A FORMAÇÃO DOS ESTADOS AFRICANOS: CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADE ESTATAL A FORMAÇÃO DOS ESTADOS AFRICANOS: CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADE ESTATAL

June 5, 2017 | Autor: Luiza Cerioli | Categoria: African Studies, Conflict, State Formation
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A FORMAÇÃO DOS ESTADOS AFRICANOS: CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADE ESTATAL

A FORMAÇÃO DOS ESTADOS AFRICANOS: CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADE ESTATAL Alexandre Spohr, Luiza Andriotti e Luíza Cerioli1 A estruturação dos Estados africanos, após a concessão de independência política pelas metrópoles europeias, enfrentou diversos desafios provocados pela ausência dos recursos necessários à legitimação e consolidação das estruturas estatais. A situação em que essas independências ocorreram foi marcada por uma nova forma de dependência das antigas colônias para com as potências; isso acabou por minar muitas das iniciativas dos governos, levando à maioria dos conflitos percebidos no continente nesse período. O presente capítulo se focará nesse momento da história africana de construção e de busca pela afirmação dos Estados africanos. Com esse objetivo, conduzimos estudos de caso focando nos seguintes países: República Democrática do Congo, Ruanda, Burundi, países de colonização portuguesa, Serra Leoa, Costa do Marfim, Libéria, Etiópia e Somália.

Introdução O processo de construção dos Estados africanos ocorreu em grande parte após a independência dos mesmos, que em sua grande maioria ocorreu na década de 1960. As bases para a formação desses Estados foram as estruturas criadas durante o período colonial, e, para garantir a legitimidade interna e externa de seus governos, os novos governantes precisaram se apoiar nas fortes relações com as antigas metrópoles. Assim, a formação dos Estados africanos ocorreu ainda em condição de forte dependência econômica e institucional das antigas metrópoles europeias (MAZRUI, 2010). Nessa situação, a liberdade de ação dos novos governos foi em grande medida sacrificada, e elementos de fraqueza do poder público foram mantidos, sendo muitos os desafios para esses novos países.

Os governos africanos (in)dependentes A criação de instituições que serviriam para organizar e dirigir os países africanos ocorreu sob a influência e, muitas vezes, sob a tutela das antigas metrópoles europeias, que escolheram ou cooptaram as lideranças que ascenderam ao poder após as independências. Em muitos casos, deixar-se cooptar pelas potências europeias era a forma mais assegurada de garantir a sua independência. Além disso, os governos e parlamentos africanos demoraram a incluir uma parcela mais Graduandos de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os autores agradecem a revisão de Luíza Schneider e a colaboração do Prof. Luiz Dario Ribeiro. 1

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significativa da população originalmente africana, deixando de ser predominada por descendentes dos colonizadores. Os modelos institucionais europeus foram adaptados pela maioria dos países africanos em vias de formação. O parlamentarismo britânico, por exemplo, foi copiado nas antigas colônias dessa metrópole. O início do período independente dos países africanos, devido à tentativa de utilizar os modelos políticos europeus, foi caracterizado por um temporário pluralismo político, herança do final da colonização (M’BOKOLO, 2009). As constituições e o processo jurídico e judicial dos países independentes foram adaptados de seus equivalentes europeus. Contudo, esses modelos não condiziam com a realidade africana e acabaram por impedir a construção de Estados legítimos e por perpetuar as elites políticas escolhidas pelas metrópoles. Os Estados africanos, quando de sua independência, não eram dotados das capacidades estatais necessárias à manutenção de sua soberania interna, principalmente devido à forma como sua independência, na maioria dos casos, fora concedida. Os grupos que assumiram o controle dos países africanos não tinham os instrumentos necessários à manutenção da legitimidade de seus governos, que lhe propiciassem um desenvolvimento econômico constante e igualitário; requerendo, assim, apoio externo para manterem seu controle (CLAPHAM, 1996). A forma como a independência foi concedida aos africanos mantinha muitas das vantagens que os europeus tiravam do continente, reduzindo os gastos em que esses incorriam com a manutenção do controle sobre os africanos. As concessões feitas aos europeus e a importância desses para a estabilidade do governo reduzia as possibilidades de atuação dos governantes, mantendo sua dependência para com os europeus. Contudo, alguns chefes de estado africanos se aproveitaram das disputas entre potências estrangeiras para atrair recursos para a consolidação de seus governos. Os integrantes das elites africanas criaram instrumentos de manutenção de seus privilégios sobre o poder público, se valendo das práticas imperialistas europeias concernentes à educação e à administração pública. Assim, a europeização da cultura das elites tornou a ascensão social mais difícil, enfraquecendo os elementos culturais africanos, que eram vistos por muitos como um retrocesso em sua busca por ascensão (ELAIGWU, 2010). O idioma oficial adotado pela maioria dos países africanos foi o de suas metrópoles, que é utilizado pela burocracia estatal, pela maioria das redes de informação e pelos integrantes da cúpula do setor privado. Contudo, esse idioma não é o falado pela maior parte da população, que acaba por ser marginalizada de todos os processos políticos (CHAZAN et al., 1999). Quase todos os governos africanos independentes resolveram se dedicar à melhoria da educação em seus respectivos países. As estratégias por eles adotadas com esse intuito tinham diferentes focos, alterando o peso dado aos diferentes níveis educacionais. Os africanos de forma geral viram na educação uma forma de ascensão social, sendo recorrentes casos em que pais, ou até mesmo pequenos vilarejos, faziam

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sacrifícios para permitir às crianças uma melhor educação, o que lhes permitiria defender melhor os interesses da comunidade frente às elites políticas (idem, 1999). Contudo, a preocupação com a educação se centrava na cópia do modelo de ensino europeu; os conteúdos mais africanos eram frequentemente criticados pelos pais, que davam maior valor a certificados equivalentes aos europeus, que supostamente trariam um melhor nível de vida para seus filhos. Uma das prioridades defendidas pelos governantes africanos era a cultura, que era vista como parte integrante do desenvolvimento dos novos países. Essa defesa se concretizou na criação de símbolos nacionais, como bandeira e hino, numa tentativa de utilizar o nacionalismo das lutas anti-imperiais e transformá-lo em patriotismo. A forma mais empregada para a promoção da cultura foi a utilização do ensino (M’BOKOLO, 2009). Nessa estratégia, buscou-se a retomada de elementos originalmente africanos, o que, como mencionado anteriormente, foi criticado por muitos pais, que percebiam a educação nos moldes europeus como a única forma de ascensão social. Contudo, essa preocupação com a educação acabou por ser abandonada quando as economias africanas apresentaram os primeiros sinais de crise, sendo um dos primeiros elementos a serem eliminados dos gastos públicos (CHAZAN et al., 1999). Os governos que traçaram os rumos após a independência dos países africanos foram marcados, em sua maioria, por um caráter nacionalista em suas políticas. Esse nacionalismo tomou diferentes formas no continente africano, sempre buscando o desenvolvimento dos países africanos, e a difusão e perpetuação das culturas africanas. Contudo, para atingir seus objetivos, os líderes nacionalistas africanos tiveram que lidar com a questão da diversidade de seus países em termos étnicos, linguísticos, sociais e religiosos. Muitas vezes, a estratégia adotada para lidar com essa situação foi a simples negação dessas diferenciações, o que provocou situações de impasse que resultaram em diversos dos conflitos que afetaram o continente; a falta de uma identidade nacional agregadora possibilitou essa situação (THOMSON, 2010). A presença de indivíduos com tantas diferenças em um mesmo território é em boa parte consequência da manutenção das fronteiras coloniais como definição do espaço dos países africanos. Essa divisão, que fora criada com o intuito de facilitar a conquista e a manutenção do subjugo dos povos africanos, se perpetuou até os dias de hoje, com pouca alteração e algumas tentativas falhas de integração e de divisão territorial. As relações entre os países africanos foram pouco desenvolvidas no início de sua fase independente, principalmente devido à intensidade de suas relações com as potências coloniais. Contudo, as relações interafricanas foram utilizadas por diversos chefes de estado dentro de suas estratégias nacionalistas, através da defesa de certos grupos étnicos ou, às vezes, através da disputa por certos territórios (M’BOKOLO, 2009).

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A questão das etnias africanas ocupou um papel central na criação de disputas durante o período colonial e após a independência dos países africanos. A recorrente tribalização1 dos conflitos africanos foi um importante instrumento das potências imperialistas para promover sua dominação sobre os povos africanos e continua a ser utilizado para permitir a intervenção no continente (THOMSON, 2010). A justificativa de conflitos através de elementos tribalísticos nada mais é do que a perpetuação desses instrumentos de dominação. Não há, nem nunca houve conflitos intrínsecos aos grupos étnicos africanos, nem há rivalidades históricas entre eles que justifiquem as proporções dos conflitos africanos do século XX. Esses conflitos, que a África continua presenciando no século XXI, foram, em grande parte, causados pela manipulação das diferenças étnicas africanas2 e de disputas regionais por recursos para manufaturar “conflitos históricos” que enfraquecessem os africanos e permitissem o subjugo de uns sobre os outros, sob o controle europeu (THOMSON, 2010). A atual organização dos governos africanos apresenta diversos casos em que o poder político é monopolizado por um grupo étnico, ou mais, que controla a distribuição dos recursos públicos. Nesse contexto, a etnicidade se torna um elemento de mobilização social, unindo indivíduos desprivilegiados pelo poder público contra o sistema em vigor em busca de uma distribuição dos recursos que lhes beneficie. Assim como a etnia, a religião foi um importante elemento de segregação dos povos africanos e de manipulação pelas potências coloniais na conquista do continente, resultando em conflitos vigentes até os dias de hoje. Atualmente, as principais religiões presentes no continente são o islamismo, o cristianismo e o animismo, que costumam incorporar elementos das grandes religiões monoteístas às crenças originalmente africanas. O nacionalismo dos governos africanos independentes se desenvolveu tanto à direita quanto à esquerda, acabando com o pluralismo político inicial. Contudo, a maioria dos governantes optou inicialmente por um modelo que ficou conhecido como o socialismo africano, que muitas vezes não buscava seguir os preceitos do socialismo soviético ou chinês, adaptando a ideologia aos requisitos para a manutenção do apoio ocidental. Esses novos regimes, em sua maioria, buscavam reduzir a dependência externa e a pobreza, e promover o desenvolvimento econômico, a construção do Estado, um estado de bem-estar, e as culturas africanas (M’BOKOLO, 2009). As lideranças pregavam o retorno dos valores e de outros elementos das sociedades africanas anteriores, que, segundo muitos governos, não possuíam divisões sociais. A partir dessa ideologia, os Estados africanos passaram a deter um poder decisório e regulatório cada vez maior, mas sem alcançar os resultados esperados. Devido à situação dos países africanos independentes e de ao objetivo em se desenvolver, a centralização do poder no governo foi uma característica comum, e de certa forma aceita pela população para aquela situação. A criação de regimes de

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partido único, que acabaram com o pluralismo político inicial no continente, atingiu quase todos os novos Estados africanos. Contudo, a centralização do poder significou a concentração do controle dos recursos africanos, que não foram distribuídos para as populações de forma equilibrada. As instituições políticas foram se atrofiando, com o acúmulo de funções pelo executivo, que muitas vezes foi marcado pela importância da figura do líder político (THOMSON, 2010). Nessas circunstâncias, elementos de ineficiência administrativa do governo emergiram, como a corrupção e o clientelismo. Os recursos públicos foram utilizados para a manutenção dos líderes no poder, privilegiando grupos fortes, em detrimento daqueles sem influência sobre os processos decisórios. O descontentamento de diversos setores levou a uma redução drástica da legitimidade desses governos, que em sua maioria foram derrubados (ELAIGWU, 2010). O socialismo africano não conseguiu manter sua força por muito tempo, sofrendo ataques intelectuais de todos os lados. Alguns regimes sucumbiram ao capitalismo de estado, enquanto outros imergiram mais profundamente no socialismo científico. De qualquer forma, o autoritarismo e a centralização se mantiveram, e os problemas não foram resolvidos. Devido à fraqueza da sociedade civil africana, a maioria das mudanças de poder ocorridas nos países do continente aconteceu através da intervenção militar. Os militares, parte importante da estrutura estatal de qualquer país, tiveram um papel crucial na evolução política dos países africanos, detendo uma visão normalmente independente dos etnicismos e regionalismos que possuem um forte papel na formação das políticas de muitos governantes. Com o fracasso de diversos regimes políticos autoritários no continente, os exércitos tomaram para si a responsabilidade de governar seus respectivos países. A falta de legitimidade dos governos anteriores e a escassa experiência democrática no continente explicam em parte a atitude dos militares (THOMSON, 2010). Contudo, as causas que provocaram a decisão dos militares pelos golpes foram diferentes: recuperar o país da inabilidade de gerência do governo civil, impedir mudanças sociais drásticas que prejudicariam os interesses do exército, ou alterar a sociedade, derrubando o governo tradicional. As decisões militares pelos golpes se repetiram em diversos momentos críticos durante a história dos países africanos: entre os anos de 1952 e 1990 foram observados 71 golpes militares no continente africano, derrubando o regime de 60% dos países (THOMSON, 2010). Contudo, esses golpes foram em sua maioria caracterizados por um baixo número de mortes e conflitos: uma vez detendo um poder militar muito maior do que o resto da população, o exército não encontrou uma oposição que ousasse resistir à sua mobilização. Os governos militares geralmente se propunham a devolver o poder aos civis após a recuperação do país. Contudo, os governos militares acabaram por manter as mesmas práticas que eles condenavam anteriormente, como a corrupção e a má gerência da máquina estatal. Os governos

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militares resultaram normalmente em aumento das despesas com esse setor, uma maior cooperação entre o exército e as elites tradicionais e a repetição de práticas dos governos anteriores.

A inserção internacional da África Durante a colonização, a construção de infraestrutura, educação e saúde foi consequência da exploração e da incorporação do continente à divisão internacional do trabalho. Já durante o período independente, a construção estrutural se deu sem romper radicalmente com as características do período colonial, através de ajudas provindas de um “relacionamento privilegiado” com as grandes potências, que resultaram não só em uma absorção da cultura estrangeira (sistemas constituintes, métodos educacionais), mas, também, em um aumento da dependência e da dívida externa (MUNANGA, 1993). Os Estados africanos independentes surgiram durante a bipolaridade da Guerra Fria, passando a ser, então, cooptados ou pelo lado do capitalismo Ocidental, ou pelo lado Oriental, associado à ideologia soviética. O processo de descolonização coincidiu com a chamada Primeira Guerra Fria, período no qual a África era um território estrategicamente marginalizado. Entretanto, visto que o objetivo maior de Washington era a contenção do comunismo, a África não poderia ser totalmente ignorada pelos EUA. Assim, a despeito de seus interesses estratégicos e econômicos limitados, Washington considerava essencial manter sua atenção em países específicos para a contenção da influência soviética, com no caso do Zaire, Marrocos, Etiópia, Somália e Quênia, dando apoio diplomático e ajuda econômica (THOMSON, 2010). Todavia, na segunda metade da década de 1970, o interesse de ambas as potências pela África cresceu rapidamente. Três fatores, interconectados, vão dirigir tais mudanças na conjuntura africana nesse período da Guerra Fria. O primeiro fator é que, nesse período, se dão as independências tardias, principalmente das colônias portuguesas, e as conseguintes revoluções nacionalistas e emancipacionistas. O segundo fator é que os EUA, desgastados pela Guerra do Vietnã e pelos seus exorbitantes gastos militares, decidem lançar mão da Doutrina Nixon, que, em suma, retirava o país dos confrontos diretos e guerras, dava maiores responsabilidades aos seus aliados nas tarefas de segurança regional e, também, estabelecia um relacionamento estratégico com a China (VISENTINI, 2010). Esse novo cenário criava uma correlação de forças no sistema internacional que desfavorecia a União Soviética, que passa então a buscar um novo equilíbrio estratégico através de seu relacionamento com o Terceiro Mundo. Visto nunca ter se envolvido em projetos colonialistas e possuir uma ideologia antimperialista a, a URSS parecia ser um aliado natural da causa dos novos países

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africanos. Entretanto, durante as décadas de 1950 e 1960, os soviéticos não colocavam o continente africano no topo de suas prioridades, sendo que, mesmo mostrando simpatia aos movimentos nacionalistas, não se haviam se envolvido diretamente até então (THOMSON, 2010). Logo, o terceiro fator é que, na década de 1970, a URSS passa a ter um papel mais ativo na África, vendo nesse continente um locus frutífero para a expansão do socialismo. Os soviéticos passaram então a intensificar sua colaboração – principalmente no fornecimento de armas – aos movimentos revolucionários e nacionalistas do Terceiro Mundo. Entretanto, os soviéticos não eram os únicos comunistas no continente, sendo que os cubanos participaram ativamente nesses movimentos, estando eles intensamente comprometidos com a causa ideológica, assim como os chineses também se envolveram, a fim de propagar sua versão de comunismo. Na década de 1970, então, EUA e URSS se mostraram presentes não só nas emancipações das ex-colônias portuguesas, mas também nas guerras e conflitos do Chifre da África, como na Somália e na Etiópia (VISENTINI, 2007). Tanto na Angola, quanto em Moçambique, os governos que se instalaram depois da revolução eram apoiados por assessores militares e civis soviéticos e cubanos, mas, mesmo assim, esses dois novos países mantiveram suas relações econômicas voltadas para o Ocidente. Visto que a concorrência entre as duas potências era alta, os líderes africanos tinham certo poder de barganha ao se alinhar com uma ou outra ideologia. Para esses líderes, o momento era essencial para aumentar a importância estratégica do seu país, assim como conseguir maior atenção, apoio e ajuda aos seus objetivos nacionais (CLAPHAM, 1996). Os países africanos recebiam das superpotências ajuda para o desenvolvimento, empréstimos baratos, assistência técnica, e outros benefícios (THOMSON, 2010). Entretanto, a década de 1970 também significou um momento turbulento para a economia mundial. Os sucessivos déficits na balança de pagamento dos EUA forçaram o governo Nixon a eliminar, unilateralmente, o padrão ouro do regime monetário de Bretton Woods, em 1972 e a desnacionalizar o dólar americano. Além disso, o mundo passou pela sua primeira crise do petróleo (1973), que estremeciam as bases das economias fortemente ligadas a esse recurso energético. Essas crises se propagaram exponencialmente na periferia, causando fortes impactos no continente africano. Nos anos 1980, o continente africano se encontrava em colapso, mesclando crise política, econômica e estrutural. De 1950 a 1980 a população triplicou, sendo o crescimento majoritariamente urbano, ao mesmo tempo em que o governo não possuía capacidades mínimas para responder às necessidades dessa sociedade, aumentando o número de pessoas marginalizadas e o trabalho informal (MUNANGA, 1993). Na década de 1980, a norma eram os golpes militares, cujos regimes não se mostravam menos corruptos que os anteriores (idem, 1993). Ao mesmo tempo, os

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países africanos sofriam as enormes consequências da crise econômica mundial da década de 1970, o que só foi intensificada com a globalização e com a revolução científico-tecnológica, levando ao total colapso das economias africanas (VISENTINI, 2007). Perante tal agravamento da crise, tornou-se quase impossível aos líderes africanos não recorrer aos organismos financeiros mundiais, como FMI e Banco Mundial, com todas as consequências regressivas que isso significava. No que tange a conjuntura da ordem bipolar, a passagem da década de 1980 para 1990 foi marcada pelo desencadeamento, do governo americano Reagan, de uma corrida armamentista que abalaria enormemente a economia soviética, que, já debilitada, se vê na necessidade de limitar seus apoios às revoluções do Terceiro Mundo e aos governos de esquerda (VISENTINI, 2007). Já em 1987, a URSS passou a pressionar seus aliados a buscar uma acomodação e estabilidade política, enquanto reduzia sua ajuda militar e econômica aos mesmos (idem, 2007). O resultado foi uma clara marginalização da África no cenário estratégico mundial, o que só aumentaria com o fim da Guerra Fria. Além disso, com o fim do embate bipolar, acabava o pequeno poder de barganha que ainda restava aos líderes africanos, e dava aos conflitos africanos um caráter menos estratégico. A falta de interesse das potências de continuar sustentando as guerras revolucionárias africanas (guerras proxy) serviu como um estímulo para que os conflitantes locais chegassem a um acordo, como no caso da UNITA e do MPLA na Angola (THOMSON, 2010). A Nova Ordem Mundial dos anos 1990 se associa diretamente com os conceitos neoliberais. Entretanto, não só a economia vai passar por intensos processos de liberalização e globalização, como, também, muitos países africanos passam a encarar a necessidade de liberalizar e democratizar seus sistemas políticos. Com o fim do conflito bipolar, para os EUA, não havia mais necessidade de sustentar países africanos, muito menos aqueles que possuíam regimes ditatoriais (THOMPSON, 2010). Surge, então, um forte estímulo exógeno para a democratização dos regimes, tanto que, muitos organismos financeiros internacionais condicionavam sua ajuda a reformas democratizantes (VISENTINI, 2010). Regimes de partido único eram eliminados, organizavam-se eleições multipartidárias, assinavam-se acordos de paz regional: tal processo de democratização culminou na independência da Namíbia em 1990 e no fim do regime racista apartheid na África do Sul. A inserção da África na ordem internacional não diminuiu o alto número de problemas e dificuldades que o continente passa. Conflitos étnicos continuam matando um número grande de civis, assim como a fome e as doenças endêmicas, principalmente a AIDS. O processo de formação dos Estados africanos ainda é incipiente e se encontra nos seus estágios iniciais, entretanto, desde seu início, está totalmente inserido na conjuntura global. O fim da Guerra Fria levou a uma marginalização dos problemas do continente, fazendo com que os países começassem a desenvolver mecanismos para resolver seus problemas dentro do seu âmbito

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regional (THOMSON, 2010). O surgimento da União Africana, em 2002, é um bom exemplo de como os países africanos – com destaque para a posição de liderança da África do Sul – tem cooperado em questões estratégicas para o seu desenvolvimento em conjunto e a realocação de sua importância no palco internacional.

Rumo a novas desigualdades econômicas A herança do sistema colonial deixou quase todos os países africanos com um sistema especializado de monocultura, no qual um tipo de commodity3 era produzido somente para a exportação. Esses produtos de monocultura tinham pouquíssima demanda interna africana, logo, praticamente toda a produção era exportada, tornando a África completamente dependente da demanda ocidental por seus produtos mesmo após a descolonização. Durante a colonização, somente uma infraestrutura básica para o escoamento dessa produção fora construída, além de a grande parcela dos lucros da produção ser levada para o ocidente, sem qualquer reinvestimento local. Essa situação deixou a África com uma economia altamente especializada, sem outras atividades grandes o suficiente que pudessem ser uma fonte de renda alternativa (importante em anos de má colheita, ou em casos de depreciação do produto principal no mercado internacional), além da falta de acesso à tecnologia e uma base manufatureira diminuta como ponto de partida para os países independentes (THOMSON, 2010). No momento de ascensão à soberania, os Estados africanos tentaram modificar a situação, não se mostrando meros espectadores passivos das desigualdades comerciais. Nos novos Estados independentes era quase unânime a vontade de garantir o desenvolvimento das economias nacionais, dando ao conceito “desenvolvimento” um conteúdo diferenciado, através do qual se entendia um aumento da industrialização ao mesmo tempo em que se expandiam os serviços sociais e o investimento em infraestrutura e recursos humanos. Inicialmente, os recursos para tal empreitada deveriam ser garantidos pelos rendimentos das exportações e dos direitos aduaneiros, o que levaria à manutenção e até à intensificação das produções características do período colonial, mantendo os laços de dependência econômica com as antigas metrópoles através do neocolonialismo (M’BOKOLO, 2009). Determinados em aumentar a parcela da indústria em suas economias, os governos africanos independentes iriam optar, na sua maioria, por um processo de produção local de produtos de consumo primário a fim de substituir parte de suas importações. O aumento da manufatura era importante a fim de diminuir a desigualdade dos termos de troca no comércio internacional, que se configurava pela venda de produtos primários de baixo valor agregado por parte dos países em desenvolvimento, em troca da compra de produtos manufaturados de alto custo

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provenientes dos países industrializados (CHAZAN et al., 1999). Logo, o lucro obtido com as exportações africanas acabava por se dirigir às economias centrais, uma vez que eram utilizados para importar produtos advindos desses países, explicitando parte da natureza das relações neocoloniais. Contudo, a industrialização pela substituição de importações na África iria encontrar restrições estruturais internas e externas. Sem condições de concorrer com produtos manufaturados no mercado internacional, a produção industrial era voltada para os mercados internos, mas estes eram extremamente reduzidos devido à baixa renda per capita. A solução de produzir para o mercado regional africano encontrou obstáculos com as dificuldades em se formar acordos aduaneiros de forma efetiva. Soma-se a esse panorama a falta de mão-de-obra qualificada especializada para as atividades industriais e a ausência de empreendedores e investidores locais com nível de capital suficiente para investir nas indústrias incipientes (idem, 1999). A primeira fase econômica da África independente (até fins de 1970) vai ser marcada, então, pela forte ação do Estado na promoção do desenvolvimento através da industrialização (M’BOKOLO, 2009). As tentativas industrializantes seriam minadas por outros fatores que se somariam aos anteriormente citados. A instabilidade dos preços das matérias-primas no comércio internacional gerava baixa acumulação de capital e uma poupança interna insuficiente para os investimentos necessários à indústria. A falta de adaptação dos projetos industriais à realidade africana acabava por não absorver os recursos disponíveis no continente africano, uma vez que a maioria das indústrias instaladas vinha dos países centrais, empregando métodos que aproveitavam os recursos disponíveis nesses países, que eram muito diferentes dos recursos existentes na África. Essa não absorção da mão-de-obra acabava por não gerar empregos o suficiente para desenvolver o mercado consumidor interno (M’BOKOLO, 2009; CHAZAN et al., 1999). A falta de capital interno levava a associações com grandes companhias transnacionais a fim de promover a industrialização, o que acabava por acentuar a situação de dependência. As companhias transnacionais acabavam por adquirir influência nas políticas e estratégias de industrialização dos governos (CHAZAN et al., 1999). Devido à falta de recursos internos, os governos africanos iriam recorrer a empréstimos junto aos países ocidentais. São esses empréstimos que vão explicar a profunda crise da dívida externa enfrentada por esses países nas décadas seguintes. Essas dívidas chegariam a níveis extremos devido à situação internacional durante as décadas de 1970 e 1980, que acabou por deteriorar ainda mais a situação dos países africanos mergulhados na dívida (THOMSON, 2010). Essa situação era resultado do esgotamento do ciclo de expansão capitalista pós-guerra, marcado pela desvinculação do dólar ao ouro em 1971, pela reestruturação da produção em uma nova divisão

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internacional do trabalho e pelos choques do petróleo em 1973 e 1979 (VISENTINI, 2007). Inicialmente, acreditava-se que os empréstimos adquiridos poderiam ser pagos com a renda advinda das exportações primárias. O que ocorria era uma hipoteca das futuras colheitas. No entanto, o tendente decréscimo dos preços das commodities no mercado internacional tornava muito difícil quitar as dívidas. A essa tendência se somariam os choques econômicos da década de 1970 (THOMSON, 2010). Com o aumento dos preços do petróleo induzidos pela OPEP em 1973, os termos de troca dos produtos africanos afundaram ainda mais, pois seria necessária a venda de uma quantidade exponencialmente maior de produtos primários para a compra de uma mesma quantidade de petróleo. Durante esse período, os países enriquecidos pela exportação de petróleo investiam grandes quantidades de da sua riqueza em sistemas bancários ocidentais, o que acabou por gerar um excedente de petrodólares nessas instituições financeiras. Esse excedente foi oferecido, então, aos países africanos na forma de empréstimos atrativos (THOMSON, 2010). Necessitando de investimentos, os países africanos aceitam a oferta de crédito, mergulhando em um círculo vicioso de endividamento e sobre-endividamento (M’BOKOLO, 2009). Com o segundo choque do petróleo em 1979, somado à crescente crise orçamentária americana – resultado da situação da Guerra Fria, principalmente dos gastos com a Guerra do Vietnã–, as taxas de juro internacionais elevaram-se intensivamente. A elevação da taxa de juros transformaria o que anteriormente era visto como empréstimos atrativos, em dívidas insuportáveis para as economias africanas (THOMSON, 2010). Esses fatores externos à África transformariam os empréstimos adquiridos nos anos 1970 na crise da dívida externa africana dos anos 1980 e 1990. Uma nova conjuntura nos anos 1980 surgia em um momento no qual as economias africanas se encontravam extremamente fragilizadas. O peso de problemas como a pressão demográfica, as dificuldades sanitárias, as epidemias e os conflitos político-militares agravavam a situação (M’BOKOLO, 2009). Os preços das matérias-primas caíram mais ainda, junto com os investimentos estrangeiros. A ajuda ao desenvolvimento, que tomava lugar dos empréstimos exteriores, também declinou no período, principalmente após a queda do bloco comunista e a consequente perda de posição estratégica da África existente durante a Guerra Fria (M’BOKOLO, 2009). Os governos do continente se encontravam em uma situação na qual se tornava cada vez mais difícil conseguir novos empréstimos e pagar os já existentes, apesar de grandes fatias do capital africano irem para o pagamento dessas dívidas, pequena era a diminuição do total devido. As instituições financeiras internacionais se tornavam a única opção para a obtenção de recursos (THOMSON, 2010). Como condição, os

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países africanos tiveram que se submeter aos Programas de Ajuste Estrutural (PAE) impostos pelo FMI e pelo Banco Mundial (M’BOKOLO, 2009). Esses PAE eram programas de empréstimos condicionados. Os governos africanos não tinham quase opções se não aceitar as imposições. Iniciados no último ano da década de 1970, pela metade dos anos 1990 quase todos os países africanos haviam se submetido aos programas (THOMSON, 2010). Os Programas de Ajuste Estrutural culpavam o desenvolvimento promovido pelo Estado pela situação econômica africana. Seu objetivo era acabar com o Estadocentrismo característico dessas economias (THOMSON, 2010). Embora cada PAE fosse desenhado de acordo com o país e ser aplicado, havia princípios básicos que determinavam a sua aplicação. Primeiramente, as estratégias de desenvolvimento deveriam favorecer a produção primária. As instituições financeiras acreditavam que o problema de desenvolvimento resultava dos gastos com o setor industrial urbano enquanto o setor mais produtivo das economias africanas era o rural. Os governos dominavam o mercado da produção agrícola, pagando preços baixos aos produtores e vendendo mais caro para as exportações. O lucro daí obtido era usado para o desenvolvimento industrial. Essa situação acabou por levar a África a importar maior parte dos alimentos consumidos, já que havia poucos incentivos para o desenvolvimento de novas áreas de produção agrícola (THOMSON, 2010). Os PAE exigiam, então o fim da intermediação do Estado nos preços agrícolas e a concentração das economias no modelo agroexportador. O segundo princípio básico era uma reforma no sistema cambial e nas políticas de importação/exportação. Exigia-se, então, uma taxa de câmbio mais realista (sem grandes interferências do Estado) e o fim das tarifas protecionistas do sistema de substituição de importações (THOMSON, 2010). Essas políticas levavam a uma desvalorização da moeda nacional desses países a fim de encorajar as importações (M’BOKOLO, 2009). O terceiro princípio fazia referência à diminuição da ação do Estado na economia, diminuindo os gastos dos governos e a abrindo as economias aos investimentos privados (THOMSON, 2010). Os impactos econômicos, políticos e sociais dos PAE foram profundos no continente africano. Ao incentivar o modelo agroexportador, o programa só reproduzia as desigualdades dos termos de troca herdadas do sistema colonial. Uma vez que as moedas desses países haviam sido desvalorizadas, os lucros obtidos com as vendas dos produtos primários eram poucos. As exigências do programa visavam à atração de investimentos estrangeiros para o continente, o que não aconteceu, pois os grandes investidores internacionais não tendem a investir em economias frágeis e instáveis (THOMSON, 2010). As reformas no setor público e a diminuição da ação do Estado levaram a um corte nas políticas sociais, provocando um mal-estar social, diminuição dos salários, deterioração do sistema de saúde, deterioração do sistema escolar e uma queda nas

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condições gerais de existência da população (M’BOKOLO, 2009). Essas modificações também atingiram o status quo político africano. Não podendo fornecer mais serviços, empregos e recursos na mesma intensidade anterior, o sistema de favores existente entre governos e seus apoiadores se desmantelou. Não podendo mais prestar serviços em troca de apoio, as elites políticas se viram deslegitimadas, processo que levaria a uma desestabilização política (THOMSON, 2010). O Estado perderia força internacional e nacionalmente, abrindo espaço para maior atuação de organizações e associações internacionais dentro de seu território. Além disso, a África se tornaria um centro de trânsito dos tráficos internacionais devido aos conflitos do fim do século XX e pelo colapso do Estado (M’BOKOLO, 2009). Somente em 2005 é que medidas mais concretas seriam tomadas para aliviar a dívida africana. Na 31ª cúpula do G8, em Gleneagles, chegou-se a uma iniciativa para o cancelamento ou alívio da dívida externa dos Países Pobres Altamente Endividados (PPAE), cuja maioria se encontrava na África Subsaariana. No entanto, esse programa também impõe condicionalidades para o recebimento da ajuda. Essas medidas são geralmente de cunho liberal econômico, fiscal e cambial (THOMSON, 2010). Outro ator que também se faz presente atualmente no continente é a China. O interesse deste país se centra tanto em objetivos econômicos, como a obtenção de mercados e de matérias-primas, como por interesses diplomáticos, no caso, combater a presença de Taiwan. Em 2006 foi realizada a primeira cúpula China-África, lançando uma política de investimentos em infraestrutura e de ajuda ao desenvolvimento (VIZENTINI, 2007).

ESTUDOS DE CASO República Democrática do Congo O território atualmente constituinte da República Democrática do Congo foi possessão pessoal do rei belga Leopold II de 1885 a 1907, quando se tornou colônia estatal sob o nome Congo Belga. Durante todo o período em que foi explorado por belgas, o povo congolês foi assolado por um regime de trabalho compulsório e de taxação pesada, o que, tendo sido condenado por inúmeros órgãos internacionais, se somou às pressões pelo fim da colonização do país (HERNANDEZ, 2005). A RD Congo possui um território rico em diversos recursos naturais: diamantes, ouro, cobre, estanho, urânio, coltan, zinco, e cobalto, além de seu solo ser muito fértil. A independência congolesa só foi concedida em 1960, deixando o recém-criado Estado em uma situação de instabilidade e conflitos pela manutenção da unidade territorial. Quando de sua independência, o Congo-Kinshasa passou a ser governado por seu primeiro-ministro, Lumumba, um dos ícones do movimento de libertação do país do jugo belga, e por Kasuvubu, seu presidente. Contudo, junto à criação de um governo independente, surgiram movimentos separatistas na região de Katanga

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liderados por Moise Tchombé, rica em recursos naturais. Esse elemento de desestabilização, somado a outros movimentos de desintegração nacional, foi causa de inúmeros choques entre forças governamentais e rebeldes, culminando nas guerras civis ocorridas no país. O presidente congolês com o maior mandato no século XX foi o general Mobutu Sese Seko; sua primeira ascensão ao posto foi durante a crise entre o primeiro-ministro Lumumba e o presidente Kasuvubu em 1960. Ele assume o poder novamente em 1965, para tentar trazer estabilidade para o país e acabar com as tensões separatistas. Em 1965 Mobutu ocupa a liderança do país dentro do contexto de uma nova tentativa de separação da região de Katanga (US DEPARTMENT OF STATE, 2012). Com o apoio das Nações Unidas, Mobutu consegue derrotar as forças separatistas; contudo, seu suposto mandato de cinco anos foi estendido até 1997, quando foi derrubado por Laurent Kabila4 e logo após morreu. O governo de Mobutu Sese Seko foi marcado pela centralização do poder político em sua figura, que controlava todos os atores envolvidos no governo sob um regime de partido único, além de manipular os interesses e atitudes de atores internacionais no país de forma a perpetuar seu poder e garantir as sustentações internas para possibilitar esse objetivo. Sob Mobutu desenvolveu-se uma cleptocracia, o que acabou por enfraquecer enormemente o poder público, além de marginalizar boa parte da população (THOMSON, 2010, p. 233). As práticas adotadas durante esse governo monopolizavam os recursos obtidos através da exploração de minerais e arruinaram o potencial agrícola do país, ao acabar com os estímulos para os indivíduos do setor. A população normal foi se vendo cada vez menos contemplada pelo poder público, que, enfrentando crises devido à má gestão dos recursos obtidos, teve de reduzir seus programas e suas redes de compra da estabilização (THOMSON, 2010). Assim, boa parte da população optou por se afastar do governo, deixando o mercado regular para integrar o mercado paralelo, que cresceu enormemente, passando a ser maior do que o mercado normal, e começou a ser utilizado também por indivíduos políticos que cobravam por sua inação em determinadas situações. O governo de Mobutu sempre foi muito ativo com relação a instabilidades de seus vizinhos, o mesmo sendo verdadeiro com relação à presença de seus vizinhos nos conflitos congoleses. Laurent Kabila, por exemplo, retirou Mobutu do poder com o apoio de Ruanda e Uganda, que mais tarde se tornaram inimigos da RD Congo, apoiando grupos separatistas nos sangrentos conflitos que ficaram conhecidos com a Primeira e Segunda Guerra do Congo (Guerra Mundial Africana). Durante esses conflitos, a presença da ONU foi intensificada, com a criação de missões de paz; após o assassinato do presidente Laurent Kabila, quando seu filho Joseph Kabila assume a presidência. Esse alterou parte das políticas negativas de seu pai, e foi eleito para seu terceiro mandato em 2012, de cinco anos (US DEPARTMENT OF STATE, 2012). A República Democrática do Congo ainda enfrenta sérios desafios à sua integridade

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territorial, como grupos separatistas e invasões de países vizinhos, como Ruanda, que explora as reservas de coltan5 sem o consentimento congolês.

Ruanda Os tutsis, grupo aristocrático originalmente pastoril habitante da região dos Grandes Lagos africanos, dominaram os demais grupos que habitavam o espaço hoje ocupado por Ruanda e Burundi. Os hutus, maioria na região, originalmente agricultores, e os tuas, caçadores e coletores, minoria absoluta, foram então submetidos a um regime de traços monárquicos sob a soberania do mwami6. Essa dominação pelos tutsis baseava-se em elementos legitimadores de origens divinas e perdurou até a independência de Ruanda. No final do século XIX, os alemães dominaram com facilidade os regimes de Ruanda e Burundi, mantendo-os sob seu jugo até a Primeira Guerra Mundial, quando os belgas, através de sua colônia, o Congo Belga, tiraram esses territórios dos alemães, unificando-os na colônia de RuandaUrundi. A administração colonial reforçou as diferenças e as tensões entre tutsis e hutus em Ruanda. Com a criação de partidos distintos na luta pela independência: União Nacional Ruandesa (Unar, tutsi) e Partido do Movimento da Emancipação Hutu (Parmehutu), as tensões entre tutsis e as autoridades coloniais levaram à abolição do regime do mwami em 1961 (HERNANDEZ, 2005). Quando da concessão de independência a Ruanda em 1962, a república instaurada passou a ser controlada pela maioria hutu. Devido à sua situação desprivilegiada, boa parte dos tutsis deixou o país por temer retaliações da nova elite hutu, refugiando-se nos países vizinhos. O novo governo do Parmehutu fechou os demais partidos e perseguiu a minoria tutsi. Devido à ineficiência da gestão de Grégoire Kayibanda, então líder do Parmehutu, esse foi deposto por um golpe militar organizado pelo general Juvénal Habyarimana (19731994), que governou a partir do partido Movimento Revolucionário Nacional para o Desenvolvimento (MRND). Em 1990, os tutsis refugiados em outros países tentam mudar o regime ruandês, invadindo o país sob a direção da Frente Patriótica de Ruanda (FPR) (US DEPARTMENT OF STATE, 2012). A frente consegue certa liberalização, mas, quando do assassinato do presidente Habyarimana em 1994, os hutus extremistas iniciaram um forte ataque contra os tutsis, iniciando o genocídio de Ruanda, assassinando não só tutsis, mas também hutus moderados. O genocídio em Ruanda durou até julho de 1994, sendo realizado por milícias de hutus extremistas, que encorajavam o extermínio de tutsis pela população, resultando no assassinato de mais de 800 mil pessoas (VISENTINI et al., 2012, p. 155). A FPR conseguiu restabelecer certa estabilidade no país, ao tentar conciliar os dois lados do conflito, criando um regime de união nacional, sob a presidência do tutsi Paul Kagame. Atualmente, um número bastante alto de ruandeses, que haviam deixado o país para fugir do genocídio, durante a guerra civil ruandesa ou para integrar os corpos

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militares que invadiram a República Democrática do Congo entre 1996 e 2003, permanece refugiado em países vizinhos, gerando instabilidade nas fronteiras. Os soldados ruandeses que continuam na RD Congo estão envolvidos na extração ilegal de coltan e no financiamento a grupos separatistas.

Burundi A situação do Burundi anterior à sua independência em 1962 é muito similar à de Ruanda: os mesmo grupos sociais (tutsis, hutus e tuas) ocupavam as mesmas posições políticas e sociais, e a mesma sequência de dominação externa (alemã e belga) foi imposta. Contudo, quando da luta anti-imperial, o principal partido político, o Partido da União para o Progresso Nacional (UPRONA), encabeçado pelo filho do mwami burundiano, buscava a união nacional para a independência. Os belgas apoiaram a ascensão do Partido Democrata Cristão (PDC), que buscava uma transição lenta e gradual para a independência, integrado por setores conservadores da elite. Os dois partidos estabelecidos nesse período não se prendem às divisões étnicas, se chocando no programa político defendido, principalmente com relação à independência do Burundi. O ganwa (“príncipe”) burundiano, Louis Rwagasore Mwambutsa dominava o cenário político pré-independência, quando foi assassinado por forças do PDC em 1961 (HERNANDEZ, 2005). O governo independente burundiano foi marcado por uma fraqueza do poder público e pela instabilidade do controle político. Entre 1966 e 1996, quatro golpes militares foram desferidos contra o poder executivo (THOMSON, 2010). Nesse período, a monarquia inicialmente instalada foi derrubada; as tensões entre tutsis e hutus na vizinha Ruanda influenciaram movimentos similares no Burundi, que teve seu governo dominado pelos tutsis até a ascensão de Melchior Ndadaye, primeiro presidente hutu, em 1993. Contudo, esse presidente foi assassinado, iniciando a Guerra Civil do Burundi, entre tutsis e hutus, que dura de 1993 a 2005, intensificada em 1996 pelo assassinato do então presidente burundiano, Cyprien Ntaryamira, junto ao ruandês Habyarimana no aeroporto de Kigali (capital de Ruanda) (VISENTINI et al., 2012, p. 130). Em 2005, uma nova constituição foi promulgada, e o atual presidente, Pierre Nkurunziza, um hutu, foi eleito.

A África portuguesa Enquanto a maioria dos Estados africanos alcançavam suas independências na década de 1960, os bastiões brancos do sul do continente somente passariam por tal processo no decorrer da década de 1970. Após a Segunda Guerra Mundial, Portugal deixou claro que não tinha nenhum interesse em conceder independência às suas colônias africanas e, para isso, adotou uma estratégia para reforçar a comunidade europeia em Angola e Moçambique, a fim que criar uma complexa relação de

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integração com a metrópole (CHANAIWA, 2010). Entretanto, sendo uma clara potência europeia decadente, com dificuldades econômicas internas, Portugal não conseguia fomentar investimento em suas colônias, a administração colonial apresentava pífios desempenhos e o desenvolvimento econômico era bastante fraco, sempre vinculado aos interesses das transnacionais que atuavam também na metrópole. Já na década de 1960, movimentos nacionalistas começaram a surgir em Moçambique (fundidos no grupo FRELIMO) e em Angola (MPLA, FNLA e UNITA), assim como na Guiné Bissau e Cabo Verde (PAIGC). Os movimentos de libertação na África Austral foram dominados pela luta armada revolucionária e pelos sentimentos anti-imperialistas e esquerdistas. A decepcionante experiência histórica da maioria dos Estados africanos já independentes ensinou a esses movimentos que a descolonização e a independência política eram vãs se não fossem acompanhadas de emancipação econômica e cultural (CHANAIWA, 2010). Dessa maneira, a maioria dos movimentos de independência nas colônias portuguesas teve um caráter fortemente marxista, com apoio das massas urbanas e rurais, dos intelectuais progressistas e, muitas vezes, dos países socialistas, como URSS, China e, principalmente, Cuba. Também é preciso reconhecer que esses movimentos coincidiram com uma conjuntura internacional na qual as duas superpotências retomavam a corrida por influências, nestes conflitos gerados pelas emancipações, logo, tanto EUA, quanto URSS estavam presentes nesses confrontos (VISENTINI et al., 2007). As duas principais colônias portuguesas, Moçambique e Angola, emanciparamse através da luta armada. Inicialmente assumindo os custos da luta, Portugal logo fica incapacitado de arcar com os fardos dos conflitos, que absorviam cerca de metade do seu orçamento anual e causavam rejeição crescente na opinião pública (CHANAIWA, 2010). Logo, ficou clara a incapacidade de Portugal de vencer os movimentos emancipacionistas e a crise interna, tendo como um dos efeitos a revolução nacional que depós o governo salazarista, a revolução dos Cravos em 1974. Após a revolução, o governo esquerdista que assume em Portugal resolve retirar suas tropas de Angola, assim como reconhecer a independência do país. A luta dos três movimentos independentistas levou Portugal a negociar um acordo, em 1975, prevendo um governo de transição onde haveria representantes não só dos três grupos angolanos, mas também de Portugal (JOSE, 2008). No caso de Moçambique, a luta armada revolucionária (organizada pela FRELIMO) já durava por quinze anos, a elite branca já havia sido afugentada e o movimento já controlava boa parte do país quando ocorreu a Revolução dos Cravos, que só acelerou o movimento de independência. Em 1975, o governo que assume em Moçambique é de predominância negra e se autoproclamava marxista-leninista (VISENTINI et al., 2007). Já a Angola, logo adquirida sua independência, mergulha em uma sucessão de guerras civis, que só definitivamente acabam em 2002. O conflito se

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dava por causa dos diferentes projetos dos dois principais movimentos de libertação, MPLA e UNITA, sendo o primeiro marxista com apoio de Cuba, URSS e China, e o segundo tendo o apoio dos EUA e a África do Sul de regime racista (JOSE, 2008). O período de guerra civil se estendeu por vinte e sete anos, deixando dezenas de milhares de mortos, mutilados, e refugiados e, também, impediu o sucesso das inúmeras missões de paz da ONU no país. Em 2002, o governo angolano, que já havia substituído sua economia pelas vias do mercado liberal, com abertura para o capital estrangeiro e pluripartidarismo, passou a tomar medidas para as negociações de paz efetiva, chegando ao ponto de reconhecer a existência do partido UNITA-Renovada (JOSE, 2008). Se o processo de formação dos Estados africanos é bastante recente, podemos concluir que o caso das ex-colônias portuguesas é ainda mais incipiente. Durante o período de colonização, a população nativa foi mantida em condições primitivas, sem um mínimo de segurança, educação ou de direitos. Já com a saída da maioria das elites brancas desses países, houve uma enorme fuga de capital, além de uma privação de mão de obra especializada, técnicos, e administradores (VISENTINI et al., 2007). Logo, torna-se complicado para os lideres desses novos países responderem às necessidades primordiais da sociedade, como fornecer infraestrutura, educação e desenvolvimento econômico. Além do mais, esses países se tornam independentes em um período extremamente conturbado para a economia mundial, visto que a crise dos anos 1970 havia atingido a todos, principalmente os países do Terceiro Mundo. Já na década de 1990, esses governos perdem grande parte de suas tendências marxistas para vincular sua econômica e mercados à nova ordem mundial (VISENTINI, 2010). São inúmeras as questões enfrentadas para estas construções de Estado que vão, desde a estabilização da economia, pacificação dos longos períodos de guerra civil, encontrar caminhos de democracia representativa e de reformas sociais, diminuir a pobreza até melhorar as condições de habitação, sanitárias, ambientais, entre outras (JOSE, 2008). Para tal, muitos desses países têm se relacionado com as potências emergentes e buscado benefícios para o seu desenvolvimento com essas relações, como no caso da China e seu maior parceiro econômico na África, a Angola. Hoje a Angola passa por um processo de restauração estrutural, com forte cooperação e recursos aportados pelo governo chinês, reorganizando e reconstituindo sua esfera política, social e econômica (JOSE, 2008).

Serra Leoa A Serra Leoa, obedecendo a certo padrão da África Ocidental de ocupação inglesa, teve seu processo de independência sem a presença de surtos revolucionários, através da escolha de um caminho por etapas e de reformas políticas que garantiam à administração europeia uma parte na condução desse processo

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(HERNANDEZ, 2005). No entanto, não se pode negar a presença de mobilizações sociais e as reivindicações suscitadas pela degradação da situação econômica e social da situação imposta após a Segunda Guerra Mundial pelos britânicos (SURETCANALE; BOAHEN, 2010). O desenvolvimento da estrutura social de Serra Leoa e suas características desiguais se devem, principalmente, à divisão do território entre a colônia na faixa litorânea e o protetorado, que corresponderia ao atual interior do país. Devido à sua importância comercial e devido aos interesses da Sierra Leona Company, formou-se na região litorânea uma “burguesia” de características ocidentais, que criava laços com os estrangeiros em detrimento da antiga ligação com as autoridades nacionais (HERNANDEZ, 2005). Essa região acabou dando origem à colônia britânica de Freetown em 1807. O interior do território, por sua vez, era ocupado por povos nativos, cuja população era muito maior que aquela da colônia. Essa região acabou por se transformar em um protetorado britânico, conservando, contudo, sua organização tradicional. Apesar de certo grau de estabilidade social, os aspectos da ligação entre a colônia e o protetorado gerariam, após a independência, problemas de integração nacional e de instabilidade política advindas das rivalidades entre as elites da colônia e a população rural do protetorado (HERNANDEZ, 2005). Em 1943, então, o governo britânico decidiu juntar as populações da colônia e do protetorado, colocando em aplicação a africanização da direção, o que levou a um aumento de nativos no Conselho Executivo. Já em 1947, em vias de unificação nacional, foram introduzidas emendas constitucionais, que favoreciam maiorias africanas nas Assembleias Legislativas da África Ocidental britânica, o que, em Serra Leoa, significava uma representação proporcional que beneficiava a população do protetorado (SURET-CANALE; BOAHEN, 2010). A consequência desse ato foi o aumento das divisões entre as duas parcelas do território. Criou-se o Partido Conselho Nacional de Serra Leoa (NCSL), constituído pelos crioulos7 da zona da colônia, a fim de boicotar a Constituição. Como reação, surgiu o Partido do Povo de Serra Leoa (SLPP), que defendia a aplicação da constituição. Essas divisões só permitiram que se chegasse a um consenso sobre a data de independência do território em 1959, após a vitória, em 1958, de Milton Margai (líder do SLPP) como primeiro-ministro. Em 1960, a oposição se uniria ao SLPP, formando uma frente nacional que entrou em acordo sobre a independência, confirmada em 27 de abril de 1961 pela Grã-Bretanha (HERNANDEZ, 2005). Com a morte de Margai em 1964, seu meio-irmão assumiu o cargo de primeiroministro. Nas eleições de 1967, o partido All People’s Congress (APC) ganhou a maioria no parlamento e o líder do partido, Siaka Stevens, foi nomeado primeiroministro. No entanto, um golpe dado pelo Comandante das Forças militares de Serra Leoa (David Lansana) impediu que Stevens chegasse ao cargo. O episódio foi sucedido por um segundo golpe, que levou à prisão de David Lansana e à suspensão da

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Constituição. Em 1968, um terceiro golpe militar prendeu os líderes do movimento anterior, restaurou a Constituição e Stevens finalmente assumiu o cargo de primeiroministro, ficando no cargo até 1985(US DEPARTMENT OF STATE, 2012). Durante seu governo, Stevens tornou o APC no único partido legal do país, banindo o resto, além de outros meios que garantissem sua posição no poder. O país só voltaria a um sistema multipartidarista em 1991 durante o mandato de Joseph Saidu Momoh, aliado de Stevens no APC que o suscedeu no cargo em 1985. Em 1991, um grupo chamado Revolutionary United Front (RUF), impulsionado pelo conflito corrente na Libéria, começou a promover ataques na fronteira com esse país, chegando a controlar as minas de diamantes na região de Kono. O país mergulharia em um conflito que só acabaria oficialmente em janeiro de 2002 após intervenções da ONU e da Grã-Bretanha, antiga metrópole da região.

Costa do Marfim (Côte d’Ivoire) Durante o período colonial, a Costa do Marfim fazia parte de uma “federação” de oito colônias da África Ocidental Francesa, cuja administração era controlada por um governador-geral. As reivindicações contra a exclusão da população colonial da vida política são reforçadas pela situação pós-Segunda Guerra Mundial, reivindicando por uma mudança no estatuto político. Como resultado, ocorreu a Conferência Africana de Brazzaville no início de 1944, reunindo governadores e colonos. Essa conferência excluiria qualquer ideia de autonomia da região e toda a forma de evolução fora do bloco francês (SURET-CANALE; BOAHEN, 2010). Contudo, pela primeira vez a população da colônia poderia eleger deputados para a Assembleia Nacional Constituinte Francesa, que redigiria a Constituição da IV República da França. Essa medida foi tomada a fim de conquistar a simpatia política dos colonos. Esse fato levou à eleição de representantes africanos que conduziam a defesa pelo fim do regime colonial, no caso da Costa do Marfim, Félix Houphouët-Boigny – médico formado em Dakar que se tornaria importante figura no processo de independência do país. No entanto, a Constituição de 1946 suprimiu toda a possibilidade de evolução rumo à independência, além de garantir o poderio político-econômico dos proprietários de terra europeus na Costa do Marfim, em detrimento dos proprietários rurais nativos. O governo da Costa do Marfim enfrentaria, então, uma crise política gerada pelos grupos economicamente dominantes (HERNANDEZ, 2005). Como reação à situação, criou-se o Sindicato Agrícola Africano sob a liderança de Boigny, buscando melhores condições para os agricultores nativos. A nível regional, em 1946, foi convocada uma reunião de todos os partidos no Mali a fim de se organizar a luta anticolonial. Nesse congresso, foi criado o Agrupamento Democrático Africano (RDA), que federou os partidos locais com base nessa luta (SURET-CANALE; BOAHEN, 2010).

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Com a Guerra Fria, a França começa a seguir uma política de restauração colonial, cuja política de repressão teve seus esforços concentrados na Costa do Marfim, a fim de dificultar a atuação do RDA e do Parti Démocratique de La Côte d’Ivoire (PDCI), que defendia as reivindicações da sociedade agrícola marfinense e, por consequência, os interesses das massas reprimidas pelo regime colonial (SURETCANALE; BOAHEN, 2010). Em consequência das fortes medidas de repressão, Boigny opta pela via colaborativa à política governamental, levando a uma direitização da RDA. Gerando simpatia por sua opção, há uma entrada de capitais ocidentais considerável na Costa do Marfim (HERNANDEZ, 2005). Com a degradação da situação internacional francesa (derrota na Indochina, guerra de libertação na Argélia...), o governo da França se anteciparia às demandas de independência. Em 1957 concedeu uma “semiautonomia” aos territórios além-mar. A nova constituição de 1958 (V República Francesa), ao fazer desaparecer a África Ocidental Francesa como unidade política, levou a um processo de balcanização da região (SURET-CANALE; BOAHEN, 2010). A Costa do Marfim garantiu sua independência frente à França no dia 7 de agosto de 1960. Um dos fatores mais impressionantes após a independência do país foi seu crescimento econômico. O “milagre” econômico marfinense duraria até o fim da década de 1980, quando os preços do cacau e do café começaram a enfrentar instabilidades no mercado internacional. As três primeiras décadas da Costa do Marfim independente foram dominadas pelo poder pessoal de Boigny (THOMSON, 2010). Tornando-se o partido no poder com as eleições após a independência, o PDCI iniciou uma tática de estabelecimento de um sistema unipartidário, absorvendo parte dos grupos de oposição e eliminando outros. Ao garantir a eliminação dos grupos de oposição, Boigny deixa o PDCI se desmantelar. Centralizando os poderes políticoinstitucionais no poder executivo encabeçado por sua pessoa, o governo passa a garantir sua legitimidade a partir de um sistema clientelista de troca de favores que se manteve relativamente controlado até meados dos anos 1980 (THOMSON, 2010). Com os problemas econômicos da segunda metade dos anos 1980 (instabilidade dos preços agrícolas), esse sistema de favores perde sustentação pela diminuição de recursos do governo, gerando demandas pela volta do sistema multipartidarista e pela liberalização política. Após a morte de Boigny em 1993, nenhum partido ou indivíduo conseguiu gerar legitimidade suficiente para acalmar a situação política do país (THOMSON, 2010). A incerteza política aumentaria após um golpe militar em 1999 e, mesmo com o fim deste em 2003, a política da Costa do Marfim ainda se encontra deteriorada.

Libéria

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A formação da Libéria pode ser considerada como um caso especial na África. O país foi fundado pela American Colonization Society, com auxílio do governo dos EUA que, após a independência, buscava uma solução do que se fazer com os negros em seu território. A American Colonization Society obteve terras das chefias locais que habitavam a região litorânea da Libéria (HERNANDEZ, 2005). Para esse território foram enviados afro-americanos, tanto por convencimento quanto por ameaças. Tendo os EUA como modelo, esses imigrantes fundaram a capital, Monróvia, na costa do Atlântico. Formou-se, a partir de então, um mito da Libéria como a “terra da liberdade”, que seria muito usado pelos discursos políticos (HERNANDEZ, 2005). Em 1847, a Libéria se torna independente da American Colonization Society, com uma estrutura política inspirada nas instituições americanas, embora continuasse dependente economicamente dos EUA. A falta de capacidade do Executivo em se fazer representar em todas as unidades do território levou à detenção do poder político por certas famílias de imigrantes Américo-liberianos. Desde então, duas características iriam marcar a história da Libéria: o domínio de privilégios pelas regiões centrais do país (aquelas próximas ao litoral, compostas por Américo-liberianos), em detrimento das regiões periféricas; e a divisão entre os Américo-liberianos e os povos nativos, que tinham grandes diferenças culturais entre si (HERNANDEZ, 2005). A situação econômica do país iria sofrer uma deterioração com a Primeira Guerra Mundial. O governo do país aceitou em 1930, empréstimos em troca de concessões de exploração da borracha ao truste da Firestone (empresa americana). A Firestone se tornaria um Estado dentro de um Estado, aumentando ainda mais a dependência da Libéria em relação aos EUA (HERNANDEZ, 2005). A situação sofreria alterações com a ascensão à presidência de William Vacanarat Shadrach Tubman em 1944, que ficaria no cargo até 1971. Tubman visava diminuir a dependência econômica do país em relação à Firestone, tentando atrair investidores ao país. Essas medidas conseguiram certa diversificação das atividades econômicas e dos destinos de investimento dentro do país (SURET-CANALE; BOAHEN, 2010). Com a descoberta de minérios de ferro, as receitas nacionais sofreram um aumento e, em 1978, a Libéria se tornaria a maior produtora de ferro da África e a terceira maior do mundo. Tubman levaria a uma mudança na situação social do país, colocando em aplicação políticas de assimilação entre os dois diferentes setores da sociedade, incentivando a cultura autóctone e estendendo a essa população o direito de representatividade nas eleições legislativas (SURET-CANALE; BOAHEN, 2010). Já em 1944, foi concedido o direito ao voto para todos os africanos do sexo masculino que pagassem seus impostos em dia. Apesar dessas reformas, a Libéria ainda continuaria dependente ao capitalismo internacional e subordinada aos interesses dos investidores estrangeiros.

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A história da Libéria a partir do fim da era do partido de Tubman (o True Whig Party), marcada pelo golpe militar de 1980 (SURET-CANALE; BOAHEN, 2010), seria marcada por golpes políticos que levariam a uma militarização da política e a uma parceria do poder com as grandes empresas internacionais interessadas nos minérios de ferro e diamante na fronteira do país com a Serra Leoa (HERNANDEZ, 2005). Esses governos teriam feito vista grossa à entrada de armamentos no país, o que acabou por transformar “pequenas rivalidades etnoculturais e sangrentas guerras civis” (HERNANDEZ, 2005, p. 326) que se estabeleceram no país até a deposição de Charles Taylor em 2003.

Etiópia O mito fundador do povo etíope afirma que o primeiro soberano do país (em um sistema similar a uma monarquia) era filho do rei Salomão e da rainha de Sabá. Essa lenda demonstra a força do cristianismo do país, religião dos grupos etíopes historicamente dominantes, que tiveram uma forte influência na disseminação dessa lenda. Os etíopes sobreviveram ao imperialismo europeu, mantendo sua independência até 1936. Para obter tal resultado, eles se valeram das disputas imperiais de Inglaterra, França e Itália na região do Chifre africano, da crença popular da predestinação do povo etíope, da força de seu exército imperial, e do status obtido após as suas vitórias militares contra forças invasoras (europeias ou africanas) e dentro de seu projeto expansionista (HERNANDEZ, 2005). A Etiópia conseguiu assim evitar as tentativas europeias, principalmente italianas, de invadir seu território, além de ter obtido um forte status internacional, sendo membro da Sociedade das Nações. Contudo, a Itália fascista de Mussolini resolveu intensificar sua presença na região do Chifre Africano, provocando tensões com a Etiópia até invadi-la e dominá-la em 1936. O domínio italiano, porém, não durou muito tempo, sendo encerrado antes do final da Segunda Guerra Mundial, em 1941. Quando de sua independência, a Etiópia anexou a antiga colônia italiana Eritreia, que adquiriu o status de província autônoma, retomando sua saída para o mar. O regime monárquico estabelecido, sob Haile Selassie, manteve certa estabilidade, mas, devido às revoltas pela independência dos eritreus e dos somalis, e aos maus resultados econômicos, principalmente a ineficácia das medidas tomadas para reparar a falta de alimentos que ocorreu no país em 1973, o regime perdeu suas bases de sustentação. Em 1974, um golpe militar tirou o monarca do poder na Etiópia, instaurando um regime que adota o marxismo-leninismo como ideologia (VISENTINI, 2012). Essa revolução teve profundas repercussões na organização do país, como a reforma agrária, a alfabetização de grande parte da população, a contenção das minorias, a estatização das propriedades urbanas, entre outros. Apesar de diversas alterações estruturais, o regime instalado enfrentou inúmeras dificuldades, relacionadas em parte à heterogeneidade do movimento que permitiu sua ascensão,

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resultando em medidas opressivas (SCHNEIDER, 2010). Logo quando da instauração do regime militar, as tensões com a Somália pela região etíope habitada por somalis iniciou uma guerra. Nesse contexto, os etíopes abandonaram suas antigas alianças com os Estados Unidos do período imperial, passando a receber apoio da União Soviética e de Cuba, antigos aliados da Somália. Assim, a Etiópia derrota a Somália, assim como o fez com os eritreus que almejavam sua independência. O regime de Mengistu (líder do governo militar) conseguiu manter-se estável até o ano de 1991. Uma vez que o apoio recebido da URSS, já enfraquecido, se interrompe, o regime etíope conta com um menor apoio externo para manter sua autoridade nacionalmente. Em 1991 dois movimentos internos se fortaleceram e conseguiram derrubar o regime: o TPLF (Frente de Libertação do Povo do Tigré) e o EPRDF (Frente Democrática Revolucionária do Povo Eritreu). Esse dois movimentos se uniram e tomaram o poder na Etiópia, abandonando o marxismo, embora mantenha a influência da esquerda. Nesse contexto, foi possível a independência da Eritreia, que a obtém oficialmente em 1993, acabando com a sangrenta luta pela autodeterminação do povo eritreu. Contudo, apesar do suposto clima de fraternidade entre Eritreia e Etiópia, quando da independência da primeira, as relações entre os dois países passaram por um processo de intensa deterioração, uma vez que as fronteiras não foram bem estabelecidas, gerando uma guerra entre os dois países no início do novo milênio. Os etíopes ainda estão envolvidos na guerra da Somália, onde buscam a consolidação do governo de transição, tentando estabilizar o país apoiando grupos somalis com uma postura não hostil para com os etíopes, temendo a ascensão de indivíduos que venham a contestar seu direito sobre a região somali na Etiópia (JANE’S, 2009).

Somália O povo somali não possui divisões étnicas, a desunião que pode ser percebida na região ocupada por eles se deve às dificuldades em estabelecer um Estado que unifique todos os clãs, grupos determinados a partir da linhagem masculina, no caso somali. A maioria dos somalis é muçulmana sunita, e a poligamia masculina prevista pelo corão (número máximo de esposas sendo quatro) é uma prática comum, havendo facilidade para a obtenção de divórcio. O casamento sempre foi um instrumento de negociação entre os diferentes clãs nas regiões ocupadas por somalis, sendo comuns os casamentos arranjados (LEWIS, 2008). A falta de coesão entre os somalis facilitou a conquista dos seus territórios por três potências coloniais, Inglaterra, França e Itália, movidas pela importância geoestratégica do Chifre Africano. A França ocupou o território que mais tarde se tornaria o Djibuti; a Inglaterra, o da atual Somalilândia (território que busca independência da Somália); e a Itália, a região sul do país (HERNANDEZ, 2005).

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Durante o regime fascista de Mussolini, houve a expansão do território ocupado pelos italianos que tomaram a parte inglesa e dominaram a Etiópia. Contudo, as derrotas italianas na Segunda Guerra Mundial levaram ao retorno da Etiópia à independência, à devolução da Somalilândia britânica aos ingleses sob o sistema de protetorado, e à perda da Somália italiana para os britânicos. Contudo, parte do território somali volta ao controle italiano sob a forma de protetorado. A independência dessas duas regiões da Somália ocorre no ano de 1960, quando ambas também se unificam. A política externa da Somália após a sua independência se baseia na unificação das regiões ocupadas por seu povo, se voltando para a promoção da identidade pansomali. Nesse intuito, buscava-se a independência do Djibuti dos franceses e a retomada dos territórios habitados por grupos somalis, mas ocupados pelo Quênia e pela Etiópia. As tensões com a Etiópia por território são em parte responsáveis pela instabilidade que o regime em formação apresentava. O governo independente na Somália teve de enfrentar as dificuldades de unificar dois modos diferentes de organização e regiões em diferentes estágios de desenvolvimento econômico. O governo se mostrou bastante fraco e acabou por ser derrubado por um golpe militar em 1969, liderado pelo general Siyad Barre. Esse novo governo logo optou por aderir ao socialismo científico, o que implicou um foco maior na coordenação das políticas internas (LEWIS, 2008). Aos poucos o governo de Siyad Barre retornou à antiga política de união dos somalis. Nesse contexto, a Somália entrou em guerra com a Etiópia pela região do Ogaden e apoiou a independência do Djibuti dos franceses (1977). A Guerra com a Etiópia foi incrivelmente devastadora para os somalis. A perda da guerra para os etíopes gerou inúmeros problemas para o governo. Houve uma intensificação dos fluxos de deslocamento através das fronteiras entre Etiópia e Somália. Além disso, uma forte seca atingiu a região entre 1974-75, criando problemas ainda maiores de pobreza. Ao se perceber em uma situação de derrota frente aos etíopes e sob pressão externa, o presidente somali busca criar um acordo com a Etiópia. Ao firmá-lo, o chefe de estado da Somália gera importantes resultados: os senhores da guerra que apoiavam a causa pan-somali desistem de sua luta e passam a buscar a sua própria autonomia (LEWIS, 2008). Assim, em 1991, a derrubada do governo inicia o período atual de falta de legitimidade do governo do país, a acentuação das divisões internas, e a sabotagem ao poder político central. No atual estado de desintegração da Somália, diversos presidentes já buscaram reunificar o povo sem sucesso. Duas grandes porções do território buscaram alterar o seu status com relação à união: o território setentrional da Somalilândia se declarou independente em 1991, sem obter reconhecimento internacional; a porção da Somália localizada na ponta do chifre se declarou uma região autônoma em 1998 sob o nome de Puntlândia, alegadamente buscando estabilizar parte do país e depois expandir isso para o resto (LEWIS, 2008). Enquanto isso, missões de paz da ONU já

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tentaram trazer estabilidade para o país e reduzir os problemas que assolam os somalis. Contudo, duas missões já foram estabelecidas e canceladas, sem que qualquer sucesso tenha sido obtido, inclusive não conseguindo atingir as parcelas mais desfavorecidas com seu auxílio médico e alimentício (JANE’S 2009).

Pontos a discutir 1) As independências dos Estados africanos trouxeram uma ruptura do sistema colonial de fronteiras ou as mantiveram? Se as mantiveram, que problemas surgiram a partir dessa situação? 2) A conquista de soberania política significou a emancipação plena dos territórios dos antigos impérios coloniais ou significou a emergência de um novo sistema de dominação e exploração (neocolonialismo)? 3) Os modelos de organização política, jurídica e educacional adotados após a independência copiavam os modelos das metrópoles europeias. Quais foram as consequências da adoção desses modelos? 4) Qual foi o papel desempenhado pelas forças armadas para a manutenção da independência dos novos Estados? Por que eles tiveram um papel destacado? 5) Por que razão após a independência política vários Estados africanos buscaram aplicar os padrões socialistas originários do marxismo como forma de organização político-social?

Notas: ¹ A tribalização consiste na redução das explicações sobre os conflitos africanos, como algo inerente à população em questão, e da complexa organização social estabelecida nas sociedades africanas anteriores ao domínio europeu a simples tribos, muitas vezes chamadas de “atrasadas”. ² Os conceitos de etnia e tribo são muitas vezes confundidos, em diversos casos propositalmente. O primeiro se refere a um grupo de indivíduos que têm a consciência de serem diferentes de outras pessoas, enquanto o segundo, a um grupo étnico organizado politicamente sob o comando de um ou mais líderes, muitas vezes com uma linhagem comum. Já o termo nação é empregado para descrever grupos étnicos que possuem uma vida econômica comum (EVANS; NEWNHAM, 1998). Todos os conceitos são objeto de intensa discussão nas ciências sociais. ³ Produtos que, por não possuírem muitas diferenças entre si, são intercambiáveis por qualquer outro produto igual, independente de quem o produz. Possuem um preço determinado ao nível de oferta e demanda global. Exemplo: produtos agrícolas. Laurent Kabila iniciou sua participação na política congolesa como guerrilheiro, tendo alterado sua linha de pró-cubano para pró-chinês após a saída dos cubanos da República Democrática do Congo. Kabila foi bem sucedido na “libertação” de uma zona próxima as fronteiras com Ruanda e Burundi, onde buscou estabelecer sistemas de produção maoistas. O 4

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futuro presidente congolês possuía relações próximas com os governantes da Tanzânia, para onde se mudou até conseguir dominar seu país natal a partir do apoio ruandês e ugandês. Quando de sua ascensão, Kabila havia se associado a grandes empresas estadunidenses e passado a mudado seu ramo de atividades para a extração mineral (CASTELLANO, 2011). 5O

coltan (ou coltão) é um mineral que é utilizado na produção de aparelhos eletrônicos e chips de computadores e na indústria espacial. Estima-se que 80% das reservas mundiais se localizem na República Democrática do Congo, onde se concentra nas zonas próximas às fronteiras com Ruanda, Uganda e Burundi (CASTELLANO, 2011). Sua exploração vem sido conduzida ilegalmente por indivíduos desses países fronteiriços, e essa renda é muitas vezes utilizada para financiar grupos opostos ao governo central. 6 Mwami

era o nome dado ao soberano em Ruanda e no Burundi, além de outros sistemas na região. Apesar de ser normalmente traduzido como monarca ou rei, o mwami não possuía as mesmas características de seu equivalente europeu (Ver capítulo 2 para formas de organização política das sociedades africanas antigas). 7 Indivíduo

de origens étnicas da metrópole (no caso, de origens europeias), mas nascido em território colonial. Referências 1. CASTELLANO, I. S. Guerra e Reconstrução do Estado na República Democrática do Congo: a definição militar do conflito como pré-condição para a paz. 2011. 178 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. 2. CHANAIWA, D. A África Austral. In: MAZRUI, A. A.(Org.). História geral da África VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010. p. 289-328. 3. CHAZAN, N. et al. Politics and Society in Contemporary Africa. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1999. 4. CLAPHAM, Christopher. Africa and the International System: The Politics of State Survival. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. 5. ELAIGWU, J. I. Construção da nação e evolução das estruturas políticas. In: MAZRUI, A. A. (Org.). História Geral da África VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010. p. 509554. 6. EVANS, G.; NEWNHAM, J. Dictionary of International Relations. London: Penguin Books, 1998. 7. HERNANDEZ, L. L. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005. 8. JANE’S. Country Profile. 2009. 9. JOSE, J. Angola: Independência, Conflito e Normalização. In: MACEDO, J. R. (Org.). Desvendando a história da África. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2008. 10. LEWIS, I. M. Understanding Somalia and Somaliland: Culture, History and Society. Nova Iorque: Columbia University Press, 2008. 11. MAZRUI, A. A. Introdução. In: MAZRUI, Ali A. (Org.). História Geral da África VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010. p. 1-29. 12. M’BOKOLO, E. África Negra: história e civilizações. Tomo II (Do século XIX aos nossos dias). Salvador: EDUFBA; São Paulo: Casa das Áfricas, 2009. 13. MUNANGA, K. África: trinta anos de processo de independência. Revista USP - Dossiê Brasil/África. São Paulo: v. 18. p. 100-111, jun./ago, 1993. 14. SCHNEIDER, L. G. O papel da guerra na construção dos Estados modernos: o caso da Etiópia. 2010. 178 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Programa de Pós-

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