A Força Política da Fé: Estado e Igreja na formação identitária nacional em torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida (1904-1931)

May 28, 2017 | Autor: João Paulo Berto | Categoria: National Identity, Church History, Getúlio Vargas, Redemptorist, Aparecida
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A Força Política da Fé: Estado e Igreja na formação identitária nacional em torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida (1904-1931) João Paulo Berto[1] Artigo publicado na Revista Eletrônica história e-história, em julho de 2010 INTRODUÇÃO O presente artigo[2] busca traçar considerações sobre as intricadas alianças e ações travadas entre a Igreja e o Estado republicano brasileiro, destacado na figura de Getúlio Vargas (1882-1954), no que concerne à criação de uma profunda simbologia nacional em torno da imagem sacra venerada na Basílica da cidade de Aparecida (São Paulo), “surgida” nas águas do rio Paraíba do Sul em 1717. Assim, pretende-se, sem tentar esgotar a temática, delinear uma série de articulações que estariam por trás desta construção imagético-política capaz de fazer com que atos como a Coroação, em 1904, e a Proclamação de Nossa Senhora Aparecida como Rainha e Padroeira do Brasil, em 1931, intentassem proporções cuja abrangência extrapolasse qualquer nível de devoção local ou regional [3]. Contudo, faz-se necessário, inicialmente, apontar algumas características sobre a atuação da Igreja Católica no Brasil e seu envolvimento com o Estado, seja português ou brasileiro (pensando-a

dentro

do

contexto

republicano,

especialmente

varguista),

possibilitando assim qualquer consideração posterior. De fato, o Brasil é um país profundamente marcado pela religião e, desde cedo, encontrou no catolicismo uma série de valores, crenças e práticas institucionalmente organizadas e incontrastadamente hegemônicas que, por cerca de quatro séculos, definiram de modo coerente os limites e as intersecções entre as vidas pública e privada (MONTES, 1998). Estes valores e influências foram usados pela Igreja, buscando sempre proteger seus interesses organizacionais, como elementos chave no seu envolvimento com a política, mesmo que, durante grande período de sua existência no Brasil, estivesse atrelada ao poder e ao mando do Estado. Deste modo, é de se compreender que todas as alterações na instituição Igreja são verdadeiros reflexos de tentativas de defesa de seus interesses e de expansão de sua influência. Se em certo período há proximidade com as elites, como o que ocorre a partir de 1916, em outros, isto se torna um empecilho, como o novo modelo de Igreja Popular inaugurado na década de 1960, que luta em prol da justiça social e da cidadania. Nesta linha, a obra A Igreja Católica e a Política no Brasil, de Scott Mainwaring (1989), fornece um profundo leque de discussões sobre as transformações políticas

da Igreja latino-americana ao afirmar que a questão do envolvimento da Igreja na política não é o importante, mas sim o modo como este se procede. É este, portanto, o postulado que delineará este trabalho. A Igreja mostra-se como uma instituição basicamente ligada à fé, instrumento a partir da qual se propaga toda sua mensagem religiosa.

Contudo,

preocupa-se

com

a

defesa

de

sua

instituição

e,

conseqüentemente, de seus interesses frente à sociedade e ao Estado. Isso mostra que, apesar de ser uma organização que defende, em princípio, a religiosidade (fé), também se preocupa com sua imagem e influência no meio que a rodeia. Ligada a esta atitude transcendental, a Igreja desenvolve um caráter de expansão, quando se propõe tornar-se o único caminho para a salvação. Durante o Padroado, a Igreja, implantada com bases naquela existente na pátria-lusa, viveu certo período de estabilidade, visto que o Estado Português gozava de ótimas relações com a Cúria Romana a partir do momento em que este levava o catolicismo como bandeira primeira em suas colonizações[4], fazendo com que a Igreja implantada estivesse sob sua total dependência. Durante a colônia, o Estado buscava que “a Igreja se mantivesse frágil e subordinada. Eram frágeis os vínculos da Igreja Brasileira com a Igreja Universal” (LIMA, 1979: 14), de modo que este era responsável, como já o era anteriormente, pela construção de igrejas, monastérios, assim como provê-los de padres e religiosos, nomear bispos; e ela, por sua vez, apoiava as atitudes da expansão colonizadora, “assumindo um forte papel desbravador” (BRUNEAU, 1974: 34). Desde a colonização, tanto Igreja quanto Estado buscariam incutir, tanto na elite quanto no povo, suas próprias necessidades. Mesmo assim, a presença “real” da Igreja sempre foi pouco marcada no Brasil, noção que aparece pela presença das regras do Estado em detrimento das instruções do Vaticano, que só chegariam ao Brasil por volta dos anos de 1830. Para entender a implantação do catolicismo, Eduardo Hoornaert fornece “roteiros” para os três primeiros séculos da história, mesmo que para isso tenha avançado para problemáticas do século XIX (considerado por ele como um período de intensas mudanças cultural-religiosas), trazendo uma Igreja mais fraca em sua influência devido às fortes restrições dos tempos pombalinos. Por “roteiros”, o autor distingue três fases da implantação religiosa na colônia: a primeira, conduzida de Portugal para o Brasil com os navegadores, marca a fase do catolicismo guerreiro, da implantação da fé pela força. A segunda acompanha o estabelecimento e organização dos locais agrícolas, e depois mineiros, baseados na escravidão, marcando o período do catolicismo patriarcal, caracterizado pela sacralização da sociedade, da ordem estabelecida. Por fim, a terceira fase, ápice de todo o processo, a do catolicismo dito popular, o qual exprime a vida e o pensamento dos “vencidos”

e deportados pela empresa colonial: índios, africanos e seus descendentes (HOORNAERT, 1974). Seria sobre esta última forma de catolicismo que a Igreja e o Estado buscariam formas de legitimar e conseguir poder, através, principalmente, de elementos inculcados na tradição religiosa americana, como a devoção mariana. Este tipo de ligação que cimenta a noção de unidade nacional, na qual as diferenças étnicas ou de classe são relegadas a um segundo plano, não é um caso específico brasileiro, aparecendo, igualmente, na realidade argentina com a Virgem de Lujan (estatizada por excelência), ou, no México, com Guadalupe (notadamente Nacional). No Brasil, esta toma caráter específico, pois une questões locais e regionais às nacionais e estatais, já que todos os argentinos, os brasileiros ou os mexicanos “são um em sua devoção a Virgem Maria” (MARTÍN, 1998). A PRESENÇA MARIANA NO CONTEXTO IBÉRICO: IGREJA E ESTADO Baseado em uma antiga tradição mariana, pode-se pensar as possíveis implicações resultantes da “aparição” de uma imagem da Virgem Maria, no Rio Paraíba do Sul, em 1717. Porém, a efígie encontrada, antes de tudo, remete-se a uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, dogma mariano proclamado pelo Papa Pio IX, em 8 de dezembro de 1854 (bula Ineffabilis Dei). Em Portugal, como na maioria dos países católicos, a devoção a Nossa Senhora da Conceição era a mais importante, fator percebido pela provisão de 25 de março 1646, quando D. João IV (1767-1826), rei de Portugal, proclamou a Virgem da Conceição como padroeira do reino e de seus domínios (AMARAL, 2000: 122). Esta tradição em torno da imagem de Maria, a qual se relaciona também à legitimação do poder real mediante apoio pela Igreja, acabou extravasando o Reino de Portugal e atingindo suas colônias. No Brasil, a devoção mariana e seu padroado, trazida pelos portugueses e seus missionários, configurou-se como um excelente instrumento e grande impulsionadora do processo de catequização dos povos indígenas e, depois, dos próprios negros. Este fator pode explicar a ratificação do padroado da Imaculada Conceição sobre o Brasil, por Dom Pedro I, em 1º de novembro de 1822, mesmo após sua independência. Como coloca o historiador Júlio Brustoloni, (...) o culto à Imaculada Conceição de Maria penetrou por todo o Brasil, criando profundas raízes e imprimindo características próprias à religiosidade do nosso povo. A Imaculada Conceição de Maria foi tema de inspiração para as artes e as letras. Imagens artísticas foram executadas pelos melhores artistas portugueses e brasileiros em madeira e terracota; pintores célebres puseram nome e fama às telas da Imaculada Conceição que executaram. Entre elas está a imagem

de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, cuja invocação passa a ser cultuada na primeira metade do século XVIII.(BRUSTOLONI, 1998: 17)

RELATO DO ACHADO DA IMAGEM E OS PRIMEIROS ANOS DO CULTO A história da “aparição” ou “achado” da imagem, de modo sintético, remonta ao panorama do Brasil do século XVII e início do XVIII, marcado pela economia aurífera. A descoberta de jazidas na região de Minas Gerais fez com que a região paulista do Vale do rio Paraíba do Sul passasse por um intenso processo de colonização e circulação de riquezas. Dentro deste panorama, a criação de capelas e oratórios caseiros tomou novos impulsos, fazendo com que a circulação de imagens entre sítios, fazendas, bairros e vilas aumentassem gradativamente. Em 1640, tornando-se caminho e entreposto dos migrantes que procuravam ouro na região do rio das Mortes, nas Minas Gerais, fundou-se a vila de Guaratinguetá, beneficiada pela descoberta do ouro. Devido às grandes turbulências econômicas e sociais do início do século XVIII, a Coroa Portuguesa unificou as capitanias de Minas Gerais e de São Paulo, tendo como governador o capitão-general D. Pedro de Almeida Portugal, 4º Conde de Assumar, depois Vice-Rei da Índia, que se dispôs a atravessar o Vale do Paraíba na intenção de acalmar os ânimos dos colonos. Sua viagem, iniciada em 27 de setembro de 1717, teve como um dos pontos de parada a Vila de Guaratinguetá, onde ficou por cerca de 13 dias, na época em que governava a vila o Capitão-mor Domingos Antunes Fialho[5]. Este foi o momento histórico do encontro e início da veneração da Imagem de Nossa Senhora Aparecida, uma vez que a estadia do Conde gerou uma grande movimentação na Vila para que pudessem suprir as necessidades dele e de sua comitiva. Por ordem da Câmara Administrativa da Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá, três pescadores foram incumbidos de pescar para o banquete dos estrangeiros: João Alves, Domingos Martins Garcia e Felipe Pedroso[6]. Pelos relatos, o que não se podia imaginar é que, além de peixes, se pescaria, no porto Itaguaçu, uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, “aparecida”, primeiramente o corpo e depois a cabeça, nas águas do rio Paraíba. Em relação à data exata do achado, pouco se sabe, mas se costuma apontar o período de permanência do Conde na Vila, ou seja, de 17 a 30 de outubro de 1717. A fama da imagem da santa negra, “da cor do povo sofrido”, começaria a se espalhar por toda a região, alcançando, também, as províncias de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, chegando logo depois para o Centro-Oeste e para o Sul do país. Com isso, criou-se uma pequena capela (não oficial) erguida por Atanásio Pedroso, na região do porto Itaguaçu, estimulando, ainda mais, a devoção em torno da Virgem “Aparecida”, uma vez que, pela estrada real, passavam indivíduos de inúmeras regiões brasileiras, fato que auxiliou na divulgação e consolidação do culto.

Tal disposição estratégica fez com que inúmeras capelas dedicadas a Nossa Senhora Aparecida começassem a aparecer desde a segunda metade do século XVIII, fama levada, sobretudo, por sertanistas, mineradores e tropeiros. Foi dentro desta perspectiva que se idealizou, desde 1732, a construção de uma igreja para a santa, noção corroborada com a aprovação oficial do culto em 5 de maio de 1743, como já ordenavam as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1707 [7]. Assim, surge, em 26 de julho de 1745, a ‘Capela da Conceição Aparecida’ [8], pequena ermida de taipa de pilão construída por escravos sob a direção do Capitão Antônio Raposo Leme e orientação do Padre José Alves Vilella. Este ato, realizado sob a concessão da Igreja por meio da provisão concedida pelo Bispo do Rio de Janeiro, Dom Frei João da Cruz, em 22 de maio de 1945, aprovava e dava início oficial ao culto público e litúrgico de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. A intenção era erguer o templo em um local que pudesse ser visto de todo o vale do Paraíba, devendo ser próximo da sede da paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá e propício para a construção de um povoado, optando-se, para tanto, pelo cume do Morro dos Coqueiros (BRUSTOLONI, 1998). Neste local, surge posteriormente um templo maior, a chamada Basílica Velha de Aparecida, cuja construção foi finalizada e dedicada em 1888, sob provisão do bispo Dom Lino Deodato e com auxílio do célebre Missionário Apostólico Monsenhor Miguel Martins, sob grande festa e devoção por parte dos fiéis. A IGREJA E O ESTADO NA REPÚBLICA Durante o século XIX, a Igreja passaria por profundas transformações. O processo de independência do Brasil não mudaria a relação de controle e regulação, tanto temporal quanto espiritual, que o Estado exercia na Igreja, porém esta continuava com suas regalias econômicas, sociais e religiosas. Diversas atividades que eram do controle do próprio clero foram proibidas ou passadas para o Estado, como a administração dos santuários e o impedimento das ordens religiosas de receberem noviços. Contudo, durante o papado de Pio IX (1846-1878), a Igreja Romana intentaria trazer a brasileira de volta a seu controle, empenhando, especialmente, bispos do país na luta de religar os contatos com o Vaticano: este processo, denominado de “Catolicismo Ultramontano”, buscava uma centralização episcopal da Igreja brasileira sob a bandeira “tridentina, romanista, episcopal e clerical”[9]. Assim, a Igreja entraria em crise contra o Estado Imperial, iniciada pela célebre Questão Religiosa de 1847, já que ela “não sente mais no Estado (...) a instituição apta a apoiá-la na sua missão e o Estado perde o interesse em reformar e modificar a Igreja, passando muito mais a lutar para diminuir sua influência e afastá-la dos negócios do Estado” (BEOZZO, 1986: 273). Isto desembocaria na separação da Igreja do Estado, a partir do decreto n.119-A, em 1890, um ano após

a proclamação da República no Brasil. Segundo o documento de 7 de janeiro, ficava proibida qualquer intervenção, seja federal ou estadual, em assuntos ligados à matéria religiosa (seja vedando-a ou aprovando-a), consagrando ao país a liberdade de culto e extinguindo o padroado, algo que seria visto sob enfoques diferenciados [10]. Este processo é considerado por muitos autores, como Mainwaring, Bruneau, Beozzo e Márcio Moreira Alves como de grande importância, pois a Igreja poderia, ao livrar-se do poder e mando do Estado, organizar-se estruturalmente, criando estratégias para acumular forças. Para tanto, ela partiria das elites, as quais poderiam dar-lhe o sustento político e econômico, e das massas, utilizando uma pregação sentimental, diferentemente de quando estava unida ao Estado, sendo que o último buscava, cada vez mais, meios que o separasse dos laços que ainda apareciam entre eles. Um aspecto importante é que no alvorecer do século XX, o povo já se apresentava como um elemento de desejo tanto da Igreja quanto do Estado, aparecendo como constituidor de sua própria liberdade política. No desejo de arraigar estes grupos, a Igreja colocava-se como representante e fonte da própria civilização e do progresso moderno, enquanto o Estado “para afirmar-se soberano, vai buscar, no discurso positivista, meios de mostrar a Igreja como representante do passado, conservadora, reacionária e contra o progresso da Nação” (ALVES, 2005: 28). Como mencionado, o clero desejava adentrar e influenciar “todos os níveis da sociedade, mas com a separação e a subseqüente falta de recursos e estruturas do Estado, isto não era possível” (BRUNEAU, 1974: 72). O que de fato ocorria é que a Igreja sofria certa desorganização e descentralização durante o processo de separação com o Estado, continuando apenas a fusão com a família, o poder e os agrupamentos sociais, locais e regionais. Neste período, ocorreria também certo “descarte” da tradição religiosa da Igreja, passando a sofrer influências diretas dos padrões citados pelo catolicismo romano no Concílio Vaticano I (1869-1870). Assim, esta nova forma de religião entra em luta com os costumes e tradições do povo; e, nos santuários tradicionais, travase um conflito surdo entre os missionários vindos da Europa e a prática do povo rotulada de ignorância e superstição, quando não de fanatismo (BEOZZO, 1986). No que concernia aos santuários, o processo de romanização teve grande impacto, uma vez que seu controle voltou para as mãos da Igreja. O empenho do clero em trazer congregações européias para atuar no Brasil foi intenso, o que gerou profundos conflitos entre os religiosos portadores de ideais tridentinos e da ortodoxia da Igreja e dos romeiros brasileiros, profundamente imbuídos de tradições populares, muitas vezes consideradas ‘profanas’, ‘supersticiosas’, e, até mesmo, ‘incorretas’. Entre estas ações, tem-se a do bispo de São Paulo, D. Lino Deodato, que, por intermédio de seu bispo coadjutor, Dom Joaquim Arcoverde Cavalcanti, buscava

trazer religiosos da Congregação do Santíssimo Redentor[11] da Baviera, conhecidos como redentoristas, para administrar o Santuário de Aparecida, já considerado um dos principais centros de devoção popular do Brasil. A chegada do grupo ocorre em 28 de outubro de 1894, sendo a entrega da administração interina do Episcopal Santuário firmada apenas em 1985 (AZZI, 1986: 71). A promoção e incentivo de devoções e associações vinculadas ao espírito tridentino constituiu uma orientação fundamental aos redentoristas em Aparecida, sendo as Missões Populares uma grande arma para arraigar fieis e trazê-los para o seio da Igreja, a partir de um viés mais popular e sentimental, buscando reorganizar o culto e reinserir a doutrina dos sacramentos. Além disso, seguiam os valores que eram encabeçados pelos bispos reformadores, valorizando a pregação, a catequese e os valores do catolicismo reformado como o mês de Maria, do Rosário e do Sagrado Coração de Jesus, maneiras de revitalizar a vertente popular da religião. Mesmo assim, nesta acumulação de forças, a Igreja, agora com uma relação “normal” com a Santa Sé, passou a buscar artifícios, a fim de conseguir recolocar-se no panorama brasileiro após forte momento de consolidação de reformas internas. Isto aconteceria a partir de um processo de recristianização da sociedade, com amplo florescimento na década de 1920, principalmente sob a liderança do Cardeal D. Sebastião Leme da Silveira Cintra (1882-1942), arcebispo do Rio de Janeiro; dos líderes leigos do Centro Dom Vital, um instituto católico pequeno, mas de grande influência no desenvolvimento da Igreja e na política, e de publicações como a Revista Ordem no Rio, criada por Jackson de Figueiredo em 1921 (MAINWARING, 1989: 46). Seria, contudo, a partir de 1930 que a situação mudaria. Para Thomas Bruneau, a Revolução de 1930 deve ser entendida como o momento de reintegração da Igreja no Estado brasileiro. Isto ocorre, pois no período entre 1916 e 1945, líderes católicos passariam a utilizar a política como um meio eficaz de atuação, buscando uma aliança com o Estado a fim de influenciar a sociedade. Este, “percebendo que tinha muito a ganhar com a Igreja, segurou essa oportunidade de negociar alguns privilégios em troca de sanção religiosa” (MAINWARING, 1989: 47). Além disso, apoiada e autorizada pelas Encíclicas de Leão XIII, como a Rerum Novarum (15 de novembro de 1891), a Igreja sairia do isolamento e voltaria a procurar apoio no Governo, corroborada pelas linhas de renovação do pensamento católico, a principal delas do Cardeal Sebastião Leme. Porém, esta ligação seria ainda mais forte e cheia de privilégios durante o governo de Getúlio Vargas, já que a afinidade política apresentava-se mais evidente mediante um líder que, formado na política oligarquista, buscava apoio nos grupos tradicionais: houve uma cooperação mútua entre a Igreja e Vargas, mesmo havendo a separação de poderes, cada qual em busca de seus interesses.

Como é visível, todo o processo que levaria à Revolução de 1930, colocaria como ponto de ordem para Vargas a necessidade de encontrar um meio de chegar, de modo mais eficaz, até as massas, noção alcançada por meio de uma nova e resistente política social. A própria criação do Ministério do Trabalho refletiria este tipo de pensamento, que incidiria, diretamente, na necessidade de alterar os rumos da política trabalhista, previdenciária e sindical até então adotada. Isto se dava, pois, segundo a avaliação de Vargas e de seu governo, havia chegado o momento de instaurar uma política forte e atuante frente à questão social, vista como grande base para o governo. Assim, greves, crises, desemprego, manifestações contra a fome, ações sindicais, todas elas deveriam ser ceifadas em prol de um Estado forte, que deveria gerir o país e levar à população aquilo que ela necessitava. Partia-se, portanto, da idéia de que apenas com a intervenção direta e ativa do poder público seria possível amortecer os conflitos entre capital e trabalho, presentes nas novas relações propostas pela dinâmica do mundo moderno. Com isso, colocava como noção básica, baseado em certa “cooptação” das massas, o corporativismo, rompendo com o pluralismo sindical, em que apenas um sindicato por categoria profissional seria reconhecido pelo Estado. Várias críticas surgiram contra este modelo de “enquadramento”, principalmente por parte de lideranças católicas, empresariais e de trabalhadores. A Igreja, por exemplo, acreditava que esta ação do Estado inviabilizaria toda a ação do nascente movimento sindical católico dos anos de 1930. Mesmo assim, sua relação com o governo de Vargas mostrou-se, entre outros, como extremamente frutífera, pois alcançou para ela nova posição de destaque e um aumento em sua atuação. O governo de Getúlio Vargas, desde a tomada de poder pela revolução, vai repercutir numa série de atitudes e idéias que já estavam em curso desde os anos de 1910. Neste período, o campo da cultura era dominado por uma discussão sobre para onde iria o Brasil e sobre a questão da identidade desta nova nação, que, segundo Vargas, era “nova”, rompendo com um modelo oligárquico cafeeiro dominante no século XIX. A própria ideologia revolucionária que foi formulada nos primeiros anos da Era Vargas, fortalecida por seus discursos vivificantes, revelou ligações diretas com as propostas antiliberais, desde então defendidas por intelectuais como Oliveira Viana, Azevedo Amaral e Francisco Campos, os quais acreditavam que os problemas e crises pelos quais passavam o Brasil eram resultantes da ação das oligarquias, que haviam se apoderado da política nacional desde a década de 80 do século XIX. Neste mesmo campo de discussão cultural e identitária, deve-se também demonstrar que, na década de 1930, houve um debate intelectual e político sobre que matriz regional expressaria melhor a nacionalidade, alicerçado, entre outros, pelos textos de Gilberto Freyre. NOSSA SENHORA APARECIDA: SÍMBOLO NACIONAL

Com o fim do Império e da ligação Igreja-Estado, a preocupação com a sobrevivência e reestruturação da instituição religiosa caminhou paralelamente às discussões sobre pontos ligados à formação do Estado-Nação. Era claro o desejo das autoridades eclesiásticas de que a sociedade brasileira, por meio de medidas oficiais, apresentasse sinais de cristianização. Além disso, era evidente o desejo por algo que fosse capaz de unir a população, facilitando a ação da Igreja em um território onde grande parte do povo ainda estava espalhada. Era necessário um imaginário social coletivo forte que representasse a nova nação brasileira aos moldes católicos. A importância da utilização e uso de símbolos ou alegorias na implantação e legitimação do novo regime era também partilhada pelos republicanos, noção que, ao entendimento de José Murilo de Carvalho possibilitou a construção de um corpo da nação, seu povo, sua gente, enfim, a própria sociedade nacional: Para que funcionasse a república antiga, para que os cidadãos aceitassem a liberdade pública em troca da liberdade individual; para que funcionasse a república moderna, para que os cidadãos renunciassem em boa parte à influência sobre os negócios públicos em favor da liberdade individual – para isso, talvez fosse necessária a existência anterior do sentimento de comunidade, de identidade coletiva, que antigamente podia ser o de pertencer a uma cidade e que modernamente é o de pertencer a uma nação. (CARVALHO, 1990: 32)

Dentre os vários elementos levantados por Carvalho, um ponto importante no imaginário republicano brasileiro, cuja influência francesa é marcante, corresponde à alegoria feminina. Presente desde a Revolução Francesa, de inspiração romana, a mulher tornou-se símbolo máximo da liberdade, sendo que os brasileiros, partilhando desta orientação, iriam buscar na riqueza de imagens e símbolos subsídios para caracterizar o modelo brasileiro. Mesmo sob críticas, tal modelo seria profundamente difundido, porém a realidade laica francesa não teria força dentro de um panorama religioso como o do Brasil. Assim, uma “mariolatria católica” passaria a ocupar espaço, sendo que caberia à Virgem de Aparecida conseguir dar um sentido de comunhão nacional a vastos setores da população. Isto é marcante na realidade do país que, a partir de incentivos ao culto a Maria por parte da hierarquia eclesiástica, devoção profundamente enraizada desde o princípio da colonização do Brasil, iria coroar oficialmente com as insignes de Rainha do Brasil, diante de todo o episcopado brasileiro e uma multidão de fiéis, a Imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida no ano de 1904.

Pregação durante a cerimônia de Coroação da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida em 08 de setembro de 1904, realizada em frente à Matriz Basílica Velha de Aparecida. Foto: CDM – Centro de Documentação e Memória/Santuário Nacional. Disponível em: Revista de Aparecida, ano 9, n°100, julho de 2010. p 20.

A coroação da Imagem de Nossa Senhora Aparecida foi concedida pelo então papa Pio X, mediante pedido dos Bispos da Província Meridional do Brasil. Contudo, tal disposição só poderia ser exercida pelo Cabido da Basílica Vaticana, sendo que, devido a sua ausência, foi nomeado, através da ação do cardeal italiano Marianno Rampolla, o Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Joaquim Arcoverde, como o delegado que procederia a coroação. Este, por sua vez, subdelegou ao Bispo de São Paulo, Dom José de Camargo Barros (1858-1906), a tarefa de colocar sobre a imagem uma coroa de ouro, ricamente adornada de diamantes, doada pela Princesa Isabel quando de sua visita ao Santuário em 8 de dezembro de 1868. Segundo a justificativa presente no livro publicado pelo, na época, Monsenhor José Marcondes Homem de Melo (1860-1937), responsável por documentar todos os eventos em torno da Coroação da Imagem no livro Coroação de Nossa Senhora Apparecida a 8 de setembro de 1904, a Coroação de Nossa Senhora Apparecida significa que a Santa Igreja approva solemnemente o culto de veneração, de piedade e de confiança que os fieis de longa data tributam á Imagem de Nossa Senhora Apparecida, e symbolisa essa sua approvação coroando com uma imagem de ouro tão sagrada e veneranda Imagem. A Coroação é portanto uma ceremonia symbolica e deve por isso ter a sua razão natural, e é o que entramos a dar. (...) D’esta maneira a santa Igreja se rejuvenece com estes banhos do passado, a fé se inflamma com estas illuminações, e o povo fica comprehendendo que na santa Igreja tudo é grande; que as suas ceremonias têm a sancção da palavra divina, a sancção dos seculos, a sancção da arte e a sancção da fé das multidões. (HOMEM DE MELO, 1905: VI-VII)

Vale a pena ressaltar que a cerimônia de coroação foi marcada a fim de coincidir com a Conferência dos Bispos que acontecia em Aparecida, sendo que, no dia da Coroação, grande parte dos bispos e do clero brasileiro estava reunida e participou da celebração cheia de pompas e de caráter Pontifical, com homilia proferida no mais puro latim, juntamente com Dom Julio Tonti, Arcebispo de Ancyra e Núncio Apostólico no Brasil. Com isso, como afirma Alves, “a Igreja dava uma demonstração de capacidade de liderança e de organização” (ALVES, 2005: 52). Este desejo por um novo levante da alma católica vai ser demonstrado no discurso final da Missa Pontifical, por Dom João Francisco Braga (1868-1937), bispo de Petrópolis, que, na língua nacional, afirma que RELIGIÃO E PATRIA; BRASIL E MARIA: são ideaes queridissimos do coração brazileiro. Quer-se-á uma prova? Hontem, agitou-se ainda uma vez, a alma popular, ao recordar a data historica da emnacipação política do Brasil. INDEPENDENCIA OU MORTE, foi o primeiro grito de Pedro Primeiro, constituindo a nação: SENHORA DA CONCEIÇÃO PADROEIRA DO BRASIL, foi o segundo grito, contemporâneo, do monarcha Fundador. (...) Hontem, celebrávamos a fundação da nação Brasileira; hoje, e aqui, celebramos a Padroeira desta grande nação, sob um de seus titulos mimosos: VIRGEM APPARECIDA. E eis porque eu ouço a voz profunda e melodiosa de uma nação inteira, de uma grande nação, a voz do BRAZIL querido. (BRAGA, D. João Francisco apudHOMEM DE MELO, 1905: 44)

Assim, a Igreja, ao apresentar Nossa Senhora como Rainha, relembrando uma expressão da monarquia recém extirpada, por meio da coroação solene e grandiosa, parece buscar evidenciar sua força e tornar a demonstrar e recolocar sua presença na vida do país frente às limitações impostas pelo novo regime, pois, ao mesmo tempo em que não rejeita a figura do rei e não anuncia sua aliança com a República, torna evidente a disputa. Como coloca Carvalho, a data e o título devem ser levados em consideração: “um dia após a comemoração da independência, uma designação monárquica. Não havia como ocultar a competição entre a Igreja e o novo regime pela representação da nação” (CARVALHO, 1990: 93-94). A Igreja, ao concorrer com o Estado a representação da nação, disputa também com este o apoio e a simpatia do povo[12] (base no viés de renovação europeu que visa o reconhecimento do povo e do Estado e em ser essencial sua presença na sociedade brasileira), sujeito que legitima e fortalece o poder, seja temporal ou espiritual, de certa forma não para ajudá-lo, mas para usar a sua força. Assim, com a coroação oficial da Imagem de Nossa Senhora Aparecida, agora símbolo

sagrado sustentado por um sentimento nacional-patriótico, o projeto católico de não perder espaço frente a um Estado laico começou a tomar novo fôlego. Porém, a ação maior da Igreja aconteceria a partir da década de 1930, quando ela, ocupando um determinado “vazio” que a Revolução de 1930 havia deixado, conseguiria do papa Pio XI, no mesmo ano, acionado pelo episcopado brasileiro, a proclamação de Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do Brasil [13]. A escolha da Imagem não foi ao acaso, já que a devoção crescia por meio mais de uma dinâmica que o povo inseria sobre ela do que de uma postura da Igreja após sua aprovação como devoção oficial. O Estado Varguista, eleito como “conciliador” após a revolução, por sua vez, buscando também o apoio das massas, acabou por se aproveitar de tal situação, já que isso poderia auxiliá-lo no intento de construção de um sentimento nacional com interesses coletivos. Inicialmente, seguindo a mesma linha de atuação, o Estado havia, com a criação do Ministério do Trabalho, tentado “ganhar para si o concurso e o apoio da classe operária, neutralizando, porém, uma política autônoma da classe e submetendo-a duramente a partir de 1935” (BEOZZO, 1989: 293). Dessa forma, delineava-se um panorama de confluência de interesses, em que tanto Igreja quanto Estado buscavam, entre si, fatores que alicerçassem suas estruturas [14], o que pode ser facilmente identificado com o episódio da declaração de Nossa Senhora Aparecida como Rainha e Padroeira do Brasil em 1930 (oficializada no Brasil em 1931 sob grande presença popular). Sob ação do clero brasileiro, coube ao papa Pio XI, em 1930, proclamar Nossa Senhora da Conceição Aparecida como Padroeira do Brasil. Uma grande preparação foi executada para a data da cerimônia, cujo intuito era, mais uma vez, reforçar o poder da Igreja e o desejo por uma aproximação aos anseios e sentimentos do povo. Para tanto, a Imagem foi transladada para a Capital Federal, partindo de trem em uma espécie de vagão-capela na noite do dia 30 para 31 de maio de 1931, acompanhada pelo Arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, o Cabido de São Paulo e vários padres redentoristas. Contudo, a grande ação veio por parte do Cardeal Leme, cuja ideia era fazer a proclamação de Nossa Sra. Apparecida como Padroeira do Brasil inteiro na Capital Federal do modo mais solemne para o povo todo ficar mais compenetrado do Padroado de N. Sra. Apparecida. Para esse fim quer ordenar no Rio uma quinzena de festas em louvor de N. Sra. Apparecida, sendo 8 dias de festas parochiais e 8 dias de festas diocesanas (CÚRIA METROPOLITANA DE APARECIDA. Livro do Tombo nº 3 da Paróquia de Nossa Senhora Aparecida 1914-1933. fls 139v e 140. Sessão 5. Parte 8. Grupo 3).

Ao chegar ao Rio de Janeiro, a imagem foi levada para uma missa campal realizada na porta da igreja de São Francisco de Paula, contando com grande apoio

e manifestações populares, além da presença de autoridades civis e militares, do Corpo Diplomático e do presidente Getúlio Vargas. Após a missa, foi realiza uma procissão, que foi sem exagero a maior manifestação de fé desde o descobrimento não só do Brasil, mas da América do Sul, é impossível. 23 bispos e arcebispos e 2 abades andaram na procissão; 11 arcebispos e 26 bispos fizeram-se apresentar. E tudo correu sem o mínimo incidente; o que se viu em todos os semblantes foi alegria, devoção e compenetração do acto único na história do Brasil. É absolutamente certo de que o dia 31 de maio será um dos dias mais memoráveis na História Ecclesiástica da Terra de Sta. Cruz. (CÚRIA METROPOLITANA DE APARECIDA. Livro do Tombo nº 3 da Paróquia de Nossa Senhora Aparecida 1914-1933. fls 140v e 141v. Sessão 5. Parte 8. Grupo 3).

Como afirmou Alves, nesta ação, é possível notar o empenho da Igreja em edificar a ‘aliança’ com o Estado [personificado pela presença de Getúlio Vargas], deixando transparecer esse desejo, nas representações das festividades e na certeza de ter Nossa Senhora Aparecida como padroeira

oficial

do

Brasil,

com

o

respaldo

estatal

e

eclesiástico. (ALVES, 2005: 83)

A partir disso, neste jogo de interesses em que Igreja e Estado apropriaramse da pequena imagem de terracota da Santa, a cidade de Aparecida e o Brasil tornaram-se uma só coisa: por meio do sentimento patriótico e religioso, a nação passou a ser representada através de um símbolo católico constituído, Nossa Senhora da Conceição Aparecida, grande mãe da nação em estado de caos.

Missa campal no Rio de Janeiro, capital do país, na ocasião da proclamação de Nossa Senhora Aparecida como Rainha e Padroeira do Brasil através de decreto

do Papa Pio XI. Foto: CDM – Centro de Documentação e Memória/Santuário Nacional. Disponível em: Revista de Aparecida, ano 9, n°100, julho de 2010. p 21.

Assim,

a

Igreja,

encabeçada

pela

força

do

Cardeal

Leme,

“emprestaria” parte de sua força já estruturada (configurada pela ação das massas desde 1904) para o Estado, quando soube que poderia usufruir da situação que a sua volta à política possibilitaria. Segundo Alves, a ação de 1931 teria surgido, portanto, com a crise do liberalismo e o movimento da nova cristandade, foi uma nova perspectiva, uma reação contra a concepção de Igreja por demais extrínseca, jurídica e apologética, em favor de uma imagem eclesiástica que recupera as dimensões sobrenaturais e místicas, desenvolvendo a inovadora eclesiologia do Corpo Místico, a qual se expressa não só no campo teológico, como também na renovação litúrgica e na pastoral da Igreja. (ALVES, 2005: 69)

Esta noção está presente na obra de Alcir Lenharo, Sacralização da Política (1986). Segundo o autor, o governo foi capaz de se apropriar de símbolos, figuras, entre outros elementos pertencentes ao universo teológico, secularizandoos e os transformando em matéria de domínio público. A própria ideia do corpo, de “povo uno”, a partir de um viés paulino, que se reconhecesse identitariamente, seria muito utilizada no período por atender as especificações do Estado como instituição maior da nação que mediava, regulava, direcionava e proporcionava o encontro da lei com a justiça dentro do quadro da “nova democracia” proposta por Vargas [15]. A aproximação e apoio com a proclamação como Padroeira do Brasil seria aceita pelo governo, que reconheceria o forte apelo popular da pequena imagem, cheia de fortes signos sociais: virgem, negra e pobre, fator que “ficava ainda mais acentuado pela ‘condição social’ da imagem popular na sua expressão, mas não identificada com traços de uma classe social apenas” (LENHARO, 1986: 173). Assim, as camadas clericais e do Estado buscaram as melhores relações, principalmente nas figuras do Cardeal Sebastião Leme e Getúlio Vargas, durante toda a era Vargas. Tais alianças tiveram seus resultados, como a incorporação de medidas favoráveis à Igreja na Constituição de 1934 (ALVES, 2005: 81). A própria recepção da imagem pelo presidente Vargas no Rio de Janeiro, então capital do país, no final do mês de maio de 1931, revelava esta atitude frente à Igreja, quando, ao recebê-la, ele a beija solenemente, demonstrando sua adesão ao projeto nacionalista que a Igreja, ao unir o povo e a religião à Pátria num só sentimento de devoção, fé, amor e força, desde os anos de 1910, já vinha articulando. Neste ato de proclamação, o governo via uma forma de conter movimentos e assegurar o não avanço de outros como do comunismo. De fato,

a história de toda uma década em que o Estado brasileiro se centralizou e modernizou e em que a Igreja buscou paralelamente criar estruturas nacionais, abrangendo o conjunto do país, inaugurase com a unificação espiritual do povo brasileiro debaixo de uma Padroeira nacional sob a invocação da Virgem de Aparecida (BEOZZO, 1986: 296).

Vale também notar que o apelo entre Igreja e Estado ainda seria observado neste mesmo ano de 1931, quando, em 12 de outubro[16], inaugurou-se, também no Rio de Janeiro, a estátua do Cristo Redentor, no alto do Corcovado. Tal solenidade contaria com a presença do presidente Getúlio Vargas, ministros, autoridades civis e militares, representantes do Papa e o Cardeal Dom Leme que, anteriormente havia consagrado a Nação à proteção da Virgem da Conceição Aparecida (certo padroado às avessas), volta agora a refazer os votos ao Coração Sacratíssimo de Jesus, reconhecendo-o “para sempre como seu Rei e Senhor”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como advoga Lenharo, ao utilizar-se da força da fé, o poder temporal não vê, no entanto, assegurada a certeza de sua estabilidade e progressão pelo simples motivo de que, remetida ao terreno das paixões humanas, a fé se faz acompanhar do seu contrário, a dúvida, e com ela a incerteza do imprevisto do vir a ser (LENHARO, 1986: 205).

Porém, é evidente a força representativa da fé quando esta está associada a um objeto concreto, cuja história liga-se às mais antigas tradições de um povo. Este é o caso da utilização da imagem de Nossa Senhora Aparecida, a qual revela um momento importante da história recente do Brasil ao associar nela dois poderes que, teoricamente, passaram a assumir campos opostos: Estado e Igreja. Ambos reconhecem, na Senhora Aparecida, uma forma de impor e fazer valer seus objetivos, algo que leva a um exorbitante crescimento da força da imagem no que se refere à amplitude de reconhecimento e de devoção. A Igreja mostra-se a primeira a tomar tal atitude, demonstrando profunda habilidade ao promover concentrações populares para homenagear a santa. Ambos os poderes atuaram ordenando

o

universo

religioso

da

população,

composta

em

um

cenário

extremamente teatral (lembrar das pomposas e espetaculares cerimônias da Coroação em 1904, quanto do Padroado em 1931), algo que os primeiros missionários já haviam realizado desde o processo de implantação da fé católica.

A formação de um sentimento de unidade nacional que a figura de Aparecida irá proporcionar será incutida de modo direto pelos dois poderes como forma de legitimar dois novos governos: a Igreja que “renasce” com a separação em 1890, mas ainda não tem espaço próprio, e a vontade de implantar um novo modelo de Estado por Getúlio Vargas, a partir da Revolução de 1930. Como discursou Dom João Braga para as multidões em 1904, “Religião e Pátria; Brasil e Maria: são os ideias queridíssimos do coração brasileiro”[17]. Deste modo, seria um símbolo propriamente brasileiro que, em um duplo empenho, serviria de base para o fortalecimento da Igreja e para a viabilização de um novo modelo de República que se propunha “nova” em todos os sentidos. Por um outro viés, pode-se ver esta relação por meio da união perfeita que a Igreja reconhece ante a figura patriarcal de Vargas: Nossa Senhora Aparecida passa a vincular-se como a figura ideal para representar a “Mãe e Protetora da Nação”, completando o binômio e reforçando uma ideia moral e coercitiva sobre a Nação. O Estado Varguista, mesmo com um projeto próprio de incisão dentro da sociedade, teria na figura de Aparecida uma grande aliada e impulsionadora de seus projetos. Ao dar apoio aos desejos católicos de levantar Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil, Vargas compreendia toda a força que a pequena imagem já tinha no imaginário popular e religioso brasileiro (em grande parte resultado das Missões redentoristas que espalhavam a devoção), algo já evidente desde as grandes manifestações em torno da Coroação da imagem em 1904. A busca por uma identidade nacional que unisse grande parte da população facilitaria sua atuação e este, conhecendo a força do sentimentalismo que a religião poderia trazer, apelaria para a Igreja e com ela travaria uma aliança, mesmo que não declarada, mas que auxiliaria estes dois lados até então isolados. Não se buscou aqui trazer uma aproximação ao fenômeno da recepção do povo, principal alvo de todas estas manifestações, ou diluir a compreensão da política varguista no período sob o enfoque do rótulo do populismo. De outro modo, analisouse como a interação entre os grupos institucionais, realizada e estruturada para compor um quadro de devoção e identidade nacional estratégicas em torno da ‘Virgem de Aparecida’, foi capaz de assegurar, acima disso, uma determinada política de reinserção da Igreja e de sustentação do Estado. Para abranger o estudo das camadas populares seria necessário compreender uma série outros de fatores e fontes que, ainda, não dariam um panorama geral e correto da incisão destes acontecimentos. Segundo a análise de Fernandes, por exemplo, estas ações de caráter, acima de tudo, político, não teriam alcançado uma repercussão

grandiosa,

uma

vez

que

seus

desempenhos

se

centrariam,

principalmente, nas áreas que primeiro acolheram a devoção de Aparecida, demonstrando uma fraca geografia religiosa. As diferenças entre devoções locais e

institucionalizadas, entre cultura clerical e popular, entre ortodoxia e práticas nativas seriam as principais responsáveis por uma espécie de “falha” neste processo[18]. Mesmo assim, ao longo dos anos, seja afirmada por episódios como a Coroação da Imagem em 1904 ou a proclamação como Rainha e Padroeira do Brasil em 1931, foi somente a figura de Maria, a Virgem da Imaculada Conceição, no Brasil apresentada sob a figura de Aparecida, com sua estética mestiça favorável, mesmo que

forçosamente,

a

única

a

conseguir

arrebatar

para

si

tamanha

força

representacional. Apenas a “Rainha do Céu e da Terra”, a “intercessora fiel”, a “benfeitora da Pátria”, a “Mãe do povo brasileiro simples”, a “Virgem Mãe de Deus”, a “Virgem negra da cor do povo sofrido”, conseguiu somar, em si, forças para representar

o

Brasil

enquanto

símbolo,

formador

e

compactador

de

uma

heterogeneidade natural do Brasil de uma unidade nacional, seja religiosa ou não. Para o catolicismo, isso seria de extrema importância já que, ao se colocar como “religião de todos”, traria em Aparecida uma Virgem Mestiça (alegoria feminina do povo) capaz de diluir as diferenças étnicas, de modo idêntico ao realizado pela ação exata do Estado que, ao englobar para si uma devoção já enraizada do povo, lançava mão de um profundo símbolo que se tornava ora político ora religioso. BIBLIOGRAFIA Documentação primária: CÚRIA METROPOLITANA DE APARECIDA. Documentos e Crônicas da Capela de N. S. A. – vol. II – compilação de documentos dos Livros do Tombo da paróquia de Nossa Senhora Aparecida e outras notícias realizada pelo Pe. Julio Brustoloni. CÚRIA METROPOLITANA DE APARECIDA. Livro do Tombo nº 3 da Paróquia de Nossa Senhora Aparecida 1914-1933. Sessão 5. Parte 8. Grupo 3. HOMEM DE MELO, José Marcondes. Coroação de Nossa Senhora Apparecida a 8 de setembro de 1904. São Paulo: Duprat & Comp, 1905. “Diario da Jornada que fes o Exmº. Senhor Dom Pedro desde o Rio de Janeiro athé a cide de São Paulo, e desta athe as Minas anno de 1717”. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), 1939, nº 3, pp 295-316. Livros, Artigos e Dissertações: ALVES, Andréa Maria Flanklin de Queiroz. Pintando uma Imagem Nossa Senhora Aparecida – 1931: Igreja e Estado na construção de um símbolo nacional. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Dourados, MT, 2005.

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disponível

emhttp://www.arqnet.pt/dicionario/nsconcpad.html, acesso em 01/06/2009. AZZI, R. “Os Redentoristas no Brasil na última década do século passado” inAZZI, R. e BEOZZO, J. O. (org) Os Religiosos no Brasil: enfoque histórico. São Paulo: Edições Paulinas, 1986. BEOZZO, José Oscar. “A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a Redemocratização”. In FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. vol. 11. Difel: São Paulo, 1986. BRUNEAU, Thomas C. Catolicismo Brasileiro em Época de Transição. Edições Loyola: São Paulo, 1974. BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição: a imagem, o santuário e as romairas. 10ª edição. Aparecida: Editora Santuário: 1998. CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CRUZ, André. “O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira República Brasileira”.

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em

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de

dezembro

de

2009,

emhttp://www.newadvent.org/cathen/12683a.htm.

[1] Aluno do curso de graduação em História do IFCH/UNICAMP e bolsista de Iniciação Científica (PIBICCNPq), sob orientação da Profa. Dra. Eliane Moura da Silva (IFCH-UNICAMP). E-mail de contato: [email protected]. [2]Este artigo é uma versão aprofundada do trabalho de conclusão da disciplina História do Brasil IV, ministrada pelo Prof. Dr. Fernando Teixeira da Silva no 2º Semestre de 2009, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. É embasado nas pesquisas que realizo em meu projeto de iniciação científica sobre o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, sob a supervisão da Prof a. Dra. Eliane Moura da Silva (Departamento de História - IFCH/UNICAMP): “Sob o Símbolo da Jerusalém Celeste: Cláudio Pastro e o Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida (1997-2009)”, PIBIC/CNPq. Agradeço também a toda ajuda, ideias e dedicação de Ana Cláudia Cermaria Soares da Silva na montagem e correção deste texto. [3] O texto não busca compreender quais foram as respostas das camadas populares frente aos atos institucionais, tanto da Igreja quanto do Estado, e se o desejo de uma identidade religiosa em torno de Aparecida teve o êxito esperado. Busca-se, apenas, compreender quais foram os mecanismos utilizados neste processo em concomitância com o contexto brasileiro e quais desejos estavam por trás disso. Assim, não se analisarão os setores populares e suas relações atores/sujeitos com a política de Getúlio Vargas, já que isto demandaria outras fontes de pesquisa. Para esta análise, entre várias levantadas, Rubem César Fernandes afirma que, por exemplo, mesmo com os processos de instituição de parâmetros e títulos, “Aparecida é efetivamente reconhecida como devoção principal apenas no Centro-Sul do país. Desde o princípio, no século XVIII, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais (um triângulo aliás importante também para a política nacional) foram o círculo básico da influência de Aparecida. Devotos baianos voltam-se em primeiro lugar para Bom Jesus da Lapa, N. Sra. Da Conceição da Praia ou o Senhor do Bonfim. A imagem controvertida do Padre Cícero ainda domina no nordeste. N. Sra. de Nazaré, em Belém do Pará, centraliza as atenções do Norte”. Segundo suas análises o país seria frágil devocionalmente no centro no que diz respeito a uma geografia religiosa, o que acarretaria diversos problemas em afirmar uma identidade nacional de Aparecida entre o povo brasileiro como um todo. Ver FERNANDES, Rubem César. Aparecida: nossa rainha, senhora e mãe, saravá! In: SACHS, Viola (et al). Brasil & EUA: religião e identidade nacional. Rio de Janeiro: Graal, 1988. pp. 87-88. [4] A Igreja já havia percebido a necessidade de concessões de direitos a certos reinos, pois estes poderiam beneficiá-la a partir de um processo de salvação da Cristandade, ato que seria alavancado a partir do Concílio Tridentino. No caso de Portugal, a primeira bula concedida neste aspecto, “Romanus Pontifex”, de 1455, foi emitida por Nicolau V a Afonso V como recompensa pela derrota dos mouros, por descobrir novas terras e trazer novas almas para a Igreja. Para mais, ver LIMA, Luiz Gonzaga de Souza. Evolução Política dos Católicos e da Igreja no Brasil: hipóteses para uma interpretação. Petrópolis: Editora Vozes, 1979. [5] Diario da Jornada que fes o Exmº. Senhor Dom Pedro desde o Rio de Janeiro athé a cid e de São Paulo, e desta athe as Minas anno de 1717. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), 1939, nº 3, pp 295-316. O documento, contudo, mesmo sendo de importância para a compreensão do panorama do Brasil do início do século XVIII, não faz nenhuma referência, apesar da minúcia do padre jesuíta que acompanhava a viagem e fazia os relatos, à pesca da imagem ou de qualquer outro detalhe que faça alusão a ela. [6] Segundo pesquisas de Júlio J. Brustoloni, a figura dos pescadores pode ser de fato constatada por meio de documentos de batismo e casamento das personagens disponíveis nos arquivos da paróquia de

Guaratinguetá. Para mais, BRUSTOLONI, Júlio J. História de Nossa Senhora da Conceição: a imagem, o santuário e as romarias. 10ª edição. Aparecida: Editora Santuário: 1998. [7] Segundo Mirian Moura Lott, com o objetivo de tentar adequar as normas e advertências do Concílio de Trento (1545-1563) às realidades brasileiras, as Constituições apresentam-se formadas por cinco livros que pretendem contemplar tanto as questões dogmáticas (da fé), como as atitudes frente às “coisas sagradas”, o comportamento dos fiéis no cotidiano, o procedimento desejável do clero e por último institui as sanções determinadas pelo descumprimento das orientações dadas. Para mais, ver LOTT, Miriam Moura. “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”. Texto apresentado no VII Simpósio da Associação Brasileira de História das Religiões, realizado na Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte – MG. 2005. [8] Até cerca de 1930, o povo conhecia o Santuário e a cidade que se desenvolveu ao seu redor apenas como ‘Capela da Aparecida’ ou como ‘Aparecida’. Para mais, ver BRUSTOLONI.Op cit. [9] Entenda-se por Ultramontano aquele que segue a orientação de Roma, do papa; Roma está no ultramontes, além dos montes, nos Alpes. Esse movimento que configurou-se em meados do século XIX, nasceu de raízes conservadoras, sob o impacto das revoluções liberais européias e o desenvolvimento filosófico e científico que agitaram Roma e o trono pontifício. Esse catolicismo foi marcado pelo centralismo institucional e por um fechamento da Igreja sobre si mesma, recusando o contato com o mundo moderno. Para mais, ver CRUZ, André. “O Pensamento Católico à Procura de Lugar na Primeira República Brasileira” (disponível emhttp://www.abhr.org.br/wp-content/uploads/2008/12/cruz-andre-gp01.pdf, acesso em 05/11/2009. [10] De fato, este processo de separação entre Igreja e Estado possibilitaria um grande avanço da Igreja em diversos setores que antes cabiam somente ao poder temporal. Em Aparecida isto incidiria diretamente na Administração da então capela (sob jurisdição da Paróquia de Guaratinguetá) na criação, em 17 de janeiro de 1890, pelas mãos de Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, bispo de São Paulo, de uma junta administrativa independente da Matriz de Guaratinguetá, composta de três membros, cuja função era administrar os bens e rendas eclesiásticas da Capela. Esta provisão, dando maior liberdade ao pequeno Santuário, que passaria a atuar também na vida civil de Aparecida (construção de calçadas, casa dos romeiros, cemitério, abertura e iluminação de ruas), auxiliaria no desejo da criação, por parte da diocese de São Paulo, de uma Escola Apostólica em Aparecida, o que daria maior autonomia para a capela que receberia o título de “Episcopal Santuário” em 28 de novembro de 1893, desligando-se, assim, da jurisdição paroquial de Guaratinguetá a partir da criação do curato de Aparecida. (CÚRIA METROPOLITANA DE APARECIDA. Documentos e Crônicas da Capela de N. S. A. – vol. II – compilação realizada pelo Pe. Julio Brustoloni). [11] A Congregação do Santíssimo Redentor foi fundada na Itália em 9 de novembro de 1732 por Santo Afonso Maria de Ligório em Amalfi, Itália, com o objetivo de trabalhar entre os negligenciados e nas redondezas de Nápoles. A vinda deste grupo para o Brasil, distribuídos em outras regiões como em Goiás e em Mariana, serviu para dar base a implantação da reforma católica iniciada durante o período imperial pelo movimento dos bispos reformadores, contando com a participação de diversos outros grupos de religioso. Um ponto importante nesta congregação é a ênfase no trabalho de catequese popular através da pregação das sagradas missões, além de serem os primeiros religiosos a assumir a direção dos santuários de devoção popular, iniciativa cara ao episcopado brasileiro que via nestes lugares um grande apelo aos sentimentos e devoções do povo desde a separação com o Estado em 1890. Para mais, ver BRUSTOLONI, Júlio J. op cit. e WUEST, Joseph. "Redemptorists." The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company,. Acesso em 14 de dezembro de 2009, emhttp://www.newadvent.org/cathen/12683a.htm. [12] Ainda segundo o discurso de Dom João Braga, transcrito por Homem de Melo, entre todas as vozes que ouvia clamando pela força que só proviria da Igreja, a do povo era uma “voz profunda e melodiosa... É a voz de um Povo, de um povo immenso, cujos dominios se extendem do Amazonas ao Prata, do Oceano aos Andes. É o BRAZIL! Ei-lo neste momento solemnissimo, aqui prostrado em espírito e representado por muitos de seus pastores Supremos e por esta muldidão, respeitável, tocante e eloquentissima, advinda do sympathico torrão Paulista, honra e orgulho de nossa Pátria” (BRAGA, Dom João apud HOMEM DE MELO, 1905: 43-44). [13] O fim da monarquia não alterou o santo padroeiro do Brasil, escolhido e nomeado pela família imperial, São Pedro de Alcântara, “por força do nome do primeiro e do segundo imperador do Brasil, ambos com o nome de Pedro. Impunha-se à nação o santo protetor da casa reinante, de escassa penetração popular” (BEOZZO, 1986: 294). Porém, principalmente com o novo contexto que é reforçado com a Revolução de 1930, este cedeu espaço para as devoções que realmente estavam dentro das invocações conhecidas do povo brasileiro, tornando-se padroeiro secundário. [14] Para mais informações sobre a relação Igreja e Estado no início do século XX, ver ALVES, Andréa Maria Flanklin de Queiroz. Pintando uma Imagem Nossa Senhora Aparecida – 1931:Igreja e Estado na construção de um símbolo nacional. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Dourados: 2005. [15] Segundo análise das proposições de Vargas, o plano de ação sugerido por uma democracia liberal nos governos anteriores acabou por destruir a identidade do corpo político da Nação, sendo necessário reencontrar uma noção perdida de um “povo uno”. No Brasil, isto poderia acontecer mediante o corporativismo, já que, assim como o cristianismo se utilizava do “corpo de Cristo” em sua liturgia, há

uma sacralização do “corpo que trabalha” no entendimento de Lenharo. Este corpo, que é a Nação completa, corresponde a uma metáfora orgânica em que a cabeça é o Estado, ou seja, o próprio Vargas que tudo gere e coordena, e, os membros, os trabalhadores, partes que só funcionam corretamente quando estão juntas e em harmonia com o que dita a cabeça (ideia utópica da possibilidade do exercício da plena participação política). Para mais, ver LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. 2ª edição. Campinas, SP: Papirus, 1986. [16] Em 1980, por resolução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e com o aval do governo federal, o dia litúrgico da Padroeira do Brasil foi alterado para esta data. Como afirma Fernandes, isto a afastava da festa da Independência e a colocava mais próxima da festa da “descoberta” das Américas. Para mais, ver FERNANDES, Rubem César. Aparecida: nossa rainha, senhora e mãe, saravá! op cit. [17] BRAGA, D. João. apud HOMEM DE MELO, José Marcondes. Coroação de Nossa Senhora Apparecida a 8 de setembro de 1904. São Paulo: Duprat & Comp, 1905. [18]FERNANDES, Rubem César. Aparecida: nossa rainha, senhora e mãe, saravá! op cit.

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