A força de um papa normal, pecador e falível

May 22, 2017 | Autor: Moisés Sbardelotto | Categoria: Teologia, Teología, Igreja Católica, Papado, Papa Francisco
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A FORÇA DE UM PAPA normal, pecador e falível

“Quando somos normais e nos reconhecemos pecadores e falíveis, então é que somos fortes. Sou um pecador para quem o Senhor olhou”

Moisés Sbardelotto *

E

stamos iniciando o quinto ano de pontificado do papa Francisco. E quase seria preciso se perguntar quantos séculos se passaram dentro desses últimos quatro anos, naquilo que diz respeito à pessoa do papa e ao papel do papado, na Igreja e fora dela. Sendo o primeiro pontífice “filho” do Concílio Vaticano II – já que seus antecessores estiveram de algum modo envolvidos pessoalmente nesse grande evento eclesial –, Francisco pôde avançar com mais liberdade na vivência de um pontificado “em saída”. Historicamente, o papado esteve envolto, muitas vezes, em uma aura de onipotência, reforçada por símbolos como a “tiara papal”, ou a “tiara tríplice”, uma coroa com três níveis, que, segundo a maioria dos 52 revista família cristã

estudiosos, representaria o poder econômico, o poder de Estado e o poder eclesiástico do pontífice. Contudo, ao ser eleito em 1963, o papa Paulo VI se recusou a ser “coroado” papa e desceu da cátedra papal e depositou a tiara no altar da Basílica de São Pedro. Depois, leiloou-a e deu o dinheiro aos pobres. A partir de então, nenhum papa voltou a usar tal ornamento. Mesmo assim, a figura papal permaneceu ligada ao seu “poder ordinário, supremo, pleno, imediato e universal” na Igreja, como afirma o Código de Direito Canônico (cân. 331-332), reforçado pelo dogma da infalibilidade papal sobre questões de fé e moral. Mas o papa Francisco enfatiza certos termos que apontam para uma direção quase oposta. Foi o que

ele fez em uma entrevista concedida no mês passado ao jornal Die Zeit, a primeira a um jornal da Alemanha. A própria manchete do jornal já dizia: “Ich bin Sünder und bin fehlbar” (“Eu sou pecador e sou falível”). Na entrevista, o papa aprofunda: “Eu não me sinto um homem excepcional. (…) Não digo que sou um ‘pobre coitado’, não. Mas sou um homem normal que faz aquilo que pode, mas normal. (…) E eu sou um pecador, sou falível. Não se esqueça de que a idealização de uma pessoa é uma forma sutil de agressão, é um caminho para agredir sutilmente uma pessoa. E, quando me idealizam, sinto-me agredido”. Experiência normal – Assim, em poucas palavras, o papa pro-

voca outra “revolução”, situando não apenas o homem Jorge Mario Bergoglio, mas também o próprio papa Francisco em categorias pouco comuns a um pontífice. Mas não se trata de um lapso ou de um descuido. A normalidade do cristão já havia sido enfatizada pelo papa no agradecimento ao pregador dos recentes Exercícios Espirituais da Cúria Romana, padre Giulio Michelini, ofm. No encerramento da semana de retiro, papa Francisco disse ao frei italiano: “Quero agradecer-te pelo bem que nos quiseste fazer e pelo bem que nos fizeste. Acima de tudo, pelo fato de te mostrares como és, natural, sem ‘cara de imagenzinha’. Natural. Sem artifícios. Com toda a bagagem da tua vida: os estudos, as publicações, os amigos, os pais, os jovens

freis que tu deves custodiar... Tudo, tudo. Obrigado por seres ‘normal’”. Desde o início do pontificado, com seus gestos e suas palavras, Francisco reforça essa necessidade de ser normal, a começar por si mesmo: aquele primeiro “boa noite” na sacada da basílica, a opção de morar em um apartamento “normal”, de andar em um carro “normal” ou de se sentar “normalmente” ao lado dos demais cardeais e bispos dentro de um ônibus, de sair “normalmente” do Vaticano para comprar sapatos e óculos “normais”, de carregar “normalmente” a sua pasta preta nas viagens. E foi justamente este último gesto que atiçou a curiosidade de um jornalista na primeira entrevista coletiva com Francisco em um voo papal, no retorno da Jornada Mun-

dial da Juventude do Rio de Janeiro, em 2013. Em sua resposta, Francisco disse: “Eu sempre levo a minha mala quando viajo: é normal. Devemos ser normais... Devemos nos habituar a ser normais. A normalidade da vida”. Essa normalidade também foi reconhecida por Francisco na vida de ninguém menos do que Maria. Na Audiência Geral do dia 23 de outubro de 2013, o papa refletiu que Maria viveu a fé “na simplicidade das mil ocupações e preocupações cotidianas de toda mãe. (…) Justamente essa existência normal de Nossa Senhora foi o terreno onde se desenvolveu uma relação singular e um diálogo profundo entre ela e Deus, entre ela e o seu Filho”. Francisco disse algo parecido no Ângelus da festa de Todos os Santos de 2013: abril de 2017 53

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“Os santos não são super-homens, nem nasceram perfeitos. São como nós, como cada um de nós, são pessoas que, antes de alcançarem a glória do céu, viveram uma vida normal, com alegrias e dores, fadigas e esperanças”. Força humilde – Essa normalidade, segundo Francisco, envolve o reconhecimento da própria pecaminosidade. Isso ficou evidenciado já na primeira “autodefinição” oferecida pelo papa Francisco. Na entrevista concedida ao padre jesuíta Antonio Spadaro, logo no início do pontificado, o papa apresentou Jorge Mario Bergoglio ao mundo dessa forma: “Eu sou um pecador. Esta é a melhor definição. E não é um modo de dizer, um gênero literário. (…) Sou um pecador para quem o Senhor olhou”. Mas não se trata de uma caracterís54 revista família cristã

tica pessoal de Francisco. No mês passado, em um encontro com os párocos de Roma, o papa ofereceu o exemplo do discípulo Simão Pedro: “Ele nos mostra que até o próprio pecado faz parte do progresso da fé. Pedro cometeu o pior dos pecados – renegar o Senhor – e no entanto fizeram-no papa. (…) Eu gosto de repetir que um sacerdote ou um bispo que não se sente pecador, que não se confessa, que se fecha em si mesmo não progride na fé”. Reconhecer o próprio pecado é reconhecer que se erra. É aí que se insere a falibilidade assumida de Francisco. Para ele, toda “suposta segurança doutrinal ou disciplinar” pode dar lugar a “um elitismo narcisista e autoritário” (Evangelii Gaudium, no 94). Ao contrário, mantendo a sua normalidade e assumindo-se pecador e falível, Fran-

cisco se coloca nos passos da força humilde reconhecida pelo próprio São Paulo: “Portanto, com muita satisfação me vangloriarei em minhas fraquezas, para que em mim habite a potência de Cristo. Por isso, comprazo-me em minhas fraquezas, insultos, sofrimentos físicos, nas perseguições e na angústia por Cristo” (2Cor 12,9-10). Séculos depois, o papa segue os passos paulinos, atualizando o pensamento do apóstolo Paulo, como que dizendo a si mesmo e a toda a Igreja: “Quando somos normais e nos reconhecemos pecadores e falíveis, então é que somos fortes”. * Moisés Sbardelotto é jornalista, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, e La Sapienza, em Roma. É também autor de E o Verbo se Fez Bit (Editora Santuário).

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