A FORMA EM FUNÇÃO DO SENTIDO NA POESIA DE E. E. CUMMINGS

June 30, 2017 | Autor: Isabela N. Sousa | Categoria: English Literature, Jacques Derrida, E.e. Cummings
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A FORMA EM FUNÇÃO DO SENTIDO NA POESIA DE E. E. CUMMINGS Isabela Christina do Nascimento SOUSA 1 Universidade Federal do Piauí RESUMO: O Poeta norte-americano Edward Estlin Cummings (1894 – 1962) escreveu uma vasta obra, mas é especialmente lembrado por uma série de poemas diferentes do que se convencionou tradicionalmente como poesia. Empregou abundantemente recursos como uma sintaxe peculiar, expressões parentéticas, tmeses, frases interpoladas, entre outros que causam no leitor um estranhamento que não é proveniente de algum tipo de distorção da linguagem, mas antes do que Derrida chamou de lógica da linguagem que resulta em crise. Um tipo de poesia que segundo o filósofo anunciava o fim da concepção clássica de literatura ao expor aspectos capazes de perturbar esse antigo entendimento. O seguinte trabalho busca analisar sob o viés da teoria pós estruturalista os poemas l(a e 42 de E. E. Cummings, enfatizando a importância desta orientação teórica para a compreensão do objeto literário e também ressaltando como o poeta ao construir seus poemas utilizou-se da forma como parte integrante da ideia expressa no poema, aplicando como aporte teórico Jacques Derrida (1992), Stéphane Mallarmé (1982), Lain Landles (2001), entre outros. Palavras chaves: Poesia. Pós-estruturalismo. Crise. 1. Derrida e a crise de linguagem Jacques Derrida (1930-2004) foi através de uma crítica ao estruturalismo e ao conceito de “estrutura” um dos percussores da corrente teórica denominada Desconstrução, que faz parte do movimento pós-estruturalista. Derrida propôs que “[...] ao invés de pensar a vida como algo que se acrescem signos e textos para representa-la, deveríamos conceber a própria vida como coberta de signos, tornada o que é por processos de significação” (CULLER, 1999, p. 21), a teoria do filósofo francês nos incita a ler ou interpretar um texto identificando dentro deste uma lógica em ação, foi exatamente isso que buscou fazer quando escreveu um ensaio sobre o poeta francês Stéphane Mallarmé. O texto inicia-se com a indagação quanto ao lugar de Mallarmé na literatura francesa, as inovações do poeta deveriam ser inclusas na tradição? Ele afirma que o estudo do poeta nos propiciava enxergar que algo havia sido forçado com o intuito de fugir de categorias tais como história da literatura, classificação literária, e qualquer tipo de filosofias e hermenêuticas, “Mallarmé never stopped tracking down signification wherever loss of meaning arose, in particular within the two alchemies of aesthetics and political economy.2” (DERRIDA, 1992, p. 112). Derrida criticou a retórica e a crítica literária por se concentrarem completamente em um significado completo e unificado sempre buscado dentro do texto:

Aluna do mestrado em letras da Universidade Federal do Piauí – UFPI Mallarmé nunca parou de buscar a significação sempre que a perda de sentido surgia, em particular dentro das alquimias da estética e economia política. (Tradução nossa) 1 2

But rhetoric, as such, does not deal with signifying forms (whether phonic or graphic) or with the effects of syntax, at least as far as semantic control does not dominate them. For rhetoric or criticism to have something to see or to do before a text; a meaning has to be determinable .3 (DERRIDA, 1992, p. 114)

Segundo ele, o texto de Mallarmé era organizado de forma que o significado permanecia instável, de maneira que permitia ao significante trazer a atenção pra si mesmo, o trabalho da composição da escrita deixava de ser evidente, “It catches our attention and forces us, since we are unable to go beyond it with a simple gesture in the direction of what it "means," to stop short in front of it or to work with it 4” (DERRIDA, 1992, p. 114). Muitas das observações feitas por Derrida sobre Mallarmé podem ser aplicadas no trabalho de Cummings. Landles (2001) em defesa da aplicação da teoria pós-estruturalista na análise de Cummings afirma que só assim é possível expor novas facetas do trabalho do poeta norte-americano. A partir do que foi exposto até aqui, partiremos para a análise de dois poemas de Cummings utilizando as ideias propagadas por Derrida, l(a e 42, o primeiro foi publicado inicialmente em uma coletânea intitulada 95 Poems (1958), e o segundo postumamente publicado em 73 Poems (1963), ambos podem ser encontrados em Complete Poems 1904-1962 (1991). 2. Edward Estlin Cummings Cummings nasceu em Cambridge, Massachusetts, e teve seu primeiro livro, The Enormous Room¸ publicado em 1992. Embora tenha debutado com um romance autobiográfico sobre o tempo em que foi prisioneiro de guerra, a maior parte da obra de Cummings é composta de poemas dos mais diversos estilos. Ficou bastante conhecido por traços peculiares como o excesso de pontuação, cortes abruptos, tmeses, expressões parentéticas, e uso peculiar de letras minúsculas e maiúsculas. “What Cummings seems to do is to return to a form of poetry that is nearly pure in terms of sensibilities.” (MORAMARCO; SHUCARD; SULLIVAN; 1990, p. 191). As singularidades na poesia de Cummings não eram usadas despretensiosamente, e o estranhamento que elas causam de início no leitor são criados através de uma crise na linguagem que Derrida (1990) afirma ser inerente da lógica da linguagem, como podemos constatar a seguir. 2.1. l(a Este é um dos poemas mais emblemáticos do escritor, segundo Kennedy (1980 apud LANDLES, 2001, p. 37) o poema constitui “[the] most delicately beautiful literary construct that Cummings ever created 5”:

3 Contudo a retórica, tal qual, não lida com formas significantes (fônicas ou gráficas) ou com os efeitos da sintaxe, pelo menos até onde o controle semântico não as domina. Para que a retórica e a crítica tenham algo a ver ou fazer diante de um texto; um significado deve ser determinado. (Tradução nossa) 4 Captura nossa atenção e nos força, já que somos incapazes de ir além com um simples gesto em direção ao que “significa”, e parar em frente a isso ou trabalhar com isso. (Tradução nossa) 5 [A] construção literária delicadamente mais bela que Cummings criou. (Tradução nossa)

l(a le af fa 11 s) one 1 iness6 (CUMMINGS, 1991 p. 673) A organização faz com que o leitor direcione inicialmente sua atenção para a forma que o poema toma, contrastando com as expectativas que são construídas quando ao se pensar em um poema, tendo assim que fugir da maneira tradicional de leitura que privilegia a linearidade espacial e a temporalidade do enunciado linguístico, a leitura agora é feita como se estivéssemos montando um quebra cabeças. Domingues e Müller descrevem esse novo processo da seguinte forma: [O] poema de Cummings torna essa relação [sintagmaparadigma] ainda mais complexa, na medida em que também opera sobre o aspecto físico da leitura, criando uma verticalidade física e semântica ao mesmo tempo. Isto é: num poema de E. E. Cummings [...] o sentido se realiza de forma descontínua. E é preciso observar que essa descontinuidade formal dos poemas de E. E. Cummings implica, não raro, em se pensar a própria percepção das coisas como algo que se dá de forma descontínua também. (DOMINGUES; MÜLLER, 2005, p. 4)

Lembrando-nos dos grandes nomes da poesia moderna, podemos ver refletido no poema a influência do ideograma chinês que esteve acentuada no trabalho de Pound, visto que a leitura vertical que exige o poema é algo típico da língua oriental. Derrida (1992) explica que esse jogo produzido através da sintaxe resulta na suspensão do significado. Se organizarmos o poema horizontalmente observaremos duas sentenças interpoladas através de parênteses: loneliness; (a leaf falls) (respectivamente, solidão; uma folha cai), cada qual constituída por 10 letras. A primeira tratandose de um conceito abstrato, e a segunda um ato físico que está relacionado a este conceito. De acordo com Domingues e Müller (2005) o uso recorrente da interpolação na poesia de Cummings advém da influência do cinema, que no poema é utilizado para conseguir o efeito da montagem paralela: Cummings [...] usa a seu mondo a montagem paralela, procedimento cinematográfico [...]. Se, no cinema, esse procedimento permite que vejamos alternadamente espaços contíguos de uma ação que transcorre num mesmo tempo (a 6

Foi utilizada a fonte Times New Roman para aproximar o máximo da fonte utilizada nas máquinas tipográficas da época.

mocinha amarrada no trilho, o bandido a cavalo correndo para salvá-la), nos poemas de Cummings ela ocorre na alternância de dois ou mais enunciados através do uso da tmese e dos parênteses [...]. (DOMINGES; MÜLLER, 2005, p. 7)

Todo o poema trabalha para sustentar essa ideia de solidão. Landles lembra que “the letter "l" is the same character on the typewriter k eyboard as the number "1."”7 (LANDLES, 2001, p. 38), o algarismo então aparece cinco vezes no decorrer do poema. Naquela época o surgimento da máquina de escrever permitiu aos poetas diferentes experimentações, já que podiam ver como o poema ficaria quando disposto na folha. O segundo verso da quarta estrofe é constituído de uma sílaba que isolada significa “um”. Ainda, a forma do poema também remete ao número, mais uma vez voltando para o “estar só” que o poema comunica. Heusser (apud LANDLES, 2001, p. 37) aponta que o poema escorre na página de maneira a retratar o movimento do cair da folha que no fim descansa ao chão. Não são folhas, mas sim uma única folha que cai. Ou seja, cada parte do poema trabalha para a construção dessa ideia de solidão. 2.2. 42 Esse poema, assim como o anterior cria um estranhamento inicial no leitor pela disposição não convencional do léxico na página, a temática agora é a quietude, e podemos observar que assim como no poema anterior, toda a estrutura do poema está trabalhando em prol do construir um sentido. n OthI n g can s urPas s the m y SteR y of s tilLnes s (CUMMINGS,1991, p. 814)

A letra “l” possui o mesmo caractere no teclado da máquina de escrever que o número “1”. (Tradução nossa) 7

O poema é constituído por sete estrofes, onde há a alternância entre uma estrofe com três versos e outra com um. Reorganizando o poema horizontalmente podemos ler: nothing can surpass the mystery of stillness (nada pode superar o mistério da quietude). Domingues e Müller apontam para o distanciamento do poeta moderno do declamador de salão que era o poeta em seus primórdios: [...] O poeta com uma máquina de escrever lembra a figura de um trabalhador industrial, de um operário trabalhando sobre uma máquina. O poeta é agora alguém que está de olho na letra, literalmente. É esse o novo poeta que vemos em E. E. Cummings, que se valeu de seu talento de desenhista no modo de utilizar a máquina de escrever para criar uma nova poesia [...]. (DOMINGUES; MÜLLER, 2005, p. 3)

Se tivermos em mente que a tradição poética começou oralmente, pode se apontar a poesia de Cummings como a transgressão dessa tradição, pois seus poemas não podem ser declamados, não tal qual se encontram impressos: Pela sua disposição gráfica arrojada, o poema se realiza (se atualiza) em algo que se poderia chamar de leitura visual. Ou melhor, a leitura visual (que segue os cortes abruptos, as tmeses, as frases e expressões parentéticas) deve proceder a uma "montagem" (como se monta um quebra-cabeças) capaz de tornar o poema legível [...]. ( DOMINGUES; MÜLLER, 2005, p. 3)

Ou seja, é uma leitura quieta e silenciosa, assim como a temática do poema. Se considerarmos somente as consoantes, há uma leve predominância de fonemas surdos, os monossílabos são átonos, e três das quatro demais palavras têm seu acento tônico em uma sílaba que se inicia em consoante surda. Há também a temática do mistério, o primeiro e terceiro verso da quinta estrofe é formado apenas pela letra “y”, que em inglês se lê /, do mesmo modo que o pronome interrogativo “why”8 (Por que), é como se o poema estive questionando o porquê da quietude. A quietude a qual o poeta se refere pode ser entendida como a morte, a morte é o cessar da vida e é também um fenômeno que sempre suscitou perguntas no homem. 4. Considerações A preocupação com a disposição do poema na página surgiu com Stéphane Mallarmé em Um Coup de Dés Jamais N’Abolira le Hasard publicado pela primeira vez na revista Cosmopolis em 1987. Os espaços em branco eram essenciais na constituição do poema, pois estavam diretamente relacionados com sua emissão oral, o página funcionava assim como uma partitura musical, o que chamamos de verso Mallarmé chamou de traços sonoros regulares, que deveriam ser entendido com os sentidos interiores: A (sic) idéia não é um objeto da razão, mas uma realidade que o poema revela numa série de formas fugazes, isto é, uma ordem temporal. A (sic) idéia, sempre igual a si mesma, não pode ser comtemplada em sua totalidade porque o homem é tempo, 8

O pronome também pode ser lido da seguinte forma: 

movimento perpétuo: o que vemos e ouvimos são as “subdivisões” da (sic) Idéia através do prisma do poema. Nossa apreensão é parcial e sucessiva. E é, além disso, simultânea: visual (imagens suscitadas pelo texto), sonora (tipografia: recitação mental) e espiritual (significados intuitivos, conceituais e emotivos). (PAZ, 1982, p. 103)

Cummings também concebeu tamanha importância à organização do poema impresso, o que ele fez não se tratava somente de experimentação, tudo trabalhava em torno de uma lógica que surgia com o poema. Utilizando as considerações feitas à Mallarmé por Derrida (1992), podemos afirmar que o que Cummings se esforçou em fazer foi mais que uma exploração visando levar a linguagem ao extremo em busca da máxima riqueza semântica, o uso do espaçamento é uma forma de trazer atenção para as propriedades da linguagem que não são redutíveis ao sentido, intenção ou referência, segundo Derrida (2009) os pontos e espaços em branco na página são apenas uma das realizações dos sistemas e articulações da diferença sobre as quais as operações de significações se estabelecem, e que ao mesmo tempo previnem a significação de se fechar sobre si mesma ou o mundo. Derrida (1992) ainda afirmou ainda que a pureza do signo só pode ser observada, quando ele referir somente a si mesmo, suas inscrições e funcionalidade e não a qualquer outra coisa. A crise reside na simultaneidade enigmática da repetição e ruptura, de uma organização lógica da linguagem e não de uma distorção. Landles (2001) aponta que Cummings decompõe as palavras para produzir uma série de resultados que se originam das unidades menores como sílabas e até mesmo letras. O poeta força o leitor a fazer uma interpretação que não pode ser reservada somente ao campo semântico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CUMMINGS, Edwad Estlin. Complete Poems, 1904- 1962. Ed. George J. Firmage. New York: Liveright, 1991 DERRIDA, Jacques. Acts of Literature. Ed. Derek Attridge. New York: Routledge, 1992. DOMINGUES, Mário; MÜLLER, Adalberto. O olho da letra: E. E. Cummings, o caligrama, a máquina de escrever e o cinema. In: O tigre de papel: 30 poemas. São Paulo: USP, 2005. LANDLES, Lain. An Analysis of Two Poems by E.E. Cummings. SPRING, The journal of the E. E. Cummings society, Illinois, n. 10, p. 31-43, 2001. Disponível em: . Acesso em: 13 ago. 2014. MORAMARCO, Fred; SHUCARD, Alan; SULLIVAN, William. Modern American Poetry. Massachusetts: University of Massachusetts Press, 1990.

OCTAVIO, Paz. O Arco e a Lira. 2 ed. Tradução Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

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