criado em 1828), enquanto o STJ nasceu com a Constituição de 1988. O STF possui a função de órgão de cúpula do Judiciário, competindo a ele, precipuamente, a guarda da Constituição Federal (art. 102, CF/88). Por sua vez, cabe ao STJ relevante competência originária concernente à matéria criminal em mandados de segurança e habeas corpus e, principalmente, expressiva competência recursal para julgar ofensas à lei federal infraconstitucional (art. 105, CF/88). Para um estudo mais aprofundado sobre os Tribunais Superiores do Brasil (Cf. MENDES, G.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. Curso de Direito Constitucional. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009).

50

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus no 80.948, do Tribunal de Justiça do Estado do Espirito Santo, Brasília, DF, 19 dez. 2001. Disponível em . Acesso em: 14 de junho de 2014. Deve-se destacar que o relatório deste precedente não é claro em dizer quem efetuou a gravação, somente sendo possível inferir que ela foi realizada por um particular.

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trancar inquérito policial que investigava um esquema de corrupção do qual o paciente supostamente fazia parte. Segundo consta, o inquérito foi iniciado em razão de informações obtidas numa “ interceptação telefônica” (não há clareza, no julgado, se foi uma interceptação em sentido estrito ou se foi uma interceptação ambiental) promovida por terceira pessoa, sendo que esta não era um agente investigativo do Estado, mas sim um particular. As gravações da conversa entre Marcos Madureira, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Espírito Santo e ex-diretor do DER-ES (Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Espírito Santo), e uma pessoa denominada de Silvestre foram entregues por Max Freitas Mauro, estando no teor da conversa um suposto benefício financeiro que Marcos Madureira havia de receber por ele ter beneficiado uma empresa num procedimento de contratação com o Poder Público, à época em que dirigia o DER-ES. Em seus votos, os ministros do STF consideraram, unanimemente, que a “interceptação telefônica” se constituía prova ilícita, posto que feita sem autorização judicial, independentemente de não ter sido obtida por agente estatal investigador. Eis um trecho do voto do ministro Celso Antônio de Mello: A cláusula constitucional do due process of law – que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas expressões concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado. [...] Se, no entanto, como ocorreu no caso ora em exame, a única prova penal incriminadora resultar de ato ilícito praticado por terceiro, que gravou e interceptou, clandestinamente, conversação telefônica, também aqui permanecerá caracterizada a situação caracterizadora da ilicitude da prova. 51

Apesar do entendimento da mais alta Corte brasileira, o qual é seguido pelo STJ (HC 161.053/SP52), tem-se que o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas foi tratado de forma exageradamente dogmatizada (inflexível), sem ter sido feita uma análise reflexiva sobre a

51 52

Ibid., p. 330 e 333 passim. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus no 161.053, do Tribunal de Justiça de São Paulo, Brasília, DF, 03 dez. 2012. Disponível em . Acesso em 14 de junho de 2014.

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sua teleologia. Isso fica evidente ao ser apreciada, de forma meticulosa, a máxima da proporcionalidade. É o que se passa a fazer. Como visto alhures, a proporcionalidade se compõe de três subregras: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Como todas elas se relacionam de forma subsidiária, importante é a explicação feita por Afonso da Silva:53 “ (...) a análise da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a análise da adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível, se o problema já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da necessidade.”

Pois bem, passa-se a verificar se a exclusão da prova no “caso Marcos Miranda Madureira” atende à primeira das três sub-regras. A adequação passa pela análise sobre se um determinado meio é hábil para realizar ou fomentar o objetivo pretendido de um determinado princípio, e é neste ponto onde se insere o grande equívoco dos Tribunais Superiores, ao não partirem da premissa de que o princípio da exclusão das provas ilícitas visa, notadamente no processo penal: (i) desestimular as autoridades investigativas a violarem direitos fundamentais para obter provas e (ii) garantir o fair trial. Ou seja, o acionamento da garantia só pode ser tido como adequado, caso a inadmissão da prova seja minimamente hábil para fomentar os fins acima apontados. No julgado em apreço, a prova que serviu de base para a abertura de inquérito policial em face de Marcos Miranda Madureira foi obtida por particular, mediante “ interceptação telefônica” (não fica claro no julgado em qual modalidade), e entregue às autoridades estatais de investigação. Assim, deve-se colocar em xeque o efeito dissuasório pretendido com a inadmissão. Ora, se não foram os órgãos investigativos (Polícia Federal, ou mesmo, Ministério Público Federal) que obtiveram a prova por meios ilícitos, e sim um particular, verifica-se que a inadmissão perde razoavelmente a sua razão de ser. O Estado, com a exclusão, não será desestimulado a repetir buscas por provas ilícitas em outras circunstâncias, posto que não foi ele, mas um particular, quem a obteve. Poder-se-ia, então, afirmar que a inadmissão da prova desestimularia o particular, em ocasiões futuras, a violar direitos fundamentais alheios. Esse fundamento, porém, é desarrazoado na medida em que a figura privada, geralmente, não se trata de pessoa que vive em busca de material 53

AFONSODA SILVA, Virgílio. O Proporcional e o Razoável. Revista do Curso de Direito da UNIFACS, n. 132, 2011. Disponível em: . Acesso em 14 de junho de 2014.

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para acusar criminosos (diversamente dos órgãos estatais); em palavras claras, as outras ocasiões de violação de direitos para obter provas incriminadoras provavelmente não ocorrerão, ou ocorrerão em hipóteses absolutamente excepcionais. Ademais, para um agente não estatal, nada é tão desestimulante que a imposição de sanções civis, penais ou administrativas por violações a direitos, não uma inadmissão da prova, que, para um ente privado, é um “desestímulo capenga” . Além disso, inadmitir a prova, neste caso específico, não garante o outro fim buscado pelo princípio constitucional: o fair trial. De fato, o Estado-acusação que se utilizou da prova ilícita, como não a obteve com suas próprias mãos, não desrespeitou o investigado, violando abusivamente a liberdade deste e, portanto, não inquinou o futuro julgamento do negativo qualificativo de “sujo” , já que a pessoa coletora da prova sequer faria parte de eventual processo. Aliás, o órgão acusatório, de boa-fé, pode-se dizer que foi pego de surpresa; uma prova foi-lhe entregue sem que ele nada fizesse ou imaginasse a sua existência. Deve-se, porém, fazer duas ressalvas importantes. A primeira é que o acionamento da garantia da exclusão da prova só será inadequado em casos semelhantes ao apreciado se o particular que obteve a prova não for alguém que tenha a predisposição de violar direitos individuais em busca de material probatório, como é o caso dos investigadores particulares ou de jornalistas investigativos, pois, quanto a estes, o efeito dissuasório de uma eventual inadmissão da prova ilícita não pode ser tido como “fraco” . Portanto, não se desconsidera, neste trabalho, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais54, mas se reconhece que tal eficácia deve respeitar as peculiaridades do caso concreto juntamente com os fins a serem buscados no que é pertinente à evocação de um princípio. A segunda ressalva é que a inadmissão da prova ilícita só será inadequada se ficar bem esclarecida a identidade do particular promovedor da violação, por conta de, pelo menos, três motivos: (i) garantir o cumprimento da vedação constitucional ao anonimato (art. 5º, inciso IV, CF), (ii) impedir que os órgãos investigativos estatais de má-fé violem direitos fundamentais e, depois, atribuam o ato a um particular desconhecido e (iii) promover a responsabilização civil, penal e administrativa, caso haja, àquele que procedeu com a violação de direito fundamental. 54

Sobre o tema, Gilmar Mendes esclarece: “ A incidência das normas de direitos fundamentais no âmbito das relações privadas passou a ser conhecida, sobretudo a partir dos anos cinqüenta (sic), como o efeito externo, ou a eficácia horizontal, dos direitos fundamentais (a drittwirkungdo Direito alemão).” (MENDES, G.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. Curso de Direito Constitucional. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 310).

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Diante de tudo isso, verificado que não há adequação no acionamento da garantia da inadmissão da prova ilícita, sequer seria necessário avançar na análise da necessidade. Entretanto, ad argumentandum tantum, será feita uma apreciação sucinta da segunda subregra. Deveras, a análise da necessidade pressupõe a verificação, no caso concreto, do meio menos gravoso para se atingir a um determinado objetivo. Ora, como a inadmissão da prova no “caso Marcos Miranda Madureira” está totalmente dissociada da teleologia do princípio da exclusão da prova ilícita, como foi demonstrado, é certo que a exclusão da “ interceptação telefônica” não se mostra o meio menos gravoso de lidar com o incidente, até porque a exclusão não levará ao atingimento dos fins basilares do princípio. Eis que fica caracterizada a falta de necessidade de se excluir a prova. Com a constatação da falta de adequação e da falta de necessidade, mais que claro já está que não houve proporcionalidade na decisão do STF, ao determinar a exclusão da prova. Assim, deixa-se a perquirição sobre a proporcionalidade em sentido estrito para o tópico seguinte, onde outro caso paradigmático será posto à baila. b. O caso do dentista pedófilo e a falta de proporcionalidade em sentido estrito No RE 251.445/GO55, o tema em questão era a admissibilidade de um álbum de fotografias como prova num processo que discutia a prática de pedofilia. O fato foi o seguinte: dois menores adentraram no consultório de um dentista e furtaram uma compilação de fotografias de crianças nuas e/ ou em cenas de sexo. Segundo consta, até mesmo um dos menores invasores teria sido vítima de abusos sexuais perpetrados pelo dentista. Assim, de posse de tais fotos, os dois começaram a ameaçar o dono do material, requerendo dinheiro, sob pena de o álbum ser entregue à polícia. Ocorre que, não aceitando as ameaças, o dentista acionou o órgão policial, momento em que o material veio a ser apreendido, vindo a fazer parte do inquérito e, posteriormente, servindo de base para a denúncia, pelo Ministério Público. Apesar da gravidade das denúncias e, mesmo tendo sido a prova obtida por particulares (os menores) – e, portanto, as considerações do tópico anterior se mostram aqui pertinentes –, o STF, mais uma vez, não 55

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial no 251.445, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Brasília, DF, 03 ago. 2000. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2014.

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realizou a análise detalhada da proporcionalidade, externando um posicionamento absolutizante. Não houve adequação nem necessidade na decisão, mas, neste tópico – uma vez que no pretérito já se falou bastante sobre as duas primeiras sub-regras –, deve-se apontar, especialmente, a falta de proporcionalidade em sentido estrito, a qual consiste no mandamento do sopesamento propriamente dito. 56 Deveras, estão em colisão o interesse na persecução penal (com o consequente combate à reiteração de crimes), que requer a efetivação do direito à prova, e o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas. Assim, para que essa tensão seja resolvida, deve-se verificar no caso concreto qual interesse tem maior peso, sendo de superior valia o seguinte ensinamento de Alexy: “Em um caso concreto, o princípio P¹ tem um peso maior que o princípio colidente P² se houver razões suficientes para que P¹ prevaleça sobre P² sob as condições C, presentes nesse caso concreto” .57 Nesse prisma, devem-se perquirir quais são as condições C do caso em apreço. Do julgado, pode-se perceber que a prova foi maculada pela ilicitude, segundo o entendimento da Corte, porque originária de uma violação de direito fundamental, a saber, a invasão de domicílio, sendo que esta foi perpetrada por particular. Tal ilicitude não foi afastada, porque o furto não foi realizado em legítima defesa, na medida em que os menores “assaltantes” só queriam o álbum para ameaçar o dentista e arrancar dinheiro dele. Além disso, o que se observa é que o processo penal movido teve como objetivo averiguar suposto crime de pedofilia e, por via de consequência, visava, também, salvaguardar a segurança, a proteção, a integridade física e psicológica de vários menores. Dessarte, a situação que se apresenta, em síntese, é a seguinte: (a) a inadmissão da prova não geraria efeito dissuasório nos agentes estatais, já que não foram eles que a obtiveram mediante a invasão de domicílio, (b) a inadmissão da prova, se gerasse algum efeito de desestímulo em relação aos menores, promoveria uma dissuasão capenga, já que eles não se tratam de particulares com predisposição a praticar violações a direitos fundamentais em busca de outros materiais probatórios e (c) com a inadmissão da prova, o importante interesse da proteção da infância, que encontra amplo respaldo na Constituição (art. 227, caput, CF58), seria 56

ALEXY, Robert. Op. cit. p. 117, nota 29.

57

Ibid., p. 97.

58

Art. 227, caput, CF: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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desconsiderado, na medida em que um crime contra menor ficaria sem a devida punição. Por oportuno, deve-se dizer que as condições C, neste caso, apontavam para uma prevalência do interesse na persecução penal face ao interesse na inadmissibilidade da prova ilícita, sendo precisa a colocação de Pacelli de Oliveira, ao analisar o mesmo julgado: Acreditamos que a Suprema Corte perdeu uma grande oportunidade de aplicação do critério da proporcionalidade, sobretudo porque se encontrava diante de uma situação em que as lesões, presentes e futuras, causadas pela infração criminal eram (e serão), a senso comum, imensamente maiores que aquela decorrente da violação do domicílio.59

Vê-se nitidamente, portanto, que a decisão emanada pela Suprema Corte brasileira foi por demais dogmática, demonstrando traços de uma Justiça cega, que não sabe balancear as normas, as medidas e os pesos que a ela são apresentados. 8

A QUESTÃO DA PROVA ILÍCITA PRODUZIDA POR TERCEIRO PARTICULAR NO PROCESSO CIVIL

A relativização do princípio da inadmissão da prova ilícita, no processo civil, encontra enorme resistência. Isso se dá, porque, de regra, está-se em jogo questão de ordem patrimonial, não sendo razoável, por isso, afastar um princípio constitucional – tão importante, na medida em que protege direitos fundamentais diversos – para satisfazer interesses meramente econômicos de uma parte. Ressalta-se, porém, que, nem sempre, no âmbito de um processo cível, discute-se assunto de cunho exclusivamente patrimonial, havendo vezes em que o mérito da demanda envolve interesses de mais elevada alçada.60 Nesse diapasão, concorda-se que a recusa na admissão de provas ilícitas no processo civil é norma que comporta exceções. Daí o correto entendimento de Cristiano Chaves de Farias, o qual aponta três hipóteses nas quais a proporcionalidade deve ser aplicada na análise do caso 59

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 323.

60

Sobre esse ponto, Marinoni e Arenhart: “ Ainda que no processo civil a descoberta da verdade não seja justificativa da prova ilícita – diante da própria norma constitucional –, nele não se exclui a possibilidade de ponderação entre o direito afirmado pelo autor e o direito violado pela prova ilícita. Note-se que a ponderação não é entre a descoberta da verdade e o direito violado pela prova, mas sim entre o direito material que se deseja tutelar na forma jurisdicional e o direito violado pela prova ilícita. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 395.)

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concreto: (a) ações coletivas; (b) destituição de poder familiar; (c) investigação de paternidade. 61 Elucidando ainda mais a questão, Cabeleira62, em célebre dissertação de mestrado, sinaliza a possibilidade da apreciação da proporcionalidade em sede de processo civil. Ele assim problematiza: Podemos exemplificar com a hipótese de uma pessoa que realiza constantemente filmagens do apartamento de seu vizinho do prédio em frente (violando sua privacidade) e que acaba descobrindo que tal pessoa costuma praticar sevícias em sua filha, menor impúbere. Em tal situação, o “ curioso” não age acobertado por nenhuma excludente de ilicitude. A prova apta a demonstrar a culpa (adequação) será a única possível (necessidade). Com relação ao exame de proporcionalidade em sentido estrito, de um lado está o direito à inviolabilidade do domicílio e a proteção da intimidade, aliados à vedação das provas ilícitas. Do outro, o princípio da proteção à criança e a dignidade da pessoa humana, juntamente com o direito à prova e a busca da verdade processual. Caracterizado um conflito de direitos fundamentais, a restrição ao direito à prova não é adequada, pois o valor da proteção à criança é mais relevante na hipótese. Permitir que o pai continue praticando as agressões contra a filha violaria frontalmente o sistema de valores fundamentais consagrado na Constituição.

Percebe-se, aliás, que o exemplo dado se baseia na hipótese de prova ilícita produzida por terceiro particular63, a qual, segundo as premissas fixadas neste trabalho, deve ser admitida, também, no âmbito de processo criminal. Saindo da esfera doutrinária e partindo para a análise da jurisprudência, caso simbólico que deve aqui ser colacionado para demonstrar a necessidade de aplicação da proporcionalidade ainda que no processo civil, é o julgamento do STJ sobre o RMS 5352 GO 1995/0003246-5. No caso concreto, a impetrante requereu a desconsideração de gravação telefônica clandestina realizada pelo seu marido, na qual restou demonstrado que ela possuía um caso extraconjugal com um médico e, 61

FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil – teoria geral. 12 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2014. p.728-729.

62

CABELEREIRA, Carlos Vinícius Soares. Op. cit. p. 150, nota 5.

63

Sarmento, aliás, traz exemplo bem assemelhado: “ Suponha-se, a título de ilustração, o caso de ação de destituição de pátrio poder, na qual existam provas ilícitas (e.g. gravações clandestinas) evidenciando a prática de abuso sexual dos genitores contra o menor. Nesta hipótese, entendemos que o direito à dignidade e ao respeito do ser humano em formação, assegurado, com absoluta prioridade, pelo texto constitucional (art. 227 CF), assume peso superior que o do direito de privacidade dos pais da criança, justificando a admissibilidade do uso da prova ilícita.” (SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1 ed. 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.182.)

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sempre que o seu esposo viajava, ministrava fortes medicamentos como “ Lexotan” nas duas filhas menores para facilitar os encontros que tinha com o amante. Pois bem, a esposa foi denunciada pelo Ministério Público, que usou a gravação ilegal como fundamento; impetrado mandado de segurança, o STJ entendeu pela proibição da prova ilícita. Embora, na situação em apreço, o STJ tenha se manifestado no âmbito penal – e, diga-se de passagem, de forma equivocada –, vasta doutrina usa o referido julgamento como exemplificativo da manifesta injustiça que a inadmissibilidade absoluta da prova ilícita ocasionaria numa eventual disputa de guarda das menores. A priori, vale frisar que a decisão tomada pelo Tribunal se fundamentou basicamente no fato de que o cônjuge não poderia ter invadido a privacidade da esposa, alegando que ele haveria procedido daquela forma por questões meramente pessoais, já que havia sido traído. Todavia, o voto em nenhum momento analisa o interesse das menores na produção daquela prova, limitando-se apenas a mencionar que elas eram drogadas pela mãe, sem, no entanto, enfrentar a fundo a situação, in verbis: Ementa. Constitucional e processual civil. Mandado de segurança. Escuta telefônica. Gravação feita por marido traído. Desentranhamento da prova requerido pela esposa: viabilidade, uma vez que se trata de prova ilegalmente obtida, com violação da intimidade individual. Recurso ordinário provido. I - a impetrante/recorrente tinha marido, duas filhas menores e um amante médico. Quando o esposo viajava, para facilitar seu relacionamento espúrio, ela ministrava "lexotan" nas meninas. O marido, já suspeitoso, gravou a conversa telefônica entre sua mulher e o amante. A esposa foi penalmente denunciada (tóxico). Ajuizou, então, ação de mandado de segurança, instando no desentranhamento da decodificação da fita magnética. II - embora esta turma já se tenha manifestado pela relatividade do inciso XII (ultima parte) do art. 5º da CF/1988 (HC 3.982/rj, rel. Min. Adhemar maciel, dju de 26/02/1996), no caso concreto o marido não poderia ter gravado a conversa a arrepio de seu cônjuge. Ainda que impulsionado por motivo relevante, acabou por violar a intimidade individual de sua esposa, direito garantido constitucionalmente (art. 5º, X). Ademais, o STF tem considerado ilegal a gravação telefônica, mesmo com autorização judicial (o que não foi o caso), por falta de lei ordinária regulamentadora (RE 85.439/RJ, min. Xavier de albuquerque e hc 69.912/rs, min. Pertence). III - recurso ordinario provido (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança no 5352 (95.03246-5), do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Brasília, DF, 27 maio 1996. Disponível em: . Acesso em: 08 jun. 2015)

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A despeito da decisão em sede criminal, a qual não encontra respaldo nos fundamentos tecidos neste trabalho, passa-se a analisar este julgado sob um prisma hipotético: e se o pai das crianças tivesse ajuizado processo requerendo a guarda das menores? O art.227 da CF/88 estabelece que: “ É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” .

Vê-se que, no caso em tela, estariam em conflito duas normas constitucionais, sendo necessário, para uma resolução mais justa do litígio, que o juiz ponderasse os dois valores postos em jogo. Em suma, e sem adentrar nas três sub-regras da proporcionalidade já explanadas anteriormente, se o magistrado optasse pela inflexibilidade da proibição de prova ilícita, acabaria por proferir decisão flagrantemente injusta. Ora, as menores estavam a ser drogadas pela mãe, a qual, vale ressaltar, na gravação telefônica, não ficou demonstrado qualquer arrependimento em submeter as suas filhas a tão vil comportamento. Não é necessário muito para que se entenda, no caso em comento, que a prova ilicitamente obtida deveria ser admitida pelo magistrado, tendo em vista o interesse das menores em ter assegurada a sua integridade física e mental. CONCLUSÕES De tudo isso, é possível extrair alguns importantes ensinamentos. O princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas é uma construção linguística humana que teve como fontes ideológicas propulsoras de destaque (i) a influência internacional, ora com o modelo abstrato de direitos humanos cunhado na Declaração Universal de 1948, ora com o modelo americano de exclusionary rules, e (ii) o repúdio aos abusos cometidos pelos órgãos estatais de investigação durante o regime militar brasileiro. Nesse contexto, o art. 5º, inciso LVI, da CF, foi inserido pelo constituinte nacional com a finalidade de servir como um instrumento de inibição de violações de direitos, em especial da parte dos agentes investigativos do Estado e, também, com o objetivo de que julgamentos probos (fair trial), sem violações aos direitos humanos, ocorressem. www.derechoycambiosocial.com



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Assim, em razão da alta carga ideológica que impulsionou a confecção, no Brasil, do princípio de exclusão de provas ilícitas, este ganhou uma aparência de “ verdade absoluta” , podendo ser denominado de dogma. Dogmas são, por natureza, inflexíveis, dado o atributo da inquestionabilidade que possuem. Todavia, por tratar-se de um dogma inserido num conjunto de outros de elevado valor para a sociedade, o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas não pode ser tratado de forma absoluta, sob pena de que outros valores importantes sejam aniquilados. É neste estágio de análise que surge a proporcionalidade como procedimento capaz de solucionar as colisões entre princípios. Percebe-se que a exigência de “justiça” impõe flexibilizações, motivo pelo qual se fala em ponderação de princípios, para modo de averiguar no caso concreto a existência de algum prevalente em relação ao da inadmissão de provas ilícitas. Viu-se, aliás, que os novos códigos, tal como o Novo Código de Processo Civil brasileiro, já começam a abarcar essa contemporânea concepção, a qual se mostra alinhada com uma teoria dos direitos fundamentais mais sadia. Percebeu-se que a jurisprudência dos Tribunais Superiores do Brasil, numa atitude de prudência, apenas em raras hipóteses relativiza o princípio da exclusão de provas ilícitas. Tal postura se justifica, face a enorme importância do princípio. Porém, há vezes, que a Justiça brasileira julga de forma cega, sem levar em conta a proporcionalidade e, com isso, acaba por absolutizar o princípio (tratando-o como dogma). Caso emblemático que se discutiu foi a produção de prova ilícita por terceiro particular que não tem a predisposição de produzir provas, como têm os agentes do Estado-Acusação. Nessa específica situação, no que tange ao processo penal, a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito aponta para a necessidade da admissão da prova, notadamente porque, na hipótese de exclusão, os fins do princípio serão desconsiderados, o que se reputa como um grave equívoco interpretativo. No que pertine à esfera do processo civil, a relativização do princípio da exclusão das provas ilícitas se dá em situações mais restritas, tais como as que envolvem a discussão meritória em ações coletivas, ou sobre a destituição do poder familiar ou sobre investigação de paternidade, posto que esses campos não são de cunho mera e puramente patrimoniais. Nesses casos, a proporcionalidade pode servir como farol de iluminação,

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permitindo a admissão de provas que seriam tidas como ilícitas, em especial, mais uma vez, nos casos em que particular que produziu a prova. Ratifica-se, portanto, a utilidade da proporcionalidade para resolverem-se as colisões principiológicas e, em dados casos, relativizar dogmas. Todavia, reivindica-se um uso técnico, analisando-se as sub-regras da máxima cunhada por Alexy: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. De tudo isso, observa-se que a jurisprudência pátria vira e mexe se esquece de observar a teleologia do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas. Tal lapso metal torna as decisões dos Tribunais desarrazoadas, na medida em que se prefere aplicar uma interpretação literal do texto a verificar se a manutenção do dogma no caso concreto atingirá o fim justificante da criação jurídica humana. REFERÊNCIAS Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 6022: informação e documentação – artigo em publicação periódica científica impressa – apresentação. Rio de Janeiro, 2003. ______. NBR 6028: resumos. Rio de Janeiro, 1990. ______. NBR 14724: informação e documentação – trabalhos acadêmicos – apresentação. Rio de Janeiro, 2002. ______. NBR 10520: informações e documentação – citações em documentos – apresentação. Rio de Janeiro, 2002. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Edição revista e ampliada. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 292-293 AFONSO DA SILVA, Virgílio. O Proporcional e o Razoável. Revista do Curso de Direito da UNIFACS, n. 132, 2011. Disponível em: . Acesso em 14 de junho de 2014. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. ÁVILA, Thiago Pierom de. Provas Ilícitas e Proporcionalidade: uma análise entre os princípios da proteção penal eficiente e da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Dissertação de mestrado submetida à banca da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2006.

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