A Fotografia como um Processo de Mediação entre Ciência e Reinvenção Artística

September 11, 2017 | Autor: R. Silva | Categoria: Artes, Ciencia, Historia de la fotografía, Fotografia
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A  Fotografia  como  um  Processo  de  Mediação     entre  Ciência  e  Reinvenção  Artística   Rogério  Paulo  Batista  da  Silva       Índice   Introdução  ............................................................................................................. 3   Desenvolvimento  .................................................................................................. 4   1. O congelamento da realidade ....................................................................... 4 2. As imagens documentais e científicas ........................................................... 5 3. Arte, ciência e reinvenção artística................................................................ 6 Conclusão ................................................................................................................ 9 Bibliografia ............................................................................................................ 10         Resumo Representar o real foi sempre uma inquietação particular dos artistas, resultado das suas vivências e experiências com a visualidade do mundo. Ao congelar o seu olhar no mundo à sua volta, através da cópia, o homem deteve a possibilidade de desenvolver um pensamento da cultura da imagem. Ao construir esse conhecimento, ele procura descodificar e interpretar visualmente o mundo representado, através do desenho, da pintura ou da fotografia. Desde o seu início, que a fotografia se tem desenvolvido a par com um interesse entre o registo do real e a validação visual dessa mesma representação, ampliando a sua actuação tanto nas artes como nas ciências. Reinventar a representação do que não é visível e imediato aos nossos olhos, tem sido uma forma de mediação e de diálogo entre a imagem fotográfica e o pensamento artístico.

Introdução Neste ensaio procura-se entender as imagens como objectos representativos e registos visuais de acontecimentos, convocando-nos a percorrer os caminhos da visualização e do “pensar o mundo” através dos tempos. O congelamento da imagem permanece como uma arqueologia do olhar de artistas e fotógrafos que, desse modo, amplificaram o entendimento visual que temos da história. Homens que ficaram na história, expandiram as suas invenções - aparelhos de visão numa determinada época e estabeleceram um percurso da história até à contemporaneidade, democratizando e aproximando cada vez mais a imagem aos nossos olhos, através dos actuais dispositivos tecnológicos. Entre a expectativa do homem em querer aceder a essa visualidade do mundo e a facilidade actual com que esse efeito se realiza, define a educação do seu pensamento. Embora haja essa necessidade de tornar o invisível no visível, como justificativo da sua individualidade, não existe a noção dos processos de produção da imagem. Elas surgem espontâneas nos nossos dias. O registo das imagens transformou a fotografia numa aplicação utilitária para o desenvolvimento científico. As experiências desenvolvidas por Daguerre, Talbot e Bayard, contribuíram para que a imagem atingisse uma precisão e qualidade tal, que tornou a fotografia uma ferramenta científica de estudo para arqueólogos e etnólogos, ou aproximar os objectos mais distantes e torná-los visuais, como o eclipse total do sol registado pela primeira vez por Warren de la Rue, assim como para o estudo das feições faciais de Duchenne de Boulogne. Na sua relação entre arte e ciência, a fotografia ampliou o campo visual a novas interpretações do mundo, quer na manipulação de imagens quer na invenção de conceitos artísticos. Neste contexto, escolheu-se o artista espanhol Juan Fontecuberta, pelo seu trabalho inserido num discurso construtor de “verdades” de representação e auto-representação, no qual constrói narrativas ficcionadas - a série Fauna de 1987 e a série Sputnik de 1997 - convocando um pensamento crítico, acerca da autoridade da imagem e da sua legitimidade enquanto imagens descontextualizadas pelos media ou instituições. Num contexto de reinvenção, o seu trabalho confronta-nos com a dúvida visual entre o que é original e o que é imitação.

 

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1. O congelamento da realidade O trajecto percorrido para representar o mundo através das imagens, tem vindo a ser realizado sob múltiplas transformações e dimensões ao longo da história. As imagens, registo do agora no seu próprio tempo, são congeladas pelo olhar dos artistas e da imagem fotográfica, amplificando a dimensão do pensamento na busca da visualidade - determinada pelos acontecimentos históricos e pelas constantes mudanças do mundo - específica de cada época. Desde a luneta astronómica que Galileu apontou para o céu, permitindo-lhe ver novos objectos nunca vistos; espreitando pelo microscópio de Zacharias Janssen; as cópias de imagens registadas em desenho através da câmara obscura; as experiências de Niépce em tentar fixar as primeiras imagens fotográficas em 1827; os daguérrotipos e as apresentações no Diorama de Daguerre; até aos ecrãs dos dispositivos tecnológicos dos nossos dias, que a imagem se tem vindo a democratizar mais intensamente, vindo ao nosso encontro diariamente, através dos media, para nos mostrar a dimensão dos acontecimentos que vivemos. A habilidade dos avanços e desenvolvimentos tecnológicos permitem-nos assim uma aproximação visual e estar a par das imagens reais, mostrando-nos, sem que isso nos afecte conscientemente, que “os aparelhos de visão governam os saberes e os nossos olhares. Só temos acesso àquilo que eles nos dão a ver” (Sicard, 2006, p.19). É através da contínua expectativa existente no homem em aceder à visualidade dos episódios do mundo e colocá-la diante dos seus olhos ao toque de um botão – o que está geograficamente longe e fora do alcance do olhar - que o seu pensamento tem vindo a ser educado. O desejo da humanidade em construir o seu conhecimento e em querer ver mais além das suas capacidades de visão, convida-o à transformação do invisível no visível, através de imagens. As imagens surgem-nos espontâneas sem termos a consciência colectiva do seu processo de produção. Os desenhos de anatomia de Leonardo da Vinci, “as fotografias de campos de batalha, os modos de fabrico das imagens espaciais bem como as suas organizações técnicas ou instituídas são ocultadas ao grande público, e reivindicam uma admirável transparência” (Sicard, 2006, p.16).

 

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2. As imagens documentais na linguagem científica Desde os primórdios da sua invenção, que a fotografia se veio a revelar uma ferramenta de aplicação prática para o estudo da imagem, - Eadward Muybridge regista em 1872 o primeiro congelamento de um cavalo a galope, proeza que até então nunca se tinha feito - documentando experiências científicas em todos os seus campos. Os cientistas compreenderam que a fotografia lhes era um instrumento de grande utilidade e que poderiam aplicá-la às suas investigações - observação e registo de um fenómeno, “quer dure um instante, quer tenha uma duração prolongada, quer tenha de ser objecto de registo continuo, como na meteorologia,” (Amar, 2013, p.61) oferecendo grandes esperanças nas suas descobertas em qualquer disciplina científica. As experiências e os desenvolvimentos tecnológicos de Daguerre, Talbot e Bayard para implementarem os seus processos de visualização das imagens e mostrá-las perante a sociedade da época, traduziu-se numa competição cerrada para o sucesso. Contudo, há que reconhecer que os processos desenvolvidos por Daguerre foram os que mais se distanciaram em termos de qualidade e precisão da imagem. O Daguerrotipo passa a ser usado em múltiplos registos científicos. Arqueólogos e etnológos apropriam-se desta ferramenta “em campanhas como as de Girault de Prangey ao Médio Oriente em 1851” (Amar, 2013, p.62). A medicina e a psiquiatria começam a usar a fotografia para ilustrar os seus compêndios e estabelecer estudos de diagnóstico. Pela primeira vez em 1860, os astrónomos e fotógrafos ingleses Warren de la Rue e o padre jesuíta Secchi, registam fotograficamente através do processo com colódio húmido, um eclipse total do sol, que os instrumentos tradicionais de observação utilizados até então eram incapazes de decifrar (Fig.1).

Fig. 1 - Warren de la Rue, Eclipse total do sol, 1860

 

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Em 1862 o médico francês Duchenne de Boulogne, cria uma gramática ilustrada - Le Mécanisme de la Physionomie Humaine (fig.2) – para o estudo das expressões faciais através dos músculos, submetendo “o rosto dos seus pacientes a descargas eléctricas para fazer contrair os músculos” (Amar, 2013, p.62).

Fig. 2 - G.-B. Duchanne de Boulogne, Synoptic plate 4 from Le Mécanisme de la Physionomie Humaine. 1862, albumen print.

3. Arte, ciência e reinvenção fotográfica A descoberta de novos dispositivos tecnológicos, têm sido objecto de mediação entre imagem fotográfica e a sua aplicabilidade tanto na ciência como nas artes, áreas em que se procura legitimar da mesma forma a redescoberta do visível. A fotografia ligou-se à arte e ampliou-lhe o campo visual a novas interpretações do mundo, possibilitando experiências inerentes à visão e ao pensamento da sociedade, quer na manipulação das imagens quer na invenção de conceitos, inseridos no âmbito de uma contemporaneidade. A tradição científica surge no caminho dos artistas como um processo, à priori, de “relação recíproca contraditória” (Thijsen, 1991, p.9), mas revelando uma dimensão de mistério na pesquisa e invenção de fenómenos e descobertas, possibilitando diálogos transversais a novas expressões artísticas, inspiradas em conceitos e ficções de cariz documental e científica.

 

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Dentro deste campo de acção, inclui-se o artista espanhol Juan Fontcuberta. Como artista conceptual, Fontcuberta usa a imagem fotográfica para integrar os seus projectos no âmbito da visualidade documental, relacionando e questionando a representação fotográfica com o conceito de verdade. Fontcuberta interessa-se por construir “verdades” num discurso de representação e auto-representação, quer ao nível da construção de narrativas quer de personagens ficcionadas: como é o caso da série Sputnik de 1997 (Fig. 3), colocando-se na pele de um cosmonauta soviético perdido no espaço.

Fig. 3 Juan Fontcuberta, Sputnik (1997)

Ao usar a fotografia como veículo para questionar temas como autoridade e integridade das imagens – as que os media nos colocam diante dos nossos olhos como verdades absolutas – Fontcuberta ironicamente põe em causa essa veracidade, construindo ficções assentes em contextos de crenças politicas e religiosas e científicas. Os projectos de fotografia de Fontcuberta são produto da sua imaginação. São trabalhos fortemente inspirados em objectos que se estabelecem na fronteira entre o que é original e o que é imitação. Na série Fauna de 1987 (Figs. 4), o artista ironiza as descobertas científicas construindo e ficcionando a personagem do investigador Dr. Ameisenhaufen. Muitas das fotografias, desenhos e esboços relativos a essa série, foram publicados como sendo um trabalho verdadeiro de investigação e de descobertas científicas do próprio Dr. Ameisenhaufen. Fontcuberta procurou gerar neste seu projecto uma dinâmica de pensamento crítico, sobre a autoridade fotográfica e documental, convocando aspectos acerca da legitimidade da imagem. Ele considera

 

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que a “ciência atinge também o surrealismo embora de outro modo! através da descontextualização dos seus objectos de culto” (Fontcuberta, 1991, p.24). É perante essa dualidade ambígua - daquilo que é original e o que é imitação - que o artista nos coloca, confrontando-nos com uma reinvenção da realidade à medida da imagem representada fora do seu contexto, onde a dúvida da verdade na imagem permanece, local onde “o original e a imitação mantêm uma relação de caricatura” (Fontcuberta, 1991, p.24).

Figs. 4 Juan Fontcuberta, Fauna (1987)

 

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Conclusão Estabeleceu-se neste ensaio que as invenções dos aparelhos de visão para a captação de imagens e aproximação do invisível, exerceram transformações nas novas formas de “pensar o mundo” através dos tempos. Propôs-se desta forma fazer um percurso histórico através das possibilidades desses aparelhos se considerarem ferramentas de utilidade tanto no campo da ciência como no campo artístico. Provou-se que a fotografia amplia o campo visual e conceptual a novas interpretações entre a arte e a ciência, quer na manipulação de imagens, quer na reinvenção de realidades artísticas. Desta forma, tomou-se como exemplo o artista espanhol Juan Fontcuberta, como construtor de “verdades ficcionadas”, cujo trabalho incide na problemática entre o que é original e o que é imitação na representação da imagem. Procurou-se também fundamentar estas ideias convocando o pensamento critico de Fontcuberta, provandose que nem todas as imagens que nos são colocadas à frente se podem apresentar na sua totalidade como uma autoridade credível aos olhos dos públicos. Deste modo não são legítimas enquanto imagens soltas e isoladas do seu contexto, pois poderão assentar num patamar de imitação ou de ficção do mundo.

 

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Bibliografia Amar, Pierre-Jean (2013) História da Fotografia. Lisboa: Edições 70. Bajac, Quentin (2001/2011) La invención de la fotografia – La imagen revelada. Barcelona: Blume. Fontcuberta, Juan, (1991) O Coração da Ciência, 700 anos da Universidade de Coimbra, Coimbra: Centro de Estudos de Fotografia Sicard, Monique, (2006) A fábrica do olhar, imagens de ciência e aparelhos de visão (século XV-XX), Lisboa: Edições 70 [Consult. 2015-01-12] Disponível em [Consult. 2015-01-12] Disponível em [Consult. 2015-01-12] Disponível em [Consult. 2015-01-12] Disponível em [Consult. 2015-01-12] Disponível em
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