A FLUMINENSE FM E O ROCK NACIONAL DOS ANOS 1980

June 7, 2017 | Autor: R. Otávio dos Santos | Categoria: Historia, Música, Rock Music, Anos 1980
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A FLUMINENSE FM E O ROCK NACIONAL DOS ANOS 1980.


Rodrigo Otávio dos Santos
Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias – Uninter.

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História; Música; Comunicação; Sociedade.

O presente artigo pretende demonstrar como a Rádio Fluminense FM, do Rio de Janeiro ajudou a consolidar, e de certa maneira até mesmo a criar o movimento que naquele momento era tido como rock nacional, ou BRock, nas palavras de Dapieve (1995).
A rádio Fluminense FM foi um dos pilares, juntamente com o Circo Voador e as danceterias, da divulgação e expansão das bandas nacionais oriundas dos anos 1980, por ter aproximado público e artista, e por ter dado chance para que estes conseguissem ser ouvidos por um público maior e mais eclético.
A rádio inicia-se, segundo Estrella (2012), quando dois jovens, Samuel Wainer Filho, também conhecido por Samuca, e Luiz Antônio Mello, propõem a criação de um programa radiofônico onde o rock era imperativo. O nome deste programa seria Rock Alive. Os dois então conversam com Ephrem Amora, superintendente do grupo O Fluminense (que contava também com a Fluminense AM e o jornal O Fluminense), que negou-lhes o programa.
Naquele momento histórico e tecnológico, em meados de 1982, a maioria das rádios ouvidas pelos jovens era AM. Isso porque a Modulação em Amplitude tem uma cobertura maior, consegue, ainda que com menos qualidade, atingir maior espaço territorial, independente de acidentes geográficos que dificultem a passagem do sinal radiofônico.
Castro (2010) diz que no Rio de Janeiro, onde instalou-se a Fluminense FM, havia apenas uma rádio que tocava música pop, a Mundial AM. As rádios FM no período tocavam apenas música ambiente, sem interrupções. Como sua abrangência era limitada por problemas técnicos, era praticamente ignorada pelos ouvintes, e acabava sobrando às FMs as salas de espera dos consultórios médicos ou correlatos.
Estrella (2012), entretanto, lembra que entre 1977 e 1982 surgiram 11 novas emissoras FM no Rio de Janeiro, e os ouvintes começaram a perceber que na outra banda do seu rádio havia outro tipo de programação, mais descontraída, diferente das táticas já estabelecidas pela AM. E a qualidade da transmissão também era outra, já que com menos potência, as FMs tinham uma qualidade superior, e poderiam ser escutadas em estéreo, diferente das AM, que sempre foram monofônicas. Mesmo assim, ainda não havia uma rádio para os jovens.
Este panorama começou a mudar quando Amora chama novamente Mello e Wainer Filho, oferecendo-lhes não mais um programa, mas sim toda a direção artística da rádio, dando-lhes carta branca para trabalhar a faixa 94, 9 do dial dos rádios.
Como informado por Alexandre (2002), às seis da manhã de 1 de março de 1982 inaugurou-se a Rádio Fluminense FM, em Niterói, RJ. Com ela, toda uma nova fórmula de rádio foi criada. Estrella (2012) ressalta que a Fluminense não nasceu com a proposta de ser uma rádio de rock. Sua proposta era fazer aquilo que as demais rádios não faziam. O rock apenas era estilo musical nascente que as outras rádios ignoravam.
Uma das principais mudanças da Fluminense em relação às demais rádios do período foi a locução. Novamente de acordo com Estrella (2012), descobrimos que todas as locuções seriam feitas por mulheres. Até então apenas homens faziam locução em rádio. Mais ainda, estas mulheres não tinham treinamento para a função. Mas estudavam cada canção e cada artista, para informar os ouvintes acerca daquilo que estavam escutando no momento.
Além disso, a rádio tinha como meta nunca aceitar jabaculê, ou seja, nunca aceitar dinheiro das gravadoras para tocar este ou aquele artista. Com isso, puderam desenvolver outra característica que muito os beneficiou: nunca tocar a mesma música duas vezes ao dia. E estas músicas, ao serem executadas, o seriam na íntegra. Estrella (2012) informa que no período as rádios "cortavam" pedaços da música ou o locutor inseria sua voz na canção. Isso para evitar que as pessoas copiassem em suas fitas cassetes a música que estava tocando na rádio. Naturalmente, os ouvintes da Fluminense faziam o oposto, ou seja, gravavam diversas músicas a partir da programação da rádio para poder escutar depois.
Na Fluminense não havia "música de trabalho" de determinado artista. Tocavam-se todas as canções dos álbuns, ou aquilo que os ouvintes pediam. Mas a execução das músicas nunca levou em consideração desejos de artistas ou gravadoras. Os módulos eram compostos de três músicas, sempre nesta ordem: a primeira era nacional e as outras duas, estrangeiras. Esta característica gerou entre os ouvintes o hábito dessa sequência, além de abrir espaço permanente para a música brasileira na programação.
Bryan (2004) informa que o texto falado na rádio era informal, porém sem gírias, direcionado aos jovens cansados de escutar sempre as mesmas canções e sedentos por informações a respeito de música, surfe, skate, voo livre e movimentos guerrilheiros internacionais. Quando estreou, a rádio caiu no gosto das pessoas entre 15 e 30 anos, das classes A, B e C, localizadas principalmente nas zona sul do Rio de Janeiro e exigentes quanto à pronúncia correta dos nomes dos artistas e das canções executadas. Estrella (2012) diz que quando a Fluminense começou, havia 16 emissoras no Grande Rio e ela estava em penúltimo lugar na audiência. Alguns meses depois, era a terceira em número de ouvintes.
Interessante a colocação de Castro (2010 p.73) em relação às dependências da rádio. Ele nos conta que
A famosa Fluminense FM não passava de uma salinha minúscula, não devia ter mais de 7 metros quadrados, num prédio degradado na entrada da cidade de Niterói. Numa mesa que ocupava 40% da sala, estavam dois leitores de cassete autorrebubináveis, um microfone, um caderno com a numeração dos cassetes e sua localização, e um cinzeiro repleto de bitucas. Nem o telefone cabia na mesa, ficando no chão, por debaixo da poltrona onde sentava o locutor. A rádio funcionava como uma rádio AM, recebendo telefonemas de ouvintes e interagindo com eles.

Na rádio, de acordo com Estrella (2012), os principais responsáveis pelo seu sucesso foram Luiz Antônio Mello, cuja função era cuidar dos bastidores, do orçamento, da contratação de profissionais e intermediar as mudanças técnicas necessárias para que a rádio aumentasse sua potência; Sérgio Vasconcellos, que com cerca de seis mil discos de rock dos anos 1950, 1960 e 1970, além de piratas comprados nos EUA, assumiu a programação musical da rádio; Amaury Santos, cuja responsabilidade estava o treinamento da locução, do radiojornalismo e a produção de cartuchos e fitas a serem utilizados no estúdio; Maurício Valladares, programador do principal programa da rádio, o Rock Alive e Carlos Lacombe e Álvaro Luiz Fernandes, responsáveis pelo marketing e pelo departamento comercial da rádio.
Alexandre (2002) diz que um dos motivos para a consolidação e sucesso da rádio veio com o lançamento de uma demo da Blitz gravada ao vivo no Circo Voador, com "Você não soube me amar". A rádio começou a ganhar fama de incentivadora do rock brasileiro e "lançadora" do novo pop mundial, já que esta fita tocou no segundo dia de operação da rádio.
A rádio era tão influente que, segundo Estrella (2012), o selo "Aprovado pela Fluminense FM" era requisitado febrilmente pelas gravadoras. Todos os discos que tinham este selo eram vistos como de vanguarda, como representando o ápice musical da juventude brasileira.
Todas os artistas da geração dos anos 1980 passaram pela rádio, também conhecida como "Maldita", graças a uma de suas vinhetas, que gritava esta palavra com um tom desesperado.
Uma das maiores ajudas ao rock nacional veio em parceria com o Circo Voador, casa de espetáculos de Perfeito Fortuna. Como ambas as instituições eram muito atuantes para os músicos do período, era quase natural que houvesse uma espécie de colaboração entre elas. Para Juçá (apud Estrella, 2012), a maior vantagem da parceira era o aumento da audiência para a Fluminense e o aumento de público para o Circo Voador. Nem todos que escutavam a rádio iam aos shows, e vice-versa, porém, ao presenciar um bom concerto, normalmente o jovem começava a escutar a rádio. Em contrapartida, ao escutar uma nova banda na Fluminense, o jovem procurava os shows da banda e os encontrava no Circo Voador. Nos quatro anos de parceria, cerca de 390 bandas passaram por ambos os meios de divulgação.
O mais bem-sucedido projeto do Circo Voador, segundo Bryan (2004), foi o Rock Voador, na união com a rádio Fluminense. Organizado por Maria Juçá e Perfeito Fortuna, o projeto contava, nas noites de sábado e domingo, com shows de bandas que só tocavam na emissora. Para estrear o projeto no dia 23 de outubro de 1982, foram convidados Serguei e Celso Blues Boy.
Algum tempo depois, a gravadora Warner lançou o LP Rock Voador, com fitas autoproduzidas levadas ao ar pela Fluminense e escolhidas pelo produtor Gregório Nogueira. O disco trazia as bandas Sangue da Cidade, Papel de Mil, Maurício Mello e Companhia Mágica, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Malu Vianna e Celso Blues Boy. Era um disco feito com base nas fitas de demonstração das bandas, sem preparo técnico e com uma qualidade muito inferior aos discos regularmente lançados pelas gravadoras, e até mesmo pela Warner.
A Fluminense ficou conhecida por apresentar ao público o rock brasileiro dos anos 80. Bandas que ficaram nacionalmente famosas lá se apresentaram primeiro, como Paralamas do Sucesso, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Celso Blues Boy, Lobão, Blitz, Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude entre outras. Além disso, detinha, entre todos os veículos de comunicação, a maior credibilidade entre os jovens
Porém, mesmo com uma boa proposta, diversos patrocinadores, alta credibilidade e confiabilidade, para Estrella (2012), a Fluminense FM deixou de ser uma rádio relevante a partir de 1986. A autora conta que as razões para isto foram os conflitos internos que desmantelaram a equipe original, e que, a partir de 1986, a rotatividade entre as gerências e funcionários levaram a diversas estratégias equivocadas, que trouxeram a descaracterização da rádio. Ela ainda permaneceu no dial dos aparelhos de rádio até 1994, mas sem sombra do brilho de outrora.

Bibliografia:

ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002.

BRYAN, Guilherme. Quem tem um sonho não dança: Cultura Jovem brasileira dos anos 80. Rio e Janeiro: Record, 2004.

CASTRO, Cid. Metendo o pé na lama. São Paulo: Tinta Negra, 2010.

DAPIEVE, Arthur. BRock: O Rock Brasileiro dos Anos 80. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.

ESTRELLA, Maria. Rádio Fluminense FM: A porta de entrada do rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Outras Letras, 2012.


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