A FORMAÇÃO DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO ENTRE OS MENONITAS DO BOQUEIRÃO

June 13, 2017 | Autor: Iverson Santos | Categoria: Antropologia Urbana, Menonitas, Parentesco, Casamento, Imigração, Etnia, Antropologia, Etnia, Antropologia
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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ANTROPOLOGIA CULTURAL

IVERSON TEÓFILO DOS SANTOS

A FORMAÇÃO DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO ENTRE OS MENONITAS DO BOQUEIRÃO

CURITIBA 2015

2 IVERSON TEÓFILO DOS SANTOS

A FORMAÇÃO DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO ENTRE OS MENONITAS DO BOQUEIRÃO

Artigo apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Cultural da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito para obtenção do título de Especialista. Orientação Prof. Dr. Mario Antonio Sanches

CURITIBA 2015

3 IVERSON TEÓFILO DOS SANTOS A FORMAÇÃO DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO ENTRE OS MENONITAS DO BOQUEIRÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós Graduaçãoem

Antropologia Cultural da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista.

COMISSÃO EXAMINADORA _____________________________________

Professor:_____________________________

Instituição:_____________________________

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Professor:_____________________________

Instituição:_____________________________ _____________________________________

Professor:_____________________________

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Cidade, ____ de ________ de2015

4 A FORMAÇÃO DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO ENTRE OS MENONITAS DO BOQUEIRÃO

Autor: Iverson Teófilo dos Santos1

Orientador: Prof. Dr. Mario Antonio Sanches2 RESUMO

A presente pesquisa trata-se de um estudo a respeito das formações de parentescos dentro do grupo étnico religioso denominado Menonitas. Estes migraram para o Brasil em 1930 e construíram uma grande comunidade no bairro do Boqueirão, em Curitiba (PR). Em um primeiro momento, percebe-se que as relações de parentescos acontecem através do casamento entre os descendentes dos primeiros imigrantes. Trabalhando com a hipótese que o casamento entre os membros do grupo só aconteça entre os descendentes, o objetivo da pesquisa é compreender como os casamentos acontecem nos contextos de endogamia e exogamia. No caso onde os ocorrem os casamentos interétnicos, pretende-se compreender como estes são recebidos e absorvidos pela comunidade. Palavras-chave: Parentesco, Etnia, Menonitas, Casamento. ABSTRACT This research is a study about the kinship formations within the religious ethnic group called Mennonites . These migrated to Brazil in 1930 and built a large community in the suburb Boqueirão in Curitiba ( PR). At first , it is noticiable that the relations of kinship happen through marriage between the descendants of the first immigrants . Working with the hypothesis that marriage between members of the group only happen among descendants , the objective of the research is to understand how those marriages happen in the contexts of endogamy and exogamy. In the case where interethnic marriages occur, I want to understand how they are received and acquitted by the community. Key-Woeds: Kinship,Ethnic,Mennonites, Marriage Graduado em Ciências Sociais, aluno do curso de Especialização em Antropologia Cultural da PUC-PR. 1

Mestre em Antropologia, Doutor em Teologia, professor do curso de Especialização em Antropologia Cultural da PUC-PR. 2

5 Minha casa é meu abrigo Morada de esperança apontando em sua arquitetura os sinais do meu tempo de origem distante, como traços que definem no meu rosto os traços que também foram de meus pais e que meus filhos herdarão. Minha casa é como o tempo que passa soprando histórias de outros tempos. Portas e janelas: mãos postas em eterna oração. Para que entre o sol, para que entre o ar. Minha casa é como a vida que se acaba e recomeça aqui 3 ou em outro lugar.

1- INTRODUÇÃO Os Menonitas que vivem no bairro do Boqueirão em Curitiba sempre me

foram motivo de curiosidade. Desde criança eu percebo a presença deste

“povo” diferenciado no local onde eu nasci e vivo. A estranheza que segundo

CARDOSO DE OLIVEIRA4 é necessária ao antropólogojá despontava no meu olhar ao perceber aquele povo diferente vivendo bem ali ao lado. Guardada as devidas proporções, talvez o meu sentimento de fascínio pelo “diferente”

percebido ao olhar para os Menonitas, seja o mesmo sentimento tido por

Evans-Pritchard ao conhecer os Nuer, ou ainda Malinowski olhando a primeira

vez para os moradores das Ilhas Trobiand. Desde criança sempre quis saber mais sobre eles, visto que sempre me pareceram “diferentes”.

Naquela época, ao olhar para aquele povo podia-se perceber nomes e

sobrenomes diferentesdos nossos de origem luso-brasileiros. Em se falando de

características físicas, a cor da pele, cabelos e olhostambém não se pareciam

conosco e na maioria das vezes, a voz carregava um sotaque diferenciado ao falar o nosso português, isso quando não falavam entre si em um idioma totalmente ininteligível para leigos das línguas “germânicas”. Sim, havia algo de

estranho neles, totalmente perceptível ao nosso escrutínio. Tinham a sua

própria igreja e a sua própria escola e salvo um ou outro “perdido” que fugia e Poema de nome “Vidas que Recomeçam”, escrito no livreto chamado “Permanecei em Mim”, editado em comemoração aos 70 anos da imigração menonita no Brasil. 4 OLIVEIRA, Roberto Cardoso. O trabalho antropológico. São Paulo, UNESP, 2000 3

6 vinha bater bola com a “piazada”5, na maioria das vezes, não havia muita

interação entre nós e eles. A percepção era que o “estrangeiro” não era do outro lado do mundo, mas pra nós, “piás do Boqueirão”, o estrangeiro estava

logo ali ao lado. Para conhecer o estrangeiro não se precisava de um avião, bastava ir até a esquina.

Lembrando ainda das observações de criança, outro ponto percebido ao

dirigir o olhar para aquelas pessoas é que na grande maioria das vezes (pelo menos aparentemente)eles casavam-se entre si, entre os membros da comunidade. Quase nunca se podia observar um casamento entre um

menonita e alguém de fora da comunidade. Esse fato, o casamento entre os

membros da comunidade e só dentro da etnia é o grande motivo deste trabalho. Através de pesquisa bibliográfica e pesquisa etnográfica feita na

convivência dentro da comunidadefoi possível verificar as dinâmicas que

conduzem a etnicidade facilmente aparente e detectável. Entendendo por

etnicidade um conceito de identificação e diferenciação que é acionado pelo interesse do grupo étnico, algo como uma ferramenta que distingue o “nós e o eles”. O “contraste entre nós e os outros está inscrito na organização da etnicidade”6 diz Fredrik Barth. POUTIGNAT e STREIFF-FENART aprofundam mais ainda o conceito de etnicidade de Barth dizendo:

Há que convir com Barth, que a etnicidade é uma forma de organização social, baseada na atribuição categorial que classifica as pessoas em função de sua origem suposta, que se acha validada na interação social pela ativação de signos culturais socialmente diferenciadores. Esta definição mínima é suficiente para circunscrever o campo de pesquisa designado pelo conceito de etnicidade: aquele dos estudos dos processos variáveis e nunca terminados pelos quais os atores identificam-se e são identificados pelos outros na base de dicotomizações Nós/Eles, estabelecidas a partir de traços culturais que se supõem derivados de uma origem comum e realçados nas 7 interações raciais.

A primeira percepção é que a formação de parentesco através do

casamento sempre se dá dentro do “nós e nós” e nunca “nós e eles” e este Forma como em Curitiba nos referimos aos “meninos”. BARTH, Fredrick. Antropolítica : Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência Política. — n. 1 (2. sem. 95). — Niterói : EdUFF, 1995, p.16 7 POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne.Teorias da Etnicidade. São Paulo: Editora Unesp, 1998,p.141 5

6

7 artigo é resultado da pesquisa que pretende compreender e tipificar o casamento dentro da etnia menonita, com base nos conceitos antropológicos

de endogamia/exogamia. Além disto, tenta-se busca evidenciar o quanto o

grupo étnico se define ao redor da questão religiosa “ser menonita” buscando

identificar se há relação entre o tipo de casamento praticado e a identidade étnica do grupo estudado. Como afirma Franz Boas “queremos saber as razões pelas quais tais costumes e crenças existem”.8

A aproximação para a realização da pesquisa se deu através de contato

com um professor do colégio Erasto Gaertner e da Faculdade Fidelis, ambas as instituições de ensino pertencentes as “Igrejas Menonitas” de Curitiba. Além

de professor é também menonita étnico e membro da igreja Menonita.O professor Fernando9foi responsável por me colocar em contato com casais que antecipadamente se disponibilizaram em cooperar com a pesquisa.

A metodologia utilizada foia pesquisa etnográfica, realizada por meio de

observação participante, entrevistas e pesquisa em fontes históricas escritas. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas, seguindo o especificado em projeto de pesquisa submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa.10

2-Quem são os Menonitas? Quem é esse povo denominado “Menonitas” que ao mesmo tempo em

que estão tão próximos do ponto de vista de distância, pareciam tão distantes

do ponto de vista de cultura? Minha resposta a essa pergunta seria o passo inicial para entender a dinâmica do casamento neste grupo.

Estabeleci contato com o Fernando através do meu sobrinho que estuda

no Colégio Erasto Gaertner. O colégio é uma instituição ligada às igrejas

Menonitas, entretanto, acolhe alunos indistintamente e é considerado uma das 8

BOAS, Franz. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2012,p.33 Todos os nomes usados neste artigo são fictícios, seguindo normas sobre ética em pesquisa em vigor no Brasil. 10 Este projeto foi submetido e aprovado pelo CEP/ PUC-PR, com número CAAE 44932115.9.0000.0020, em 2015. 9

8 melhores escolas da região.Falamos ao telefone e agendamos um encontro que seria num sábado no colégio, logo depois da última aula dele.

O prédio do colégio ocupa uma grande área de quase uma quadra

inteira na Rua Waldemar Loureiro de Campos e faz frente com o Cemitério do Boqueirão. De frente pra rua pode se identificaruma grande e moderna

construção, um prédiopintado nas cores azul e amarelo, com as logomarcas do Colégio Erasto Gaertner e da Faculdade Fidelis, instituição de formação

teológica também ligada às igrejas Menonitas. Ao lado deste prédio tem uma construção antiga, uma “pequena capela”,que outrora fora uma igreja

Menonita. A capela tem na frente uma inscrição marcando a data da sua construção, 1946 e a descrição “Igreja dos Mennonnitos”, o que demonstra que

a grafia do termo “Menonita” com o passar do tempo, foi se adequando ao nosso português.

A entrada para o colégio é por um portão do outro lado da quadra na rua

de fundo. Cheguei um pouco antes do horário marcado e me dirigi para o

portão de entrada onde estavam três funcionários uniformizados que pareciam

ser inspetores ou porteiros. Disse que precisava falar com o professor

Fernando. Um deles me conduziu para dentro de um grande pátio coberto

onde pude perceber uma espécie de mesa, com alguns documentos e dois professores (um homem e um mulher) que estavam ali como se estivesse

aguardando alunos ou pais de alunos. A primeira impressão era o aspecto

físico “europeu” dos professores. A mulher de longos cabelos loiros e olhos claros. O homem, de cabelo curto, mas loiro e olhos claros iguais ao da mulher! A dupla, tranquilamente passaria por irmãos. O funcionário que me conduzia foi

na frente e olhou pra todos os lados tentando achar o professor. Ele pediu pra que eu aguardasse. Fiquei ali, no meio do pátio aguardando o funcionário que

sumiu indo procurar o meu contato. Enquanto fiquei ali,aproveitei pra olhar ao redor e me detivepercebendo algumas crianças que corriam e brincavam no espaço da escola.A primeira vista dos alunos, pode-se constatar a predominância dos aspectos físicos popularmente considerados “germânicos”

nas características das crianças, embora, como diz WILLENS, “grande parte do

9 povo alemão não tenha nem olhos azuis e nem cabelos loiros.”11Naquele momento não vi nenhuma criança com a pele ou cabelos escuros que

demonstrasse uma mistura. É óbvio que deve existir, visto que a escola é

aberta a todacomunidade, entretanto, percebe-se que a maioria dos alunos é descendente dos Menonitas.

Logo vejo o meu condutor conversando com um homem que julguei ser

o professor Fernando. Homem de meia idade, com cabelos castanhos claros e

olhos verdes. Eu já havia falado com ele ao telefone, mas não o conhecia pessoalmente. Escutei o funcionário dizendo “que tinha um pai que queria falar com ele”. Acho que me confundiram com um pai de aluno, o que por sua vez,

fez com que o professor Fernando logo viesse ao meu encontro. Apresentei-me

lembrando-o que tínhamos falado anteriormente por telefone e sorridente “fez cara de quem tinha se lembrado” e logo me convidou para irmos à sua sala.

Seguimos por um corredor um pouco escuro e poucos passos

estávamos em uma sala. Fernando me convidou a sentar enquanto ligava o

computador. Iniciamos então a conversa onde novamente relatei a ele o intento de estudar os Menonitas, o que, foi muito bem recebido pelo mesmo. Disse ele que devido aos processos de relação entre eles (os Menonitas) e a comunidade de um modo geral, eles estão em um processo de “assimilação” da cultura local, fazendo com que haja uma “deterioração” da “identidade

menonita”. Segundo ele, essa assimilação é um processo sem volta. A fala do

professor Fernando está em conformidade com o entendimento do antropólogo Emilio Willens que estudou o processo de aculturação dos imigrantes alemães no Brasil. Sobre o processo sem volta da assimilação diz WILLENS:

Mesmo um exame superficial da realidade mostra a multiplicidade de casos em que sociedades diferentes em contato se transformam, perdendo certo número de seus elementos culturais adquirindo 12 novos.

O medo do processo de “deterioração identitária” demonstrado por

Fernando, tem sua razão de existir ao se olhar para processos semelhantes

ocorridos em outras culturas e etnias. Segundo o professor Fernando, o meu WILLEMS, Emilio. A Aculturação dos Alemães no Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1980, p.127 12 Ibidem, p. 4 11

10 estudo iria contribuir para a “constatação” e preservação de uma “identidade menonita” e neste caso, ele daria total apoio.

Ele logo começa a citar algumas pessoas que eu poderia conhecer e

conversar. Em poucos minutos ele cria um grupo no “Whatsapp” e adiciona algumas pessoas que poderiam ser contatadas para a pesquisa. Logo após adicionar ao grupo o meu número de celular e destas pessoas, ele grava uma

mensagem me apresentando, apresentando o propósito da pesquisa e

solicitando aos mesmo que pudessem cooperar no que fosse necessário. No

mesmo instante, vários deles respondem positivamente. Ao longo da conversa ele me falou um pouco sobre a história dos Menonitas e me deu dois presentes, que segundo ele, seriam importantes. Um presente era um livreto

editado em comemoração aos 70 Anos da Imigração Menonita de nome

Permanecei em Mim, e um DVD com o mesmo nome. Tanto um quanto o

outro, faziam um resumo da história da imigração dos Menonitas no Brasil. Terminamos nossa conversa e saí satisfeito do meu primeiro encontro com o professor Fernando.

O professor Wilson Maske, na sua dissertação de mestrado que tem o

título “A BÍBLIA E O ARADO – Os Menonitas e a construção do seu reino”, faz

um excelente detalhamento histórico do processo migração destes para o Brasil. A origem dos Menonitas aparece na história como consequência da reforma protestante que resultou na aparição de um grupo chamado

“Anabatistas”, grupo esse que por sua vez se desdobrou dando origem aos Menonitas. Os Menonitas seriam os antigos Anabatistas, com outro nome.

A reforma protestante na sul da Alemanha e na Suíça foi grandemente

influenciada pela mensagem do pregador Ulrico Zuínglio de Zurique:

O mesmo tornou-se primeiramente conhecido por sua crítica ao sistema derecrutamento de jovens para os exércitos mercenários suíços que eram contratadospelos mais diversos soberanos da Europa. Com o tempo, sua pregação tornou-sebastante popular em função de seu posicionamento em favor das classes baixasurbanas e dos camponeses. Por esta razão, deixou sua pequena paróquia emEinsiedeln para ocupar o cargo de pároco da catedral de Zurique, 13 cargo eclesiásticobastante prestigiado em território suíço.

MASKE, Wilson. Bíblia e Arado: Os Menonitas e a construção do seu reino. Curitiba: Dissertação de Mestrado (HIstória) UFPR, 1999, p. 20,21 13

11 Depois de algum tempo, Zuínglio se desliga totalmente da Igreja Católica

Romana, seguindo o passo de outros reformadores. O mesmo segue com suas pregações com alta crítica às doutrinas católicas e por sua vez, vai

amealhando muitos seguidores. Depois de algum tempo alguns seguidores de

Zuínglio demonstram insatisfação com a “velocidade” das reformas, bem como, por

entender

que

algumas

doutrinas

praticadas

ainda

estavam

em

conformidade com o Catolicismo, sendo o “batismo de recém-nascidos” o grande catalizador da celeuma. Para Conrado Grebel, Félix Mantz e Jorge Blaurock o batismo seria um ato de fé, da crença, e esta só poderia existir no

exercício da consciência. Uma criança recém-nascida não poderia exercer a “livre vontade” de escolha pela fé cristã. O debate foi se tornando insuportável, até que houve a ruptura:

No segundo evento, a questão do Batismo infantil havia se tornado um problema que poderia desencadear dificuldades sociais se não fosse encontrada uma solução. Para superar o confronto, o Conselho instruiu Zuinglio a se reunir com os dissidentes que não reconheciam o Batismo infantil até que se chegasse aum denominador comum. Após duas reuniões de estudos, Zuinglio não mais suportou as pressões e recusou-se terminantemente a continuar com elas, alegando que seria impossível levá-las adiante, pois os dissidentes, os futuros Anabatistas, não mais reconheciam sua autoridade 14 espiritual.

A celeuma a respeito do batismo infantil marca a ruptura dos que seriam

posteriormente denominados Anabatistas os afastando tanto de Católicos

como dos reformados Luteranos, tendo como “rito de transição” o momento em que Grebel, Mantz e Blaurock exercem entre si o batismo. MASKE, citando PENNER escreve:

E sucedeu que estavam juntos depois que um temor se apoderou fortemente deles, eles clamaram a Deus no céu, para que Ele mostrasse misericórdia para com eles. Então, Jorge Blaurock levantou e pediu a Conrado Grebel que o batizasse. Feito isto, os 15 outros pediram a Jorge que fizesse o mesmo com eles...

Este ato não marca apenas uma questão a respeito do batismo como

uma doutrina religiosa. O ato serve também para marcar outro posicionamento

muito forte no Anabatismo de cunho mais político-social, sendo também uma 14 15

MASKE, 1999, p. 24,25 MASKE, p. 25

12 das suas características de identificação doutrinária. Os três amigos ao exercerem o batismo sem o devido “reconhecimento” ou “concordância” do

estado, lançam o primeiro tijolo na visão da “total separação entre estado e igreja”, característica esta que custou muita perseguição aos Anabatistas, tanto

por parte de católicos, quanto por parte de protestantes. O movimento Anabatista se espalha então pela Europa eno ano de 1536 um padre católico de nome Menno Simons, nascido em Witmarsum, cidade ao norte da Holanda,

depois de um período de muitas dúvidas doutrinárias, deixa o catolicismo e se

une ao movimento Anabatista. Torna-se logo em seguida, o grande líder deste movimento. Sobre Simons, Maske destaca:

Através de seu estudo metódico da Bíblia, Menno estava profundamente convencido, não apenas da exatidão da visão anabatista relativa aos sacramentos, mas inclusive de sua opinião sobre o Batismo infantil. Entretanto, suas convicções foram mantidas em silêncio. Apenas quando viu que líderes inescrupulosos haviam levado o movimento Anabatistas ao desmantelamento de Münster, 16 ele decidiu se pronunciar publicamente a favor dele e liderá-lo.

A liderança de Menno Simons é tão importante e tão marcante que o

mesmo empresta o nome aos Anabatistas que passam com o tempo a serem chamados de Menonitas. Os Menonitas se agrupam ao redor dos ensinos de Menno Simons e ao redor de uma doutrina de vida comunitária, dedicada em

sua maior parte a cultura agrícola e agropecuária, sendo este fato, o

responsável por leva-los em um primeiro momento para um processo de

migração para a região da Prússia no século XVI onde permanecem até o século XVIII. Esses 250 anos são importante para fixar a identidade étnica do grupo e os mesmos estabelecem o alemão como sua língua oficial, sem, no

entanto, perder o hábito de falar o “plattdeusch” (dialeto) na esfera privada. A sua posição doutrinária de serem contrários à participação de um cristão no

serviço militar, faz com que surja uma pressão para um novo processo

migratório, visto a Prússia entrar em um momento de guerra e querer contar com os muitos jovens Menonitas que viviam naquela região.

A convite da Imperatriz Catarina II, os Menonitas migram então em 1788

para uma região recém conquistada pelo império Russo e estabelecem ali uma 16

MASKE, 1999, p. 36

13 comunidade, recebendo por parte da imperatriz a garantia da liberdade de culto

e a dispensados jovens do serviço militar. Na Rússia tornam-se grandes, fortes e prósperos, tendo as mais rentáveis e produtivas propriedades rurais, bem como hospitais, escolas e permanecem lá até o evento da “revolução comunista”.

Com a Revolução Russa os Menonitas têm as suas terras

confiscadas e passam a viver sob intensa perseguição. Só resta então a fuga. Entre vários países que receberam os imigrantes Menonitas, afirma Maske:

Até meados de 1931, doze navios com imigrantes chegaram na Ilha das Flores, na Baía da Guanabara, para a quarentena exigida pelo governo. Logo após, foram encaminhados para o porto de Itajaí e de lá, pegariam um vapor fluvial que subiria o Rio Itajaí até Blumenau, 17 onde um trem os levaria até Hansa-Hammonia.

Santa Catarina foi o primeiro lar dos Menonitas no Brasil onde

estabeleceram cidades no “Vale do Rio Krauel” , mas a topografia montanhosa dificultava a cultura da pecuária e alguns deles então, já em 1934 se

estabeleceram na periferia de Curitiba, onde trabalhavam com a distribuição de leite e iniciavam uma grande e próspera colônia no bairro do Boqueirão. 3-A etnia Menonita No encontro que tivecom o professor Fernando, em uma de suas falas

ele diz possuir os documentos de sua mãe, uma das Menonitas que vieram

para o Brasil no processo de imigração. Fernando faz alusão ao fato de o

documento declarar a “naturalidade” e de estar em branco a “nacionalidade”. Os Menonitas que aqui aportaram advindos da Rússia, em sua maioria não tinham uma “nacionalidade”. Possuíam entre si uma identificação que os unia, independente de nação e suas características de forte identidade étnica os classificam como uma etnia. Sobre o sentimento de identidade, HALL afirma:

No mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural. Ao nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses ou galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer isso estamos falando de forma metafórica. Essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes. Entretanto, nós 17

MASKE, 1999, p.66

14 efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa 18 natureza essencial.

Conforme Mércio Pereira Gomes, etnia seria o “coletivo de pessoas que

se autorreproduzem e se reconhecem como integradas por sentimentos de tradição e reciprocidade , diferenciando-se de outras tais coletivos por símbolos próprios.”19Roberto Cardoso de Oliveira dá uma definição de grupo étnico citando Fredrik Barth: Segundo essa definição um grupo étnico designa uma população que:

a) “se perpetua principalmente por meiosbiológicos”; b) “compartilha de valores culturais fundamentais,postos em prática em formasculturais num todo explícito”; c) “compõe um campo de comunicação einteração”; d) “tem um grupo de membros que se identificae é identificado por outros comoconstituinte de uma categoria distinguívelde 20 outras categorias da mesma ordem”(Barth, 1969: 10-11).

Em um sábado ensolarado de inverno, ao visitar um casal menonita, eu

poderia confirmar como a prática de vida deles reafirmam essas teorias.

Cheguei à casa do casal Carlos e Priscila no horário combinado, sábado as 11:00h. Eles moram no Boqueirão, bairro onde está a igreja Menonita e onde

vivem a maioria deles. Carlos me recebeu no portão do condomínio e fomos caminhando até a sua casa. Ao entrar, sua esposa Priscila também já nos esperava para a conversa. Fui muito bem acolhido por eles e iniciamos um

agradável bate-papo, até sermos interrompido por uma linda meninade três anos chamada Bruna. Ela chegou e falou algo com os pais e eu não pude

entender, pois ela falava em alemão. Este seria o “fio da meada” de toda a nossa conversa. Eles conversaram em alemão com a filha e logo ela sobe para o quarto e ficamos novamente os três a sós. Eu pergunto se era hábito de falar

alíngua alemã entre eles e Priscila diz que sim, que em sua casa fazem uso

apenas da língua alemã com os filhos. Carlos, diz que enxerga muitos benefícios no uso da língua, mas fala que principalmente e em primeiro lugar,

entende como “comunicação íntima”, uma língua do coração, com vínculos HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editores, 2006, p 47 19 GOMES, Mércio Pereira. Antropologia, Ciência do Homem, Filosofia da Cultura. São Paulo: Contexto, 2014, p 83 20 OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Sociedade e Cultura: Revista de Pesquisa e Debates em Ciências Sociais.– v. 6, n. 2: UFG , 2003, p117 18

15 mais emocionais e afetivos. Diz que seus pais conversaram com eles em

alemão e querem continuar essa prática. Desde bebê, eles falam em alemão com a criança e ele diz, com uma ênfase emocionada, que pra ele, parece “mais natural”, parece um vínculo mais profundo. Esse sentimento emocionado

a respeito da língua é um dos aspectos importantes da etnicidade. A língua

alemã para os Menonitas tem um significado de diferenciação do “nós e eles”

além de ser um símbolo, um valor da cultura menonita. Conforme diz WILLENS:

O significado emocional que os valores culturais possuem para os componentes de qualquer sociedade não só aumenta a probabilidade de um sistema social funcionar com um mínimo de atritos internos, mas também representa uma defesa externa relativamente eficiente na hipótese de ocorrerem contatos com sociedades culturalmente 21 diferentes.

Carlos diz que além do alemão, falava-se também um dialeto chamado

“platodeutsch” (alemão raso), e que seus pais falavam entre si neste dialeto,

mas com os filhos, falavam em alemão. Pergunto se essa prática é comum a todos os Menonitas e ele diz que enxerga a prática se perdendo dentro da etnia, e justifica ser o "casamento misto"22 o fator responsável por isto. Nas

palavras de Carlos, fica claro que o mesmo atribui ao casamento entre menonita e não menonita (exogamia) um dos motivos de perda da etnicidade.

Neste modelo de casamento, como um dos cônjuges não fala a língua, fica difícil manter a tradição da prática do alemão dentro de casa.

Em outro momento, pergunto ao casal Carlos e Priscila o que é “ser

menonita” e que importância isto tem na vida deles. Priscila se antecipa para a resposta e diz que agora, não mais se sente diferente das outras pessoas, mas quando criança se sentia “muito”.

Hoje em dia, as pessoas de fora enxergam apenas a “religião” a Igreja Menonita e não mais nos enxergam como “estranhos” . Diz que quando criança na escola, “eles eram uma turma a parte”. O Colégio era mantido pela comunidade menonita, mas era aberto a toda a população do bairro. Os alunos Menonitas tinham aula de alemão em separados dos alunos brasileiros e aquela distinção se tornava muito forte no dia a dia. Dentro da escola existiam o “nós” e o “eles”. As pessoas os enxergavam: “aqueles são os Menonitas”. À medida que WILLENS, 1980, p 4 Casamento Misto é o termo usado entre os Menonitas para designar o casamento entre um Menonita Étnico e uma pessoa de fora da etnia. 21 22

16 havia um encontro de culturas, existia certa “tensão” diz Mônica. Os alunos brasileiros não convidavam os alunos Menonitas pra aniversário, e os Menonitas respondiam na mesma moeda, não convidando os brasileiros. Era tudo muito separado, mas hoje, não 23 vejo mais assim diz ela.

Dentro da fala de Priscila, é importante entender o papel da escola na

formação e perpetuação da identidade étnica. A escola menonita teria sido

criada não apenas com o papel de formação intelectual, mas também com a responsabilidade manutenção da etnicidade conforme assinala MASKE:

Com isto, haveria a chance de transformar a escola não num castigo, mas num lugar agradável,onde os alunos tivessem prazer em permanecer e assim introjetar neles as doutrinas do Mennanitentum e do Deuschtum. Sabemos também do grande interesse por parte dos Menonitas em manter a escola particular como o veículo de preservação de sua identidade particular menonita, mas que a maior parte das vezes 24 acabou por responder aos anseios de preservação do Deutschtum.

Outro ponto a ressaltar é que receber alunos não étnicos na escola

menonita apenas reforça os aspectos da identidade étnica, já que podem ser contrastadas as diferenças, as características do“nós e eles”, o que é necessário na perpetuação da noção de etnicidade conforme diz POUTIGNAT e STREIFF-FERNART:

Melhor dizendo, as identidades étnicas só se mobilizam com referência a uma alteridade, e a etnicidade implica sempre a organização de agrupamentos dicotômicos Nós/Eles. Ela não pode ser concebida senão na fronteira do “Nós”, em contato ou 25 confrontação, ou por contraste com “Eles”.

Carlos continua falando: Quando criança nós nos víamos como diferentes. Em certo sentido nós sempre vivemos muito protegidos, como se vivêssemos dentro de uma cápsula. A comunidade forma uma capsula ao redor dos seus e eu vejo isto como algo positivo. Existia muito mais “malandragem” fora da comunidade. Nós passávamos por “bobinhos” e por isso éramos mais zombados do que mais admirados. Ele viveu o lado menonita mais do que eu, diz Priscila. Ele veio de uma cultura menonita mais tradicional do que eu. A minha mãe por não ser menonita ela não era muito bem vista na comunidade. Eles Todas as falas constantes no texto foram colocadas em itálico para o destaque. MASKE, 1999, p. 120 25 POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 1998, p. 152 23 24

17 não iam pra igreja no início. Meu pai nos deixava no pátio da igreja e eles iam embora. Minha mãe teve muita dificuldade em fazer amizade no meio menonita. Ela era uma alemã no meio menonita na verdade. Eles eram alemães que fugiram também, no mesmo processo de imigração vindo da Rússia, mas eram Luteranos. Quando meus pais se casaram, meus avós não discriminaram, mas a comunidade menonita discriminou muito, eles não viam muito bem esses “alemães” que queriam se misturar com os Menonitas. Meu pai me contou que esses alemães moravam no bairro Guaraituba e eles vinham pra cá e a comunidade não gostava disto.

Fé X Etnia Além dos casamentos exogâmicos, a questão do discurso religioso

evangélico de “conversão” também se mostra um fator de pressão que mina a fortaleza da identidade étnica.

Os Menonitas, além de serem uma etnia, são também um grupo

religioso, e como grupo religioso são classificados como protestantes evangélicos.

Uma

das

suas

características

como

“evangélicos”

é

o

entendimento de “ser a igreja uma representação do Reino de Deus” e a igreja, por sua vez, tem por missão “pregar o evangelho” a toda criatura (homens de

fora da fé) e trazê-los para dentro do reino de Deus, através da conversão religiosa.

No site da Igreja Evangélica Menonita de Curitiba encontra-se a

confissão de fé menonita e podemos verificar dois itens que dizem a respeito a isto:

9) Cremos que a Igreja é a comunhão daqueles que, pela fé recebem a salvação que Deus oferece em Jesus Cristo. É a nova comunidade de discípulos enviados ao mundo para proclamar o reino de Deus e a fazer conhecido o antegozo da esperança gloriosa da igreja, um povo estabelecido e sustentado pelo Espírito Santo. At.2,37-41; At.2,42-47 10) Cremos que a missão da Igreja é proclamar o reino de Deus e viver segundo os seus princípios. Cristo ordenou à Igreja a fazer discípulos de todas as nações, batizar e ensinar tudo o que Ele 26 ordenou. Mt.28,19-20; At.1,8.

Ao se ter como missão a inserção de “todas as nações” no reino de

Deus, se faz necessária abertura das portas do reino menonita. É necessário que se baixem as reservas e defesas étnicas, para que se possam receber outras pessoas no reino de Deus. A inserção de pessoas não étnicas no grupo IGREJA EVANGÉLICA MENONITA DE CURITIBA, 2015.

26

18 religioso faz com que se tenham uma possibilidade maior de casamento exogâmicos, o que por sua vez, contribui para um processo de aculturação.

Sobre a questão de barreiras étnicas distintivas, Carlos diz enxergar por

dois aspectos, o cultural e o religioso. Não gosto do termo do religioso, pois vai até contra a nossa confissão de fé, mas, é melhor pra exemplificar. Ele conta um pouco da historia, da ida para a Rússia e como os Bolcheviques se

tornaram um perigo pra os Menonitas, a ponto de transformar a vida

insuportável. Fala com orgulho dos 100.000 Menonitas que viviam na Rússia, e dos apenas 5.000 que conseguiram fugir dizendo:

Nós somos descendente deste 5.000. Até 30 anos atrás isto não era divisível, a etnicidade era muito forte e não havia misturas, logo, não se dividia a fé da etnia. Não havia possibilidade da “fé menonita”, sem a cultura menonita. A Etnia não era aberta ao contato com outras culturas, logo, não havia “conversão” na religião menonita. Atualmente a questão “cultural” vem sendo derrubada pelo valor da ênfase que se dá na fé. Nas nossas igrejas falamos que Jesus morreu por todos e ao mesmo tempo não queremos abrir a porta da igreja para “todos”? Falamos que o “reino de Deus é para todos” e não queremos trazer todos para dentro do reino de Deus tentando preservar uma “pureza” menonita e impedindo uma mistura cultural? Neste sentido, há um conflito entre o “reino de Deus” e o “reino menonita”, diz ele. Graças a Deus hoje nossa igreja é “multi27 colorida”. Frequentamos a “igreja da cruz verde ” e lá tem os haitianos que também frequentam. Pra mim é mais importante ser “menonita” na fé. A fé dos menonita tem alguns aspectos muito diferentes de outras confissões evangélicas o que, muito me alegra. Etnicamente pra mim é importante ser menonita? Sim, em alguns aspectos. Temos alguns privilégios como a questão da língua, mas não me vejo melhor ou pior, tenho sentimento de igualdade. Pra mim, o que é importante ser menonita é pela forma como lemos a bíblia, na vivência da vida cristã. Esse processo de abertura da religião foi muito difícil, diz Priscila. Começou nos cultos onde à língua era o alemão. Como poderíamos convidar alguém para assistir ao culto, se não poderia entender o que ouvia? Então foi criado um culto em português, mas manteve-se um culto em alemão e isto existe até hoje. Temos um pequeno grupo que ainda frequenta o culto em alemão, e esses são os “menonita Menonitas”! Existem uns “Menonitas mais Menonitas” do que os outros, diz Carlos enquanto todos riem.

Essa relação parece estabelecer um conflito. Carlos diz que frequenta o

culto em alemão, mas eles não são considerados da “ala mais menonita”. Nós temos uma cabeça bastante aberta e às vezes essa posição de distinção étnica praticada pelos “mais Menonitas” nos incomoda por que parece que está

27

Como eles chamam a “Igreja Evangélica Menonita de Curitiba”.

19 “rolando até um neonazismo”, “um vamos purificar a raça de novo”, diz Carlos rindo.

Nós íamos ao culto em português e achávamos isto muito bom, mas quando nasceu nosso filho encontramos um problema de adaptação 28 dele na EBD . Ele não queria ficar na classe de jeito algum. Entendemos que, como em casa só falávamos em alemão, ele sentia dificuldades na relação em outra língua com os “não étnicos”. Tentamos ir ao culto em alemão e funcionou bem. Eles não querem sair de lá. Pra nós, o culto em alemão é uma dificuldade. Uma liturgia menos moderna, mais silenciosa. No culto em português a musica é mais moderna, as pessoas se abraçam e diante disto, vivemos em um conflito, onde não vivemos bem no culto em alemão, mas achamos o culto em português meio largado demais. Às vezes ainda surgem alguns que querem fazer grupos distintos apenas para os étnicos. Eu me coloco contrário diz Carlos. Sei que para alguns velhinhos “Deus fala apenas alemão”, mas agora, eu não acredito que para um adolescente Deus fale ainda em alemão.

O uso da língua se mostra com um grande peso na manutenção e

fortalecimento do vínculo religioso para os emigrantes de origem germânica. Passa-se uma ideia de língua sagrada. Semelhantemente aos Menonitas, WILLENS estudando os emigrantes alemães luteranos escreve:

O protestantismo germânico caracteriza-se pela fusão de elementos religiosos com outros os quais, devido à atuação de uma série de fatos históricos, foram adquirindo, aos poucos, um significado sagrado. Entre esses valores deve ser citado em primeiro lugar, a 29 língua alemã.

Priscila acredita que quando essas pessoas mais idosas que frequentam

o culto em alemão morrerem, essas tradições devem também sumir. Carlos faz apenas a observação que existem alguns Menonitas na mesma faixa de idade

deles, que vez por outra levantam a bandeira do fortalecimento da identidade étnica, e eles chamam o grupo de “neonazista”, diz ele brincando.

Ao ouvir este relato de Carlos e Priscila, fica claro o conflito entre a

cultura antiga e necessidade de adaptação ao discurso religioso. Ao mesmo tempo em que continuam perpetuando as práticas culturais dos antigos Menonitas, como por exemplo, a manutenção da língua original na prática com

os filhos e o frequentaro culto em alemão, eles se colocam como EBD, ou Escola Bíblica Dominical é uma classe formada nos domingos pela manhã que tem por finalidade o ensino da bíblia. A prática é comum em quase todas as denominações evangélicas. No meio Menonita, durante muito tempo, além dos ensinos bíblicos, a classe foi também responsável por difundir as tradições Menonitas. 29 WILLENS, 1980, p. 350 28

20 “progressistas”

em

antagonismo

aos

conservadores,

carinhosamente

chamados de “neonazistas”. Queremos o “novo”, mas ainda somos apegado e queremos manter o “velho”. Sobre isto WILLENS diz:

A necessidade de fazer ajustamentos a situações novas não envolve, nunca, o abandono total da cultura antiga. Combinações novas e antigas de atitudes-valores continuam existindo lado a lado durante um lapso de tempo cuja duração será tanto maior quanto maior for a 30 plasticidade psíquica do imigrante.

Endogamia e Exogamia no casamento menonita. Um dos grandes motivos desta pesquisa é a questão do parentesco

formada através dos casamentos no grupo dos Menonitas. O casamento, neste caso entendido conforme descreve HOEBEL e FROST:

...complexo das normas sociais que definem e controlam as relações de um par unido um com o outro, com seus parentes, com sua prole e com a sociedade em geral. Ele define todos os direitos institucionais, deveres, privilégios e imunidades do par como marido e mulher. Ele determina a forma e atividade da associação conhecida como 31 família.

O casamento dentro das fronteiras da identidade étnica menonita é o

que na antropologia se classifica como endogamia. Entende-se endogamia a

“regra social que exige que uma pessoa case dentro de um grupo socialmente definido, do qual é membro”.32

As fronteiras que determinam os grupos, o que é “dentro ou fora” não

são tão rígidas, mas, pode-se se encontrar uma escala de prioridades ou

preferências dentro de uma condição de “ideal” e “possível”. O ideal é que se

case dentro da etnia, entretanto isto não sendo possível, muda-se o local da

linha divisória de grupo. Nos discursos é possível perceber que é desejado que

se case menonita com menonita. Caso não seja possível, faz-se uma concessão que se case com um alemão cristão protestante. Não sendo WILLENS, 1980p.119 HOEBEL, E.Adamson; FROST, Everest L. Antropologia Social e Cultural. São Paulo: Editora Cultrix, 1995, p.176 32 Ibidem, 180 30 31

21 possível que seja pelo menos cristão protestante. Às vezes a regra para definir não é tão direta e objetiva, mas se mostram como uma tendência, conforme diz HOEBEL e FROST:

Encontra-se em muitas sociedades certo grau de endogamia, embora a regra não seja sempre explícita nem verbalizada. Ela é expressa frequentemente como uma tendência, sem chegar a ser uma 33 exigência. Pode-se também aplicar a toda espécie de grupo social.

LEVI-STRAUSS, talvez o maior nome no estudo do parentesco, falando

sobre endogamia explicita as questões dos limites condicionados:

A fórmula, positiva na aparência, da obrigação de casar-se no interior de um grupo definido por certos caracteres concretos (nome, língua, raça, religião, etc.) é, pois, a expressão de um simples limite, 34 socialmente condicionado, do poder de generalização.

Exogamia é justamente o contrário, ou, quando ocorre o casamento

totalmente fora das noções de pertença do grupo étnico. Conforme diz HOEBEL e FROST:

Significa a regra social que exige que o individuo se case fora de um grupo culturalmente definido do qual ele é membro. A família natal 35 conjugal é, com as poucas exceções já notadas, sempre exógama.

Em uma parte anterior da conversa, Carlos diz ser a exogamia, o

casamento misto, um dos motivos de estar se perdendo a prática do uso da

língua alemã, e por consequência, uma perda de identidade étnica. Ele desculpa-se e pede que não seja mal compreendido como alguém contrário ao casamento misto. Explica que os pais dele nunca o impediram a respeito de casar com alguém de fora da etnia, mas impunham a condição que fosse

“cristão”. Eu pergunto se todos os cristãos, ou apenas cristãos protestantes e ele diz que católico seria um problema, pois conflitaria com a confissão de fé

menonita. Teriam que casar com cristão, de confissões de fé semelhantes a deles. Conta que a irmã se casou com uma pessoa da fé Luterana, entretanto,

(rindo) diz que casar com Luterano, era uma condição “limítrofe” do esperado pelos pais. Todos riram!

HOEBEL; FROST, 1995, p. 186 LEVI-STRAUSS, Claude. As estruturas Elementares do Parentesco. Petrópolis: Vozes,2011, p. 86 35 HOEBEL; FROST, p. 186 33 34

22 Aproveito e pergunto se havia uma imposição por parte dos pais para

que se casassem apenas com descendentes étnicos. Priscila diz que o pai era um menonita bem tradicional, mas que se casou fora da etnia, entretanto,

procurou uma esposa que falasse a língua alemã, vindo a casar-se com uma descendente de alemão de religião luterana, que veio a se converter a fé menonita. Priscila diz que esse assunto era fora de questão, ela e o irmão,

deveriam se casar dentro da etnia e, em sendo assim, ela nem procurou em outro lugar. Ela diz que a convivência na comunidade menonita criou a aproximação necessária para o casamento futuro. Cresceram juntos na EBD (Escola Bíblica Dominical),no grupo de jovem da igreja e na escola.

Carlos diz que seus pais tinham preferência que ele se casasse dentro

da etnia, mas não se impunham objetivamente contra, inclusive cita que teve uma namorada fora da etnia, mas quando falou aos pais que estava

namorando a Priscila, isto foi motivo de muita alegria. Justifica que a escolha por Priscila aconteceu mais por afinidade do que por indução. Pesando todas as questões, descobriu que era a melhor forma de ser feliz. Priscila diz que

poderia ter acontecido de se casarem com pessoas de fora, visto que quando

começou o namoro, eles já tinham uma vida fora da etnia, fazendo faculdade e trabalhando. Carlos diz que hoje, pensando nos filhos deles, vê vantagens em

casar dentro da etnia. O fato de ser um grupo fechado e muito próximo faz com que todos se conheçam e que a história pregressa das pessoas é conhecida de todos, sendo que na maioria das vezesisto trás certa “segurança”. Diz que

Priscila brincava de boneca com a irmã dele. Esse conhecimento da história da

vida da outra pessoa traz tranquilidade, visto ser possível saber se a pessoa

tem uma “boa formação familiar”, se tem valores morais, e se não possui traumas. Em tom de brincadeira afirma que quando a pessoa tem problema, pelo menos é sabido de todos e ninguém tem surpresas. Ele diz que é “um

namoro de 20 anos”. Diz ele ainda que como vivem juntos desde quando nascem, um conhece a história do outro. Entende que tudo é “muito transparente”.

O discurso de Carlos demonstra o medo de se tentar um casamento

exogâmico, visto não se ter muita informação a respeito da outra pessoa e sua parentela, imaginado ser isto uma aventura. Esse pensamento está em

23 conformidade com o que pensa LEVI-STRAUSS que diz que “o casamento entre estranhos é um progresso social (porque integra grupos mais vastos), mas é também uma aventura.”36

Carlos também adverte que ser muito transparente, também tem lado

negativo, pois o pai de um pretendente pode não querer o namoro, visto

conhecer a família e os problemas a ela relacionado. Conta que quando jovem andou até interessado em uma moça da etnia, mas os pais demonstraram

certa desaprovação. Ele não via isto como uma indução, uma imposição, mas como “uma torcida” e diz não entender como errado que os pais “desejem o melhor para os filhos”.

E hoje? Os Menonitas continuam casando apenas dentro da

comunidade? Hoje, percebo que a minoria casa dentro da comunidade diz Carlos, até porque não se tem mais muita disponibilidade de pessoas para o

casamento. E quando acontece esse casamento, a pessoa passa a fazer parte da comunidade pergunto eu? Carlos diz que é necessário cuidar e fazer uma distinção entre “comunidade espiritual” e “comunidade étnica”.

O que tem acontecido é o casamento dentro da “comunidade espiritual” e fora da “comunidade étnica”. Houve uma mudança de pensamento da liderança talvez até por uma “nova leitura”, mas também pelo próprio acontecimento dos casamentos. Os casamentos não étnicos estão acontecendo e temos que saber lidar com isto.

Conforme

diz

WILLENS,

adaptações a novas realidades:

existe

fatalmente

a

necessidade

de

As combinações de atitudes e valores existentes já são inadequadas diante de uma situação que requer novos ajustamentos baseados nas experiências “desagradáveis” que se venham fazendo. É neste ambiente que nascem atitudes potencialmente favoráveis à aceitação 37 de valores culturais novos.

4-Casamento Menonita, assunto de família.

36 37

LEVI-STRAUSS, 2011, p. 86 WILLENS, 1980, p. 5

24 Ao olhar para a história e ao observar o cotidiano da vida menonita,

percebe-se facilmente o valor do casamento como meio de manutenção de

uma identidade étnica. Desde a mais remota época da história dos Menonitas, o casamento endogâmico é incentivado e preservado, conforme assinala MASKE:

...sendo reforçado pelos “presbíteros” e como também, pela própria doutrina menonita, que ordenava o casamento com elementos da comunidade, o que resultou em uma homogeneização étnica do 38 grupo.” .

Neste contexto é importante frisar o entendimento que têm os Menonitas

com quem conversei sobre o papel importantíssimo do casamento na

manutenção e fortalecimento da etnicidade. A endogamia aprimora e fortalece as características culturais da etnia. A exôgamia, fatalmente produz uma

intersecção de culturas e estas não serão mais a mesma, “passando para possíveis mudanças nas configurações culturais de dois ou mais grupos que

estabelecem contatos diretos e contínuos” conforme fala WILLENS.39 Um casamento não é apenas uma junção de duas pessoas, mas de duas famílias,

(alianças de família) de duas sociedades, de duas culturas, por sua vez,

existem interesses maiores do que apenas o interesse dos nubentes. Gilberto Velho diz que:

Geralmente a opinião, rejeição, aceitação por parte das famílias foi, pelo menos, uma referência fundamental para o casamento, mesmo no caso dos chamados casais modernos que valorizam fortemente o aspecto intransferível da escolha pessoal. A questão é saber até que ponto, em grupos sociais como o investigado, o estabelecimento do vínculo matrimonial, sua estabilidade e eventual término são assuntos das famílias de origem e como se delineiam as relações sociais nesse 40 contexto.

Em outra oportunidade, conheci o casal Beto e Mara. Beto é menonita

étnico e a esposa Mara não, configurando a prática exogâmica. Ele a conheceu quando frequentava um seminário fora do ambiente menonita sendo Mara de origem religiosa da Igreja Batista. Encontramo-nos também em um sábado à

tarde, ensolarado, típico de inverno em Curitiba. Um dia comum daqueles que, MASKE, 1999, p. 41 WILLENS, 1980, p. 21 40 VELHO, Gilberto. Subjetividade e Sociedade. Uma experiência de geração: Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2006, p.26 38 39

25 ao sol você sente calor e na sombra sente frio. O endereço foi uma linda casa

no bairro Boqueirão, casa de um amigo do casal, também menonita, onde eles e outros casais faziam um churrasco. Gentilmente Beto e Mara fizeram uma pausa no churrasco e vieram me atender. Colocamos algumas cadeiras no jardim da casa, e agradavelmente nos posicionamos para a conversa.

Estrategicamente coloquei minha cadeira no limite entre sol e sombra de forma que pudesse mudar conforme a temperatura determinasse a necessidade.

Imediatamente pergunto a Beto sobre como era a questão do

casamento, diante da vontade e dos ensinamentos da igreja. Beto diz que era

difícil dizer hoje o porquê do “não” e pensando sobre isto hoje, ele percebe como essa imposição negativa teria sido colocada na cabeça de todos, sem necessariamente dizer isto de forma clara e aberta. Lembra, inclusive, de um

pastor que usou um texto da bíblia para dizer que menonita deveria se casar com menonita, enquanto que e a interpretação correta seria “cristão deveria se

casar com cristão”.Neste caso, houve uma manifestação contrária à posição do pastor e a necessidade de retratação por parte do mesmo. Percebe-se um

interesse coletivo na decisão individual a respeito do casamento dos jovens Menonitas. Roberto DaMatta na introdução do livro “Os Ritos de Passagem” de

Arnold Van Gennep também reafirma o casamento como um acontecimento de interesse de uma sociedade:

...o fato de que o casamento não é um acontecimento individual como comanda nossa ideologia de amor romântico, mas algo coletivo e grupal, que sempre mobiliza as forças sociais no sentido de criar uma nova unidade (o casal), e – além disso – procura integrar esta nova 41 unidade no seio de algum grupo mais inclusivo.

Esse relato de Beto, já demonstra um conflito de interesse entre a

vontade individual e a vontade coletiva conforme observa GRUMAN em seu trabalho sobre o casamento de judeus:

A liberdade interna e externa em relação às identidades comunitárias e o rompimento com padrões de vida de grupos que se pretendiam homogeneizadores está ligada à noção de indivíduo como princípio 42 regulador das relações sociais. DAMATTA, Roberto. "Apresentação". In: VAN GENNEP, Arnold. Os ritos de passagem. Petrópolis: Vozes,2013, p.19 42 GRUMAN, Marcelo, Revista ILHA -v. 7, n. 1,2. Florianópolis: UFSC, 2005, p.167 41

26 Os jovens ousam questionar o entendimento da comunidade étnica

religiosa, tentando estabelecer um “meio termo” entre a necessidade do

cumprimento dos “princípios bíblicos” e uma “possibilidade maior de escolha”. Percebe-se um questionamento a respeito das tradições menonita como se elas não fossem mais importantes do que os princípios religiosos. “Sim, precisamos

atender

aos

princípios

bíblicos,

mas

estes

não

estão

enclausurados na tradição étnica”. Ao mesmo tempo, percebe-se o esforço por

parte dos defensores da manutenção das tradições em fortalecer seus discursos, dando-lhe aspecto de autoridade espiritual e o elemento religioso é

apropriado como elemento étnico. Bauman falando sobre as marcas distintivas da comunidade cultural diz :

...pregadores e defensores das comunidades culturais quase inevitavelmente desenvolvem uma mentalidade de "fortaleza sitiada. Na verdade, quase todas as características do mundo circundante parecem conspirar contra o projeto. O sentimento de fragilidade não alimenta confiança, enquanto que a falta de confiança alimenta uma suspeita que beira a paranóia. Para sua própria segurança espiritual, comunidades culturais precisam de muitos inimigos - quanto mais malvados e ardilosos melhor. O movimento e o diálogo transfronteiriços são para eles um anátema; a proximidade física de pessoas de diferentes modos de vida, uma abominação; a livre troca 43 de idéias com essas pessoas, o mais fatal dos perigos.

Mara interrompe e observa que o pai de Beto teria dito que se ele e os

irmãos não se casassem com Menonitas ele não iria ao casamento, o que

acabou não acontecendo no casamento deles. Beto lembra que existiam muitas garotas Menonitas que queriam se casar com ele e a sua geração não entendia como ele foi casar com uma moça de fora. Mara lembra que o irmão de Beto o questionou se realmente queria se casar com uma moça de fora da etnia. Ela lembra que eles tinham 21 anos quando se casaram e diz: “éramos jovens, questionando eles”.

Em um primeiro momento percebe-se nas falas a vontade de jovens,

vivendo em um mundo que valoriza a liberdade de decisão, optar a respeito dos casamentos parecendo que inspirados pelo modelo “sheakesperiano” de

BAUMANN, Zygmunt. Ensaio sobre o Conceito de Cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p.65 43

27 amor, entretanto, é possível também perceber como a palavra e a aceitação por parte dos pais e da comunidade tem certo peso na decisão e na escolha.

Beto se lembra de outro pastor, líder de jovens, que disse que os filhos

deles seriam “bastardos”. Ele faz a observação que o pastor talvez

desconhecesse o significado do termo, e queria na verdade dizer que seus filhos seriam “sem identidade”, visto que ao casar com alguém de fora da cultura, o resultado seria outra cultura.

A noção de identidade segundo o pastor, estaria relacionada à noção de

pertença aos símbolos e significados menonita. De acordo com SANTOS:

A noção de identidade, que rompe com as dicotomias entre indivíduo e sociedade, passado e presente, bem como entre ciência e prática social, está tão associada à ideia de memória como esta última à primeira. O sentido de continuidade e permanência presente em um indivíduo ou grupo social ao longo do tempo depende tanto do que é lembrado, quanto o que é lembrado depende da identidade de quem lembra. Da mesma forma que a identidade, a memória também deixou de ser pensada como um atributo estritamente individual, passando a ser considerada como parte de um processo social em que aspectos da psique se encontram interligados a determinantes sociais. A memória deixou, portanto, de ser considerada como fenômeno individual, passando a elemento constitutivo do processo 44 de construção de identidades coletivas.

Mara conta que além de não ser menonita, também não é de

descendência alemã, por sua vez, também não falava alemão quando se

casaram. Quando ela chegou e passou a conviver com a família do Beto, ela sentiu certa dificuldade. Nas reuniões de família como páscoa, natal, as

mulheres só conversavam em platodeutsch e ela não sabia nem o alemão. Ela disse que tomou uma iniciativa de não se “sentir excluída” e disse que queria

que eles mantivessem a tradição e não falassem em português apenas por ela. Assim que casou, foi estudar o alemão e em seguida, por assimilação

aprendeu também o platodeutsch, sendo que hoje, se sente bastante inserida na comunidade. 5-Conclusão SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Sobre a autonomia das novas identidades coletivas: alguns problemas teóricos. Revista Brasileira de Ciências Sociais. [online]. 1998, vol.13, n.38 ISSN 1806-9053, p.4 44

28 O artigo pretendeu tornar perceptível a tensão e o conflito existente entre

a força de assimilação da cultura local, versus a necessidade de preservação

das características distintivas da identidade étnica menonita. A história e trajetória dos Menonitas demonstram resistência perante as mais diversas intempéries da vida. Conseguiram sobreviver às perseguições religiosas

impostas por católicos e protestantes, sobreviveram a várias mudanças geográficas e econômicas e estes que chegaram ao Brasil, em Curitiba

especificamente, sobreviveram inclusive a grande perseguição imposta pela revolução comunista na Rússia.

Apesar de manterem-se resilientes na missão de permanecerem vivos

como Menonitas Étnicos, atualmente percebe-se que a força da cultura local

rompe as barreiras de proteção da etnicidade. Observa-se através da pesquisa um processo de esvaziamento da identidade étnica, sendo um dos motivos o

fortalecimento do discurso religioso missionário. Para salvar o mundo, aos

poucos se sacrifica a etnia. Jesus Cristo, na Bíblia Sagrada, que diz que “a semente deve morrer para gerar fruto”. Parafraseando isto, ao que pareceo reino Menonita, assim como a semente, morre para que se cresça o reino de

Deus. Esvazia-se o reino Menonita Étnico para dar espaço ao reino Menonita Religioso.

Os casamentos exogâmicos, ou “casamentos mistos” (como eles falam)

também são responsáveis por esse processo de aculturação que vivem os

Menonitas. Apesar do discurso preferencial pelo casamento endogâmico na

etnia, percebe-se que esta primeira barreira já caiu e hoje a endogamia se

estabelece dentro do grupo “menonita religioso” e não mais “menonita étnico” como foi no passado. Mesmo não sendo descendente dos 5.000 imigrantes

que aqui chegaram, se for um convertido a religião menonita, torna-se uma opção para o casamento aceitável perante os familiares e toda a comunidade. “Aparentemente, a fé vai vencendo a tradição”. REFERÊNCIAS BARTH, Fredrick. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência Política. — n. 1 (2. sem. 95). — Niterói:EdUFF, 1995.

29 BAUMANN, Zygmunt. Ensaio sobre o Conceito de Cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 2012 BOAS, Franz. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2012 DAMATTA, Roberto. "Apresentação". In: VAN GENNEP, Arnold. Os ritos de passagem. Petrópolis: Vozes, 2013 GOMES, Mércio Pereira. Antropologia, Ciência do Homem, Filosofia da Cultura. São Paulo: Contexto, 2014 GRUMAN, Marcelo, Revista ILHA - v. 7, n. 1,2. Florianópolis: UFSC, 2005 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editores, 2006 HOEBEL, E.Adamson; FROST, Everest L. Antropologia Social e Cultural. São Paulo: Editora Cultrix, 1995 http://www.iemc.org.br/pagina-Confissao-de-fe/0/76 acessado em 14/10/15 ás 15h44minh LEVI-STRAUSS, Claude. As estruturas Elementares do Parentesco. Petrópolis: Vozes, 2011 MASKE, Wilson. Bíblia e Arado: Os Menonitas e a construção do seu reino. Curitiba: Dissertação de Mestrado (História) UFPR, 1999 OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Sociedade e Cultura: Revista de Pesquisa e Debates em Ciências Sociais.– v. 6, n. 2: UFG , 2003 OLIVEIRA, Roberto Cardoso. O trabalho antropológico. São Paulo, UNESP, 2000 POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade. São Paulo: Editora Unesp, 1998

30 SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Sobre a autonomia das novas identidades coletivas: alguns problemas teóricos. Revista Brasileira de Ciências Sociais. [online]. 1998, vol.13, n.38 ISSN 1806-9053. VELHO, Gilberto. Subjetividade e Sociedade. Uma experiência de geração: Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2006 WILLEMS, Emilio. A Aculturação dos Alemães no Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1980

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