A formacao docente como instrumento politico

June 11, 2017 | Autor: Rolo Univer | Categoria: N/A
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Desde os primórdios da civilização, a capacidade de utilização do raciocínio, a comunicação e a construção de subjetividades na busca de compreensão e interação com uma realidade percebida marca a humanidade com esses diferenciais em relação aos outros animais.
O homem e a mulher têm a possibilidade mais ou menos arbitrária de decidir sobres o próximo movimento, estabelecer caminhos diferentes para um mesmo tipo de estímulo e de atuar fora de uma lógica esperada, seja atendendo a uma coletividade ou a sua individualidade.
Se estas peculiaridades da nossa espécie diversificada envolvendo decisão e escola, por um lado, nos garante a possibilidade de escolha, por outro, estabelece profundas inconsistências em relação ao exercício do saber e poder sobre os vivos – o biopoder – gerando novos elementos de interesse especial para a nossa temática. Trata-se de dispositivos de disciplinamento e controle.
Estes dispositivos aplicados na educação de crianças, jovens e adultos atuam sobre as forças geradoras de nossas identidades, modelando e adequando nossos pensamentos e sentimentos, diminuído nossa perspectiva desviante, nossa tendência outsider e as subversões de um comportamento implantado. Em resumo, tais dispositivos, desgastam nossa capacidade de resistência e nossa humanidade diversificada.
Aquilo que anteriormente nos distinguem de outros animais, passa a ser politicamente tratado como uma ameaça ao ser e a civilização. Uma ameaça ao funcionamento equilibrado da coletividade governamentalizada. Na leitura da dominação, disciplinar, controlar e domesticar são imprescindíveis para a consolidação da erradicação de nossas tendências subversivas. A lógica da dominação vai se preservar através de padrões inquebráveis e de uniformização.
Se aquilo que nos particulariza também nos dá poder de subversão, a ação de dominação para a manutenção da relação entre dominado e dominante exercida através de instituições legais passa a ser um caminho de consolidação do poder e dos saberes. Procedimentos de domesticação e modelagem destes sujeitos ingressantes na sociedade requer dispositivos disciplinares reconhecidos e referendados pela própria coletividade. Estes espaços são variados e entre eles a instituição educacional em qualquer nível é um dos principais espaços de domesticação. Estes lugares, são produto, entre outras possibilidades, deste movimento de disciplinamento e controle exercido pela governamentalidade (self-goverment), deste tipo de estabelecimento de relações de saber e poder, de estabelecimento do governo do mais forte e, na contemporaneidade, do mais adaptável, mais flexível e mais amoral.
A instituição de ensino como um espaço para a ação dos dispositivos de disciplinamento e controle necessita de agentes para a conclusão de suas estratégias de modelação. São os disciplinadores que atuam em ressonância com a governamentalidade (self-goverment). Estes, por sua vez, precisam estar submetidos a códigos inscritos em regras implícitas ou explicitas, a modelagens de comportamento e compreensão procurando manter uma ordem, presumivelmente, salvadora e estabilizadora de condições sociais adequadas as necessidades de uma governamentalidade (self-goverment) política. Estes são os professores e todo o conjunto de atores que atuam nestas instituições.
Estas instituições educacionais não são ingenuamente engendradas para funcionar da maneira como funcionam, tanto que a forma arquitetônica, a expectativa de comportamento, os horários de funcionamento, a maneira como o encadeamento curricular é engendrado, a forma como as relações são construídas e muitas outras características da instituição reproduzem outros espaços de controle e disciplinamento como por exemplo hospitais e prisões. São espaços que buscam garantir a expectativa de governo da tradição de poder das gerações anteriores.
Foucault (1979) identifica uma nova forma de governar que se caracteriza pela implantação de mecanismos internos de governança, indiretos, numerosos e complexos que limitam do próprio interior do governo dos vivos o exercício do próprio poder. Nas instituições educacionais esta perspectiva de governança se materializa evidentemente. Escolas públicas ou privadas tem de seguir uma série de regras ditadas pelo governo, na universidade as formações de professores (a licenciaturas) são expostas a conjuntos complexos de regras, mas o discurso é liberal, desde que estas regras sejam mantidas. Não obstante, a passagem de um nível escolar mais básico para o nível superior universitário apresenta mecanismos similares de disciplinamento e controle inclusive na formação de professores. O poder público vai, então, buscar regular o comportamento dos "súditos", definirá as competências necessárias para o "sucesso" na sociedade através de mecanismos de seleção e acompanhamento tornando a avaliação uma ferramenta de inclusão ou exclusão em um sistema de biopoder.
Esse sistema de modelagem do "cidadão" precisa plantar, nos novos sujeitos de mercado, alguns elementos que respondam aos dispositivos de disciplinamento e controle sem que haja a necessidade de utilizar forças cerceadoras mais explícitas, como por exemplo, o poder de polícia. Estes espaços de veridicação das necessidades da governamentalidade (self-goverment) comanda, dita e prescreve os elementos de racionalidade e as subjetividades possíveis ao indivíduo em formação. As instituições têm como um dos seus objetivos realizar a vinculação sólida entre as histórias de verdades e as histórias de direito, entre as histórias dos erros e as histórias das proibições. As primeiras traduzem a verdade com um número de racionalidades historicamente sucessivas que se estabelecem, são regimes veridicionais validados pela governamentalidade (self-goverment) política, cientifica ou religiosa. As segundas atuam como mecanismos cerceadores a partir de regras de moral e comportamento onde a condição de acerto, de bom raciocínio e bom sentimento estão ligadas as necessidades da mesma governamentalidade (self-goverment).
Nos espaços de educação, emerge fortemente nos dois últimos séculos a necessidade de se praticar e assumir o utilitarismo. Este é tratado nesse trabalho como uma tecnologia do governo. A formação passa a ser um instrumento de perpetuação desse impulso utilitarista e aquele que não responde a está modelagem pode estar perigosamente se colocando na marginalidade do sistema. Daí a necessidade de se combater a heterogeneidade de uma forma inteligente, pois a qualidade do heterogêneo se materializa sempre por inclusão, nunca por exclusão e nem por uniformidade. É nesse limiar de relação entre disciplinamento, controle, regras, uniformidades sem parecerem uniformes, aparente aceitação das heterogeneidades desde que elas respondam as necessidades de governamentalidade (self-goverment) é que se instala a função docente.
As proles dos sujeitos dominantes precisam ser conformadas e esta ação não pode esperar pelo amadurecimento do indivíduo. Nesse contexto e utilizando a perspectiva expressa pelas ideias de Foucault o indivíduo será considerado aquele ser limitado em suas circunscrições físicas, psicológicas e de ação, enquanto que o sujeito só emerge quando o indivíduo se prende a uma identidade que ele mesmo reconhece como sua. Essa criação do sujeito, na perspectiva que adotamos é a tarefa deste dispositivo educação e que é exercido pelo docente ao agir sobre o indivíduo em formação. Se na antiguidade, quanto mais se tem poder, mais se é demarcado como indivíduo, na contemporaneidade, no regime disciplinar indivíduo é exatamente aquele sobre o qual se exerce o poder, mediante a vigilância contínua. Deste se constrói o sujeito e se embota o indivíduo e, por isso, o sujeito é considerado em obras de Foucault como produto dos dispositivos de poder uma vez que é, também, produto das técnicas de sujeição das racionalidades e subjetividades. A figura, responsabilizada pela governamentalidade (self-goverment), para operacionalizar esse processo é o docente.
Os sujeitos discentes passam por uma modelagem de pensamento, comportamento e subjetivação onde ele precisa a aprender a reconhecer as hierarquias, precisa aprender a reproduzir conhecimentos aceitáveis pela sociedade e enfim, preferencialmente, se submeterem sem muita resistência ao mercado e política dominante. Se considera este processo como uma forma de domesticação do indivíduo e geração de um sujeito conformado.
Sem dúvida, esses exercícios de biopoder acabam gerando, minimamente, duas estratificações bem definidas: os dominantes e os dominados. Mais uma vez se necessita salientar uma outra grande mudança na forma de ação da governamentalidade (self-goverment). Se em algumas sociedades ocidentais anteriores ao século XVII as estratificações eram bastante rígidas e explicitas, após o século XVII, mormente na contemporaneidade, as flutuações de status estão muito mais evidentes, e com a emergência do mercado, do poder financeiro e da comunicação os trânsitos entre estas duas categorias é muito mais permissivo. Contudo, não se pode mais aliar as mudanças de status como absolutamente equalizadas com as mudanças de poder no nível da governamentalidade (self-goverment) exercida pelo sistema. Assim, a educação é sem dúvida uma catapulta para o estabelecimento do status, mas de nenhuma forma para a permanência neste novo espaço de status alcançado. Da mesma forma, se pode afirmar que existem mecanismos de controle para que estes sujeitos emergentes tenham um limite interno de integração aos seus pseudo-pares nos status permitidos a sua ascensão.
O docente neste roteiro social está situado em uma espécie de limbo social, quando se analisa a sociedade a partir das relações de saber e poder. Este profissional conforma ou gera resistências na caminhada do indivíduo discente até o sujeito discente, ele gera caminhos para o acesso aos saberes e até mesmo pode, indireta ou diretamente, preparar o sujeito conformado ao poder, mas, ele próprio não se situa nesta casta dominante e também não se alinha com o discente que ao nosso ver seria seu par político. O docente trata-se de um médium que tem em sua subjetividade um status imaginário de poder e saber, circunscrito a um pequeno espaço dentro de uma instituição mantida pela economia das governamentalidades (self-goverment). Ele não se situa nem aqui, nem lá, nem dominante, nem dominado, nem um representante dos saberes, mas sim um reprodutor destes ao mesmo tempo em que tem um poder bastante limitado e em geral pouco efetivo em relação aos seus "súditos".
Até agora, procuramos argumentar sobre a necessidade da existência de um sujeito que serve como agente do disciplinamento e controle das novas gerações. Historicamente este papel já foi exercido pela família, pelos anciãos das tribos, pelos religiosos, os preceptores e outras figuras sociais. Na contemporaneidade um dos atores deste papel é o docente. Nossa premissa nos leva a compreender que, na atualidade, este sujeito, o docente, tem entre outras funções a nefasta representação de ser um agente de implementação e consolidação do dispositivo de disciplinamento e controle que é a instituição de ensino, com raras exceções. O docente é um médium, como já afirmamos anteriormente, e esta atribuição é remunerada pelos grupos que controlam a governamentalidade (self-goverment). Logo, sua profissão é financiada por estes outros sujeitos que precisam domesticar o discente e conformá-lo as necessidades da sociedade onde está inserido e ao contexto possível. É neste enquadramento que vamos dialogar com a problemática da formação docente como um instrumento político modelador de sujeito e posteriormente como conformador das mentalidades dos discentes.
Vamos considerar que a formação dos professores segue alguns roteiros bem definidos pela ciência (saber e poder) pelas necessidades sociais daqueles que exercem a governamentalidade (self-goverment) na própria ciência e na política (poder e saber). Em Foucault se percebe a escolha da compreensão do sentido de educação, e por isso da formação docente, como um dispositivo ao qual se atribuí a responsabilidade de reorganizar o poder moderno. Este autor enfatiza a função de "disciplinarização da educação" que, neste sentido, ganhará importância e corpo. Foucault (2004), em "A ordem do Discurso" afirma que "Todo o sistema educacional é uma maneira de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e poderes que eles comportam. " (p.45 e 46) São as formas de adestramento que o professor deve aplicar em seus discentes. Em "Ditos e Escritos 3", Foucault enfatiza que a educação se inscreve como um dispositivo de disciplinamento da sociedade. (p.375)
A FORMAÇÃO DOS DOCENTES
A formação de docentes tem sido objeto de pensamento de muitos cientistas que se dedicam a estudar está particularidade da ação educativa e, por isso, se formam inúmeros discursos sobre a ação docente.
Encontramos na literatura perspectivas isoladas ou combinadas das mais variadas vertentes como os discursos sobre o professor reflexivo (ou prático reflexivo) – que seria aquele que pesquisa, ou reflete sobre a própria prática como sugere Schön (1992) e Zeichner (1993), o escolanovismo de Dewey (1933), o professor pesquisador fundamentado por Stenhouse (1975) defendendo a tese sobre a importância da formação através da pesquisa, o professor de Geraldi (1998) que vai sugerir a necessidade da inclusão científica da ação e pesquisa (pesquisa-ação), André (1999) afirmando a importância do professor atuar em regime de colaboração com outros professores universitários e professores da escola, Freire (1996) defendendo a discursividade pedagógica crítica no Brasil, evidencia a concepção de pesquisa como algo inerente à docência, as ideias de Nóvoa (2005) criando vinculações fixas entre o professor reflexivo e o professor pesquisador na medida em que afirma serem distinções de superfície, o discurso das competências e das formações democráticas de Perrenoud (2000) e tantos outros pensadores
Reprodutivistas, críticos ou não críticos, e românticos da ação docente, uma vez que nenhum deles trata sobre as influências genealógicas desta profissão, da necessidade de subverter radicalmente a ordem imposta pelo self-goverment, por acreditarem que os mantenedores de um sistema de disciplinamento e controle iriam apoiar ou enfatizar mudanças na formatação da cabeça dos futuros integrantes da sociedade neo-liberal ou como Freire (1996) acreditando que o self-goverment iria permitir a expansão de sua proposta revolucionária para além dos espaços geográficos e populações específicas onde esta metodologia iria servir para criar uma fantasia de formação crítica do cidadão.
O discurso do novo não tem a intenção de se aprofundar nas raízes políticas da formação docente. Não se percebe, facilmente, um discurso que questione as raízes epistemológicas da existência da profissão docente. Discursos muito interessantes sem profundidade de conteúdo epistêmico suficiente para quebrar o paradigma de existência da formação docente como um agente de dispositivo de disciplinamento e controle das mentes emergentes. A docência e a educação se explicitam como parte da arte de governar.




ZEICHNER, K.M. A formação reflexiva de professores: ideias e práticas. Lisboa: Educa, 1993.
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PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
NÓVOA, A. Evidentemente: histórias da educação. Porto: Asa Editores, 2005.
STENHOUSE, L. An introduction to curriculum research and development. Londres: Heinemann, 1975.
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DEWEY, J. How we think. London: Heath, 1933
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FOUCAULT, M. Seguridad, territorio, población: curso en el Collège de France (1977-1978).Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 2006.
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A formação docente como instrumento político de manipulação e controle das racionalidades e subjetividades dos sujeitos em formação.
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