A Freguesia da Carvoeira (Mafra), de lés-a-lés

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Descrição do Produto

Manuel J. Gandra

A FREGUESIA DA CARVOEIRA (MAFRA)

DE LÉS A LÉS

MAFRA – RIO DE JANEIRO 2014

Editores: Instituto Mukharajj Brasilan & Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica-Cesdies Est. da Grota Funda, 2440 – Guaratiba Rio de Janeiro/RJ – CEP 22785-330 Tel.: +5521 9399-0997 Email: [email protected] Site: www.brasilan.org.br Título: A FREGUESIA DA CARVOEIRA (Mafra) DE LÉS A LÉS Autor: Manuel J. Gandra Coordenação Editorial: Loryel Rocha [[email protected]] Projeto Gráfico: Diogo Gandra Design da Capa: Carlos Cristina Copyright: ©Manuel J. Gandra/Instituto Mukharajj Edições Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada por escrito, do autor ou do Instituto Mukharajj Brasilan, no todo ou em parte, por quaisquer que sejam os meios, constitui violação das leis em vigor. Fale com o Autor: [email protected] 2ª Edição Luso-Brasileira: Novembro de 2014 – 102 exemplares, todos numerados e assinados pelo autor; e-book.- impresso a pedido.

ÍNDICE 5

Antelóquio brevíssimo

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Efemérides

31

Guia toponímico

49

Quem é quem

83

Geomorfologia e Biodiversidade

95

Arqueologia

107

Tradições

113

Património edificado

223

Festivais e Celebrações

247

Fontes e documentos

321

Literatura

421

Bibliografia

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Siglas e acrónimos ACPL: Arquivo da Cúria Patriarcal de Lisboa AGS: Arquivo Geral de Simancas AHM: Arquivo Histórico Militar AHMM: Arquivo Histórico Municipal de Mafra AHS: Arquivo Histórico de Sintra ANTT: Arquivo Nacional da Torre do Tombo BN: Biblioteca Nacional (Lisboa) BNM: Biblioteca Nacional de Madrid BPNM: Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra DCL: District of Columbia Library (Washington) IIP: Imóvel de Interesse Público IVC: Imóvel de Valor Concelhio SCMERA: Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira SCMS: Santa Casa da Misericórdia de Sintra

Agradecimentos Junta de Frequesia da Carvoeira Câmara Municipal de Mafra Biblioteca Municipal de Mafra Família Acúrcio Cristina

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ANTELÓQUIO BREVÍSSIMO

A freguesia da Carvoeira confronta com as congéneres da Ericeira, a Norte, de São João das Lampas, a Sul e de Cheleiros, a nascente. A poente é banhada pelo Oceano Atlântico.

No seu território, ora (e desde 1855) com uma extensão de 823, 2675 ha, são conhecidos testemunhos da presença humana desde o Paleolítico (50000 a 20000 a. C.), o Mesolítico (9º até ao 7º milénios a. C.) e o Neolítico (4000 a 3000 a. C.). Durante a Idade Média, o seu chão, geomorfologicamente afim de uma ria galega 1, propiciou o trânsito de desvairadas gentes,

Para uma aproximação à geomorfologia da região, consulte-se: José António Neves Brak-Lamy, O afloramento eruptivo de Ribamar (Ericeira): notas de mineralogia e petrografia portuguesas, in Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico, v. 22 (1954) e Carlos Mateus Romariz Monteiro, Notas petrográficas sobre rochas sedimentares portuguesas: IV encraves calcários da chaminé vulcânica da 1

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confissões e saberes, até integrar a denominada Quinta de Ilhas 2, vasto domínio, constituído por uma rede de casais agrícolas, implantado nos actuais concelhos de Torres Vedras e de Mafra.

Sucessivamente pertença do mosteiro galego de Santa Maria de Oya 3, de uma capela instituída por D. Afonso IV e D. Beatriz, dos Bens Ribeira de Ilhas, Ericeira, in Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências, v. 9, n. 1 (1962). 2 Ver Maria da Conceição L. A. Gomes Pereira, Paço de Ilhas – Subsídios para a sua história, in Boletim Cultural ’95, Mafra, 1996, p. 71–94. 3 Foi vasto o domínio fundiário de Santa Maria de Óia no Reino de Portugal, estendendo-se, predominantemente ao vale do Minho e do Lumiar, nos subúrbios de Lisboa, até Torres Vedras, desde o séc. XII até aos alvores do XV [AHNMadrid: Clero, carpeta 1827, n. 1]. Em virtude dos inúmeros bens que possuía em Portugal, o mosteiro de Santa Maria de Óia havia de achar-se envolvido em todos os conflitos políticos que opuseram Portugal e Castela, durante os séculos XIV e XV, tornando-se também alvo

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Próprios das Rainhas, dos frades dominicanos do convento de São Domingos de Benfica 4, D. Manuel confirmar-lhe-ia as prerrogativas de que usufruia enquanto Reguengo, por intermédio do Foral de Sintra de 1514: “[…] item ha outro sy na dita Villa huum Reguengo da coroa do Regno omde chamam a carvoeira referentes aos impostos […] no qual se pagua asy de pam e vinho como de qual quer outra novidade ou cousa que se colhe no dito reguengo ho quarto de tudo. E pagua mais quall quer lavrador com que se parte monte de pam de cada monte gramde ou pequeno huum alqueire do pam” 5. O concelho da Carvoeira enquanto circunscrição administrativa surgiria apenas no Auto de Vereação Geral de 24 de Setembro de 1820 6, assim se mantendo até à publicação do Decreto de 25 de Novembro de 1836, ano em que integrou o concelho da Ericeira 7. Mercê da Reforma Administrativa de 1855 e do Decreto de 24 de Outubro desse mesmo ano, a Carvoeira havia de ser incorporada no concelho de Mafra, de resto, à semelhança dos concelhos da Ericeira e da Azueira. O concelho de Mafra, até então constituído por três freguesias (Mafra, Santo Isidoro e Igreja Nova), passaria a integrar, além dessas, das exigências de diversas entidades e pessoas que se arrogavam certos direitos sobre o património do cenóbio. A título de exemplo, poderão referir-se os enfiteutas do casal da Azueira, os quais foram denunciados por frei Gonçalo Soutinho, procurador do mosteiro de Óia, na audiência pública realizada nos Paços do concelho de Torres Vedras, em 15 de Fevereiro de 1368, por se eximirem ao cumprimento das cláusulas contratuais, nomeadamente no que respeita a ocupação, cultivo e pagamento das prestações acordadas. Ver José Marques, O Mosteiro de Oia e a Granja da Silva, no contexto das relações luso-castelhanas dos séculos XIV-XV, in Revista de História, v. 6 (1985), p. 101-108. 4 Doação de D. João II, realizada a 27 de Março de 1487. ANTT: Conv. S. Domingos de Benfica, maço 4, doc. s/n. 5 Luís Fernando Carvalho Dias - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve: Conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa. V. 3 Estremadura. Beja: L. F. C. Dias, 1962. p. 169. 6 AHMM-CMERI/VM/400/Liv.001, Actas 1820-1826. 7 Em 1833, pertencia à Comarca de Torres Vedras, juntamente com os concelhos de Atouguia da Baleia, Cadaval, Sintra, Colares, Enxara dos Cavaleiros, Ericeira, Gradil, Lourinhã, Mafra, Peniche, Ribaldeira, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras, Vila Verde dos Francos e Cheleiros.

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mais onze, a saber: Gradil, Cheleiros, Carvoeira, Azueira, Ericeira, Sobral da Abelheira, Enxara do Bispo, Milharado e Encarnação.

Além da igreja paroquial, cujo orago é Nossa Senhora do Ó, merece destaque a capela de S. Julião, junto à praia homónima (entre a Foz do Rio de Cheleiros e a da Ribeira do Falcão). Integralmente revestida de soberbos azulejos setecentistas, foi palco de um episódio patriótico: Mateus Álvares, denominado Rei da Ericeira, resistiu aí à ocupação filipina, fazendo-se passar por D. Sebastião. Reiterando o valor estratégico do seu território no contexto regional, a Carvoeira gozou ainda do privilégio de não participar no esforço de guerra, não contribuindo com homens de armas, como contrapartida de manter vigia num facho (farol) sito junto da foz do Lisandro, cuja missão consistia em assinalar a eventual presença de mouros na costa.

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EFEMÉRIDES

1190 – De acordo com o foral concedido a Mafra pelo bispo de Silves o rio Lisandro é uma das vias por intermédio das quais a madeira chega àquela vila. O mesmo diploma estipula a dízima pela portagem a pagar por tal mercadoria. 1487 – D. João II doa parte da Quinta de Ilhas ao convento de S. Domingos de Benfica. 1505 – Pero Anes, dirigente das obras de fortificação de Cascais, por incumbência régia, apresenta à Câmara Municipal da Ericeira um requerimento mediante o qual D. Manuel I ordena que os moradores de Colares, Cheleiros, Mafra, Ericeira e do Reguengo da Carvoeira concorram para as ditas obras, as quais constam de uma torre, muralhas e outras edificações. 1514.10.28 – Foral da Carvoeira. 1527 – O Reguengo tem 24 vizinhos 1570 – A capela de Nossa Senhora do Porto é elevada a matriz. 1585 – Episódio do “Falso D. Sebastião da Ericeira”. Primeira referência a enterramentos no adro de Nossa Senhora do Porto. 1617.01.23 – Primeiro registo de casamento conhecido no Reguengo da Carvoeira. 1619 – Segundo o Livro de Notas de Luís de Brito, Tabelião da Ericeira, os quartos do Reguengo são dados por arrematação pela Fazenda Nacional. 1622.02.21 – António Gaspar, sapateiro residente na Carvoeira, e António Oliveira, barbeiro de Lisboa, contratam a venda “a retro”, sem limitação de tempo e obrigação de um foro de treze alqueires de trigo, pela quantia de 26 mil réis. 1668 – Cruzeiro do adro de Nossa Senhora do Porto. 1703 – André Lopes de Lavra é donatário da Carvoeira. 1713 – Manuel Caetano Lopes de Lavra é donatário da Carvoeira por volta deste ano. 13

Treslado da Escritura realizada entre António Gaspar e António Oliveira, em Lisboa, no dia 21 de Fevereiro de 1622 [SCMERA: E/003/maço 001/doc. 010]

1715 – Acção de força que deu o vigário de Mafra, Francisco Gonçalves, e beneficiados contra o cura de Santo Isidoro, padre 14

Manuel Rodrigues, acerca da obrigação de esperar o vigário de Mafra na procissão que vai a Nossa Senhora do Porto e a S. Pedro da Ericeira, por ocasião das Ladainhas de Maio. 1734 – Ano da fundação da ermida de Santo António. 1741.05.16 – Falece o padre Ventura da Fonseca, fundador da ermida de Santo António. 1754 – Relógio de Sol da ermida de São Julião. 1758 – A Carvoeira tem 36 fogos e 186 vizinhos (cerca de 400 habitantes), consoante as Memórias Paroquiais. 1760.10.22 – A igreja de Nossa do Porto, deixa de ser ermida sufragânea da paroquial de Cheleiros. Não obstante, a ermida de S. Julião permanece vinculada à antiga matriz. 1763 – Relógio de sol da igreja de Nossa Senhora do Porto. 1764 – Relógio de sol da capela de Santo António. 1765.07.30 – Testamento de João Fernandes, eremita da ermida de São Julião. 1765 – O gravador Lourenço Lopes subscreve (Laur. Lopes sculp. Mafra 1765) um registo (153 x 102 mm) de S. Julião e Santa Bazaliza [sic], no qual o casal é figurado “[...] de pé, em corpo inteiro, nimbados e segurando grandes palmas. Ao meio, entre os dois santos e voando do alto, vem a pomba do Espírito Santo, cercada de resplandor. Em uma cartela inferior, lê-se: Imagens dos ditosos consortes, e gloriosos martyres São Julião e Santa Bazalissa que se venerão na sua ermida de Nossa Senhora do Porto”. 1767 – Cruzeiro da Baleia. 1768 – Pórtico da ermida de São Julião. 1769 – Uma Confraria de São Sebastião tem sede na igreja de Nossa Senhora do Porto. 1774.4 – Arrombamento e assalto da ermida de S. Julião (na noite de 26 para 27). 1779 – Cruz das Alminhas. 1781 – É concedida licença para haver sacrário com o Santíssimo Sacramento na ermida de Santo António. 1784 – Cruzeiro de S. Julião. 1785 – Casa dos Leilões de São Julião. 1788 – Retábulos de azulejo da ermida de São Julião, registos da fonte e do cruzeiro próximos. 1794 – Cruzeiro de Valbom.

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W. Faden (1809)

Lisbon one of the first cities of Europe and capiat of the Kingdom of Portugal […] (John ILuffman, Londres, c. 1810) – detalhe

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William Faden, A military sketch of the country between Lisbon and Vimeiro occupied by the british Army (1810)

1813 – Mais antigas Loas conhecidas do Círio da Prata Grande da Carvoeira. 1820.09.20 – Auto da Vereação Geral consigna a primeira referência ao Concelho da Carvoeira. 1821 – Ex-voto da Baleia. 1830 – Pórtico de Nossa Senhora do Porto. Círio da Prata Grande. 1831 – Círio da Prata Grande. 1832 – D. António Maria de Meneses é donatário da Carvoeira, recebendo os quartos, de acordo com o foral do Reguengo. 1833 – Cruzeiro do Cemitério. 1835 – O concelho da Carvoeira integra o Julgado de Sintra. 1836 – O concelho da Carvoeira passa a integrar o Concelho da Ericeira. A Câmara da Ericeira aprova posturas para a freguesia da Carvoeira. 1847 – Círio da Prata Grande. 1848 – Círio da Prata Grande. 17

1850 – Cerca deste ano, D. António Pedro Jorge de Meneses é donatário da Carvoeira, reclamando à Câmara da Ericeira a renda dos Paços do Concelho do Reguengo, cujo edifício alega pertencer-lhe. 1855.02.24 – Por Alvará de D. Fernando, Rei-regente, as Irmandades de S. Julião e de Santo António são incorporadas na Confraria do Santíssimo Sacramento da Carvoeira. 1855.10.24 – A Carvoeira passa a integrar o concelho de Mafra. 1862 – A Carvoeira tem 177 fogos e 880 habitantes 1864 – A rainha D. Maria Pia vai a banhos na praia da Foz. A Carvoeira tem 634 habitantes. 1866.05.20 – Os Confrades da Confraria do Santíssimo Sacramento da Carvoeira aprovam o projecto de novos Estatutos destinados a substituir os antigos, extraviados. 1866.07.09 – Por Carta, D. Fernando aprova o projecto de Estatutos por que há-de passar a reger-se a Confraria do Santíssimo Sacramento da Carvoeira. 1869 – A Carvoeira tem 171 fogos. 1878 – A Carvoeira conta 669 habitantes. 1880 – Ex-voto no caminho antigo entre a Baleia e Valbom. 1882 – Círio da Prata Grande. 1888 – Casa da Câmara é transformada em Escola primária. 1890 – De acordo com o Recenseamento geral da população do concelho de Mafra, em 30 de Novembro deste ano, a Carvoeira tem 181 fogos; 19 casas desabitadas; 693 habitantes (369 do sexo masculino, 327 do sexo feminino); 258 menores de 12 anos (129 sexo m., outros tantos do sexo f.); 43 viúvos (11 do sexo m., 32 do sexo f.); 221 solteiros (145 do sexo m., 76 do sexo f.); 51 sabem ler e escrever (42 do sexo m., 9 do sexo f.); 22 sabem só ler (7 do sexo m., 15 do sexo f.); 1 cego, 2 idiotas. 1894 – Cofre das Almas, no muro do adro da ermida de Santo António. 1898.10.09 – Círio da Prata Grande. 1899 – Círio da Prata Grande (20 e 27 de Agosto). 1900 – A Carvoeira tem 194 fogos e 717 habitantes. 1909 – A ponte da Carvoeira fica inutilizada em consequência de um terrível temporal. 1910 – Ficam concluídas as obras de reedificação da ponte da Carvoeira. 18

1911 – A Carvoeira tem 194 fogos e 724 habitantes. 1915.10.10 – Círio da Prata Grande. 1916.08.20 – Círio da Prata Grande. 1920 – A Carvoeira tem 181 fogos e 713 habitantes. 1921.10.03 – Manuel Lopes Matias inicia a exploração comercial da da Foz como praia de banhos. 1929 – Disposição legal define a área de jurisdição da Comissão de Iniciativa e Turismo da Ericeira, abrangendo as freguesias da Carvoeira, Encarnação, Ericeira e Santo isidoro. 1930 – A Carvoeira tem 204 fogos e 724 habitantes. 1932.09.13 – Círio da Prata Grande. 1933.08.27 – Círio da Prata Grande. 1938 – A Carvoeira possui uma escola primária, integrada na Rede escolar do Concelho de Mafra

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1940 – A Carvoeira tem 244 fogos e 735 habitantes. 1940.06.04 - A Câmara Municipal de Mafra compra um pinhal, na Ribeira da Baleia, para ali instalar um Parque Público. 1945.04.19 – Inauguração do fontanário e lavadouro do Pobral. 1949.09.17 – Círio da Prata Grande. 1950.05.20 – É inaugurado o abastecimento de água por fontanário na Carvoeira.

Fontanário da Carvoeira inaugurado por iniciativa de Martinho Lopes Ferreira, Presidente da Junta de Freguesia, em 1950. Havia de ser destruído por iniciativa de outro Presidente da Junta. 20

1950.09.10 – Círio da Prata Grande.

Aguardente Velha da Carvoeira Ementa do almoço (Regional) comemorativo da Inauguração do Porto de Turismo da Zona de Turismo de Mafra

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1955.05.08 – Inauguração da luz eléctrica na Carvoeira. Cabe ao padre João Correia de Sousa a bênção da cabina eléctrica, entre cânticos e o repique dos sinos da ermida de Santo António. O evento conta com a presença do dr. Mário Madeira, Governador Civil de Lisboa.

1956 – Data aposta no portão do cemitério da Carvoeira. 1957 – Fontanário e lavadouro de Valbom. 1960 – A Carvoeira tem 409 fogos e 822 habitantes. O terço da Legião Portuguesa de Mafra bivaca na Foz do Lisandro. 22

1961 – Restauro do fontanário de S. Julião. 1964 – Violento temporal fustiga a Carvoeira, registando o rio Lisandro uma cheia como até então não havia memória. 1966.09 – Círio da Prata Grande. 1967.08.18 – Círio da Prata Grande

Visita do Governador Civil de Lisboa, à Carvoeira Recepção nas instalações da antiga sede da Junta de Freguesia. À esquerda do Governador Civil, o Presidente da Câmara Municipal de Mafra, Adriano da Silva Figueiredo (que ocupou o cargo entre 1961 e 25 de Abril de 1974). Identificam-se ainda, entre outros, o Engenheiro Segismundo Saldanha e Rogério Batalha

1974 – Ao Zambujal chega a água canalizada e a luz eléctrica. 1975 – A ponte da Piscadeira é derrubada pela força das águas do rio. 1977 – É aberto um furo com 93 metros de profundidade para abastecimento de água à Baleia. 1978 – A Carvoeira é cabeça de Comarca.

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1979 – Fica concluída a instalação de água canalizada em Fonte Boa da Brincosa. 1983.09 – Círio da Prata Grande. 1983.11.19 – Chuva intensa provoca uma cheia no Rio Lisandro, cujas águas galgam as margens deixando a descoberto pouco mais do que o telhado da igreja de Nossa Senhora do Porto, circunstância nunca antes ocorrida.

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Pórtico Sul da igreja da Senhora do Ó, sobre o qual se observa o registo da cheia de 1983

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1984.09.15 – Círio da Prata Grande. 1990.09.16 – Realiza-se na Carvoeira, um Cortejo de Oferendas a favor da construção da Sede do Centro Associativo. 1991 – De acordo com os Censos, a Carvoeira tem 850 habitantes. 1993 – Restauro da Bica do Coxo.

1994-02.27 - Chove copiosamente e a ponte da Senhora do Ó, na Carvoeira, fica praticamente submersa e toda a várzea inundada, sendo avultados os prejuízos causados. 1995.04.11 – O holandês Walter Arinos, de 47 anos de idade, fundador do Atelier de Arte Aplicada, situado próximo da ponte da Carvoeira, morre em consequência de um enfarte do miocárdio. 1996.09.20 - Na ermida de Nossa Senhora do Ó, na Carvoeira, têm início as filmagens da curta-metragem Morte Macaca, com a participação de dezenas de figurantes daquela localidade. 1998 – Exposição O Falso Dom Sebastião da Ericeira e o Sebastianismo, concomitante com a edição do livro homónimo.

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Exposição O Falso Dom Sebastião da Ericeira, na Galeria da Casa de Cultura Jaime Lobo e Silva (1998)

O Falso Dom Sebastião da Ericeira [capa de Célia Costa, para o livro O Falso Dom Sebastião da Ericeira e o Sebastianismo, Mafra, 1998] 27

2000.09.16 – Círio da Prata Grande. 2001.09.15 – Círio da Prata Grande. 2003.11.07 – Naufrágio na Foz do Lisandro.

Naufrágio na Foz (7 de Novembro de 2003)

2006.05.19 – O executivo da Junta reunido delibera por unanimidade aprovar a toponímia da Freguesia. 2009.09.12 – Abertura do Centro de Interpretação do Forte do Zambujal após a sua recuperação, no âmbito da Rota Histórica das Linhas de Torres, projecto financiado pela Islândia, Liechtenstein e Noruega, através do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu. 2010.06.16 – A Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades considera de relevante interesse público a construção da ETAR da Foz do Lisandro (despacho 10685), a qual se destina a servir

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as populações de Mafra, Carvalhal, Carvoeira, Sobreiro / Achada e Ericeira.

2010 – Edição de O Rei da Ericeira em banda desenhada, de Orlando Dinis.

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GUIA TOPONÍMICO

ALTO DA FOZ Famílias 4 (1930)

Moradia de Manuel Lopes Matias (década de 1920)

AMOREIRAS Edifícios 18 (1991) RUAS Amoreiras; Arneiro; Cortiços; Curral do Vale; Fonte das Amoreiras; Jardim; Salgadiços

BALEIA Lugar em 1758 (4 vizinhos) 33

População 90 (1991) Fogos 11 (1930); 30 (1991) Edifícios 169 (1991)

Ex-voto em memória de Joaquim Silva (1874?) ESTRADAS Estrada Municipal 546; Estrada Nacional 247 LARGOS Figueira; Rossio PRACETAS Baleia Nova; Cabeço do Marco; Casal; Cruz da Baleia; Pomares; Sete Moios RUAS Aleixa; Amizade; Amoreiras; Baixo; Baleia; Barril; Cabeço do Marco; Casal; Casal da Baleia; Cima; Cruz; Fonte; Lombas; Mendarias; Comarelos; Poço Novo; Pomares; Robeiros; Sete Moios TRAVESSAS Fonte

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BARRIL DE BAIXO Lugar em 1758 (3 vizinhos) População 10 (1991) Fogos 7 (1930); 3 (1991) Edifícios 29 (1991) BARRIL DE CIMA Lugar em 1758 (4 vizinhos) População 21 (1991) Fogos 7 (1930); 7 (1991) Edifícios 42 (1991)

Fontanário do Barril de Cima ESTRADAS Estrada Municipal PRACETAS Asnaguita; Ribeira do Barril; Rua do Barril de Baixo RUAS Barril de Baixo; Barril de Cima; Carrasqueira; Centro dos Barris; Colónia; Fonte; Moinho; Ribeira do Barril; Tapada TRAVESSAS Alto; Asnaguita; Rua do Barril de Baixo 35

CABEÇO DO MARCO CARRASCAL Lugar em 1758 (3 vizinhos) CARVOEIRA Referida como Aldeia da Portela da Carvoeira e Aldeia da Carvoeira em 1527. População 50 (1527); 260 (1991) Fogos 57 (1930); 97 (1991) Edifícios 140 (1874); 157 (1991) Heráldica:

ESTRADAS Adega da Cruz; Senhora do Ó LARGOS Eira; Fontanário; Outeiro PRACETAS Laranjeira RUAS Alto da Eira; Asnaga; Bairro Alto; Cabo; Caminho Velho; Celeiro; Cerrado Gato; Cerro da Cabeça; Covadas; Fonte Velha; Freixo; Funchais; Galinho; Jogo; Laranjeira; Moinho do Prior; Outeiro; Santo António 36

TRAVESSAS Adega da Cruz; Caldeira; Chafariz; Eira; Escadinhas; Fontanário; Funchais; Jogo; Maquia; Praça BECOS Cadoiços; Campinas; Carrasqueira; Eira; Fim das Carrasqueiras DIVERSOS Encosta da Carrasqueira

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CASAL DO ALTO CASAL DO GRADIL CASAL DO RIBOTE CASAL DOS MARQUINHOS CASALINHO DAS OLIVEIRAS População 21 (1991) Fogos 4 (1930); 8 (1991) Edifícios 16 (1991) CASALINHO DO RIO CASALINHO DO RIO DO CRAVO Fogos 6 (1930) RUAS Campanário; Casal dos Pardais; Fonte; Pardais

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CASALINHOS Povoação em 1758 (19 moradores e vizinhos) CASAS VELHAS Povoação em 1758 CAVALINHO COLÓNIA BALNEAR DR. MÁRIO MADEIRA FONTE BOA DA BRINCOSA Povoação em 1758 (29 vizinhos) (Localidade partilhada com Ericeira)

ESTRADAS Coxo; Fonte Boa da Brincosa PRACETAS Entre Portas; Moinho RUAS Adegas; Alfaiate; Arneiro; Arroteia; Arroteias; Cerradinho; Chalé; Coxo; Curveiras; Fonte; Galinhaça; Loureiro; Massapez; Mina; Mineira; Moinho; Velho; Murtinheira; Nova da Serra; Padaria; Parque 6/7; Pateira; Poços; Ramalha; Serra; Vale

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TRAVESSAS Alfaiate; Bola; Chalé; Ferreiro; Fonte; Massapez; Mina; Serra; Tapadoira DIVERSOS Alto da Centieira; Alto da Costa; Alto das Ortigas; Alto das Urtigas; Alto do Serralheiro; Retiro do Rossio

FONTE DA FEITEIRA FONTE DAS HORTAS FONTE DO COXO A um sem número de fontes hodiernamente denominadas do coxo (manco) deveria ser restituída a sua designação primitiva, justamente derivada da circunstância de ali existir (ou haver existido) um cocho, i. e., uma colher de cortiça usada para beber água. Segundo o povo, esta tem a virtude de impedir que as moléstias se propaguem, ainda que tenha sido utilizado por pessoa contaminada.

FORTE DO ZAMBUJAL Vd. Linhas de Torres

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FOZ DO FALCÃO Vd. Arqueologia. FOZ DO LISANDRO População 48 (1991) Fogos 16 (1991) Edifícios 80 (1991) ESTRADAS Nacional 247 PRACETAS Curveiras; Miradouro; Ombros RUAS Brejo; Curveiras; Lisandro; Marinha; Praia

GONÇALVINHOS LAGO DA MALHADINHA

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LAPA DA SERRA População 103 (1991) Fogos 19 (1930); 32 (1991) Edifícios 60 (1991) ESTRADAS Lapa da Serra; Vale Cancela LARGOS Eira RUAS Baixo; Cotovelo; Eira; Fonte; Lapa TRAVESSAS Cotovelo; Eira ; Escola; Jogo; Lapa; Quinta BECOS Ulmeiro

MIRADOURO MIRADOURO PARQUE MOINHO DO ALTO DA FORCA MOINHO DO PIRES MOINHO DO RODRIGUES MONTE VALBOM MURO DA GALERA PARQUE POBRAL Lugar em 1758 (8 vizinhos) (localidade partilhada com Cheleiros) População 94 (1991) Fogos 36 (1991) Edifícios 50 (1991)

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ESTRADAS Nacional 247 RUAS Cabine; Cerca; Eira; Fonte; Pinheiros; Poço; Quinta; Serrita; Tomadias TRAVESSAS Baldios; Cabine; Fonte; Moagem; Serrita

PORTO DA CARVOEIRA

PRAIA DE SÃO JULIÃO PRAIA DO LISANDRO À reunião ordinária da Câmara Municipal, de 26 de Agosto de 1949, foi presente uma carta do Dr. João Cabral Miranda propondo a atribuição da designação Praia de D. Manuel II à praia da Foz da Carvoeira. A vereação deliberaria conservar a denominação já 44

consagrada, não obstante a autorização expressa da Rainha D. Amélia, junta ao processo pelo requerente (Livro de Actas, n. 408). QUINTA DO LAGUEIRÃO QUINTA DOS LEITÕES Em 1740 e 1765, é denominado Casal dos Leitões, no termo de Mafra, pertencendo ao convento e São Domingos de Benfica, o qual o tinha aforado por 2 moios de trigo, um moio de cevada e uma galinha [ANTT: Convento de S. Domingos de Benfica: maço. 4, doc s/ nº]. RIBEIRA DE CHELEIROS RIBEIRA DO FALCÃO RIBEIRO DA VIDIGUEIRA RIO LISANDRO

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SÃO JULIÃO População 5 (1991) Fogos 1 (1930); 3 (1991) Edifícios 38 (1991) ESTRADAS Municipal LARGOS Igreja RUAS Ribeira do Barril

SEIXAL Localidade em 1758 SENHORA DO Ó

SENHORA DO PORTO SENHORA DO Ó DO PORTO 46

SERRA DO COXO Vd. Fonte do Coxo SERRA DE URSAL SERRA DO FORTE URZAL (URSAL) Lugar em 1758 (7 vizinhos e moradores) População 13 (1991) Fogos 8 (1930); 7 (1991) Edifícios 10 (1991) ESTRADAS Municipal RUAS Alto; Amoreiras; Areias; Brejo; Entre Cerrados; Palheiros; Poças; Ramalhão TRAVESSAS Amoreiras; Areias; Palheiros

VALBOM Lugar em 1758 (3 moradores e vizinhos) Vd. Caminho das Almas

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PRACETAS Campos; Eira; Revolta RUAS Botelha; Cabecinho; Fonte; Serra; Valbom TRAVESSAS Fonte

ZAMBUJAL Povoação em 1758 (4 vizinhos) ESTRADAS Municipal 549 LARGOS Carrascal RUAS Carrascal; Casal Sequeiro; Quebradas

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QUEM É QUEM

Adelaide da Conceição Cardoso Professora entre 1907 e 1910? Agostinho Vicente Duarte Pároco da Carvoeira a partir de 15 de Outubro de 1960.

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André Joaquim da Silva Marques Presidente da Junta de Paróquia em 30 de Junho de 1850. Andreia Filipa Lourenço Duarte Amaral Presidente da Junta de freguesia, desde 2013. Antão Alvarez Residente no Barril. Exceptuado do Perdão Geral (1585) decretado por Filipe I, pelo que seria condenado à morte em virtude da sua adesão ao movimento liderado pelo “falso Dom Sebastião da Ericeira”. António Alves Carneiro Pároco da Carvoeira desde 12 de Março de 1865. Presidia à Junta de Paróquia em 19.02.1871. Subscreve o novo Compromisso da Irmandade do Santíssimo Sacramento (Mafra, 1867). António Correia Pedroso Regedor, interino em 01.11.1910, eleito em 07.05.1911. António Francisco Machado Presidente da Junta de Freguesia entre 2001 e 2013. António José Gomes Sacerdote que começou a paroquiar a Carvoeira em Dezembro de 1875. Em 5 desse mês e ano presidia à Junta de Paróquia. António Manuel Afonso Condado Pároco da freguesia da Carvoeira, a partir de 1853. Em 26 de Junho do mesmo ano presidia à Junta de Paróquia. António Maria dos Santos Portugal (Monsenhor) Pároco encomendado em 1909. Começou a paroquiar a freguesia da Carvoeira em 30 de Julho de 1898. Presidente da Junta de Paróquia em 04.01.1903, 04.01.1908, 17.10.1909 e 01.05.1910. António Martins Sampaio Barrista de figurado (escultura em barro). Reside e tem oficina na Foz do Lisandro - 2665 ERICEIRA; Tel: (01) 837966; Tel: (061) 864248. Produz séries de bonecos destinados a integrar presépios, tronos de 52

Santo António ou, simplesmente, representações do quotidiano. Diversas vezes galardoado. Assina A. Sampaio. António Pedro Barreiros Magalhães Pároco na Carvoeira, desde 6 de Julho de 1890 até 1897. António Rodrigues Pereira Sacerdote que começou a paroquiar a Carvoeira em 21 de Fevereiro de 1864.

António Serrão Franco Proprietário na freguesia da Carvoeira. Teve papel relevante na reedificação da ponte da Carvoeira, destruída por terrível temporal no ano de 1909. 53

Telegrama de António Serrão Franco (09.02.1910) comunicando ao Presidente da Câmara de Mafra a boa-nova de que as obras de recuperação da ponte da Carvoeira haviam sido licenciadas [AHMM]

António Vicente Machado Pedroso Presidente do Grupo Associativo de Fonte Boa da Brincosa, em 1986. Apolinário Sousa Combatente na 1ª Grande Guerra. ASSOCIAÇÃO CULTUAL DA FREGUESIA DA CARVOEIRA Os seus Estatutos constam da acta de 17 de Novembro de 1912 da Junta de Paróquia. Legal em 1928. Celestino Francisco Ladeira Regedor em 1930.

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CENTRO ASSOCIATIVO DA CARVOEIRA Fundado em 1978. O seu edifício-sede ficou concluído no ano de 1986. CENTRO CULTURAL E RECREATIVO DA BALEIA, BARRIL E VALBOM Fundado a 20 de Junho de 1980. Tem sede no Barril. COLÓNIA BALNEAR INFANTIL DR. MÁRIO MADEIRA Sita em S. Julião. Fundada pelo seu patrono, Governador Civil de Lisboa e destinada a crianças de famílias carenciadas do Distrito. Pelo decreto-lei nº 878/76 (Rectificações) transitou, bem assim como o respectivo curso de monitores, para a administração da Junta Distrital. Actualmente depende da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, tendo capacidade de albergar 100 utentes. Acesso pelo Barril de Cima. CONFRARIA DE SANTO ANTÓNIO Erecta na ermida de Santo António da Carvoeira.

CONFRARIA DE SÃO SEBASTIÃO Sedeada na matriz de Nossa Senhora do Ó do Porto. Actividade conhecida entre 1769 e 1899.

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CORPORAÇÃO ENCARREGADA DE PROMOVER E SUSTENTAR O CULTO CATÓLICO NA PAROQUIA DA CARVOEIRA Vd. Associação Cultual da Freguesia da Carvoeira David de Oliveira Mendes Pároco da Carvoeira e da Ericeira, em 1986. Graças a ele a Liga dos Amigos de São Julião, a cuja Assembleia Geral presidia, realizou algumas beneficiações na ermida homónima.

Domingues Antunes Oleiro. Actividade recenseada entre 1886 (Livro de Recenseamento Escolar das crianças do sexo masculino, freguesia de Mafra, 1886) e 1901 (contava 55 anos de idade). Em 1886 era viúvo e tinha, pelo menos, um filho, também Domingues Antunes de seu nome, nascido a 2 de Outubro de 1879. Eugénio Batalha Combatente na 1ª Grande Guerra. 56

Combatentes da I Grande Guerra naturais da Carvoeira [AHMM]

Fernanda da Cruz Professora do Ensino Primário, em Maio de 1955. Filipe Gaspar Presidente da Junta de Paróquia em 02.01.1880.

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Francisco António de Morais Sacerdote que começou a paroquiar a Carvoeira em 24 de Abril de 1853. Francisco Antunes Oleiro. Filho de Domingues Antunes. Actividade documentada entre 1899 e 1930 [51]. Por requerimento de 4 de Junho de 1899, solicitou à Câmara Municipal de Mafra autorização para construir casa térrea para sua habitação na Lapa da Serra. Francisco Baleia Tesoureiro da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Carvoeira, em 1872. Francisco Correia Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento. Cessou funções em 1872. Francisco Correia Pedroso Regedor entre 1908 e 1918? Francisco da Costa Combatente na 1ª Grande Guerra. Regedor eleito em 3 de Janeiro de 1926 e 20 de Novembro de 1937. Francisco da Costa Ferreira Proprietário e agricultor.

Francisco de Oliveira Leite Sacerdote que começou a paroquiar a Carvoeira em Abril de 1906. No dia 18 do mesmo mês e ano presidia à Junta de Paróquia. 58

Francisco Duarte Residente em Fonte Boa. Exceptuado do Perdão Geral (1585) decretado por Filipe I, pelo que seria condenado à morte em virtude da sua adesão ao movimento liderado pelo “falso Dom Sebastião da Ericeira”. Francisco Freire Machado Lavrador ou agricultor 1897-1910? Francisco Gaspar Lavrador ou agricultor 1897-1910? Francisco Lopes Matias Lavrador ou agricultor 1897-1910? Francisco Manuel Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento, em 1915. Francisco Manuel Ladeira Proprietário e viticultor, na década de 1940.

Francisco de Oliveira Leite Pároco em 1907.

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GRUPO CULTURAL E RECREATIVO DA CARVOEIRA Fundado em Outubro de 1977. Transformou-se no Centro Associativo da Carvoeira, criado no ano seguinte. GRUPO ASSOCIATIVO DA FONTE BOA DA BRINCOSA E LAPA DA SERRA Fundado em 26 de Dezembro de 1975. Guilhermina Filha de José da Silva Gamenho, de 7 anos de idade. Imortalizada no ex-voto erguido pelo progenitor no caminho antigo entre a Baleia e Valbom, em acção de graças por ter sobrevivido depois de arrastada por uma burra desde aquela localidade, até ao exacto local onde se acha o cruzeiro, no dia 20 de Dezembro de 1880.

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AQUI VEIO PARAR DA / BALEIA ARRASTADA / POR UMA BURRA GUI/LHERMINA DE 7A.nos / DE IDADE A 20 DE DE/ZEMBRO DE 1880 FI/LHA DE JOSÉ GAME/NHO DO LUGAR DA BALEIA Dois azulejos (350 x 190 mm e 190 x 190 mm), um com a representação do milagre e outro com o dístico que o explica, apostos num cruzeiro localizado junto a uma fonte no antigo caminho entre a Baleia e Valbom (Carvoeira). O Anjo Custódio paira sobre a cena, acompanhado pela inscrição: “O Anjo do Senhor nos livre”. Milagre único no seu género na região de Mafra, sendo muito raro fora dela.

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Heitor da Cruz Gaspar Regedor, eleito em 16 de Janeiro de 1955. Inácio Domingues Padre. Presidiu à Junta de Paróquia no período compreendido entre 1787 e 1790. IRMANDADE DE SÃO JULIÃO Sedeada na ermida de São Julião. Actividade conhecida entre 1841 e 1876.

IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO Compromisso de 1867. Legal em 1928. Sedeada na ermida de Santo António. Em 1872 tinha a seu cargo a Irmandade de São Julião, 62

sedeada na ermida homónima, cabendo-lhe o encargo de administrar e proteger a Missa das Almas, a qual devia celebrar-se pela manhã na igreja de Nossa Senhora do Ó. Administrava o Cofre das Almas (encastrado no muro do adro da ermida de Santo António), feito à sua custa, em 1894. A festa do Santíssimo Sacramento ocorria no domingo a seguir ao do Santíssimo Coração de Jesus. De acordo com os Estatutos, a apresentação das contas realizava-se anual e imperetrivelmente no dia 25 de Dezembro. Jerónimo Correia Residente na Baleia. Em Abril de 1874 era sacristão da ermida de São Julião. João Cardoso Residente no Barril. Exceptuado do Perdão Geral (1585) decretado por Filipe I, pelo que seria condenado à morte em virtude da sua adesão ao movimento liderado pelo “falso Dom Sebastião da Ericeira”. João Cartaxo Residente no Zambujal. “Era bastante alto e magro, muito pródigo em contar anedotas e com grande jeito para matar porcos”. O transporte preferido da sua mulher, Virgínia, era a Grila, uma jumenta da qual nunca se separava, ao ponto de João Cartaxo dizer que a burrita só a desapontava porque nunca aprendera a subir escadas, o que obrigava a tia Virgínia a subir a pé para o quarto, no primeiro andar. João Correia Gaspar Regedor. Tomou posse em 9 de Janeiro de 1972. João Correia de Sousa Sacerdote, pároco da Carvoeira e da Ericeira a partir de Maio de 1955. Realizou a bênção da cabina eléctrica, inaugurada a 8 do mesmo mês e ano, na Carvoeira. João Fernandes Ermitão da ermida de São Julião. Faleceu no Hospital da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira, no dia 30 de Julho de 1765. Deixou num primeiro testamento (2.11.1764) o “seu capote de ourelo” a Manuel Teixeira, seu sucessor no cargo. Num segundo testamento (1765), 63

além, de 20 mil reais para “o frontal e vestimento da capela de S. Julião”, estipulou legados pios no valor de 18000 reis, destinados a lajear a igreja da ermida e à aquisição de um “ornamento roxo”. Deixou ainda os “bancos de uso da mesma ermida com o trigo que se lhe achar”, tendo legado à fábrica da ermida toda a sua roupa branca. João Gaspar Cura de Nossa Senhora do Porto. Exceptuado do Perdão Geral (1585) decretado por Filipe I, pelo que seria condenado à morte em virtude da sua adesão ao movimento liderado pelo “falso Dom Sebastião da Ericeira”. João Honório Ferreira Pároco da Carvoeira e da Ericeira a partir de 20 de Novembro de 1958. João Manuel Domingos Lopes Regedor, eleito em 21 de Janeiro de 1968. João Rodrigues Casalinho O único barrista que consta ter-se estabelecido na Carvoeira, activo no ano de 1856 [46]. Joaquim Álvaro Marques Costa Presidente da Junta de Freguesia, em 21 de Janeiro de 1951 e, novamente, em 19 de Janeiro de 1964. Joaquim da Costa Presidente da Junta de Paróquia em 26 de Fevereiro de 1871. Vitivinicultor entre 1907 e 1910? Joaquim de Sousa Marques Padre que paroquiou a freguesia da Carvoeira desde 21 de Abril de 1844. Joaquim Miguel Lopes de Lavre Derradeiro administrador do vínculo (donatário) instituído por Manuel Lopes de Lavre, ao qual pertencia o Reguengo da Carvoeira, em 1807 [vd. Fontes e doc. XXVI].

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Joaquim Silva Imortalizado no ex-voto da Baleia. José Bonifácio da Silva Pároco da Carvoeira e da Ericeira desde 26 de Novembro de 1939. José da Rocha Reis Começou a paroquiar as freguesias da Carvoeira e da Ericeira em 28 de Fevereiro de 1943. José da Silva Gamenho Pai de Guilhermina, a menina arrastada por um burro desde a Baleia quase até Valbom (1880), episódio memorado por um ex-voto, no caminho antigo que une as duas localidades. Regedor em 2 de Janeiro de 1882. Presidente da Junta de Paróquia em 2 de Janeiro de 1884 e 2 de Janeiro de 1886. Secretário da Irmandade do Santíssimo Sacramento no ano de 1889. José da Silva Lucas Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento no ano de 1896. José de Abrantes Pinto Coelho Pároco das freguesias da Carvoeira e da Ericeira a partir de 10 de Abril de 1939. José Ferreira Secretário da Irmandade do Santíssimo Sacramento, em 1872. Lavrador ou agricultor entre 1897-1910? José Ferreira Ruivo Agricultor entre 1907 e 1910. Regedor substituto em 1909 e 1910. Eleito em 31 de Dezembro de 1910. Durante a sua direcção foram redigidos e aprovados os Estatutos da Associação Cultual da Freguesia da Carvoeira (acta de 17 de Novembro de 1912). José Freire da Fonte Presidente da Junta de Paróquia em 4 de Maio de 1884, 5 de Outubro de 1890 e, novamente, em 3 de Janeiro de 1892.

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José Inácio Joaquim da Costa Lavrador ou agricultor 1897-1905? José Leonardo Indivíduo um tanto enigmático que residia no Zambujal e aí era proprietário de uma taberna. A família possuia várias juntas de bois, ora empregues na lavoura, ora no transportes de mercadorias. Com algumas delas transportou “cascos de vinho [...] por caminhos perigosos e tortuosos até à adega da Foz do Lisandro”. José Lopes Presidente da Junta de Paróquia em 18 de Julho de 1909 e 19 de Dezembro de 1909. Pároco da freguesia no ano seguinte. José Luís Monteiro Pároco em 1908. Começou a paroquiar a freguesia da Carvoeira em 31 de Julho de 1907. Em 15 de Setembro de 1907 presidia à Junta de Paróquia. José Simões Regedor, eleito a 1 de Janeiro de 1923. Julião Duarte Sacerdote. Presidiu à Junta Paroquial dm 1782. Subscreve as contas da Confraria de S. Sebastião, em 1785. Laura Judite Rebelo Professora entre 1897-1901. Leandro dos Anjos Galrão Lavrador ou agricultor 1897-1910? Libânia A avó Libânia residia no Largo Principal do Zambujal e coxiava muito. Vestia, como as demais mulheres da região, na década de 1940, “[...] saias compridas de riscado com muita roda e blusas cintadas. Por cima um avental também de riscado escuro e na cabeça um lenço negro que puxava para os olhos quando o sol era mais forte”. Depois

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de enviuvar, abriu uma taberna “onde se faziam grandes bailaricos com realejo ou um harmónio”. LIGA DOS AMIGOS DE SÃO JULIÃO Constituída legalmente em 9 de Agosto de 1984. Luís Alvarez Residente em Casas Velhas. Exceptuado do Perdão Geral (1585) decretado por Filipe I, pelo que seria condenado à morte em virtude da sua adesão ao movimento liderado pelo “falso Dom Sebastião da Ericeira”. Luís António Cavado Cura da Carvoeira, em 1758. Subscreve as Memórias Paroquiais da freguesia. Manuel António Pereira Cardoso Sacerdote que começou a paroquiar a freguesia da Carvoeira em 3 de Fevereiro de 1856. Manuel A. Rodrigues Comerciante. Negociava mercearia, fancaria, vinhos e tabacos. Foi correspondente na Carvoeira do Diário de Notícias e de O Concelho de Mafra.

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Manuel Correia Juiz da Confraria de Santo António, no ano de 1853. Manuel Correia Ferreira (1942-1965) Militar morto em Angola, imortalizado num memorial erguido por iniciativa da Junta de Freguesia da Carvoeira.

Manuel Correia Pedroso Morador no lugar e freguesia da Carvoeira, Sacristão nos anos de 1893, 1894, 1895 e 1896. Escriturário da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira nos anos de 1890, 1893 e de 1897 a 1902. Professor entre 1895-1898. Manuel Cristóvão Mesário da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira, nos anos de 1872 e 1874. Secretário no ano de 1873 68

Manuel da Costa Tesoureiro da Confraria de Santo António, no ano de 1847. Manuel da Silva Combatente na 1ª Grande Guerra. Manuel dos Santos Ribeiro Começou a paroquiar a Carvoeira em 8 de Dezembro de 1852. Manuel Duarte Cura da igreja de Nossa Senhora do Porto em 23 de Julho de 1766. Subscreve as contas da Confraria de S. Sebastião, em 1774. Manuel Duarte Sacerdote. Juiz da Confraria de Santo António, no ano de 1847. Tesoureiro da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira, no ano de 1869. Manuel de Francisco Duarte Procurador e Tesoureiro da Confraria de Santo António, no ano de 1843. Manuel Freire Arroja Mesário da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira em 1873 e 1875; Juiz em 1874, 1880 e 1918. Manuel Gaspar Tesoureiro da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira, no ano de 1915 Manuel Gaspar Messias Encarregado do Correio entre 1907 e 1910? Manuel Gonçalves dos Santos Pároco das freguesias da Carvoeira e da Ericeira a partir de 27 de Setembro de 1947. Manuel Gregório Secretário da Confraria de Santo António, no ano de 1853. 69

Manuel Gregório Gaspar Secretário da Confraria de Santo António, no ano de 1848. Manuel Lopes de Lavre Instituiu um vínculo, tornando-se donatário do Reguengo da Carvoeira [vd. Fontes e doc. XXVI]. Manuel Lopes de Matias Vogal da Junta de Paróquia da freguesia da Carvoeira, no ano de 1843.

Manuel Lopes Matias Seminarista e depois empresário e agricultor. Fundador da Sociedade Vinícola da Carvoeira, sedeada na Adega da Foz do Lisandro, cuja edificação promoveu, em meados de 1920. Personagem excêntrico, falava, fazendo copiosas citações latinas, incompreensíveis para a maioria dos seus interlocutores. Acalentou o sonho de trazer o caminho-de-ferro até à Foz do Lisandro, bem como o da construção de um porto de embarque de vinhos e outros produtos locais. Num painel 70

de azulejos colocado sobre a porta de uma das casas de habitação que construiu no Alto da Foz auto-definiu-se como “Fundador da Praia do Lisandro, 3.10.921”. Manuel Maria Ferreira Sacerdote que começou a paroquiar a freguesia da Carvoeira em 13 de Dezembro de 1863. Manuel Miranda Mesário da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira, nos anos de 1873, 1874 e 1875; Tesoureiro em 1874. Manuel Pais Lopes Secretário da Confraria de Santo António, erecta na Ermida homónima da Carvoeira, no ano de 1851. Manuel Ramos Leiteiro, residente no Zambujal, mais conhecido por ti-Ramos. Era casado com Maria de Jesus, a quem chamavam a Maria Carapeta. Sempre muito bem disposto, apresentava-se com “ar de pessoa bem sucedida na vida”. Em lugar do cinto para apertar as calças, usava uma faixa comprida de “tecido preto que dava duas ou três voltas à cintura e nas pontas era franjada”. Para anunciar o início da recolha do leite, subia a um muro e tocava uma corneta. Tornou-se taberneiro, sendo auxiliado pela mulher que não sabia ler nem escrever, mas tinha um método infalível de anotar as dívidas dos fregueses: “No tampo do balcão usava o seguinte código: para cada tostão fazia um risco ao alto; cinco tostões era uma bolinha pequenina; um escudo marcava uma maior, cinco escudos um risco parecido com este número e dez escudos uma bola grande com uma cruz dentro”. Manuel Rodrigues Fernandes Presidente da Junta de Paróquia em 25 de Setembro de 1914 e em 3 de Maio de 1919. Manuel Rodrigues Luís Oleiro. Antes de se estabelecer de Fonte Boa da Brincosa por conta própria, no ano de 1991, trabalhou numa olaria da Casa Nova.

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Manuel Teixeira Ermitão de São Julião. Apôs a sua assinatura cifrada no cruzeiro junto à ermida. O ermitão que o precedeu, João Fernandes, deixou-lhe em testamento o seu “capote de ourelo”.

Marçal Correia Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira, nos anos de 1905 e 1906. Maria Amália Tomé Professora em 1904-1905?

Mário Madeira, Doutor Governador Civil do Distrito de Lisboa e fundador da Colónia Balnear, com o seu nome, destinada a crianças pobres das freguesias da capital. 72

Martinho Lopes Ferreira Proprietário da Lapa da Serra. Presidia à Junta de Paróquia, em 13 de Julho de 1919, tendo sido eleito Presidente da Junta de Freguesia, em 20 de Janeiro de 1942. Mateus Álvares (?-1585) Consagrado como o “Dom Sebastião da Ericeira”. Açoriano, filho de um pedreiro (Gaspar Álvares) e natural da Praia da Vitória (Terceira). Depois de receber a primeira instrução no convento franciscano de Nossa Senhora da Conceição 8, rumou ao continente, e no mosteiro de S. Miguel, perto de Óbidos, iniciou o noviciado dos arrábidos. Terá passado ainda alguns meses com os monges descalços de Santa Cruz, na Serra de Sintra 9, mas não tardou a trocar o noviciado pela existência mais livre de eremita, na ermida de São Julião (Carvoeira, Mafra). Aí passou a viver pobremente, fazendo penitência. Entre gemidos e flagelações ouviam-se-lhe palavras enigmáticas: “Coitado de ti, D. Sebastião, que tantos morreram por tua causa, como poderás fazer a penitência que teus pecados merecem” 10; “Portugal, Portugal, que é feito de ti, que eu te puz no estado em que estás, oh triste de ti Sebastião, que toda a penitência é pouca em respeito de tuas culpas” 11. Mateus Álvares nunca terá, declarado abertamente que era o Encoberto, mas soube, talvez, insinuar nos espíritos o que eles desejavam ouvir. E essa verdade não podia ser outra senão a de que D. Sebastião sobrevivera e que andava, havia sete anos, a cumprir penitência pela perda de Portugal. Coadjuvado por Pedro Afonso, lavrador de Rio de Mouro, António Simões, escrivão dos armazéns, e Gregório de Barros, ourives régio, e animado pelo número crescente de simpatizantes, não só na região da Ericeira, mas também em Lisboa e outras terras 12, o eremita montou corte na Ericeira e fez-se proclamar rei. Ferreira Deusdado, O D. Sebastião da Vila da Praia, in Quadros Açóricos, Angra do Heroísmo, 1907, p. 109. 9 “Le despidieron por doliente”, escreve António de Herrera, Segunda Parte de la Historia General del Mundo, Madrid, 1601, cap. XVIII, p. 447-450. 10 Herrera. 11 José Pereira Baião, Portugal cuidadoso e lastimado com a vida y perda do senhor rey D. Sebastião. Lisboa, 1737, p. 732-734, 12 Rois Soares. O documento transcrito por J. de Oliveira Lobo e Silva in Anais da Vila da Ericeira, 2ª Ed., Mafra, 1985, p. 140-141, refere que “se levantaram com o rei ermitão, mais de 3.000 homens”. Ver também Ferreira Drummond. 8

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O Rei da Ericeira [Retrato conjectural, in História de Portugal de Pinheiro Chagas]

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Em breve, distribuía cargos e títulos nobiliárquicos e passava provisões e alvarás com selo real, que mandara fazer a um prateiro de Lisboa, o qual acabou preso 13. Casou com a filha de Pedro Afonso, “moça bem parecida” 14, e coroou-a rainha, colocando-lhe na cabeça a coroa de prata, supõe-se, da imagem de Nossa Senhora do Porto. Ao sogro fê-lo Marquês de Torres Vedras, Conde de Monsanto, Senhor de Cascais e Alcaide-Mor de Lisboa 15. O rei da Ericeira começou a enviar cartas às Câmaras de algumas cidades e vilas, incitando-as a que se preparassem para, em breve, poderem recebê-lo e ajudá-lo a recuperar a posse do reino. “E como a fama era já por todo o reino ser El-Rei D. Sebastião, tomavam as cartas e provisões, e beijavam-nas, pondo-as nas cabeças com muito acatamento, e em algumas partes começando logo de dar ordem para o ajudarem e lhe mandarem gente” 16. Chegou a sua ousadia ao ponto de enviar Pedro Afonso a D. Diogo de Sousa, general da Armada de Alcácer-Quibir, convidando-o a avistar-se consigo. A entrevista, porém, jamais se realizou, sem embargo de o general da Armada haver determinado comparecer ao encontro. Na quinta-feira de Ascensão de 1585, quando o cardeal arquiduque Alberto saia da capela real, foi ao seu encontro um jovem, filho de António Simões, que lhe entregou uma carta. O mensageiro, ao dirigirse ao vice-rei de Portugal, disse-lhe que lha mandava el-rei de Portugal D. Sebastião 17, acrescentando, segundo Herrera: “e não faça Vossa Alteza pouco caso disto”. Nessa carta o arquiduque Alberto era intimado a desocupar o Paço e a partir para Castela, porque já era tempo de abrirem os olhos tantos enganados 18. Preso e interrogado, o jovem mensageiro confirmou ter recebido a incumbência do verdadeiro rei D. Sebastião. Asseveram alguns autores que o arquiduque Alberto ordenou que o mensageiro fosse posto em liberdade, contrariamente ao parecer do zeloso corregedor do crime da corte. Com este acto de generosidade “cobrou maiores forças a opinião de ser ele (o eremita de S. Julião) el-rei” 19. Outra versão deste Pero Rois Soares, Memorial. Leitura e revisão de Manuel Lopes de Almeida, Coimbra, 1953, p. 224-228. 14 Pereira Baião. 15 Idem. Por sua vez, Pedro Afonso acrescentara ao seu nome o apelido de Meneses, crendo com isso nobilitar-se. 16 Rois Soares. 17 Idem. 18 Pereira Baião. 19 Idem. 13

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episódio pretende que, na mesma noite da detenção, foi o filho de António Simões levado por outro corregedor, Álvares Lopes de Távora, com muitos galegos, e, “lá onde quer que foram, andaram três dias e tornaram sem o dito mancebo, o qual não apareceu mais, nem do que quer que lhe fizeram se soube mais alguma coisa” 20. Alarmado com o conteúdo da carta, e com a agitação que o evento provocara na cidade, decidiu o Concelho Real enviar à Ericeira corregedores e alcaides para se certificarem dos rumores sobre o rei fingido e da verdadeira extensão dos acontecimentos. Alguns fidalgos que já o tinham visto não duvidavam tratar-se de um impostor. Face aos alertas, considerou o cardeal mais prudente ordenar ao juiz de fora de Torres Vedras, Manuel de Ataíde de Sarrea, que fosse à Ericeira prender os amotinados. No desempenho da sua missão, o magistrado e o seu escrivão, juntamente com os oficiais que o acompanhavam 21, foram lançados ao mar de umas arribas pelos revoltosos que foram ao seu encontro. A todos quantos recusassem reconhecer o rei português e lhe negassem obediência eram infligidos graves castigos, sendo seu executor Pedro Afonso, “homem crudelíssimo e desumano” 22. O doutor Gaspar Pereira (do Lago, como consta de algumas versões), do Conselho Real de Lisboa e ouvidor da comarca de Torres Vedras, por censurar estes actos de violência e dizer a alguns que deixassem a cegueira em que andavam, e rogassem a Deus pela vida de D. Filipe, que era justo e pacífico, foi morto na sua quinta, juntamente com um filho e um sobrinho, sendo a sua casa saqueada 23. O vice-rei optou por intervir imediatamente, antes que ocorressem mais excessos. Diogo da Fonseca recebeu ordens para esmagar a rebelião 24. Com quatrocentos castelhanos bem armados e comandados pelo capitão Calderon partiu para a Ericeira (ou para a ermida de S. Julião, consoante a versão de Luís Torres de Lima). Emboscaram-se num vale, situado perto dos domínios do rei fingido, seguindo adiante o corregedor com a justiça. Miscelânea Curiosa de Sucessos Vários, in Feiticeiros, profetas e visionários (sel. Yvonne Cunha Rego), Lisboa, 1981. 21 Pereira Baião; Rois Soares. 22 Pereira Baião. 23 Herrera; Baião. Em 1570, Gaspar Pereira fora corregedor na Ilha Terceira de onde era natural Mateus Álvares. Francisco Ferreira Drummond, Anais da Ilha Terceira. Ed. 1981, Governo Autónomo dos Açores, v. 1, p. 377. 24 Diogo da Fonseca acompanhara D. Sebastião na campanha de África e, já ao serviço de Filipe II, enquanto corregedor do crime, pusera termo ao episódio do rei de Penamacor. 20

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Os homens de Pedro Afonso arremeteram contra estes “como lobos”. Encorajados por os verem em fuga, perseguiram-nos sem se aperceberem de que estavam a ser conduzidos para uma emboscada. Esperava-os uma fortíssima carga de arcabuzaria e mosquetaria que vitimou muitos, caindo uns mortos 25 e inúmeros outros feridos. Muitos procuraram refúgio no adro da igreja da Senhora do Porto, fugindo os demais por montes e vales 26. Mateus Álvares, ao dar-se conta do sucedido, fugiu na companhia do seu veador e de um pagem. No dia seguinte, 12 de Junho, seriam capturados pelo corregedor Fonseca, na vila de Colares, mercê da denúncia de Baltazar de Sá, cavaleiro, em cuja herdade haviam recebido provisões de boca 27. No mesmo dia, entraram presos em Lisboa os três homens, cada qual sobre seu burro, vestidos de saloios, sem chapéu na cabeça e de mãos atadas atrás das costas. Um era muito jovem, outro muito ruivo e o terceiro tinha a barba preta. Vinham dando no ruivo, dizendo: “ Vedes aqui o vosso Rei D. Sebastião”. Conduziram-no ao Limoeiro, acompanhado de muito povo, tão turbulento que se chegou a recear um motim 28. Seguiu-se a instrução do processo. Mateus Álvares confessou, sem necessidade de recurso a tormentos, que não era D. Sebastião, nem pretendia sê-lo; que a sua intenção era entrar em Lisboa, na noite de S. João, e depois de degolar e matar os que não quisessem obedecer ao nome de D. Sebastião, iria a uma janela dizer ao povo: “Vede-me aqui que não sou D. Sebastião, senão um homem que veio para libertá-los da tirania de castelhanos, agora fazei Rei a quem quizerdes” 29.

Como Pero Luiz do Arneiro e João Rodrigues da Cortesia, sepultados no adro da igreja do Porto. 26 Herrera; Baião. Para Luís Torres de Lima in Avisos do Ceo, Sucessos de Portugal, 4ª Ed.; t. 1, cap. XXXXIV, (ver Anexo VI) a ermida perto da qual se deu o recontro é a mesma onde apareceu o ermitão. Em nenhum destes documentos é nomeada a ermida de Nossa Senhora do Porto (Carvoeira), apenas se acha referida em Miguel D’Antas, Os Falsos D. Sebastião; e Oliveira Lobo e Silva, Anais da Vila da Ericeira, p. 140, refere o registo de óbitos de dois combatentes “com a nota de terem morrido junto à Igreja de Nossa Senhora do Porto, em cujo adro foram sepultados”. Na Miscelânea Curiosa ... a expressão “perto da dita Ermida da Ericeira” refere-se à de S. Julião, anteriormente nomeada nesse documento. 27 Herrera. 28 Miscelânea Curiosa. 29 Herrera. Luís Torres de Lima refere 1583 como o ano em que entrariam em Lisboa. 25

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Os falsos D. Sebastião – O rei da Ericeira [ilustração de Manuel de Macedo, gravada por Alberto e publicada no v. 4 da História de Portugal, Lisboa, 1877, de António Ennes] 78

A contrastar com tal versão, alguns relatos apresentam o “réu” a confessar-se conluíado com o demónio, o qual lhe fizera fingir-se de D. Sebastião 30. Mateus Álvares foi conduzido do Limoeiro ao pelourinho, onde lhe cortaram a mão direita, que ficou exposta; dali foi a pé até à forca, onde o enforcaram. Durante o percurso mandou a justiça que o padecente delatasse a sua culpa, dizendo as palavras seguintes: “Todos me perdoai pelo amor de Deus tanto escândalo como tenho feito neste Reino e mortes que por minha causa se fizeram e se fazem. Eu me chamo Mateus Álvares e sou pedreiro, natural da Ilha Terceira e nela filho de Gaspar Álvares, também pedreiro. Estive naquela ermida [S. Julião da Carvoeira] cinco anos e o Demónio me tentou e chamou a este estado” 31. Foi decapitado, permanecendo a cabeça pregada na forca durante um mês. Foi esquartejado e os quartos ficaram expostos nas quatro portas da cidade. No dia seguinte, enforcaram e esquartejaram os que tinham sido presos com ele: o que servia como veador, com cerca de quarenta anos, e o seu pagem, que contava entre dezoito e vinte anos. Pedro Afonso foi capturado, no Bombarral e levado para Lisboa. “Vinha gritando e pedindo favor à Virgem Nossa Senhora, alegando-lhe o haver feito a sua festa todos os anos”. Consta de um relato da sua confissão que tinha determinado descabeçar todos os fidalgos (Baião). No dia 22 do mesmo mês, foi levado a arrastar, cortaram-lhe as mãos, depois foi enforcado, esquartejado e os quartos expostos. Poucos dias mais tarde, trouxeram de Setúbal o sargento-mor de Pedro Afonso que teve castigo idêntico 32. Os habitantes da Ericeira, receando suplícios semelhantes, fugiram para longe. Não é possível apurar durante quanto tempo a vila esteve submetida ao terror e à perseguição do zeloso corregedor do crime da corte. Baião refere que ali foram enforcados vinte homens e muitos lançados às galés (caso de Luís Gonçalves, ex-Procurador do concelho). Foram também presos e castigados muitos que de Lisboa favoreciam o rei fingido. Foi saqueado o lugar da Carvoeira com as quintas e casais em redor, e dos culpados que foram presos, treze foram lá enforcados e outros, condenados às galés 33. Muitos haviam de ser perdoados, conforme se depreende das contas de receita e despesa da Câmara da Ericeira, prestadas, em 10 de Fevereiro de 1586, Herrera; Miscelânea Curiosa. Miscelânea Curiosa ... 32 Idem. 33 Ibidem. 30 31

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pelo Procurador do concelho, Baltasar Fernandes, perante o tabelião Luís Mendes: “Disse que dera, por mandado do juiz, a um caminheiro que trouxe o perdão dos alevantados por parte do Ermitão, trezentos réis” 34. Com efeito, a 1 de Agosto de 1585, havia sido publicada uma carta 35 pela qual Filipe II concedia um perdão geral a muita gente rústica, “falsa e enganosamente” amotinada, dos termos da vila da Ericeira. O mesmo documento nomeava os principais delinquentes e autores das mortes, roubos e insultos e dos mais males e danos que se seguiram à quietação e sossego público, os quais eram exceptuados deste perdão por indignos dele 36. Em 1998, a Câmara Municipal de Mafra teve patente na Casa de Cultura Jaime Lobo e Silva, na Ericeira, uma exposição, no âmbito de um ciclo de iniciativas dedicadas a este episódio patriótico. Miguel Luís Arroja Presidente da Junta de paróquia em 2 de Janeiro de 1890. Faleceu no decurso do seu mandato, em 27 de Setembro do mesmo ano. Pascoal José de Melo Freire Padre que começou a paroquiar a freguesia da Carvoeira em 26 de Agosto de 1895. Lavrador ou agricultor 1898-1903. Paulo da Fonseca Pároco natural da Carvoeira que sucedeu, em 1741, ao padre Ventura da Fonseca, seu tio. Paulo Ferreira Tesoureiro da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira, nos anos de 1870 e 1871. Juiz no ano de 1872.

Câmara da Ericeira: livro 69, fl. 86v Carta do Perdão Geral concedido aos rústicos do termo de Cintra, in João da Silva Marques, Sintra. Estudos Históricos - VI - O “Rei da Ericeira” e os seus partidários (1585), in Jornal de Sintra (5 Set. 1937), com leitura revista e ortografia actualizada por Manuel J. Gandra 36 Nos principios do século XVIII ainda havia na Ericeira, junto ao Largo do Oitão (actual Largo Jaime Lobo e Silva), um Chão Salgado, do qual se dizia, naquele tempo, que ali estivera construída uma casa que servira de residência a um Rei que fora preso, e que aquele chão fora salgado para nunca mais ali se poder edificar. Cf. Jaime d’ Oliveira Lobo e Silva, Anais da Vila da Ericeira, 1933, doc. 19 34 35

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Pedro Afonso Matias Baleia (1949-1971) Militar morto em Angola, imortalizado num memorial erguido por iniciativa da Junta de Freguesia da Carvoeira.

Piumbina de Jesus Teodoro Marques Professora do Ensino Primário, em 1947. Rodrigo Gaspar Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira, no ano de 1909. Rui Fernando Gaspar Machado Presidente da Junta de Freguesia entre 1997 e 2001.

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Sebastião Pereira Mesário da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira, no ano de 1872. Tesoureiro nos anos de 1873 e 1874. Ventura da Fonseca Padre natural da Carvoeira, que fundou a ermida de Santo António (1734) e nela se fez sepultar em 16 de Maio de 1741. Zeferino Antunes Batalha Presidente da Junta de Freguesia entre 10 de Janeiro de 1977 e Janeiro de 1997.

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GEOMORFOLOGIA e BIODIVERSIDADE

A Carvoeira assenta num patamar topográfico correspondente a uma plataforma de abrasão (marinha) de reduzida dimensão, situada entre os 20 e os 30 metros de altitude e limitada a Oeste pelo Oceano Atlântico e a Leste pelo Monte do Outeiro. Inserido na Estremadura portuguesa, o território em apreço integra a Bordadura Ocidental que remonta ao Mesozóico, Era durante a qual se formou o Fosso Lusitaniano, orientado NNE-SSW, no qual se depositaram sedimentos de natureza detrítica durante o Mesocenozóico. Toda a região en torno da Ericeira pode ser incluída na unidade estrutural denominada sinclinal dissimétrico de Pêro Pinheiro. O flanco Norte desta estrutura inclina-se ligeiramente para Sul, sendo constituído por formações do Jurássico Superior e, a partir de Monte Serves, pelo Cretácico Inferior sobre o qual assentam a Ericeira e Mafra. O eixo da dobra é ocupado pelo Cretácico Superior. Entre Ribeira de Ilhas, a Norte, e a Foz do Falcão, a Sul da Ericeira, afloram várias formações atribuídas ao Cretácico Inferior e Médio. O litoral é formado por arribas altas e rochosas interrompidas por pequenas praias, coincidindo estas, amiúde, com os troços terminais de linhas de água de caudal variável, mas em regra diminuto. Aí e nas baías que se abrem ao longo da linha de costa acumulam-se, por vezes, grandes quantidades de areia. A agitação marítima é considerável, constatando-se uma forte corrente de Norte para Sul, resultado, quer da configuração da linha de costa, quer dos ventos fortes que sopram. A plataforma continental da área em estudo apresenta uma estrutura diversificada e irregular. Entre o Cabo da Roca e o Canhão da Nazaré a plataforma continental é extensa (cerca de 70 Km) e o seu rebordo externo profundo (400m). Entre as unidades tabulares localizadas ao Sul do Cabo Carvoeiro e a Oeste do Cabo da Roca desenvolve-se uma bacia de grandes dimensões, designada Mar da Ericeira, de forma circular que se acha preenchida por sedimentos finos. 85

Carta geológica da região da Carvoeira (Rey, 1972) 1: Barremiano inferior (calcários e margas com Chofatellas); 2: Barremiano superior (grés de Almargem inferiores); Bedouliano (estruturas com Orbitolinas); 4: Gargasiano (grés de Almargem inferiores); 5: Cenomaniano; 6: Terciário e Quaternário antigo; 7: depósitos modernos 86

Panorâmicas do pesqueiro do Mar da Ericeira (segundo Joaquim Gormicho Boavida)

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O fundo da bacia inclina-se suavemente para Oeste entre os 100 e os 130 m e encontra-se limitada, a Oeste, por uma topografia confusa originada no Mesozóico. A zona rochosa mais próxima do litoral encontra-se coberta por uma praia submarina recortada por uma rede de canais. A plataforma externa (que se desenvolve entre os 120-130 m e o talude continental) é caracterizada por um sistema de cristas e bacias. O relevo de maiores dimensões situa-se próximo da latitude 39ºC e é formado por uma depressão dissimétrica, orientada NW-SE, limitada por uma falha que se prolonga pela plataforma numa extensão de cerca de 20 Km.

As praias da freguesia da Carvoeira

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O clima da região, dominada a Sul pela Serra de Sintra e a Leste pela Serra de Montejunto, é condicionado pela situação de transição entre uma área plana e outra com relevo mais irregular. Caracteriza-se por Verões amenos, por vezes demasiado frescos (média de Verão: 21ºC) e frequentes nevoeiros matinais (de advecção). O Inverno não é rigoroso, (média de Inverno: 8ºC), mas extremamente húmido, em virtude da geomorfologia do território.

Descripção dos portos maritimos do Reino de Portugal - João Teixeira cosmógrafo-mor 1648 [SGL cartografia 14A-1, entre p. 4 e 5] Neste mapa o Lisandro é denominado Carvoeira

O curso de água mais relevante da freguesia da Carvoeira é o Rio Lisandro, também denominado Ribeira do Porto, Ribeira de Cheleiros e Rio de Cheleiros. A sua bacia hidrográfica abrange uma área de cerca de 187 km2 (apenas 93 km2 no concelho de Mafra), estendendo-se a sua principal linha de água por 32 km (declive médio 0,5%, cota máxima 340 m). Desagua na Foz do Falcão, a qual se encontra cheia de depósitos de aluvião e em cuja margem direita foi detectado um

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concheiro, cuja ocupação foi estimada entre, aproximadamente, 0 9º e 7º milénios a. C. O Lisandro tem como principais afluentes: Na margem direita: Ribeira da Laje; Ribeira da Mata / Ribeira da Mata Grande; Regueiro da Serra; Rio Pequeno / Ribeira do Coxo / Ribeira da Borracheira / Ribeira do Boco / Ribeira de Muchalforro; Ribeiro da Vidigueira / Ribeiro do Brejo / Ribeiro da Atravessada. Na margem esquerda: Ribeira da Carrasqueira; Ribeira de Vale Figueira; Ribeira de Mourão; Ribeira da Cabrela, Ribeira de Cheleiros. * * * O vale da Carvoeira, onde corre o Lisandro, é uma das mais vastas áreas do concelho dedicadas à horticultura. No entanto, o aproveitamento das margens das linhas de água é uma constante, em vista da possibilidade de rega. As culturas mais vulgares na região eram, em 1982: couve (diferentes variedades), nabo, feijão (178 ton.), fava (240 ton.), ervilha, grão-bico (65 ton.), abóbora, tomate, pimento, hortelã, cebola, alho, batata (3479,3 ton.), etc.

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Fauna referenciada: BORDALO (Squalus Cephalus, L.) Também escalo ou escalho, robalinho, pica, ruivaco ou ruivaca. Pequeno peixe que se pescava no Rio de Cheleiros e na Ribeira de Nossa Senhora do Porto (Carvoeira), o qual os habitantes circundantes confeccionavam para as consoadas da Quaresma (Memórias Paroquiais, 1758). CORVEIA Espécie de peixe pescado na Ribeira de Nossa Senhora do Porto (Carvoeira), de acordo com as Memórias Paroquiais de 1758. FATAÇA (Mugil cephalus) Nome vulgar de uma espécie de peixe, tb. conhecida por taínha. É referido nas Memórias Paroquiais, de 1758 (v. 11, p. 2123-2126), onde se afirma que, então, se pescava (por vezes, pesca-se ainda) na Ribeira de Nossa Senhora do Porto (Carvoeira). TAÍNHA Peixe pertencente à família dos Mugilidae. Segundo as Memórias Paroquiais de 1758, pescava-se na Ribeira de Nossa Senhora do Porto (Carvoeira), curso de água onde ainda, apesar da poluição, continua a ser capturada a espécie fataça (Mugil cephalus) que atinge cerca de 60 cm, distinguindo-se pelos seus olhos enormes e espessas pálpebras adiposas. É um peixe detritivo que se alimenta essencialmente de lodo que contenha, além da vasa, detritos orgânicos, pequenos invertebrados e algas. Acode frequentemente à babugem das águas, acabando por ingerir hidrocarbonetos que lhe conferem um desagradável gosto a óleo. Na época da postura, desloca-se do rio para o oceano onde os seus ovos eclodem e se começam a desenvolver os jovens, os quais só mais tarde regressam aos estuários onde viverão a sua vida adulta. LONTRA Mamífero carnívoro (Lutra lutra L.), outrora referenciado na Ribeira de Cheleiros (Lisandro).

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AVES DE RAPINA 37 As mais comuns, entre Julho e Agosto (após nidificação), na Carvoeira, Baleia, bem assim como ao longo do Lisandro: falcão peregrino, peneireiro, peneireiro-cinzento, redonda, gavião, açor, coruja do mato e mocho galego.

águia-de-asa-

PASSERIFORMES e OUTRAS AVES 38 Avistáveis preferencialmente, de Setembro a início de Janeiro e de Abril a Agosto, pela manhã, na Carvoeira, Baleia, bem assim como ao longo do Lisandro: poupa, tordoveia, toutinegra de barrete, toutinegra dos valados, andorinhão-preto, andorinha das chaminés, rabirruivo, guarda-rios, cartaxo, cartaxo dos beirais, cartaxo azul, pisco de peito ruivo, rouxinol bravo, melro, felosinha, cotovia de poupa, chasco-cinzento, petinha ribeirinha, petinha dos prados, bico de lacre, alvéola cinzenta, alvéola branca, alvéola amarela, rola-turca, fuinha dos juncos, perdiz, carriça, papa-moscas cinzento, papa-moscas preto, chapim-carvoeiro, chapim azul, chapim-rabilongo, gralha preta, trepadeira azul, trepadeira-comum, picanço-real, pardal, pardal montês, pintarroxo, verdilhão.

Cf. D’Almeida Simões, Jardim Natural das Aves: registo de campo e observação de aves no concelho de Mafra, 2008 [www.cm-mafra.pt/files/Turismo/Aves/intro.htm]. 38 Idem. 37

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Espécies botânicas mais relevantes:

ORQUÍDEA (Limodorum abortivum, Sw.) Colhi em Estácio da Veiga (Orquídeas de Portugal) a seguinte nota: “É esta orquídea, citada por Link na Aldeia dos Mouros (In Scrad. Diar. 1799, II, 322) e por Brotero (Fl. Lus., I, p. 22) na mesma localidade. Pelo Dr. Welwitsch, segundo refere o autor da Fl. Germ., v. XIII, p. 185, foi observada "In Transtaganae pinetis umbrosis (ast etiam in ericetis arenosis aridissimis) prope Calhariz sparsim". Em Maio 93

coligiu este botânico os exemplares, que sob num. 954 figuram no herbário da Academia Real das Ciências, pasta X. Em Abril de 1866 vimos pela primeira vez esta raríssima planta na Serra de Monchique num souto de velhos castanheiros, e em Mafra, igualmente rara, só no sítio de Almada, e no da Senhora do Porto, não longe da ribeira, a temos visto florescida em Maio e Junho. É muito difícil propagá-la nos jardins. O seu rizoma parece pois repelir a transplantação; e é o que geralmente acontece com as Cephalantheras.

ARMERIA PSEUDOARMERIA Nome científico de uma planta endémica nas falésias costeiras da região litoral entre o Cabo da Roca e as Berlengas. É vulgar nas arribas das Praias da Calada e dos Coxos. 94

ARQUEOLOGIA

CAR.001. ERICEIRA A Folha 402; 88-89/219-220 Praia quaternária do Tirreniano (Mindel-Riss, 25 m-45 m), Tirreniano I ou do Pré-Boreal (ZILHÃO, 1987), situada entre a foz do Falcão (S. Julião) e a do Lizandro. Explorada pelo Padre Breuil. As peças de feição mais arcaica aqui recolhidas são contemporâneas do MindelRiss. Espólio do Acheulense superior e Tayaco-mustierense; Acheulense final e Tayaco-mustierense; Mustierense e Languedocense de estilo lusitaniano. Inclui igualmente seixos elipsoidais apresentando forte índice de rolamento e patina eólica (apenas nos mais antigos), do tipo dos encontrados na cultura pebble marroquina. Breuil aproxima os artefactos colhidos dos do terraço de Vila Nova da Rainha (junto ao Tejo). 97

Espólio: M. Serviços Geológicos de Portugal: armário lateral 47 (recolhas de Breuil, Zbyszewski e Vaultier, em Junho 1942); MMunicipal de Torres Vedras: raspador direito-convexo (c: 55 mm; l: 68 mm; e: 43 mm), em sílex, talvez mustierense (inv. CARV-2), núcleo mustierense sobre calhau rolado (c: 48 mm, l: 41 mm, e: 21 mm), em quartzo (inv. CARV-3) e calhau truncado (c: 72 mm, l: 68 mm, e: 43 mm), em quartzito (inv. CARV-1); MMunicipal de Mafra: chopper, em calcário (inv. 2704: doação Arq. Pedro Fialho), sílex (inv. 5935) e calcite (inv. 5934); José Medeiros. CAR.002. CARVOEIRA Folha 388; 90-91/20-21 Em 1965 foi aqui achada uma moeda (Asse nº 538 / Sear) do Imperador Cláudio (41-54 d.C.), Anv: Cabeça de Cláudio, à esquerda e a legenda TI. CLAVDIVS CAESAR AVG.P.M.TR.P.IMP.; Rev: LIBERTAS AVGVSTA S.C. CAR.003. SÃO JULIÃO (Ribeira do Falcão) Folha 402; 88-89/219-220 A Durante a abertura das fundações para o edifício da Colónia Balnear Dr. Mário Madeira foram exumados diversos fragmentos cerâmicos pertencentes a um recipiente neolítico, posteriormente parcialmente reconstituído, o qual apresenta duas asas para suspensão e outros tantos mamilos, assim como decoração incisa. Apresenta semelhanças com dois outros exemplares provenientes da Lapa do Fumo (Sesimbra) e da Gruta da Furninha (Peniche). Espólio: Museu Municipal de Mafra: entregue pelo então Presidente da CMM em exercício, Senhor Vale de Morais, a José Medeiros, na sua qualidade de membro da Comissão instaladora do Centro de Estudos Históricos e Etnográficos Professor Raúl de Almeida, acompanhado de ofício, onde é abusivamente classificado como "vaso de barro da época quaternária" (inv. 2690).

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Recipiente neolítico

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B José Morais Arnaud detectou (1986) e escavou parcialmente (1986 e Novembro-Dezembro 1987) dois concheiros 39 na margem direita da Ribeira do Falcão.

Os trabalhos caracterizaram-se pela escassez das estruturas exumadas e dos artefactos recolhidos (algumas lamelas e núcleos de lamela de sílex e quartzo). O ICEN-LNETI obteve uma datação provisória pelo radiocarbono de 7800-7600 BP para o primeira jazida e de cerca de 8100 BP para a segunda, dados que legitimam, segundo ARNAUD / PEREIRA, 1994, a sua atribuição ao período Boreal ou Holocénico, podendo, portanto, ser consideradas posteriores ao Concheiro do Magoito. O local onde se situavam foi, entretanto, sujeito a obras de terraplanagem, supondo-se em definitivo prejudicada qualquer futura pesquisa 40. Abundante depósito de conchas de moluscos, interpretadas ora como restos de alimentação humana, ora como elementos votivos, ou ambos. Conjuntamente, surgem ossos de animais (indiciando a provável domesticação de algumas espécies), vestígios de lareiras, micrólitos, raspadeiras, etc. Em Portugal, além de alguns concheiros já da época neolítica, são conhecidos vários do período mesolítico, sendo os mais famosos os de Cabeço da Amoreira, Moita do Sebastião e Cabeço da Arruda (Muge). 40 Mesolítico, do grego mesos, no meio, e lithos, pedra. Época de transição entre os modos de subsistência e as tecnologias do Paleolítico e do Neolítico, caracterizado pelo surgimento de clima temperado, pelo desaparecimento do mamute e recuo da rena para os pólos, no período pós glaciário, por tentativas de sedentarização (litoral, rios, lagos) e por uma utensilagem de micrólitos. Na Europa Ocidental detectaram-se as 'culturas mesolíticas' Azilense, Sauveterrense e Tardenoisense, ainda muito semelhantes às do Paleolítico, razão por que são, hoje em dia, consideradas pertencentes ao Epipaleolítico. 39

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Numa área adjacente encontravam-se identificados alguns outros arqueosítios congéneres, perfeitamente preservados, os quais haviam de ser explorados em duas campanhas empreendidas em 1999 e 2001, respectivamente, pelo Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Mafra. Espólio: Desconhece-se o destino dos artefactos exumados.

Concomitantemente, sobretudo no Próximo Oriente, assiste-se já à avançada domesticação de animais e ao desenvolvimento de uma proto-agricultura. No que concerne ao Mesolítico inicial, com maior propriedade designado Epipaleolítico, os únicos trabalhos, que até à data o detectaram no aro do Concelho de Mafra, ficaram a dever-se ao arqueólogo José Morais Arnaud, nos Concheiros da Foz do Falcão (Carvoeira).

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Localizações dos sítios epipaleolíticos e mesolíticos do actual território português. O n.º 33 assinala o concheiro de São Julião.

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Localização dos três núcleos (A, B e C) do Concheiro de S. Julião, Arqueosítio conservado em duas gerações de dunas com cronologias desde o 9º até ao 7º milénio a. C.

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C No período romano o local seria servido por um ramal da estrada proveniente de Cornadelas, prosseguindo ao longo da costa com destino à foz da Ribeira de Cheleiros, segundo Mário Saa, 1967, p. 12, então utilizado como porto natural (passagem pela vau). CAR.004. SENHORA DO Ó Folha 388; 90-91/21 A Diversos vestígios romanos não especificados. O local tem sido descrito, resta apurar com que legitimidade, como grande centro comercial no século II da era Cristã. A ponte de cantaria sobre a Ribeira do Lisandro (EM 549, Mafra-Carvoeira) supõe-se medieval (IVC).

Postal (c. 1900)

Presume-se que de S. Miguel de Odrinhas partisse um ramal da estrada de Lisboa a Torres Vedras, na direcção de Assafora,

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prosseguindo para este local. SAA considera a foz da Ribeira de Cheleiros, então navegável, um porto de abrigo na época romana. As obras de edificação dos acessos à ETAR da Foz do Lisandro (2013) revelaram estruturas romanas, eventualmente associadas à travessia da ribeira pela vau.

Ponte de cantaria medieval (IVC) Nossa Senhora do Porto, ou do Ó - EM 549 Foto DGEM

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TRADIÇÕES

A MOURA ENCANTADA 41 Ao cair do Sol, passava um trabalhador rural por uma das Grutas, das muitas existentes ao longo do caminho do Paúl à Carvoeira, que segundo a tradição pertenceram aos mouros, quando deparou com uma linda rapariga a pentear-se. Entrou em conversa com ela e a certa altura pediu-lhe um beijo. Ela respondeu-lhe que lhe satisfaria o pedido, mas só no dia seguinte, se ele por ali passasse à mesma hora. O homem, todo contente, prontificou-se a fazê-lo. No dia seguinte, quando, conforme o combinado, se encaminhava para a entrada da Gruta, deparou com uma enorme serpente que falava e lhe pediu o beijo prometido na véspera. Ele, repugnado, afastou-a, negando-lhe o beijo. A cobra, então, disse-lhe : - Dobraste o meu encanto, por isso pouco tempo terás de vida. Assim, ao fim de alguns dias, o homem começou a definhar, acabando por morrer sem que alguém soubesse a causa da moléstia.

LENDA DE SÂO JULIÃO

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Era uma vez um senhor que andava a passear nas rochas, junto ao mar. De repente, deu-se um tremor de terra, abrindo-se a terra a seus pés. O senhor na aflição disse: - Valha-me São Julião! Ao dizer aquilo, o cajado que segurava nas mãos, atravessou-se Recolha de Maria Laura Costa, natural da Arrebenta. Funcionária da Biblioteca Municipal de Mafra 42 Recolhida em São Julião, Freguesia da Carvoeira, Mafra, em Novembro de 1999, por Sara Alexandra da Costa Curto, aluna da Escola EB 2,3 de Mafra, 9.º ano, turma D, no âmbito da disciplina de Língua Portuguesa. Teve como informante Teresa G. Curto, doméstica, de 51 anos. 41

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entre as duas paredes das rochas, tendo-lhe dado a oportunidade de se segurar e de se salvar. Assim, o local ficou a ser conhecido pelo nome de São Julião.

FUNERAL Após a chegada do padre e do sacristão e depois da encomendação 43, formava-se um cortejo em procissão. O caixão e o povo eram precedidos por homens envergando capas encarnadas (normalmente membros de uma irmandade), os quais transportavam a cruz e os cereais 44. Conta-se na Vila de Mafra, à laia de anedota, que um determinado padre da freguesia, agarrado ao dinheiro, no intervalo das orações que ia proferindo a caminho do cemitério comentava para o sacristão: Depressa, depressa que este não tem Essa, ou Devagar, devagar porque este pode pagar. Antes de sair o funeral era costume oferecer comida e bebida aos homens, principalmente os que transportariam o caixão e as insígnias. Esta refeição constava geralmente de pão com chouriço ou bacalhau cru e vinho. Na Póvoa (Mafra) e arredores, os familiares do defunto, pagando a posteriori, encomendavam guisado numa taberna, onde os homens iam comer e beber. De forma semelhante procediam os habitantes da Igreja Nova, os quais ofereciam queijo fresco, um quarto de pão e meio litro de vinho, servidos em duas tabernas, metade em cada uma das existentes para ajudarem ambas. As crianças eram enterradas em caixões pequenos forrados a pano branco, azul ou cor-de-rosa. Porém, tempos houve mais recuados, em que os anjinhos 45 eram transportados das aldeias para o cemitério de Mafra em tabuleiros, à cabeça de mulheres, tapados com toalhas de rosto, geralmente em linho, e por vezes com o rosto destapado. Regra geral, quando os funerais passavam por uma igreja entravam, procedendo-se a nova encomendação. Se passassem junto a Encomendar o corpo (ainda hoje se diz) é fazer as orações e rituais específicos com vista ao descanso eterno. 44 Cereal tem o mesmo significado de cirial, ou seja, cada uma das lanternas fixas num pau, à direita e à esquerda da cruz nas procissões. 45 Chamavam-se anjinhos aos defuntos bébés. 43

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um cruzeiro faziam uma paragem, o que ocorre ainda hoje na Carvoeira. Ao chegar ao cemitério tinham lugar novas orações e novos rituais. Quando o caixão descia à terra toda a gente lhe atirava três mãos cheias de terra, dizendo: A terra te seja leve.

CARGO Ex-voto de transportar à cabeça, típico das romarias e círios estremenhos. Constituído por armação em madeira, com quatro ou

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cinco níveis, destinados a colocar as oferendas em géneros: fogaças, bolos, frutos, especialidades da região, bem como produtos agrícolas, os quais, após o termo da missa (com novena cantada), era costume serem leiloados. O produto do leilão revertia a favor da Igreja. Frequentemente, os arrematantes dos cargos faziam promessa de os apresentarem no ano seguinte.

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PATRIMÓNIO EDIFICADO

IGREJA DE NOSSA SENHORA DO Ó DO PORTO (IVC, DR, 1ª série, n. 145, de 25/6/1984, dec. n. 29/84) Templo medieval (eventualmente paleocristão) edificado na margem direita do Lisandro, junto à ponte medieva, erguida nas imediações do mítico porto que, consta, ali existiu, o qual creio, atendendo à nomenclatura consagrada, mais não seria que uma travessia pela vau. Também considero lendário o topónimo Carvoeira, alegadamente derivado do fabrico de carvão, suposta ocupação preferencial dos habitantes da região, da qual se não detectou, até à data, o menor vestígio.

Postal da Casa Comercial Ângelo Augusto do Carmo (Ericeira)

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Postal fotográfico de António Passaporte (década de 1950)

Julgo a origem do referido topónimo (Carbonaria) mais consentânea com a reminiscência de cultos arcaicos pré-cristãos (testemunhados pelo nome Lisandro, por exemplo) e paleo-cristãos (milenarismo), o que o orago Senhora do Ó e a dependência cultual (e também fluvial) de Cheleiros deixa entrever 46. O título desta invocação mariana tem sido justificado ora pelas antífonas que a Igreja recita nos oito dias que precedem o Natal e que começam pela letra O: O Sapiente, O Adonai, O Radix Jesse, O Calvis David, O Oriens, O Rex Gentium, O Emmanuel; ora pela forma ovóide

Em Cheleiros existiu uma comunidade paleocristã (ano 575 da era Cristã), decerto considerável a aquilatar pela lápide que subsiste adossada à matriz (CIL II, 5228), a qual ostenta a seguinte inscrição, em seis linhas dentro de uma moldura elipsoidal: LETORIVS / ET EPIFANIVS / REQVIT IN PACE / VIXIT VNVS ANNOS / [...] ERA DLXXV. 46

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do ventre da Senhora; ora pelo facto da letra O simbolizar a eternidade de Deus 47. Representada com o ventre entumescido, sobre o qual, geralmente, coloca uma das mãos, a iconografia da Senhora do Ó inspira-se na da Virgem apocalíptica ou pré-existente: a mulher que há-de parir, descrita no Apocalipse. A história documentada da igreja de Santa Maria Carvoeira apenas teve início em meados do século XVI, a partir do momento em que foi elevada a matriz, no ano de 1570. Só em 22 de Outubro de 1760, deixaria, definitivamente, de ser sufragânea da paroquial de Cheleiros, terminando a obrigação de uma pessoa de cada família (por fogo) se dirigir àquela igreja de Nossa Senhora do Reclamador, três vezes ao ano, a saber:

Foto Junta de Freguesia da Carvoeira O Concílio de Toledo, do ano de 656, ordenou a celebração de uma festa em sua honra em toda a Espanha, a 18 de Dezembro. Santo Idelfonso deu-lhe o nome da Senhora da Expectação. O Papa Gregório XIII (1572-1585) aprovou-a. 47

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pela Nossa Senhora das Candeias (3 de Fevereiro); pelo Corpus Christi (festa móvel que cai na 5ª feira seguinte ao domingo da Santíssima Trindade); pela Nossa Senhora da Luz (Natividade de Nossa Senhora, celebrada a 8 de Setembro). O edifício actual será o resultado das sucessivas reformas de que foi objecto durante quinhentos, seiscentos, setecentos e até oitocentos 48, muitas delas, decerto, em consequência das cíclicas cheias que a atingiram e ditaram a construção do alto muro que a rodeia, protegendo-a e ao seu adro, que serviu de cemitério, desde 1585 até 1833.

Foto Junta de Freguesia da Carvoeira Obras realizadas no ano de 1878: manufactura da porta da igreja, vidraça da janela do coro, conserto do soalho. Destinada às ditas obras, a Junta de Paróquia adquiriu uma viga de casquinha. 48

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De resto, à semelhança do piso da nave, o qual esteve repleto de sepulturas com cobertura em madeira, até ao restauro realizado na década de 1940. Nessa época, alguns dos pedreiros assinaram os seus nomes no cimento (J. R. = José Ruivo). Actualmente, as poucas sepulturas que se observam estão cobertas com cimento ou tijoleira. Antecedida por galilé, suportada por colunata tardo-maneirista, a igreja da Senhora do Porto tem nave única e três altares dedicados a S. Sebastião (na nave, do lado do Evangelho), a S. Mamede (na nave, 119

do lado da Epístola) e a Nossa Senhora da Expectação do Porto (altarmor) 49. Todas essas imagens, bem assim como as de Santa Ana, Santa Catarina, Santo Antão, São Roque e de Nossa Senhora da Piedade foram furtadas na década de 1990.

A arquitrave do pórtico principal ostenta a data 1830. A estrela, ao centro, reporta-se a uma das litanias da Virgem (Stella Maris = Estrela do Mar), presente na heráldica moderna da freguesia.

Juntamente com elas outras alfaias e recheio deste templo terão tido o mesmo destino no decorrer dos anos, como é legítimo inferir do cotejo com os seguintes inventários constantes dos livros de Actas da Junta de Paróquia: Como é possível inferir dos informes consignados nos Livros de Actas da Junta de Paróquia, terá havido duas imagens da padroeira, a “primitiva”, pequena, e outra mais recente, que se presume maior. Também aquela desapareceu. Pretendem alguns que tal imagem “primitiva”, em madeira policroma e de cunho popular, corresponda àquela que ora se cultua na capela do Arquitecto. Nada obsta, sem embargo de não apresentar nenhuma das características iconográficas que permitam legitimar tal suposição. Cf. Manuel J. Gandra, Epifanias da Virgem no Concelho de Mafra, in O Eterno Feminino no aro de Mafra, Mafra, 1994, p. 53. 49

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Altar de São Sebastião, vendo-se as imagens de S. Roque (esq.) e de Santa Ana (dir.)

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Altar de São Mamede, vendo-se as imagens de Santo Antão (esq.) e de Santa Catarina (dir.)

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Inventário das alfaias entregues ao tesoureiro, Francisco Máximo da Silva (Acta da Sessão da Junta de Paróquia de 5 de Dezembro de 1875 [JFCarvoeira]): Custódia de prata dourada com seus pertences Cálice de prata dourada com patena e colher Par de galhetas de prata Cordão de ouro Duas coroas de prata: uma de Nossa Senhora e uma do Menino Manto de seda branco com espreguilha em ouro de Nossa Senhora Cofre de madeira do Brasil com escrituras da igreja Objectos em casa do pároco, António José Gomes: Dois cálices de prata Dois vasos dourados de prata, sendo um da igreja do Porto e outro de Santo António Concha de prata de baptizar Âmbulas de prata dos Santos Óleos Relicário de prata com caixa de marroquim encourada Terno de paramentos com duas cores, encarnado e branco Duas alvas em bom uso e seus pertences Pálio em bom uso Três toalhas novas dos altares Missal das Festas Véu de ombros Bolso dos Corporais com duas cores, branco e encarnado Dois véus das mesmas cores Caixão com estes paramentos e outros objectos a saber: frontal de damasco de requife e pavilhão do mesmo, quatro alvas de serviço, meia dúzia de toalhas de serviço, subpeliz velho, duas casulas e duas dalmáticas inutilizadas, assim como outros objectos que não merecem menção.

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Alfaias entregues na reunião de 2 de Novembro de 1884: Colar de ouro e cruz pegada pertencente a Nossa Senhora do Ó, para por ao pescoço da imagem nos dias de festa (comprado no ano anterior com o produto das esmolas) Missal impresso em Ratisbona (1884), na posse do pároco Alfaia entregue na reunião de 7 de Fevereiro 1886: Coroa de prata da imagem pequena de Nossa Senhora do Ó, que “é a primitiva do orago” da freguesia, para a dita imagem “ter na cabeça nos dias de festa” Alfaias adquiridas à custa da Junta de Paróquia no ano de 1889: Dois frontais de requife de cor mista (encarnado e branco) para os altares laterais da igreja do Porto (estreados na festa de S. Sebastião, a 3 de Fevereiro) Duas grades de madeira para “pendurar as figuras ou milagres de cera, numa os de Nossa Senhora do Ó e na outra os de S. Mamede Cruz de pedra para o cimo da igreja paroquial (N. Sra do Ó), assentada em 7 de Setembro Quatro capas novas brancas para serviço dos festeiros de Nossa Sra do Ó Descrição dos objectos encerrados num cofre de 3 fechaduras, presente à reunião da Junta de Paróquia de 3 de Janeiro de 1909: Livro de inventário Livro de tombo Livro de contas Três Livros de Actas da Junta de Paróquia Dois maços grandes de papéis antigos Dois maços de escrituras Macinho de escrituras antigas da Junta de Paróquia e Irmandade do Santíssimo Sacramento 124

Pasta com recibos e impressos da Junta de Paróquia Carimbo em branco Livrinho de contas de São Sebastião Maço de talões Três Livros encadernados do Manual da Junta de Paróquia Três chaves do cofre de Nossa Senhora do Ó Cofre dos Socorros a Náufragos Lata contendo inscrições Um conto, número 38533 Quatro de cem mil reis, com os números 16480, 87460, 89647 e 110171 Dois certrificados de 50 mil reis com os números 8958 e 12498 Em dinheiro a quantia saldo de 16890

Cofre das Almas, vandalizado

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Após o Concílio de Trento, muitas Senhoras do Ó foram retiradas dos altares ou sofreram grandes transformações por não corresponderem às exigências impostas pelas directivas da Contra-Reforma, quanto ao decoro das imagens e ornamento dos objectos de culto. Não foi o caso de, pelo menos, uma das imagens (a de maior dimensão) que se cultuava na Carvoeira, aqui visível no nicho do lado da Epístola do retábulo do altar-mor (direita).

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O templo despojado dos seus pertences

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Relógio de Sol de mostrador vertical (meridional)

Os modelos verticais subdividem-se em duas categorias: meridionais e declinantes. Um quadrante solar vertical meridional exige uma superfície não só rigorosamente vertical, mas também rigorosamente perpendicular à meridiana do lugar, isto é, segundo o eixo L-O. O traçado do quadrante é idêntico ao horizontal mas, em vez de se considerar a latitude do lugar para a construção da figura, considera-se o ângulo complementar. Por exemplo, para um lugar de latitude 39º considera-se o ângulo 51º. Neste tipo de quadrante, as XII horas encontram-se na parte inferior do mostrador. O Relógio de Sol da igreja de Sra. do Ó, cúbico, ostenta gravado o ano de 1763.

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CEMITÉRIO Foi fundado em 1833, poucos metros a poente da igreja paroquial de Nossa Senhora do Ó, proprietária dos terrenos administrados pela respectiva Junta de Paróquia. Em 1836 já era tutelado pela Câmara Municipal da Ericeira. Num inquérito de 1881, afirma-se que o cemitério é publico [AHMM]. No portão observam-se as iniciais J[unta] F[reguesia] C[arvoeira] e a data 1956.

Duas sepulturas do cemitério da Carvoeira, ostentando símbolos profissionais.

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CAPELA DE SANTO ANTÓNIO (IVC)

Postal M. & R. (Lisboa)

Sita no cruzamento da EN 247 (Sintra-Ericeira) com a EM 549 (Mafra-Carvoeira). Foi fundada em 1734 pelo padre Ventura da Fonseca que nela se fez sepultar, em 16 de Maio de 1741, e cujas ossadas foram exumadas quando da substituição do piso de soalho pela tijoleira actual (década de 1990). A sua centralidade conferiu-lhe uma importância crescente, quase a transformando em paroquial. Torre sineira adossada à fachada Norte. Possui uma imagem de Santo António, com o menino e a cruz (madeira policromada, 96 cm, séc. XVIII). A capela da sua invocação foi sede de uma confraria que teve o taumaturgo por padroeiro e cuja contabilidade (de 1843 a 1854) se acha documentada no AHMM.

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Na arquitrave da porta principal da ermida de Santo António acha-se gravado o ano da sua fundação, 1734. Na fachada, um registo de azulejos com a imagem de Santo António.

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Obras de conservação da ermida de Santo António importaram em: 14$90 réis (1914) e 14$90 réis (1915). Nestas datas a ermida achava-se sob a administração da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira.

Durante um restauro realizado na década de 1990, foram postas a descoberto significativas parcelas da pintura original do retábulo em talha da capela-mor.

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O Cofre das Almas, “feito à custa da Irmandade do Santíssimo Sacramento desta Freguesia em 1894”, encastrado no muro do adro.

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Na esquina Sudoeste da capela, um relógio de sol (de mostrador vertical), datado de 1764.

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CAPELA DE SÃO JULIÃO (IIP, DG, 1ª série, n. 265, de 6/12/1958, dec. n. 42007)

Em equilibrio instável, nas arribas da praia homónima (entre a Foz do Rio de Cheleiros e a da Ribeira do Falcão), exactamente sobre uma falha geológica que havia de protagonizar o “milagre” ocorrido com um gaiteiro de Assafora, acompanhante do Círio da Água-pé, caído naquele fojo, ou boca do Inferno, e dele extraído incólume. A edificação anda atribuída ao século XVI, sem embargo de a devoção a São Gião poder ser anterior no local. O Santoral festeja S. Julião de Antioquia a 16 de Março, porém, localmente (Carvoeira), a tradição manda celebrá-lo no dia 9 de Janeiro, efeméride reservada a S. Julião Hospitaleiro (séc. IV), natural e mártir (em Antínoo) do Egipto, cuja divindade tutelar, Isis, é, por sinal, figurada num dos magníficos (apesar de maltratados pelo salitre e pelo homem) painéis azulejares da capela, consagrados às proezas hagiográficas do casal Julião-Basiliza, martirizado nos inícios do século IV, durante as perseguições de Diocleciano. 135

Confusão, ou sincretismo, decerto intencional, conforme se infere de uma obra contemporânea dedicada a D. Maria I pelo seu autor, Joaquim da Nóbrega Cão e Aboim 50. O templo primitivo, sufragâneo da paroquial de Cheleiros 51, seria diminuto, porventura ocupando uma área pouco maior do que a actual sacristia, forrada com azulejos seiscentistas alusivos à vida de Cristo. Intitulada Vida de S. Julião, esposo de Santa Baziliza virgens, e martyres de Antioquia […] com huma Dissertação previa sobre a pluralidade dos Santos do mesmo nome […], Lisboa, Régia Oficina Tipográfica, 1790 [BN: R 27507 P]. 51 Persistiu tal situação mesmo quando em 22 de Outubro de 1760, a igreja de Nossa Senhora do Porto se desvinculou dessa antiga matriz. 50

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Planta actual da capela de São Julião

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Durante a segunda metade do século XVIII, o seu plano terá registado significativas remodelações, coincidentes com o revestimento das paredes da nave e capela-mor com painéis azulejares iconografando a vida e martírio dos padroeiros. De entre os fastos que a notabilizaram sobressai um episódio patriótico: Mateus Álvares, denominado Rei da Ericeira, resistiu à ocupação filipina fazendo-se passar por D. Sebastião. Porventura reminiscentes dele serão o Círio da Água-pé, oriundo dos exactos recantos que deram voz pelo “rei fingido”, e o Caminho das Almas, destinado a sufragar os inúmeros patriotas que tombaram em defesa do seu nome.

Relógio de Sol da igreja de S. Julião 1754 (cúbico)

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A capela de São Julião configura um finisterrae no exacto enfiamento do prolongamento do eixo da Basílica do Palácio Nacional de Mafra. De facto, prolongando para poente (pela R. Serpa Pinto), o eixo do Tridente desenhado pelas três artérias que se abrem defronte do Real Edifício de Mafra, até este atingir o litoral, a linha resultante une a Real Obra à ermida de São Julião e da sua consorte, Santa Basiliza (Carvoeira), virgens e mártires de Antioquia, justamente a cidade da actual Síria, onde os discípulos de Jesus adoptaram o nome de cristãos (Actos, XI, 26) e onde a Igreja de Pedro instituiu a sua primeira sede. Nesse templo, autêntica antecâmara da Nova e Celeste Jerusalém mafrense, porquanto os seus patronos corporizam, conforme as iniciais dos seus nomes atestam, as colunas Jakin e Boaz, acha-se a demonstração definitiva da cubatura do Monumento de Mafra. Com efeito, sob a galilé de São Julião abriga-se a Pedra de Mistério 52, na realidade a planificação da Pedra Cúbica, cujos quadrados mágicos já transformados em pentáculos, são o corolário da mestria de Manuel Teixeira, ilustre cabalista 53, porventura familiarizado com o acervo da Biblioteca do Palácio Nacional, onde os investigadores encontrarão quanto necessitam para refazer o percurso filosófico que proponho 54.

Cf. Gabriel Pereira, Pelos Subúrbios e Vizinhanças de Lisboa, 1910, p. 188. Exímio cultor da Guematria (cálculo do valor numérico das letras e das palavras), da Temura (permutação de letras e de palavras) e do Notarikon, escrita abreviada (de Notarius), a qual assume duas formas principais: 1. cada letra é considerada abreviatura de uma palavra; 2. as letras iniciais, as médias ou as finais de uma palavra são deslocadas de modo a formarem outra ou várias palavras. 54 Nomeadamente, um par de edições proibidas do De Occulta Philosophia de Agrippa [BPNM: 2-51-13-1 (s. l., 1535); 2-51-4-3/4 (Haia, 1727, 2 vols.)], além dos quatro volumes raríssimos, e igualmente proibidos, da Kabbala Denudata de Knorr von Rosenroth [BPNM: 2-49-4-8/11 (Salzbach, 1677-1678)], a qual inclui o AEsch Mezareph (Fogo Purificador), expressa e exclusivamente dedicado às operações com quadrados e pentáculos mágicos. Ver Manuel J. Gandra, A Filosofia Hermética em Portugal e no acervo da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, in Boletim Cultural '93, Mafra, 1994, p. 11-74; Mafra Mítica, Hermética e Simbólica de A a Z, in Da Vida, da Morte e do Além, Mafra, 1996, p. 197-199 e Da Face oculta do Rosto da Europa: prolegómenos a uma História Mítica de Portugal, Lisboa, 1997, p. 136-138. 52 53

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Tridente defronte da Real Obra de Mafra

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A Pedra de Mistério da ermida de São Julião e Santa Baziliza (Carvoeira)

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A Pedra de Mistério Trata-se, em suma, de um labirinto octogonal centrado num delta ocupado por um sol radiante (a Trindade divina), a cujas faces se acham adossados três quadrados mágicos: um de ordem 7 (Vénus) e dois de ordem 9 (Lua). Transformados em pentáculos mediante a substituição dos números por labirintos de letras, legíveis a partir do centro de cada um dos quadrados (podendo as casas vazias ser completadas com o mesmo texto disposto do centro para a periferia). O labirinto de ordem 7 (cruzeiro de 13 letras) contém o nome de SIVLIAM (S[ão] Julião), enquanto nos de ordem 9 (cruzeiro de 17 letras) se lê o de SBAZILIZA (S[anta] Bazilissa) e ☼MATVTINA (Estrela Matutina), uma das denominações tradicionais da Vénus auroral, mas, acima de tudo, uma das Litânias da Virgem, a RAINHA (Bazilissa) ou AVE MARIA cuja protecção é duas vezes invocada: ORA PRO NOBIS. A legenda ECCE CRUCEM DOMINI (Eis a Cruz do Senhor), associada ao monograma crístico JHS, pode querer aludir à Cruz (ou trabalhos) a que o candidato a decifrador se condena para lograr a decifração. Se associados, os dois quadrados de ordem 9 geram outro de ordem 27, contendo 729 números (9 x 9 = 81 x 9) = o cômputo exacto de dias (365) e noites (364) num ano! Anote-se ainda que a casa central de tal quadrado mágico é ocupada pelo número solar 365.

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Painéis azulejares seiscentistas da sacristia da capela de São Julião

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A Esperança e a Fé Nas paredes laterais da capela-mor as duas alegorias, inspiradas na Iconologia de Cesare Ripa, obra também existente no acervo da BPNM

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O arco-triunfal azulejar que abriga a tribuna com as imagens entronizadas dos padroeiros 150

Enquadrados por “cartuchas”, os vinte passos da vida de São Julião e Santa Basiliza acham-se sequencialmente organizados, consoante as legendas explicativas destinadas a esclarecer o sentido de cada cena:

Primeiro: Julião nos primeiros anos da sua idade é instruído por seus Pais, nos preceitos da Lei

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Segundo: Julião diz a seus pais que está pronto para casar eles ficam transportados de prazer

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Terceiro: Celebra Julião os desposórios com Basiliza com a maior grandeza

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Quarto: Julião faz orações a Deus que lhe inspira o que deve fazer o anjo lhe diz que case

Quinto: Jesus Cristo e Maria Santíssima “paressem” a Julião e Basiliza

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Sexto: Julião e Basiliza fazem voto de castidade

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Sétimo: Basiliza fica admirada do cheiro a rosas que acha na cama

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Oitavo: Julião sofre o martírio de lhe esfolarem a cabeça […?]

Nono: Marcião “croel” mandou untar de pez os dedos das mãos e dos pés, Julião e botar-lhe fogo

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Décimo: Julião e Basilissa para com mais perfeição viverem e servirem a Deus, dão “ós” pobres as riquezas de esmola

Undécimo: Marcião mandou queimar a casa em que se achava Julião na companhia de Sacerdotes e Diáconos

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Duodécimo: Julião é açoitado por não adorar os ídolos

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Décimo terceiro: Julião foi preso e metido em um horrendo cárcere, para ser açoitado

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Décimo quarto: Marcião vendo que São Julião na lhe quer obedecer.lhe manda que seja morto e que primeiro corra as ruas da cidade e um pregoeiro clamando por ser rebelde aos Deuses

Décimo quinto: S. Julião restitui a um soldado que o açoitou um olho que tinha perdido cujo “pordigo” [prodígio] não fizeram os Ídolos

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Décimo sexto: Filho de Marcião baptizado por Julião e vinte soldados

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Décimo sétimo: Um filho de Marcião foi em seguimento de Julião

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Décimo oitavo: S. Julião “rrecucita” [ressuscita] um morto na presença de Marcião

Décimo nono: Julião e os que ele converteu metidos em umas tinas de azeite fervendo 164

Vigésimo: S. Julião é degolado no meio de malfeitores e deste modo entregou a alma a Deus

À semelhança do ocorrido com a igreja de Nossa Senhora do Porto, reiteradamente vandalizada e depauperada do seu património móvel, também a capela de São Julião foi cenário de diversos furtos. Registo as duas ocorrências mais danosas de que subsiste memória documentada: - assalto, na noite de 26 para 27 de Abril de 1874, durante o qual foram arrombados dois cofres com esmolas, desaparecendo o conteúdo deles, bem assim como a banqueta de metal branco e dourado que se estava sobre o altar, avaliada em 9000 réis, e uma toalha de linho que se encontrava no sacrário da sacristia, orçado em 500 réis [AHMM: Tribunal de Mafra - Autos Crimes de Querela acerca do arrombamento e roubo na ermida de S. Julião, 1874]; - Roubo, em pleno dia, de considerável número de azulejos da galilé, na década de 1990. 165

CASAS DO CÍRIO DA RIBEIRA DE ADJACENTES À ERMIDA DE SÃO JULIÂO

PEDRULHOS,

Conservação da ermida e casas adjacentes: 7360 réis (1841); 5250 réis (1842); 15$00 réis (1872); 17$85 réis (1914).

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A capela de São Julião e as casas do Círio vistos do caminho de Valbom

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Casa dos Leilões de São Julião

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FONTANÁRIO DE SÃO JULIÃO Situado a cerca de 50 metros a Sul da capela. Edificado no ano de 1788 e restaurado em 1961. É conhecido como fonte milagrosa, em virtude das propriedades terapêuticas (oftalmológicas) da água de uma das suas bicas, as quais se presume só terão sido descobertas após 1758, porquanto o pároco que responde às Memórias Paroquiais assevera não existir qualquer “fonte de especial virtude ou qualidade” no aro da freguesia. Tem espaldar em alvenaria caiada e as orlas debruadas a azul. No frontão, apresenta um registo de azulejos figurando S. Julião e Santa Basiliza, com a inscrição: S. JULIAO S. BASILISSA / M.DCCLXXXVIII. Inferiormente a este, no espaldar, observa-se um painel das almas com a inscrição: PELAS ALMAS P[adre] N[osso] AV[é] MARIA / RESTAURADO PELA JUNTA DE F[regue]SIA DA CARVOEIRA EM 1961.

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O tanque é de cantaria, rectangular, recebendo a água por intermédio de duas bicas. O formato da secção destas - circular na da esquerda (a da água terapêutica), quadrada na da direita - permitia (já não permite porque a água está inquinada) aos utentes distinguir qual das bicas fornecia água medicinal.

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CAMINHO DAS ALMAS Existe na freguesia da Carvoeira um espectacular exemplo, aliás, o único conhecido em Portugal, de associação de quadrados mágicos com labirintos de letras. Em conexão com ele, unindo a capela de São Julião ao cemitério da Carvoeira (anexo à igreja de Nossa Senhora do Ó), subsiste o Caminho das Almas, espécie de Via Sacra, edificada entre 1779 e 1833, actualmente constituída por cinco cruzeiros: São Julião (ex-voto), Valbom, Baleia, Estrada da Senhora do Ó e Cemitério da Senhora do Ó 55. Além de relacionados com a devoção das Almas do Purgatório, quatro desses cruzeiros, inspiram-se numa tradição hermética antiquíssima de origem helenística e neo-platónica. Desconheço quem possa ter sido o autor, ou autores, do programa deste conjunto a todos os títulos notável pelo ineditismo de que se reveste, mas não me admiraria que Manuel Teixeira 56, ilustre cabalista, pudesse ter estado implicado na sua concepção que, creio ter subjacente a imperiosa necessidade de sufragar (conduzindo-as ao descanso eterno) as almas em tribulação de todos os massacrados pelas tropas do duque de Alba, exactamente no território em apreço, em consequência da sua adesão ao levantamento popular liderado pelo açoriano Mateus Álvares, episódio que havia de ser consagrado como o do Falso D. Sebastião da Ericeira (1585) 57.

Félix Alves Pereira reporta a existência de mais um “cruzeiro do género” na Fonte das Amoreiras, o qual, entretanto, terá sido destruído. Cf. Por Caminhos da Ericeira: notas arqueológicas e etnográficas, in O Arqueólogo Português, v. 19 (1914), p. 329-331. O Caminho das Almas foi, ulteriormente, acrescido de uma alminha, no Rossio de Valbom, e de dois outros cruzeiros: o do milagre da burra (ex-voto, datado de 1880, sito junto do antigo caminho entre Valbom e a Baleia) e o da Carvoeira. Ocupei-me do assunto na comunicação S. Julião: do maravilhoso pagão ao cabalismo cristão através dos enigmas barrocos, apresentada no Simpósio Mafra Barroca, realizado no âmbito da Homenagem a Ayres de Carvalho (26 de Setembro de 1992). 56 O seu apelido cifrado encontra-se gravado em baixo-relevo no cruzeiro das Almas, situado junto à ermida. É citado no testamento de João Fernandes da Conceição, ermitão de S. Julião (2 de Dezembro de 1764), falecido no ano de 1766, tendo herdado o seu capote. 57 Consulte-se a este propósito: O Falso D. Sebastião da Ericeira e o Sebastianismo, Mafra, 1998; Manuel J. Gandra, Dicionário do Milénio Lusíada: Impérios do Divino, Sebastianismo e Quinto Império, v. 1, Lisboa, 2003, sv. Mateus Álvares (inclui resenha sistemática da bibliografia e da iconografia, p. 314-317). 55

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Localização do Caminho das Almas que une a capela de São Julião ao cemitério de Nossa Senhora do Ó

Porém, antes de prosseguir, convém tentar lançar alguma luz sobre a origem misteriosa e a história dos quadrados mágicos e dos labirintos de letras. 1. Quadrados mágicos Obtêm-se quadrados mágicos mediante a disposição de uma sucessão mágica (conjunto de numerais inteiros, positivos, diferentes e sucessivos), de 1 a n², numa matriz de n x n casas ou quadrículas, de modo que a soma dos n números que figuram sobre uma mesma

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ortogonal (linha ou coluna, horizontal, vertical ou diagonal 58) seja constante (sempre a mesma). O número n de casas ou quadrículas de cada um dos seus lados constitui a ordem do quadrado (3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9), enquanto o número total de casas ou quadrículas corresponde ao quadrado da ordem. No caso de um quadrado mágico regular, a soma de todos os n números calcula-se com recurso à fórmula n (n² + 1) / 2, denominando-se constante mágica 59. Todo o quadrado mágico pode sofrer certas transformações geométricas que não modificam realmente os números que o formam. As seguintes são aplicáveis a todos os quadrados mágicos: 1. Troca concomitante de duas linhas equidistantes do centro; 2. Troca dos quartéis do quadrado. No caso de um quadrado de ordem ímpar, a troca dos quartéis é acompanhada de uma troca nas ortogonais medianas, horizontal e vertical; 3. Subtracção de uma mesma constante a cada um dos seus elementos; 4. Multiplicação de todos os seus elementos por um mesmo número (diferente de zero); 5. Supressão da orla (ortogonais extremas: 1ª e última colunas e 1ª e última linhas) de um quadrado mágico orlado.

Diz-se da recta que une o canto superior esquerdo ao canto inferior direito (ou o canto superior direito ao canto inferior esquerdo) de um quadrado, contendo um número de cada linha e um da cada coluna. As paralelas a esta diagonal principal contêm n elementos, um de cada linha e um de cada coluna, e formam diagonais quebradas. Um quadrado que não é mágico por as suas diagonais principais ou por uma delas não o serem chama-se semimágico. Por outro lado, um quadrado é panmágico se todas as diagonais (principais e quebradas) são mágicas. Não existem quadrados panmágicos de ordem 3, nem cuja ordem seja divisível por 3. Existem três quadrados panmágicos diferentes de ordem 4, dezasseis quadrados panmágicos regulares de ordem 5 e cinquenta e quatro panmágicos regulares de ordem 7. 59 Um quadrado mágico diz-se bimágico quando substituindo cada número pelo seu quadrado continua mágico. Um quadrado bimágico chama-se trimágico se os cubos dos seus elementos formam também um quadrado mágico. E assim sucessivamente, denominando-se multimágicos tais quadrados. 58

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Melancolia I[maginativa] (1514) Gravura (239 x 168 mm) de Albrecht Dürer, inspirada nos escritos de Henricus de Gandavo, e de Cornelius Agrippa (cf. Panofsky, 1923), bem como nos conceitos expostos por Marsilio Ficino, no De Vita Triplici, e por Pico della Mirandola, na Apologia de Descensu ad Inferos (cf. Francês Yates, The Occult Philosophy in the Elizabetian Age, 1979). Recuperação neoplatónica do conceito de Melancolia, o mais inferior dos humores, subordinado a Saturno, simbolizado pelo cão e pela ampulheta (Chronos). Ao invés do admitido vulgarmente, o quadrado mágico de ordem 4 nada tem a ver com Saturno, andando antes associado a Júpiter, justamente o curador da Melancolia.

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Quadrados de ordem 3 (Saturno), 4 (Júpiter), 5 (Marte), 6 (Sol), 7 (Vénus), 8 (Mercúrio) e 9 (Lua)

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Quadrado mágico do sítio do Adro do Judeu (Pêro Gil, Tavira) O quadrado de ordem 3 com inscrição hebraica, acha-se inscrito numa ardósia, encontrada em 1979 (cf. Dois documentos arqueológicos recentemente achados, sobre os judeus no Algarve pelo Dr. J. Fernandes Mascarenhas, Faro, 1980, p. 7-13).

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Um quadrado mágico particular tem feito correr rios de tinta. Reporto-me, evidentemente, ao que ostenta a fórmula Sator Arepo Tenet Opera Rotas (Deus domina a Criação e as Obras do Homem), o qual chegou a ser interpretado como uma invenção cristã destinada a cifrar o Padre-Nosso (Pater Noster), quando rezar tal oração constituía crime punido com a pena de morte 60. Porém, a constatação de que esse quadrado mágico, utilizando frases palíndromas (versus recurrentes), se encontra documentado em contextos não cristãos antes de haver sido adoptado pelo cristianismo, fez essa tese cair por terra, suscitando desencontradas hipóteses 61, aventadas à medida que a arqueologia ia exumando sucessivos testemunhos da sua difusão em Pompeia (Itália) 62, em Circenster (Gloucestershire, Grã-Bretanha) 63, em Oppéde (Vaucluse, França) 64, em Acquincum (Budapeste, Hungria) 65, em Doura-Europos (Ásia Menor) 66, em Rochemaure (Ardèche, França) 67, em Jarnac (Champagne, Charente, França) 68, em Conimbriga (Portugal) 69, etc. Cf. G. de Jerphanion, La Formule magique SATOR AREPO ou ROTAS OPERA. Vieilles théories et faits nouveaux, in Recherches de Science Religieuse, v. 25 (1935), p. 223-225 e J. Carcopino, Les Fouilles de Saint-Pierre et la Tradition - Le Christianisme secret du carré magique, Paris, 1953, p. 9-91. 61 Ver, entre inúmera outra bibliografia: Hildebrecht Hommel, Die Satorformel und ihr Ursprung, in Theologia Viatorum, v. 4 (1952), p. 133-180; D. Fishwick, On the origin of the Rotas-Sator square, in Harvard Theological Review, n. 57 (1964); John Ferguson, The Religions of the Roman Empire, Itaca, 1970, p. 168 e fig. 70; Walter O. Moeller, The Mithraic Origin and Meanings of the Rotas-Sator Square, Leiden, 1973. 62 Oriundos daqui, acham-se referenciados o da Casa de Publius Paquius Proculus e o da Palestra de Pompeia, anterior a 79 d. C., encontrado em 1938. Ver: J. Carcopino, ob. cit., p. 56; Charles Cartigny, Le Carré Magique Testament de Saint Paul, Cahors, 1984, p. 114-120; Justino Mendes de Almeida, Um curioso criptograma cristão (?) ou um enigma etno-epigráfico, in Anais da Real Sociedade Arqueológica Lusitana, s. 2, v. 1 (1987), p. 37-43; etc. 63 Encontrado no campo fortificado romano de Corinium (Museu de Manchester). Cf. Cartigny, ob. cit., p. 126-127. 64 Insculpido na porta de uma casa antiga da localidade. Idem, p. 125. 65 Gravado numa telha. Idem, p. 122-124. 66 Franz Cumont descobriu quatro artefactos nesta cidade, bastião da cultura helenística, fundada, cerca de 300 a. C., por Nikanor, general de Antígonos, irmão de Alexandre Magno. Idem, p. 120-121. 67 Na igreja de São Lourenço desta localidade. Idem, p. 126-128. 68 Idem, p. 128. 69 Robert Étienne, Le “Carré Magique” à Conimbriga (Portugal), in Conimbriga, v. 17 (1978), p. 15-34. Este autor advoga que o palíndroma em apreço é de inspiração estóica, uma vez que a expressão Sator omnias continet, com o sentido de que o cosmos é o gerador e o garante de tudo e o demiurgo mantém a sua criação, ocorre no De Naturam 60

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Medalha da colecção do numismata Dr. Isidoro Ferreira Pinto, adquirida por J. Leite de Vasconcelos

Tijolo em argila crua, com a fórmula palíndroma SATOR, AREPO, TENET, OPERA, ROTAS, exumado em Conimbriga [inv. 70.193].

Deorum (II, 86) de Cícero. Cf. também, Museu Monográfico de Conimbriga: Colecções, Lisboa, 1994, p. 65 e 165, n. 556.

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O mundo cristão, é indubitável, não permaneceu imune ao fascínio que o artefacto produzia, cristianizando-o como atestam exemplos (embora não palíndromos) de Castellum Tingitii (actual Ech-Cheliff, Argélia) de cerca de 328 e da igreja de Santianes de Pravia (Oviedo), do séc. VIII ou IX: SANCTA ECCLESIA e SILO PRINCEPS FECIT, respectivamente. No século IV, por exemplo, entre coptas e etíopes, era talismã afamado contra doenças e profiláctico utilizado pelas mulheres em trabalho de parto. Em Bizâncio, as palavras inscritas no quadrado serviram para denominar ora os três primeiros pastores que supostamente acorreram à gruta da Natividade, ora os próprios Reis Magos. A partir do século XVI, o hermetismo proporcionar-lhe-ia uma vitalidade acrescida, chegando mesmo a ser referido por um médico milanês como remédio infalível contra a mordedura de serpente, citando o caso de um homem que se teria curado por ter engolido três papéis com a fórmula Sator inscrita num quadrado 70. Surgirá com frequência em Miscelâneas portuguesas dos séculos XVII e XVIII, onde é, geralmente, referido como uma forma de “escrita diabólica”, por se poder ler em mais de um sentido, incluindo o retrógrado. Durante o século XIX há notícia de haver sido utilizado contra as dores de dentes, as mordeduras de serpente e de cães raivosos e os incêndios, tanto em Portugal, como no Brasil. Rocha Peixoto afirma ter observado o quadrado Sator tatuado nas costas de um presidiário português 71. Por seu turno, Leite de Vasconcelos registaria a ocorrência do criptograma em Santarém, onde adquiriu uma pequenina medalha em prata com ele inscrito 72, referindo-se-lhe reiteradamente como “fórmula mágica” destinada a afugentar as bruxas, “quando recitada à direita e às avessas” 73.

Cf. Jerphanion, ob. cit., p. 213. Cf. A Tatuagem em Portugal, in Revista das Ciências Naturaes e Sociaes, v. 2 (1893), p. 26-27 e fig. 23. 72 Cf. Uma fórmula mágica, in O Archeologo Português, v. 23 (1918), p. 226 e 321-323 e in Opúsculos, v. 5, Lisboa, 1938, p. 542-546 e v. 7, Lisboa, 1938, p. 1314. 73 Cf. Ensaios Ethnographicos, v. 3, p. 174; Revista do Minho, v. 1, p. 74-75; Revista Lusitana, v. 6, p. 244, etc. No Fausto I de Goethe, a chamada Taboada da Bruxa (Hexenküche) é um quadrado mágico de ordem 3. 70 71

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2. Labirintos de Letras Não sendo este o momento oportuno para historiar a evolução do labirinto, tarefa árdua, de resto já empreendida por ilustres pesquisadores do símbolo e do mito 74, sempre convirá recordar que se trata de um cosmograma universal, indissociável de liturgias mágicas e religiosas, que partilha com as combinações circulares (concêntricas, duplas e triplas, com ou sem covinha central) e as covinhas, o simbolismo do percurso da alma para o submundo uterino, seu ulterior regresso e consequente renascimento 75. No Ocidente, a comum prevalência do símbolo e da alegoria nas mentalidades mediévica, renascentista e barroca, havia de transformar o labirinto no Caminho de Jerusalém, figura de um itinerário místico, pleno de ciladas e dificuldades, que confronta a alma em demanda da Salvação e da Graça, a qual, mediante a penitência, as logra alcançar na Cidade de Deus ou Jerusalém Celeste. O paradigma literário de tal processo passa por ser a Psychomachia de Prudêncio (348-410), depois retomado por Dante (Divina Comédia), Juan de Mena (El Laberinto), Jean Bouchet (Le Labyrinthe de Fortune), João Amós Coménio (O Labirinto do Mundo e o Paraíso da Alma), para só citar os autores mais relevantes. Entre os portugueses cujas obras descrevem a peregrinação da alma no mundo como alegoria moral, salientam-se: Bernardim Ribeiro (Menina e Moça), José Pereira Veloso (Desejos da Alma Piedosa, 1688), Soror Maria do Céu (A Preciosa, 1731), Leonarda Gil da Gama, pseudónimo anagramático de Soror Madalena da Glória (Reino da Babilónia ganhado pelas armas do Empyreo, 1741), etc. Mas se o labirinto, como conceito sinónimo de Tesouro, Compêndio ou Súmula, foi, ao longo da Idade Média até ao Barroco Ver, designadamente: Paolo Santancangeli, Le livre des labyrinthes: histoire d’un mythe et d’un symbole, Paris, 1974; Lima de Freitas, O Labirinto, Lisboa, 1975; idem, Almada e o Número, Lisboa, 1977; Gilbert Durand (coord.), Le Labyrinthe, ParisLisboa, 1985 (separata de Colóquio/Artes, n. 62, 63 e 64, Set.-Dez. 1984 e n. 65, Mar.Jun. 1985); Patrick Conty, La Géométrie du Labyrinthe, Paris, 1997. 75 A espiral expansiva que cria e protege o centro e a espiral contractiva que o conduz à dissolução, são conceitos implícitos no labirinto. A entrada no labirinto e a dissolução no centro ocorrem apenas quando alcançada uma exigência indispensável: saber como percorrer o caminho que até lá conduz. Petróglifos figurando labirintos são muito vulgares em estações rupestres, especialmente nas do Norte de Portugal e da Galiza, acompanhadas por covinhas e zoomorfos. 74

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(séc. XVII e XVIII), explorado pela literatura quase até à exaustão, as artes visuais não escapariam a uma contaminação previsível, face à riqueza e carácter multifacetado do simbolismo desse percurso, simultaneamente dificultoso e lúdico, magistralmente teorizado pelo retórico Juan Diaz Rengifo, autor de uma Arte Poética Española, cuja edição princeps, de Salamanca, data de 1592 76.

Instruções destinadas à composição e decifração de Labirintos de versos (séc. XVIII)

Em Portugal, é notória a influência desta obra, cujo verdadeiro autor foi o jesuíta Diego Garcia Rengifo (e não seu irmão Juan, em nome de quem circulou), em Filipe Nunes (Arte Poética e da Pintura e Symmetria, 1615) e Manuel da Fonseca Borralho (Luzes da Poesia Descuberta no Oriente de Apollo, séc. XVIII). 76

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Assim, três serão as modalidades principais de textos-visuais labirínticos, a ter em consideração 77: Labirintos de versos Directamente relacionados com o princípio do acróstico, o poeta tem de decidir quais as letras que quer colocar nas casas que convêm à formação das figuras que deseja compor, as quais podem assumir uma variedade de formas quase infinita. São exemplos paradigmáticos os 23 labirintos que abrem o Primus Calamus – Metametrica (Roma, 1663) de Juan Caramuel Lobokwitz, um dos quais, com a indicação de 14.996.480 versos, apresenta o mesmo número de casas e no centro as palavras carmine concelebret que também ocorrem no Labirinto Métrico, atribuído a Luís Nunes Tinoco. Esta modalidade assenta no domíno da Arte Combinatória, sistematizada por Raimundo Lullo e depois depurada por Atanásio Kircher e Leibniz (Dissertatio de Arte Combinatoria). Baseado no mesmo princípio de transposição combinatória de palavras existe ainda o caso do Proteo Poético, divulgado por Ana Hatherly 78. Labirintos de letras Os acrósticos cruzados (cancellatiflexus) de Porfírio (séc. IV) são, geralmente considerados precursores dos de Venâncio Fortunato (530 -c. 600), Rábano Mauro (780-826) 79 e respectivos discípulos medievais e barrocos. Manuel de Faria e Sousa (Fuente de Aganipe o Rimas Varias) cita Porfírio como o iniciador da técnica dos labirintos visuais.

Consulte-se Ana Hatherly: A Experiência do Prodígio: bases teóricas e antologia de textos-visuais portugueses dos séculos XVII e XVIII, Lisboa, 1983 (na fig. 42 reproduz pormenor do cruzeiro de S. Julião que denomina, por lapso, de “S. João da Ericeira”); Labirinto, in Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Lisboa, 1989, p. 251-252; A Casa das Musas: uma releitura crítica da Tradição, Lisboa, 1995. 78 Cf. A Experiência do Prodígio, p. 102. 79 O padre João Baptista de Castro comenta os poemas de Mauro, fornecendo indicações sobre o método de leitura do De Laudibus sanctae crucis (831), na sua Recreaçam Proveytosa. 77

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Labirintos cúbicos: epígrafes do séc. XI, da igreja de S. Salvador de Moreira da Maia (Maia, Porto), formadas por Labirintos de Letras (desaparecidas no séc. XVII) Não se trata de verdadeiros quadrados mágicos, uma vez que os textos não são palíndromos. A leitura destes labirintos, que ainda eram observáveis na parede da igreja na segunda metade do séc. XVII, foi realizada por Mário Jorge Barroca (cf. Epigrafia Medieval Portuguesa, n. 39, p. 117-121 e n. 51, p. 145-149) a partir da descrição consignada por Frei Timóteo dos Mártires (?1686) na sua Crónica de Santa Cruz (v. 3, 1955-1960, p. 21-22). 1. Inscrição comemorativa do início da construção da igreja: ERA MCXXX [1092] TRUCTESINDES GUTERREZ FECIT 2. Inscrição comemorativa da sagração da igreja do mosteiro, fundado em 1027: ERA MCL [1112] MENDO ABBATE SACRATUR

Labirintos cúbicos Composições acrósticas, cujos lados possuem todos igual número de letras, achando-se estas de tal modo escalonadas, que ocupam a mesma ordem qualquer que seja o sentido da leitura, invariavelmente realizada do centro para a periferia. São exemplos desta modalidade justamente os quadrados da maioria dos cruzeiros do Caminho das Almas (Carvoeira).

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Labirintos cúbicos setecentistas de Frei Tomás de Sousa e de Frei José da Assunção (Himnologia Sacra, Lisboa Ocidental, 1738)

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CRUZEIRO DE SÃO JULIÃO

Registo azulejar policromo (4 x 3 azulejos), quase ilegível, em consequência da sua vandalização. Sabe-se, apesar disso (por uma legenda que evocava o evento: MEMORIA DE HUM GRAND/E [milagre] Q. FES S. JOLIÃO A JOA / DASAFOR. NO ANO DE [?]), ter figurado o Milagre alegadamente protagonizado por um gaiteiro que acompanhava o Círio da Água-pé, o qual seria resgatado ileso, depois de ter caído no fojo (ou Boca do Inferno), situada sob o cruzeiro. Emoldurando-o, a legenda epigrafada: ECCE CR/UCEM D/OMINI (Eis a Cruz do Senhor). A expressão PELAS ALMAS separa este registo de um labirinto de letras (de ordem 11), onde se lê PADRE NOSSO. Por sua vez, o dístico AVEMARIA, aparta-o do monograma de [Manuel] TEIXEIRA, mais que provável organizador do percurso cabalístico, que denomino Caminho das Almas, unindo esta finisterra ocidental ao cemitério de Nossa Senhora do Ó. Como na generalidade dos demais casos, tradicionalmente reminiscentes da tradição clássica, segundo a qual as almas dos defuntos eram conduzidas para as Ilhas afortunadas, situadas no extremo ocidente europeu, também neste particular, anualmente revisitado pelo Círio

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da Água-pé, se assevera que “quem num biere cá em bida, de morto tem que bire” para lograra a entrada no Céu. A sílaba EI do monograma, porque ocorre duas vezes no nome, tem o dobro da dimensão das restantes, e a mesma que o T inicial, maiúsculo. Ainda associado ao mograma e a uma caixa para esmolas (há muito desaparecida) a justificação: P.[ara] A [ce]RA / I AZEITE D[e] S[ão] / IVLIAM. Num degrau: MDCCLXXXIIII [1784].

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CRUZEIRO DE VALBOM

O mais vulgar dos monumentos que constituem o Caminho das Almas. Sito num alto, semelhante ao próprio Monte do Calvário, curiosamente denominado Valbom (i. e., Vale Bom), revela, epigrafado no pé da cruz, o ano da respectiva erecção: 1794. No braço superior dela, próximo da extremidade, o monograma INRI epigrafado; já no braço inferior apresenta insculturas, avivadas a tinta azul, figurando (de cima para baixo): Vaso dos santos óleos, cálice do Santíssimo Sacramento, martelo, cavilha, lança de Longino e esponja de fel cruzados em aspa sobre uma escada, torquês e caveira. Nas faces laterais observavam-se, outrora, diversos azulejos de figura avulsa, entretanto vandalizados, cujos temas, à excepção de um, iconografando uma alma do Purgatório, é impossível identificar. 187

CRUZEIRO DA BALEIA

Dois registos azulejares, sob os quais se observa uma depressão circular esvaziada (cuja função nenhum dos residentes na localidade logrou esclarecer), ocupam-lhe a face Poente: o registo superior (3 x 3 azulejos) figura N. SRA. DA LAPA, consoante a legenda que o subscreve; o inferior (3 x 3 azulejos) iconografa uma entidade angélica no acto de resgatar almas do Purgatório, sendo subscrito: PELAS ALMAS DO P. /P.N. AVE MARIA / 1767.

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CRUZEIRO DA ESTRADA DE NOSSA SENHORA DO Ó

(IIP, DG, 1ª série, n. 265, de 6/12/1958)

O cruzeiro da Estrada da Carvoeira (EM 549), também denominado Cruz das Alminhas

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Epigrafado e azulejado, em todas as quatro faces. Face Norte: dois registos azulejares, figurando, o superior (2 x 4 azulejos), o Calvário e, o inferior (3 x 3 azulejos), S. Francisco intercedendo pelas Almas do Purgatório. Em torno daquele, a frase: ECCE CRV/CE M/DOMINI (Eis a Cruz do Senhor); emoldurando este: ALMAS / MATER DOLORO/ZA PELAS. À laia de supedâneo do conjunto, em duas linhas: PATER / NOSTRE. Num degrau: A ESMOLA Q DAIS / A VOS MESMO A DAIS. Face Sul: superiormente, registo azulejar (3 x 3 azulejos) figurando a VIRGEM/ DA PI/EDADE, conforme o dístico circundante. A expressão ORA PRONOBIS (Orai por nós) separa este registo do palíndroma de letras (de ordem 11), em baixo, onde se lê SALVE RAINHA: nos quadrantes à direita (esquerda do observador), a figuração do Sagrado Coração de Jesus (em cima) e de três pregos (em baixo); à esquerda (direita do observador), o Sagrado Coração de Maria (em cima) e a escada, a lança e a esponja de fel, estas cruzadas sobre aquela (em baixo). Num degrau,

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a data MDCCLXXIX. Face Nascente: quatro azulejos de figura avulsa, dos quais só o 1º e o 4º são identificáveis: Jesus preso à coluna e Alma do Purgatório, com a legenda P.N. AVE Mª, respectivamente; sob eles a frase: IRMAM /SALVA / A CRUS / ACOMPA / NHE-TE / IEZVS. Num degrau (sobre uma caixa de esmolas desaparecida): PARA A MISSA / DAS ALMAS. Face Poente: quatro azulejos de figura avulsa, de cima para baixo: Cristo carrega a Cruz; Ecce Homo; Senhor da Cana Verde; Alma do Purgatório, com a legenda P.N. AVE Mª. Num degrau ANNO DE 1779.

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CRUZEIRO DO ADRO DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DO PORTO

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O adro da igreja de Nossa Senhora do Porto serviu de cemitério desde 1585 até 1833. Achava-se instalado em torno de um cruzeiro, erguido em 1668, ulteriormente integrado num antigo circuito das Almas do Purgatório. Na base a legenda: AVE CRUX / SPES ÚNICA (Salve Cruz, única Esperança) e a data.

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CRUZEIRO DO CEMITÉRIO DE NOSSA SENHORA DO Ó

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Epigrafado apenas na face voltada a Nascente, na qual se observam dois quadrados mágicos bípedes (detentores de uma ou mais casas de valor zero), separados pela data: 1833. Salta à vista que, no caso vertente, foi adoptado um sistema simbólico distinto do que se constata nos restantes marcos do Caminho das Almas, autêntico dédalo psicopompa (condutor daquelas para a sua morada celeste), onde prevalecem os labirintos quer de letras, quer cúbicos, com ou sem recurso ao método guemátrico. Aqui o preenchimento das casas de ambos os quadrados foi realizado mediante Notarikon. O quadrado superior, tradicionalmente denominado de Salomão (de ordem 3, com uma casa de valor zero), anda creditado a Apolónio de Tiana, ocorrendo 196

em miscelâneas mágico-herméticas muçulmanas dos séculos X e XI, onde, sob o nome de selo de Ghazadi, é descrito como pentáculo destinado a facilitar o parto. A sua presença no centro de um cemitério conduz-me a presumir que se trate de uma alusão explícita à palingénese (morte e renascimento simbólicos), mas, porventura, não só, porquanto a frase B[a]Z[ileu]S EST X[ristu]M, i. e., O Rei é o Cristo, torna-o susceptível de conotações messiânicas e, decerto, também sebásticas (o contexto não podia ser mais adequado), numa simbiose da mensagem veterotestamentária sobre o Messias (Êxodo, IV, 22) com a palavra do Evangelho (Marcos, I, 11; Mateus, XVII, 28): o Messias há-de encarnar, fazer-se Homem, ser Rei-Soberano do Universo (1 Cor., VIII, 4-6) e Luz das Nações (Isaías, IX, 1; Lucas, I, 78-79; etc.). Já a epígrafe insculpida no quadrado inferior permanece (ainda) parcialmente indecifrada, devendo sublinhar-se que as letras iniciais da 1ª e da 3ª linhas, P e C, respectivamente, por se acharem associadas a um ponto [.] são abreviaturas. Enfim, a palavra na 4ª linha sugere, glosando Camões, que consoante a subordinação ao AMOR do Cristo-Rei, tanto mais proficiente será a Alma Staurofila (amante da cruz) e adjuvante da Segunda Vinda do Salvador.

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CASA DA CÂMARA O extinto concelho da Carvoeira possuiu Casa da Câmara ou Paços do Concelho próprios, sitos na actual Rua de Santo António, os quais eram partilhados pela Câmara, pelo Tribunal, pela Cadeia e pelo Açougue. São vagas as notícias constantes dos Livros de Acórdãos da Câmara Municipal da Carvoeira (1820-1826; 1828-1832; 1832-1836), e idênticamente imprecisas no Livro das Correições Gerais do Concelho da Carvoeira (1835-1836), limitando-se a meras alusões circunstanciais às Casas ou Casa da Câmara / Casas do Paço do Concelho / Paço da Câmara Municipal. A única excepção ocorre na Vereação de 5 de Abril de 1821 80, realizada na Casa de Residência do Juiz Almotacé Roberto da Silva. É, todavia num Livro do Tombo Municipal do Concelho da Ericeira (1850-1860) 81 que se consigna a mais detalhada e minuciosa descrição da Casa da Câmara da Carvoeira: “Huma propriedade de cazas no lugar da Carvoeira, que antigamente servia de Paços do Concelho daquelle extinto Reguengo, que contem dous altos, e dous baixos, com sua escada exterior de pedra, tendo no pavimento alto uma grande salla, e um quarto aonde a Camara fazia as suas secções, uma caza baixa que servia de enchovia e Cadeia de prezos, e outra caza que serve de assougue a qual se costuma arrendar, o que tudo parte do Norte com serventia a Rua, Sul com Rua, Nascente com cazas de Dom Antonio dos Menezes, e do Poente com Rua” 82. Com base na supra transcrita descrição do Paços do Concelho da Carvoeira, pode inferir-se que no edifício de dois pisos, dispondo de uma escadaria exterior em pedra, funcionava a Câmara (Sala de Vereações), a Cadeia (e sua Enxovia) e o Açougue. AHMM/CMCAR/Livro de Acórdãos da Câmara Municipal da Carvoeira, n.º 1, 18201826, p. 6-7. 81 Em virtude da supressão do concelho da Carvoeira, em Novembro de 1836, e da sua integração, enquanto freguesia, no concelho da Ericeira, este tornou-se, mercê da Carta de Lei de 19 de Julho de 1839, art. 1, legítimo proprietário de todos os “bens denominados Próprios” antes pertencentes ao concelho extinto. 82 AHMM/CMERI/Livro do Tombo Municipal do Concelho da Ericeira, 1850-1860. fl. 4-4v. 80

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E não obstante, não seja mencionado, decerto, também aí tinha assento o Tribunal (Sala de Audiências), eventualmente na denominada grande salla. Pela Vereação de 29 de Maio de 1853 da Câmara Municipal da Ericeira, ficamos cientes de que os Paços do Concelho da extinta 199

Câmara Municipal da Carvoeira foi levado à praça pública tendo sido arrematado por Cândido da Silva, residente na Carvoeira, durante um ano (de 1 de Junho de 1853 a 1 de Junho de 1854), pela quantia de 1$650 réis, i. e., $825 réis por semestre. Os consertos e reparos do edifício corriam por conta do rendeiro 83.

Desta data, doravante, nenhuma outra mênção aos Paços do Concelho da Carvoeira ocorre nos Livros de Acórdãos da Câmara Municipal da Ericeira, limitando-se os registos a referir tão só a Casa do Açougue, localizada no piso térreo do imóvel.

AHMM/CMERI/Livro de Actas da Câmara Municipal da Ericeira, n.º 33, 1851-1853. fl. 154-155. Ver Apêndice documental, Doc. 16. 83

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No período compreendido entre 1841 a 1853, a Casa do Açougue da Carvoeira havia de ser arrendada, pelo menos, cinco vezes, a saber: - 1.ª arrematação: 4 de Abril de 1841, a Francisco dos Santos, morador na Vila de Mafra, pela quantia de $140 réis cada mês 84 (durante um ano); - 2.ª arrematação: 15 de Outubro de 1841, não foi arrendada, visto não ter havido lançador (isto é, arrematante) 85; - 3.ª arrematação: 20 de Março de 1842, a José António dos Reis, morador na Vila da Ericeira, pela quantia de $160 réis, pagos mensalmente durante um ano 86; - 4.ª arrematação: 3 de Abril de 1851, não houve arrematante 87; - 5.ª arrematação: 29 de Maio de 1853, a Herculano da Costa Neves, morador na Vila da Ericeira, pela quantia de $600 réis anuais, pagos semestralmente 88. O documento supracitado informa ainda que os Paços do Concelho da Carvoeira passaram à posse judicial no ano de 1846, funcionando, posteriormente, como Escola de Instrução Primária do sexo masculino 89.

AHMM/CMERI/Livro de Actas da Câmara Municipal da Ericeira, n.º 29, 1837-1841. fl. 283v-284v. 85 AHMM/CMERI/Livro de Actas da Câmara Municipal da Ericeira, n.º 30, 18411842. fl. 18v-19. 86 Ibidem. fl. 62-62v. 87 AHMM/CMERI/Livro de Actas da Câmara Municipal da Ericeira, n.º 33, 1851-1853. fl. 26v-27. 88 Ibidem. fl. 155. Ver Apêndice documental, Doc. 17. 89 Ibidem. fl. 4-4v. A informação é corroborada pela correspondência da Junta de Paróquia da Carvoeira [JFC]. 84

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ADEGA DA FOZ DO LISANDRO

Edificada em meados da década de 1920 pelo empresário e agricultor local, Manuel Lopes Matias. Começou por pertencer à Sociedade Vinícola da Carvoeira, tendo sido, ulteriormente, alugada a Artur Gonzalez Alvarez, adoptando a denominação Vinhos Autênticos de Portugal, Lda. A gestão do empresário galego foi desastrosa, tendo terminado com um incêndio de origem suspeita. As redes de pesca e grossos cabos de cairo que se achavam no Casão da Armação (Ericeira) quando este, em 1931, foi desactivado, foram cortados à machadada e vendidos para queimar no alambique desta adega. Encerrada durante alguns anos, a Adega da Foz, como é vulgarmente conhecida, havia de ser transformada por Chico Carreira, empresário de restauração do Parque Mayer, num restaurante e casa de Fados.

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Volvidas cerca de duas décadas sobre o encerramento deste, em meados de 1970, o espaço voltaria a ser remodelado e transformado numa mega-discoteca a Discoteca S.A, com capacidade para 2000 utilizadores. Este estabelecimento encerrou, mantendo-se devoluto o edifício.

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PONTE DA CARVOEIRA Em consequência de uma violenta intempérie que assolou a freguesia da Carvoeira, na madrugada de 22 de Dezembro de 1909, e que provocou incontáveis prejuízos pessoais, mas, especialmente, materiais, a antiga ponte sobre o rio Lisandro pela qual se acedia à Ericeira, ficou destruída.

Sem ela, além das dificuldades de comunicação entre ambas as freguesias, ficava comprometido o abastecimento à Ericeira dos produtos hortículas da Carvoeira. Atendendo à gravidade da situação, decidiu-se criar uma comissão encarregada de expor, ao Ministro das Obras Públicas, Dr. Manuel António Moreira Júnior, as pretensões dos habitantes das freguesias afectadas, bem como de recolher as assinaturas indispensáveis para o abaixo-assinado a apresentar ao mesmo governante, tendo como objectivo sensibilizá-lo para a necessidade e a premência da reconstrução da Ponte da Carvoeira. 204

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Tendo solicitado previamente o concurso de António Serrão Franco e de Eduardo Burnay (os quais anuíram incondicionalmente) a Comissão, constituída por Guilherme Duarte Ferreira, António da Costa Gaspar e José Freire Andrade Pimentel, deslocou-se a Lisboa, no dia 20 de Janeiro de 1910. A simples presença de Serrão Franco e de Eduardo Burnay, na comitiva, personalidades prestigiadas e influentes, revelou-se um trunfo decisivo para o sucesso da empresa. Assumindo eles próprios a exposição do problema na audiência com o Ministro, a resposta deste foi claramente favorável, comprometendose a incrementar, com a máxima rapidez, os trabalhos de reconstrução da ponte.

Poucos dias volvidos, a 27 de Janeiro, António Serrão Franco rumou de automóvel à Ericeira na companhia do General Parreira e dos engenheiros Alfredo Vilar e Ferreira da Silva, responsáveis pela realização dos estudos técnicos visando a reedificação da Ponte da Carvoeira.

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A 17 de Março do mesmo ano, o General Parreira deslocou-se à Ericeira, acompanhado por Craveiro Lopes e pelo empreiteiro Passos dando instruções para começarem os trabalhos de demolição da antiga Ponte da Carvoeira e construção da nova passagem 90.

A reconstrução ficou concluída durante o mês de Agosto de 1910. A mesma ponte foi objecto de grandes beneficiações já no presente século.

A propósito, cf. Jaime Lobo e Silva, A vida quotidiana na Ericeira nos começos da I República, p. 40, 45-46 e Leandro Miguel dos Santos, Toponímia histórica na Vila da Ericeira, p. 118-119. 90

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LINHAS DE TORRES Correspondendo a solicitação do coronel Vincent, comandante do Corps du Génie endereçada à engenharia portuguesa, em Janeiro de 1808, José Maria Das Neves Costa apresentaria em Maio do ano seguinte, um memorando sobre a defesa de Lisboa (Carta Militar do Terreno ao Norte de Lisboa, concluída em Fevereiro de 1809), o qual havia de servir como base de trabalho a Wellington para a construção das Linhas de Torres (memorando enviado a Fletcher em 20.10.1809). Uma vez concluído, o sistema defensivo das Linhas de Torres Vedras era constituído por 139 posições fortificadas, excluindo algumas posições que não chegaram a receber numeração. Para além das tipologias de forte, reduto ou bateria, existiam ainda posições que constituíam entrincheiramentos ou outras - não numeradas - que não sendo destinadas a albergar ou proteger soldados e artilharia, auxiliavam a fortificação, conferindo defensibilidade ao terreno mediante escarpamentos ou abatizes. Complementarmente, foram minadas estradas e pontes, para que pudessem ser destruídas à aproximação do inimigo, e foram construídos vários caminhos e melhorados outros já existentes, para que pudessem constituir uma rede de estradas militares, ligando entre si as posições de ambas as Linhas. * * * As obras de fortificação nas vizinhanças de Mafra foram iniciadas, em 17 de Fevereiro de 1810, dirigidas pelo Capitão Ross, incluindo provavelmente os fortes da Serra de Chipre, à esquerda do Gradil, o desfiladeiro da Murgeira, fortes junto da Tapada, cobrindo a estrada de Mafra para a Malveira e fortes que cobrem a estrada que desde o Gradil segue pela Malveira até perto de Montachique. No dia 19 do mesmo mês, o Tenente Jones iniciou a fortificação da zona e Ericeira e Carvoeira, incluindo as fortificações que protegem a Foz do Lizandro e, possivelmente as que protegem os desfiladeiros entre a Picanceira e Ribamar, à esquerda da Serra de Chipre. O início da edificação destas fortificações assinalou uma viragem na construção das Linhas de Torres Vedras, pois deu origem a uma linha efectiva de defesa, ulteriormente denominada segunda linha, a qual cobria os desfiladeiros pelos quais passavam as vias de 209

acesso viáveis até Lisboa: Tejo-Vialonga, Bucelas, Montachique, Mafra-Murgeira, Picanceira-Ribamar e Cheleiros - este interceptado na zona da foz do Lisandro, junto à Carvoeira. Juntamente com a constituição desta Linha, foi reforçada a linha de postos avançados, pela construção das fortificações em Alhandra - após o abandono de Castanheira - e construídas fortificações junto de Arruda e no vale do Sizandro, dificultando o flanqueamento das posições de Torres Vedras e Sobral de Monte Agraço. Em Julho de 1810, na eminência de um ataque, Richard Fletcher é chamado para junto do exército de Wellington, partindo de Mafra no dia 6 (onde provavelmente visitava algumas fortificações ainda em construção, caso de alguns dos fortes da zona de Ribamar), para Alverca da Beira, onde existe notícia da sua chegada em 14 de Julho. Para comandar as obras em curso nomeou John Thomas Jones com ordens especificas para, após terminar as fortificações ainda em construção, proceder a um levantamento exaustivo das diferentes posições, devendo promover igualmente o aperfeiçoamento das fortificações, nomeadamente das plataformas para o tiro de artilharia. Para realizar estes trabalhos, Jones teve ao seu dispor um corpo de engenheiros que ficaram sob o seu comando. A equipa de engenharia que trabalhava nas construções, no dia 6 de Julho de 1810, era composta pelos capitães Holloway, Williams e Dickinson, pelos tenentes Stanway, Thomson, Forster, Trench, Píper, Tapp, Reid e Hulme e ainda pelo capitão Wedekind e pelo tenente Meineke da Legião Real Alemã e pelos tenentes portugueses Lourenço Homem [da Cunha d'Eça], Sousa e [Joaquim Norberto Xavier de] Brito. Em 5 de Outubro de 1810, poucos dias antes da ocupação efectiva das Linhas de Torres Vedras, o sistema de comunicação era constituído pelos postos de Alhandra, Alqueidão, Serra do Socorro, Torres Vedras e Ponte do Rol, na primeira Linha, e pelos de Montachique, Serra de Serves, Tapada de Mafra e Ribamar, na segunda Linha, chegando as comunicações a Lisboa através de um posto de sinais sito em Monsanto. De modo a garantir a funcionalidade e a gerir os recursos durante a defesa de Lisboa, Wellington decidiu dividir as fortificações em seis distritos, cada um dos quais seria atribuído, a um oficial de engenharia, o qual ficava incumbido de constituir uma equipa a quem competia a condução das tropas até às diferentes posições. 210

Estes distritos não correspondem aos sete tradicionalmente consignados às Linhas de Torres Vedras, sendo tal divisão posterior. A divisão comunicada a Jones, em 5 de Outubro de 1810, dividia as fortificações em 6 distritos, a saber:

1º Desde o oceano até Torres Vedras, com Quartel-general em Torres Vedras; 2º Desde Sobral de Monte Agraço até ao vale de Calhandriz, com Quartel-general em Sobral de Monte Agraço; 3º Desde o vale de Calhandriz até ao Tejo, na direita da posição de Alhandra, com Quartel-general em Alhandra; 4º Desde a margem do Tejo, junto a Alverca, até ao desfiladeiro de Bucelas, com Quartelgeneral em Bucelas; 5º Desde o desfiladeiro do Freixial, na esquerda do desfiladeiro de Bucelas, até ao desfiladeiro de Montachique, com Quartel-general em Montachique; 6º Desde o desfiladeiro de Mafra até ao oceano, com Quartel-general em Mafra. 211

A primeira linha contava quatro distritos: Nº 1, desde Alhandra sobre o Tejo até Arruda, Quartel-general em Alhandra. Nº 2, de Arruda a Monte Agraço, Quartel-general no Sobral. Nº 3, da Zibreira até às alturas da Cadriceira. Nº 4, desde Runa, Torres Vedras até ao Mar, Quartel-general em Torres Vedras. Ocupavam estes quatro distritos as seguintes posições principais: Planície que bordeja o Tejo junto e áquem da vila de Alhandra. Alturas de Alhandra e Subserra. Calhandriz, Trancoso de Cima, S. Sebastião, Mata. Alturas de Arruda. Serra de Monte Agraço. Codriceira, Ribaldeira, Zibreira, Matacães, Torres Vedras. Alturas do Varatojo. Ponte do Rol, S. Pedro da Cadeira, oceano. A segunda linha ficaria dividida em três distritos: Nº 5, desde o Tejo próximo de Alverca até Bucelas, Quartel-general em Bucelas. Nº 6, do Freixial, Montachique, Malveira até à Tapada de Mafra, Quartel-general em Montachique. Nº 7, da Tapada de Mafra ao mar, Quartel-general em Mafra. Eram posições desta segunda linha nos três distritos os seguintes pontos fortificados: Planície que bordeja o Tejo entre Alverca e Póvoa. Alturas de Alverca e vale de Vialonga. Alturas da Verdelha e Serves. Bucelas, Freixial, Montachique. Cabeço da Atalaia entre Montachique e Venda do Pinheiro. Alturas da Malveira. Alturas da Tapada de Mafra, Murgeira. Alturas do Gradil. 212

Alturas da margem esquerda do vale da Picanceira, desde a Murgeira, Paz, Pinheiro, até ao oceano. As alturas da montanhosa região da Malveira aproveitadas para a defesa da capital, como posições militares fortificadas da segunda linha, após a Cabeça de Montachique, e o alto da Atalaia sobre o lugar da Asseiceira ou Asseiceira Pequena da freguesia de S. Miguel do 213

Milharado, pela estrada real da Venda do Pinheiro à Malveira, aí se encontrando.

FORTES DAS LINHAS DE TORRES NA CARVOEIRA Os três fortes da Carvoeira, constituíam o núcleo mais meridional da 2º linha de defesa, integrando os redutos do Zambujal (95), da Carvoeira (96) e de S. Julião (97). A sua edificação começou a 19 de Fevereiro de 1810 sob a direcção do tenente R. Jones. Em conjunto dispunham de 7 peças de artilharia de calibre 9, podendo albergar uma guarnição de 930 soldados de infantaria, eventualmente mílicias e ordenanças.

Carta Militar e Topographica das Linhas de Lisboa construída nos anos de 1810 e 1811 ao norte da capital […] (escala: 1/25000). Levantada por Manuel Joaquim Brandão de Sousa, oficial do Real Corpo de Engenheiros (1871)

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95 - SERRA GORDA OU CASAS VELHAS (Também conhecido por FORTE DO ZAMBUJAL) Posição N 262; WE 222; Coordenadas UTM: 29SMD663114 CMP: 388 – secção B; 173 GPS: 38º56’57,74’’N; 09º23’21,98’’W Alt. 102m Fortificação, situada no alto da colina do Zambujal, uma das mais elaboradas da 2ª linha, combinando escavação da rocha com camisa em pedra. Reduto com 250 homens de guarnição e 2 peças de artilharia de calibre 12. O traçado da sua planta, compósita, constituída por reduto central e bateria avançada, permitia o máximo rendimento dos fogos.

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O acesso à bateria, tal como a restante estrutura, rodeada por fosso, estava protegida por uma paliçada, processando-se por intermédio de um túnel escavado na rocha. A plataforma em madeira 216

destinada às peças de artilharia estava guarnecida por quatro canhoneiras rasgadas no parapeito.

Este reduto defendia o desfiladeiro de Fonte Boa da Brincosa, o vale de Nossa Senhora do Porto e a estrada da Carvoeira, entre Ericeira e Sintra. Actualmente, encontra-se rodeado por terras de cultivo, tendo sido restaurado em 2009, achando-se integrado na Rota Histórica das Linhas de Torres. Acede-se pela localidade do Zambujal.

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96 - CARVOEIRA Posição N 252; WE 230 CMP: 388 Alt. 98m Reduto com uma guarnição de 280 homens e 3 peças de artilharia de calibre 12. Sito nas imediações do núcleo urbano, junto a um moinho que terá sido usado como plataforma de tiro. Actualmente, não é visitável.

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97 - S. JULIÃO Posição N 248; WE 243; Coordenadas UTM: 29SMD641097 CMP: 402 – Carvoeira; secção D GPS: 38º56’13,55’’N; 09º24’47,81’’W Alt. 74m Situado entre Valbom e a praia do Lisandro. Possui planta estrelada, e estrutura em terra.

Dispunha de 4 canhoneiras, uma das quais posicionada à entrada, bem assim como um mastro de sinais, inserido no sistema de comunicações das Linhas. Presume-se que a verga deste mastro fosse rotativa, de molde a permitir comunicar para Norte (Lagoa, n. 80), para Leste (Sonível, nº77) e também, eventualmente, para Oeste, com a esquadra inglesa, fundeada ao largo. Guarnecido com 350 homens, com 2 peças de artilharia de calibre 12. 219

Em articulação com os demais redutos da Carvoeira, este forte visava cobrir a retirada pela foz do Lisandro e a estrada da Carvoeira, entre Ericeira e Sintra.

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FESTIVAIS E CELEBRAÇÕES

São Sebastião Padroeiro dos militares, advogado contra a peste, fome e males contagiosos. No concelho de Mafra o culto a S. Sebastião apenas é superado pelo de Santo António: (imagem pedra da igreja da Senhora do Porto devolvida à paróquia em 1944) venerado em Julho; Adágios: A 20 de Janeiro S. Sebastião primeiro; Por S. Sebastião, laranjinha na mão; S. Sebastião dá-me do pão; Eu vou às uvas para o teu porquinho, quando o matarmos, dás-me do rabinho; Chuva em Janeiro, venha S. Sebastião primeiro. Santo António de Lisboa 13 Junho Adágios: No dia de Sto. António cava do demónio; Dia de Sto. António vêm dormir as castanhas aos castanheiros; Ovelha que é de lobo, nem Santo António lha tira. Santa Luzia Mártir de Siracusa, advogada contra males de vista, cultuada a 13 de Dezembro. Santa Catarina Mártir de Alexandria (307 d. C.), padroeira de filósofos, estudantes e jovens sem casar depois dos 25 anos (25 de Novembro). Santa Ana Na iconografia, Santa Ana tríplice (como aquela que existiu na igreja de Nossa Senhora do Porto) também é conhecida por Santas Mães. N. Senhora da Piedade A igreja de N. Senhora do Ó (Carvoeira) possuiu uma imagem. N. Senhora do Ó - 18 Dezembro N. Senhora das Candeias N. Senhora das Almas Os cruzeiros do Caminho das Almas representam Alminhas.

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Santa Basiliza Do grego, Rainha (ou Trono = Isis). Mártir de Antinoo, no Egipto, companheira de S. Julião (do grego, lindo), com quem partilha a capela da localidade homónima deste, na Carvoeira. Cristianização provável do casal Isis-Serapis. O seu culto difundiu-se a partir de Antioquia. O santoral festeja-a no dia 7 de Janeiro e a S. Julião a 16 de Março. São Julião Outrora festejado pelo denominado Círio da Água-Pé 9 e 10 Janeiro; 4 a 6 de Agosto (1901); Círio da Água-pé Despesa com a festa anual: 6360 réis (1841); 7160 réis (1842); 8$70 réis (1914).

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Auto da tomada de contas à mesa da Confraria de S. Julião, pelo ano de 1841 a 1842 225

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CÍRIO DA PRATA GRANDE Não serão os documentos convencionais a revelar qual a sua génese e muito menos o que motivou que tivesse adquirido a feição de um voto colectivo, bem como as razões que presidiram à associação de determinadas comunidades entre si, em detrimento de outras, mesmo que contíguas. Aquilo que é manifesto, sem qualquer margem para dúvida, é a circunstância de o Círio da Nazaré constituir um repositório sincrético de comportamentos arcaicos ritualizados, os quais o cristianismo salvaguardou por intermédio da lenda de D. Fuas Roupinho. Cultuava-se no Sítio da Nazaré uma Virgem ou Pedra Negra, donde as sete saias usadas pelas mulheres locais, reminiscência de uma devoção isíaca, ou a qualquer uma das antigas deusas da fertilidade, e dos sete véus dos seus mistérios. O veado, animal que transporta consigo a árvore ou omphalos do mundo, personifica-os, motivo por que surge diabolizado. Com efeito, a perseguição do cervídeo desde Porto de Mós (Serra da Lua) pelo almirante (do mar) de Afonso Henriques talvez queira significar a luta do cristianismo contra crenças pagãs, personificadas pelo veado, totem da Grande Deusa (também de Diana). De resto, foi Frei Bernardo de Brito (cf. Monarquia Lusitana, parte segunda, 1609), baseado em documento forjado, supostamente pertencente ao cartório de Alcobaça, quem primeiro estabeleceu um nexo entre a imagem de Nossa Senhora da Nazaré e um alegado milagre (nunca antes mencionado), protagonizado pelo almirante do mar de Afonso Henriques. Ao cisterciense é ainda devido o alargamento do espaço sagrado do santuário, que passou a contar com a gruta do Sítio, antes desconhecida dos devotos, cuja sacralização remontará, decerto, à préhistória, porquanto associada a insculturas rupestres com a forma de ferraduras, imediatamente identificadas por Brito como as da própria montada de Dom Fuas. O contacto com a terra-mãe (os peregrinos recolhiam terra da gruta e tocavam nestes sinais) e as práticas de cariz mágico associadas à fertilidade de que a região terá sido palco traduzem-se no topónimo Pederneira, alusivo a uma Pedra Negra, ulteriormente transformada numa Virgem Negra (os testemunhos chamam trigueira àquela que é tida pela mais antiga das imagens de 227

Nossa Senhora da Nazaré: uma Virgem do Leite, em majestade, i. e., “sentada em uma cadeirinha”).

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Imagem de Nossa Senhora da Nazaré

Frei Bernardo de Brito afirma que a imagem descoberta por D. Fuas Roupinho fora esculpida por São José e encarnada por São Lucas, tendo estado na posse de São Jerónimo. Este, por sua vez, tê-la-á enviado para África, para ser entregue a Santo Agostinho. Daí teria seguido para o Mosteiro de Cauliana, próximo de Badajoz, onde supostamente recebeu a invocação de Senhora da Nazaré por se considerar proveniente da terra natal da Virgem. Perdida a batalha de Guadalete, um monge acompanha na fuga o Rei Rodrigo, transportando-a até à Lusitânia e depositando-a num abrigo cavado em rochedo muito escarpado, situado nas vizinhanças da Pederneira. 229

Aí terá permanecido durante cerca de cinco séculos, até à descoberta da gruta por D. Fuas, a 14 de Setembro de 1182, por via do evento miraculoso alegado no Sítio.

Recepção na Ericeira (1983)

O Círio, que a Coroa portuguesa apadrinhou desde os seus primórdios, ou a atitude que ele trai é portanto, decerto, muito anterior à sua institucionalização no giro das 17 freguesias, o qual se presume remonte apenas ao ano de 1722, mediante Compromisso (13 capítulos, num total de 43 fl.), que se diz datar de 1732, confirmado, em 1741, pelo Patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida. De resto, o que se conta a propósito do velho João Manuel, do Penedo da Arrifana (Igreja Nova, Mafra), que, muito antes de 1608, ia todos os anos ao sítio da Nazaré, parece corroborá-lo, bem assim como 230

a referência de Brito Alão à existência no mesmo ano da "confraria da Vila de Mafra e seu termo".

Chegada à Carvoeira (1983)

O capítulo IV do Compromisso supracitado, cujo teor se reproduz, revela as circunstâncias da constituição do Círio: "§ 1º Sendo o principal intento desta confraria que nunca se falte ao culto e veneração de Maria Santíssima, determina que cada uma das freguesias, no ano que lhe tocar, como agora se observa e deve observar no tempo futuro, seja cuidadosa e diligente aos aplausos para que, com o seu ardente zelo, excite aos empregos de devoção, assim aos confrades existentes como aos que em diante vierem a existir, para o que conduzirá para o seu destino a prata, ornamentos próprios da mesma confraria; § 2º Toca esta obrigação a cada uma das freguesias unidas, passado o círculo de 17 anos, por serem outras tantas as paróquias em que se 231

clausura esta devoção, tendo, entre elas, o primeiro lugar, a Igreja Nova, cabeça e instituidora desta confraria, de onde se comunicou às mais; agregando-se-lhe, em segundo lugar, a de Mafra, depois Santo Isidoro, daí Montelavar, e querendo concorrer com a mesma união, passado pouco tempo, Cheleiros, São Domingos da Fanga da Fé, Ericeira e Nossa Senhora do Porto com São Pedro da Cadeira, que foi a última;

Festeiros do Círio da Prata Grande (1984)

§ 3º A estas freguesias mencionadas se ajuntaram as de S. Miguel de Alcainça, Terrugem, São João das Lampas e Nossa Senhora da Oliveira do Sobral, e pouco depois a todas Santo Estevão das Galés, S. Silvestre do Gradil, a Azueira, ocupando, finalmente, o último lugar a da Enxara do Bispo, as quais todas se acham existentes e fervorosas, e nelas se há-de fazer o giro de tal sorte que, passados os dezasseis anos, torne aquela mesma de onde, no primeiro ano, tinha saído, principiando neste ano de 1732, no qual se dá à luz este compromisso,

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achando-se a prata na freguesia de S. João das Lampas, de onde discorrerá pelas mais; § 4º No caso que a alguma destas freguesias, o que Deus tal não permita, falte a devoção e esfrie o zelo de tal modo que se aparte ou intervenha algum outro inesperado motivo para que não continue neste santo exercício, ao tempo que houver de receber a prata e ornamentos, a freguesia que, conforme a ordem, se lhe seguir, terá especial cuidado de procurar saber do estado em que se acha a sua antecedente, para que, não havendo ela de fazer eleição dos oficiais para a condução da prata e ornamentos, a tal freguesia se antecipe a satisfazer aquela obrigação, elegendo pessoas idóneas para o seu desempenho, e assim ficará daí em diante correndo o círculo, como se tal freguesia que faltou, nunca entre as mais fosse numerada". Sendo a Igreja Nova a cabeça do Círio da Prata Grande, a ela ficou cometida a iniciativa (cap. XI, § 2º) de promover, anualmente, as conferências ou acordãos, o primeiro dos quais cai imperetrivelmente a 28 de Outubro, dia de São Simão, obrigando os mordomos cessantes a apresentarem as contas antes de entregarem os livros de receita e despesa aos novos oficiais. A segunda conferência (cap. XI, § 3º), realizar-se-á na última oitava do Espírito Santo, com o objectivo de apresentar os mordomos novamente eleitos aos que estão servindo, mediante certidão autenticada pelo seu pároco. A entrega da prata que, conforme o § 2º do cap. VII, devia ter lugar na Nazaré, no sábado depois da festa, é hoje feita pela direcção cessante na sua própria freguesia aos mordomos que recebem a Senhora. Estes, além da festa da entrada, são obrigados a realizar no seu ano mais duas festas, sendo uma, a principal, na Nazaré, para onde hão-de conduzir a prata com pompa, aparato e grandeza; a outra, particular, na sua paróquia, em dia que não coincida com nenhuma outra festa da mesma freguesia. No entanto, é costume realizar-se uma outra festa, antes da retirada da imagem da Senhora de cada freguesia pela respectiva mocidade solteira, vulgarmente conhecida por Festa dos Mordomos moços, mas também chamada Festa dos Jovens. Neste Círio o carro do fogo toma a dianteira, imediatamente seguido pelos carros dos mordomos (cuja importância e classe se descobria, antigamente, pelos registos mais ou menos aparatosos da lapela), o carro do juiz, a berlinda da Senhora, o carro do Padre, o dos Anjos e o da música. Os Anjos, a quem cabe entoar as Loas, são, geralmente, três. Quando em 233

presença dos de outra freguesia, colocam-se frente a frente, para o tradicional duelo de súplicas e lamentações que antecede o trânsito da bandeira, só definitivamente entregue após duas negaças feitas aos que a hão-de receber.

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A Senhora da Nazaré na Carvoeira (2001)

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Segundo documento do arquivo do Santuário, firmado em 1642, 38 confrarias visitavam então com regularidade o Sítio. Nos finais do século XVIII, além do Círio da Prata Grande (no sábado a seguir a 8 de Setembro), ainda a ele concorriam, entre outros, os de: Caldas da Rainha (1ª oitava do Espírito Santo), Souto, Coimbrã, Cravide, Monte Redondo, Amor, Vieira, Monte Real, Mata Mourisca e Marinha (todas freguesias de Leiria, no dia 4 de Agosto), Penela (15 de Agosto), Olhalvo (1º domingo de Setembro), Óbidos (7 de Setembro), Santarém e Lisboa (a 8), Turcifal e São Pedro de Dois Portos (no dia anterior ao da Prata Grande), Almargem (na mesma data do da Prata Grande), Porto de Mós (14 de Setembro), Aljubarrota (sem dia fixo). Alguns círios desapareceram sem deixar rasto, caso, por exemplo, dos de Loures e de Odivelas.

LOAS Loas são os hinos ou poemas líricos de louvor a Nossa Senhora. Em regra, quadras em redondilha maior, segundo esquema ABAB, de rima consoante. No século XIX consistiam numa espécie de discurso teatral ou Auto, representado por figuras simbólicas e, por vezes, burlescas, sendo designadas simplesmente por Loa. Em data posterior, o género dramático deu lugar ao lírico, evoluindo a Loa para a forma de Hinos Devotos, protagonizados por Anjos cantores ou declamadores, acabando por estabilizar no actual figurino e designação. Há-as apropriadas a cada uma das cerimónias: para a saída do Círio, para as paragens episódicas do préstito ou destinadas às povoações do trânsito, para a entrega e recepção da bandeira (vozes gratulatórias), à despedida da Senhora (vozes saudosas), para a chegada do Círio, para as festividades de confirmação da posse. Eram normalmente distribuídas em in-fólio de quatro páginas. Durante o século transacto passaram a ser impressas em pequenos cadernos. São cinco os momentos ou partes em que se dividem as loas: entrega da bandeira, saída do Círio, lugares do trânsito, chegada do Círio e festa.

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CÍRIO DA ÁGUA-PÉ O Círio da Água-Pé, oriundo da Ribeira de Pedrulhos, Varatojo, Torres Vedras, Mafra, Azóia, Colares, Almargem do Bispo, etc., chegava no dia de São Jerónimo (30 de Setembro) à Ericeira, dirigindo-se depois a S. Julião. "Vinham todos a cavalo em burros e muares, o gaiteiro na frente, seguindo-se o homem da bandeira, e logo os festeiros e as festeiras, em número de 30 a 40 pessoas. As festeiras traziam, em geral, uns muito antigos e estapafúrdios chapéus, ornamentados com fitas e flores de papel. Eram quase sempre os mesmos estes chapéus, e parece que faziam parte do material do círio. Este chegava aqui num sábado, dava três voltas ao santuário, festejava São Julião e Santa Basíliza no domingo, e regressava na 2ª feira pela mesma ordem da ida". Às festividades associava-se, geralmente, muito povo da Carvoeira, Pobral, Baleia, etc. Actualmente, só o Círio da localidade de Ribeira de Pedrulhos (Torres Vedras), o mais antigo, regressa esporadicamente.

Fartes Bolos confeccionados por ocasião do Círio da Água-pé, a São Julião (Carvoeira). A sua receita consta do Livro de Cozinha da Infanta D. Maria (n. 59) e da Arte de Cozinha (1758) de Domingos Rodrigues, onde surge sob a denominação de Fartes de Espécies: "Tomarão oito arratéis de açúcar em ponto de fio baixo e lhe deitarão 4 arráteis de amendoas muito bem pisadas e um arrátel de cidrão em bocadinhos delgados e pequenos. Cravo, canela, erva doce pouca e ferver-se-á pouco e se tirará o tacho do lume e se lhe deitará uma quarta de pão ralado por medida. E o sinal de estar feita esta espécie é botar em cima [...] uns pós de pão ralado e pôr-lhe em cima o dedo a ver se fica enxuto, e se deita em prato a esfriar. Toma-se então a massa feita com manteiga e açúcar e se vão fazendo os fartes e, feitos, se mandam ao forno" (p. 162-163). Em 1910, Gabriel Pereira di-los preparados com massa de trigo, açúcar e canela (Pelos subúrbios e Vizinhanças de Lisboa, p. 188).

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Inquérito do Professor Raúl de Almeida 241

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ASCENSÃO – Quinta-feira da Espiga 5ª Feira de Ascensão (40 dias após a Páscoa)

Dia da Espiga na Foz (1961)

A derradeira aparição de Jesus aos seus discípulos ficou assinalada por uma refeição em comum. Uma vez esta terminada, o Mestre conduziu-os para os lados de Betânia, ao Monte das Oliveiras, de onde subiu ao Céu à vista deles. O evento, ocorrido na sequência da Ressurreição e descrito por S. Lucas (XXIV, 51) e nos Actos dos Apóstolos (I, 1-11), foi consagrado no Concílio de Niceia, numa Quinta-feira, doravante denominada de Ascensão. Um tal acontecimento determina o encerramento do ciclo de quarenta dias, ou quarentena, iniciado na Páscoa, festejando-se no dia imediato ao último dos três dias das Rogas ou Rogações (também designadas Ladainhas Menores), as súplicas, preces públicas e bençãos instituídas no século V por um prelado menor, o Bispo de Viena, em França, Claudiano Mamerto (S. Mamerto), para que Deus afastasse os flagelos e calamidades que infestavam o Delfinado. Apesar de instituídas no ano de 469, alguns autores consideram-nas uma das 243

mais remotas festividades agrárias da Europa, provavelmente de origem pré-romana. Seja como for, na antiguidade os sacerdotes de Ceres organizavam na mesma época do ano procissões pelos campos para pedir fertilidade e colheitas abundantes. A liturgia cristã incluía outrora não sómente as cerimónias da celebração da Hora (do meio-dia até à uma hora), destinadas a louvar a entrada triunfante do Senhor na Glória Celeste, como ainda práticas que se crê possam remontar a complexos rituais anteriores ao cristianismo. Quinta-feira de Ascensão ou da Espiga é um dia fasto, assinalado no Concelho de Mafra ainda há algumas décadas com suspensão do trabalho, mormente durante a Hora (da Ressureição), donde o hábito muito participado da realização de merendas em plena natureza. Notadamente na Foz do Lisandro, no que concerne às freguesias de Ericeira, Carvoeira e Mafra, partilhando a tradicional caldeirada de mexilhão.

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Caldeirada de Mexilhão Ementa típica das merendas de Quinta-feira da Espiga, na Foz. Lava-se o mexilhão e deixa-se em água, a abrir. Prepara-se um refogado (azeite, cebola, vinagre, salsa e pimenta q.b.). Quando a cebola fica loura junta-se-lhe polpa de tomate desfeita na água coada do mexilhão e o próprio mexilhão, deixando ferver. Serve-se com pão cortado às fatias. De resto, quando, em 7 de Agosto de 1969 (até ao início da década de cinquenta o feriado municipal caía no dia 1 de Maio. Por razões óbvias foi então transferido para 22 de Outubro, aniversário de D. João V), a autarquia, após sucessivas hesitações quanto ao dia a eleger para feriado Municipal (Quinta-feira de Ascensão, 22 de Outubro ou 30 de Novembro), decidiu propôr ao Governo Civil de Lisboa a Quinta-feira da Espiga, justificaria a opção nos termos seguintes: "Desde tempos imemoriais que neste concelho a tradição manda que, duma maneira geral, cessem nesse dia todas as actividades particulares, o que é observado em muitas localidades do concelho pelo comércio e pela indústria, que encerram as suas portas, e pelos particulares que acorrem aos campos para as tradicionais merendas em que se festeja a Ascensão do Senhor com descantes e bailados. Em tempos recuados, nesta vila e em outras localidades as bandas de música, e agora os ranchos folclóricos, colaboravam nessas manifestações organizando-se diversões para o povo, tradição que se mantém [...] Acresce que na Quinta-feira de Ascensão toda a parte Sul do Concelho e inúmeras pessoas da restante área, acorre à importantíssima feira da Malveira [...] que nesse dia, dado o feliz significado da Ascensão, assume proporções inusitadas; de tarde, a restante população acorre aos campos para a tradicional apanha da espiga [...]". Pelo Decreto nº 262/73 de 26 de Maio, o Ministério do Interior daria, finalmente, satisfação ao solicitado pelo Município de Mafra.

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LADAINHAS DE MAIO As Ladainhas de Maio destinam-se a implorar bênçãos sobre os campos. Desta tradição terá derivado a celebração do Dia da Espiga. Na Ericeira, nos três dias que precediam a Ascensão, saía, logo pela manhã, da igreja a procissão homónima, também denominada das Rogações. No primeiro dia ia à ermida de Santa Marta; no segundo à de Santo António e no terceiro à de São Sebastião. Os padres de sobrepeliz e os devotos cantavam a ladainha a todos os santos. Algumas celebrações tradicionais do Concelho de Mafra relacionadas com a Ascensão: Na Ericeira, o pároco ia em procissão cantar os Benditos, a casa dos enfermos, dando-lhes a bênção com a custódia onde ia o Santíssimo Sacramento; Procissão das Ladainhas de Maio e merendas na Abadia (Ericeira) e Foz (Carvoeira), interrompidas em 1901 e, posteriormente, retomadas; Acto de Fé propiciatório de boas cearas (Póvoa da Galega), no dia 3 de Maio, com o título de festa da Divina Bela Cruz; Festa dos Merendeiros (Santo Isidoro); Romaria do Arquitecto (Mafra); Ornamentação do Cruzeiro com flores (Cheleiros). Crenças: pela Ascensão, quem não comer ave de pena não é bom cristão; quem comer hortaliça em dia de Ascensão terá a sua casa invadida por moscas durante todo o ano; o raminho, colhido neste dia nos trigais ainda não sazonados (composto por 3 malmequeres, 3 pampilhos, 3 tronquinhos de oliveira, 3 papoilas, 3 espigas de trigo e outras 3 de cevada), tem valor profiláctico, dando fartura de pão e sorte até à festa do ano seguinte; quem dormir a sesta em Quinta-feira de Ascensão poderá perder a Hora e ser atingido por maleita grave ou pela própria morte).

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FONTES e DOCUMENTOS

I Carvoeira – Carta de Foral de 1514 (Vila de Sintra) 91 [Carta de Foral concedida, pelo Rei Dom Manuel I, ao Reguengo da Carvoeira. Era de Cristo de 1514 (29 de Outubro)] [ANTT: Livro dos Forais Novos da Estremadura, fl. 137]

[fl. 5] Reguenguo Item ha outrosy na dita vi/lla huum Reguengo da coroa / do Regno omde chamam a carvoeyra / no qual se pagua asy de pam e de / (fl. 5v) vinho como de qual quer outra nouy/dade ou cousa que sse colhe no dito /Reguenguo ho quarto de tudo. //

Códice de pergaminho; c. 280 x c. 198 mm.; [1] + II-XXII fls. + [3]; tabuada e textos regrados; no verso da fl. [1v] à fl. [2v], a uma coluna, a [Tavoada], com títulos a negro e paginação romana, a vermelho; caldeirões a vermelho e azul; fl. 1 a 22v o texto a uma coluna de 21 linhas, a negro, com os títulos a vermelho; fl. 1 iluminada a ouro e cores; a divisão superior é constituída por componentes heráldicas: ao centro, as armas reais, formadas pelo escudo, encimado por uma coroa real aberta, representada simbolicamente sobre a terra (presença do elemento vegetal), ladeando as armas reais, encontram-se duas esferas armilares ou globos armoriados, com datas inscritas no zodíaco (ilegíveis); as esferas armilares assentam num fundo partido em carmim e azul, apresentando uma forma ligeiramente ovóide devido à pequenez do rectângulo onde estão inseridas; por baixo, numa faixa disposta horizontalmente, em maiúsculas, a designação onomástica do outorgante, “DOM MANVEL”, com fundo azul e letras em carmim; restante texto enquadrado em tarja iluminada a cores, sobre um fundo em carmim, com flores em botão e em flor; capitais a vermelho e a azul; caldeirões a vermelho e azul; fl. 22v a rubrica do Rei e vestígios da rubrica do chanceler-mor, Rui Boto; fl. 23-24 acta da sessão camarária de 19 de Setembro (?) de 1517. Não apresenta furo para selo pendente, pelo facto das margens dos fólios pergaminácios terem sido encurtadas, devido às várias intervenções de restauro a que foi sujeito ao longo do tempo. Não obstante, originalmente terá ostentado o seu selo pendente. Encadernação posterior de cartão revestido a couro. Mau estado de conservação. Cf. Eugénio Montoito (coord.) / Maria José Mexia Bigotte Chorão / José Manuel Gonçalves, Forais de Sintra: Edição fac-similada, leitura paleográfica e estudo, Sintra, Câmara Municipal, 2001. p. 49-102. 91

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¶ E paga mais qual quer laurador com / que se parte monte de pam ¶ De cada / monte grande ou pequeno . huum alquey/re do pam que partem . E ho no/sso ofiçial ou Rendeyro lhe dara vinho / e fruyta . aa custa das Rendas ¶ E / chamarão a este djreito maria mendez. // ¶ Nom ha na dita villa nem termo / montados nem manjnhos. // ¶ E os almocreues nam paguam / ora nem pagarãao ao diante nem / huum djreito. // 92

[Carta de Foral concedida, pelo Rei Dom Manuel I, ao Reguengo da Carvoeira. Era de Cristo de 1514 (29 de Outubro)] [fl. 5] Reguengo Item há outrossim na dita vila um Reguengo da coroa do Reino onde chamam a Carvoeira no qual se paga assim de pão e de (fl. 5v) vinho como de qualquer outra novidade ou coisa que se colhe no dito Reguengo o quarto de tudo. ¶ E paga mais qualquer lavrador com que se parte monte de pão ¶ De cada monte grande ou pequeno . um alqueire do pão que partem . E o nosso oficial ou Rendeiro lhe dará vinho e fruta . à custa das Rendas ¶ E chamarão a este direito Maria Mendes. ¶ Não há na dita vila nem termo montados nem maninhos. ¶ E os almocreves não pagam ora nem pagarão ao diante nem um direito 93.

Critérios de transcrição paleográfica: Desdobramentos feitos em itálico; Introdução do número do fólio – (…); Indicação de linha finda - /; Lacunas do texto - . 93 Critérios usados na leitura actualizada: Desdobramentos não são indicados; Introdução do número do fólio – (…); Actualização da grafia e dos sinais de acentuação; Pontuação fiel ao original; Uso de maiúsculas conforme o original, excepto nos nomes próprios e nos títulos; Lacunas do texto - ; Substituição dos numerais romanos por números árabes. 92

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Foral Manuelino do Reguengo da Carvoeira (29 Outubro 1514)

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II 1514, Maio, 16, Mafra Instrumento de emprazamento das terras da Ribeira da Carvoeira [ANTT: Colegiada de Santo André de Mafra, Livro 1, s. n., fl. 31-32v]

Estormento de emprazamento em vida de tres pessoas, feito em Mafra aos 16 dias de Mayo de 1514 anos das terras da Ribeira da Carvoeira e vinhas d’Alfancaria reguendo da rainha, das quais terras e vinhas se paga a esta igreja por Nossa Senhora de Agosto 22 alqueires de pão meado e tres frangãos em cada hum ano e que vendendo-se se pague a quarentena a dita igreja Saybam quantos este estormento de hemprazamento de huns bens de raiz dados em vida de tres pesoas virem, que no ano do nacimento de Noso Senhor Jhesu Christo de mil e quinhentos e quatorze anos, aos desaseis dias do mes de Maio, na vila de Mafora, nas casas da morada de Alvaro Guomez, estando hi Ruy Fernandez, creliguo de misa, beneficiado na heigreja de Santo Andre da dita vila, em prezença de mim, tabeliam e das testemunhas ao diante nomeadas, per ele foi dito que ele per si em nome dos outros beneficiados ausentes, mandara meter certas terras e vinhas da dita heigreja que tem, scilicet, as terras na Ribeyra da Carvoheira e as vinhas n’Alfanceira reguenguo da raynha nosa senhora e as mandara meter em pregam per Alvaro Gonçalvez porteyro da dita vila, as quaes trouve em preguam na dita vila e praças dela hum mes e mais, o qual porteyro deu a mim tabeliam em fe que as apreguoara ho dito tempo na dita vila e nom achara quem mais nelas lançase que Joam Vycente, morador na dita Carvoheira que lançou nos ditos bens vinte e dous alqueires [fl. 31v] de pam meado e tres frangãos em cada hum ano postos na dita vila a custa dele labrador. E loguo o dito Ruy Fernandez dise que ele vendo em como se mais nom achava que pertencendo-lhe ser serviço de Deus e proveito da dita heygreja e beneficiados dise que ele mandara arrematar os ditos bens ao dito Joam Vycente per os ditos vinte alqueires de pam meado e tres franguos, todo paguo nesta vila ao prioste a quem certo devera de receber a custa dele labrador e lhes aforou em vida de tres pesoas e

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mais nom. E o dito Joam Vycente sera a primeyra pesoa e nomeara a segunda e a segundo a terceira, que seram tres e mais nom. E o dito Joam Vicente e as pesoas apos ele nomeadas seram obryguadas de correger e adubar as ditas vinhas de todo bom adubio ao tempo que os bons adubadores adubam suas vinhas, em maneira que sempre andem bem adubadas. E no ho fazendo asy que pague a dita heygreja toda a perda de dano que por elo fezer e receber. E fara a primeyra pagua de pam e foro per dia de Santa Marya d’Agosto da presente hera de quinhentos e quatorze, e dahi em diante per o semelhante dia ate serem acabadas as ditas tres pesoas. E nom paguando ao dito tempo bom e de receber, que todo paguem em dobro, e querendo vender o dito arrendamento e foro primeiramente o faram a saber aos beneficiados se o querem tanto por[fl. 32]tanto, e nom ho querendo antam o poderão vemder aquelas pesoas que no sejam daquelas que o direyto defende. E paguaram aos beneficiados a corentena do que asi for vendido. E acabados asi as ditas tres vidas, diguo as ditas tres pesoas; leixaram os ditos bens libres e despachados a dita heygreja. E o dito Rui Fernandez dise que em nome dos outros beneficiados obriguava a renda da dita heygreja a fazer bom e de prazer os ditos bens ao dito Joam Vicente e pesoas apos ele nomeadas, so pena de lhe paguarem toda a perda e dano que por eleo fezerem e receberem. E o dito Joam Vicente a todo esto presente dise que tomava em si os ditos bens pera si e pera as diats pesoas despos ele nomeadas com todas as crausulas em codições, penas e obriguações acima nomeadas. E obrygou todos os seus bens e das pesoas, moveis [?] e de raiz, avidos e por aver a todo ter e manter o conteudo em este estormento, ho que todo asi outorgou. E manram ser feitos dous estormentos, hum per a dita heygreja e outro pera o labrador, e este he da heygreja e foy feito e outorguado per verdadeiro. Testemunhas que presentes foram, o dito porteyro e Gonçalo Anes da Praça e outros. E eu Afosno Pirez Correa, pubrico tabeliam em a dita vila e seu termo, per o senhor conde de Penela e per mandado e outorguamento [fl. 32v] das sobreditas este estormento escrevi e nele meu pubrico sinal fiz que tal he. Eu Joam Fernandez d’Acem, escudeiro e pubrico tabeliam em a dita vila de Mafora por o conde de Penela meu senhor que o treladey per mandado de Gonçalo Anes e Afonso Alvarez, juizes ordinayros em a dita vila, a requirymento d’Alvaro Pirez, prioste da heygreja de Santo Andre da dita vila. E aqui meu pubrico sinal fiz, que tal he. 254

[sinal do tabelião] pagou xx reaes III 1585, Junho 15 Traslado de um extracto de uma carta do Marquês de Santa Cruz para Cristobal de Sotomayor sobre a prisão e morte do eremita [Mateus Álvares de S. Julião (Ericeira)], que se fez passar pelo Rei D. Sebastião [AGS: Espanha: Estado, legajo 1533, nº 94] 94

Este es un traslado sacado de un capitulo de una carta que scrivio el Marquee de Sancta Cruz, / desde Portugal a Christoval de Sotomayor, fecha a 15 de Junio de este año de 85. Es verdad que estos dias han andado y andan estos Portuguesee muy solevantados, y cinco leguae / de aqui, estava un hermitaño que llamavan El-Rey Don Sebastian y, aunque Su Alteza lo embio a prender / diversae vezes con corregidoree de esta Corte, que son como all dee de corte alla, no lo prendieron e trayan / ya mas de mill hombres revelados y Su Alteza me dixo que yo embiasse algunos soldados a procurar de / prende-llo; embie duzientos arcabuzeros y treinta coseletes con picas, quando llegaron donde estava el / hermitaño se havia apartado de su gente con otros dos y prendido-le en una caseria a donde llego muy canhão, / los soldados se encontraron con haeta mill hombres de los revelados y llevavan orden mia que si no se / dexasen prender, combatiessen con ellos y assi fue forçosso hazer-lo; los Portuguesee, armados con / arcabuçee e picas, fueron hasta seisçientos, combatieron con ellos media hora, mataron 25 e pren - / dieron 50. Los demas huyeron de los soldados; murio uno e hirieron dos; Su Alteza mando oy hazer / quartos al hermitaño y tambien ha scripto al corregedor Diego de Fonseca que haga justiçia de algunos / delos, que prendieron los soldados e de todos los culpados en haver muerto un desembargador / de la Supplicaçion, que es como oydor de Chançilleria y lo mesmo hizieron de un hijo e 94

Transcrição de Maria da Conceição Gomes Pereira.

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sobriño seuo e oy, / havemdo aviso que un juez e scrivano que Su Alteza havia embiado a prender al hermitaño, / que ellos havian prendido, lo havian despenado, a el y al scrivano e se fizieron pedaços. Su Alteza / ha proçedido aqui muy bien en todo esto, que si huviera 20 años que governara no lo fiziera / mejor; oy le he servido y ayudado en todo. Menester es que Su Magestad embie soldados, / y no pocos, porque contener esto bien, en orden, atendera esta gente a sus cosas, sin andar / en estas liviandadee. De mas de los presos arriba dichos lo han sido, por esta nueva alteraçion, Don Alvaro Enrique, / clerigo, persona muy principale naquel Reyno y deudo muy cercano del Duque de Vergança / y Don Jorge de Menesses, hijo del Conde de Castaneira e Pedro ... Mascareñas, dean de Evora / e Bernardo [?] Caravallo, todos los qualee siguieron a Don Antonio quando pretendio tiranizar / aquel Reyno . Fueron aforcados, hasta 22 de Junio, catorze de los principales culpados en este lebantamiento / y el dho dia lo fue el capitan de ellos, que se llamava Pedro Alfons e que tavan presos / mas de otros cinquenta, contra los qualee y los dhos fidalgos e otros se e ba [?] procediendo por Justiçia 95.

Critérios seguidos na transcrição: Resolveram-se todas as abreviaturas, não assinalando os grafemas abreviados; manteve-se o sinal diacrítico sob o grafema c (ç); as abreviaturas de nasal sobre vogal resolveu-se em n e m; nos lexemas respeitaram-se as variantes ortográficas encontradas; modernizou-se o uso de maiúsculas e minúsculas, o uso de u/v, respectivamente com valor vocálico ou consoante, bem como o uso da grafia copulativa e; as enclíticas foram separadas por hífen; utilizou-se a separação e junção de grafemas para a formação de lexemas; empregou-se [?] para as palavras cuja leitura suscitou dúvidas e ... para erros corrigidos pelo autor; as mudanças de linha vão assinaladas por /; modernizou-se a pontuação, utilizando apenas a vírgula e o ponto e vírgula, para facilitar a interpretação. 95

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Traslado de um extracto de uma carta do Marquês de Santa Cruz para Cristobal de Sotomayor sobre a prisão e morte do eremita, que se fez passar pelo Rei D. Sebastião

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IV 1585, Junho 30 O Provedor e Irmãos da Santa Casa da Misericórdia de Sintra deliberam que a bandeira da Santa Casa acompanhe os enterros dos revoltosos justiçados em Mafra, Ericeira e Carvoeira [SCMS: Livro 5 de Acórdãos, fl. 256] 96

Em os trinta dias do mês de Junho de 1585, na Casa da Mesa da Misericórdia, estando em Mesa o Provedor e Irmãos, se assentaram as coisas seguintes, por serviço de Nosso Senhor. .... E o dito Provedor e Irmãos assinaram e eu, Pedro de Abreu o escrevi. Ordenando primeiro pela licença que houveram, que fossem a bandeira da Casa acompanhada de alguns Irmãos, dar sepultura aos corpos dos padecentes que se justiçaram em Mafra, Ericeira e Carvoeira. E eu, Pedro de Abreu o escrevi. Provedor, Simão Camelo. Álvaro Brandão. Marcos Antunes. Manuel de Aguiar, António de Morais [rubrica ilegível], André Freire, Adão Martins. V 1585, Julho 20 Carta de perdão geral concedido aos rústicos do termo de Sintra [ANTT: Livro 1º de Leis, fls. 102-103 v] 97

Dom Filipe, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d’aquém e d’além mar em África, senhor de Guiné e da Conquista, navegação e comércio de Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia, etc. Extraído de João Martins da Silva Marques (Sintra. Estudos Históricos - VI - O “Rei da Ericeira” e os seus partidários, 1585, in Jornal de Sintra, 5 Set. 1937), com ortografia actualizada por Manuel J. Gandra. 97 Transcrito com ortografia actualizada por Manuel J. Gandra. 96

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Aos que a presente carta de perdão virem, faço saber que eu fui informado como no Reguengo da Carvoeira, que é junto à Vila da Ericeira, na ermida de São Gião, residiu, os dias passados, um homem por nome Mateus Álvares, filho de um pedreiro da ilha Terceira, em hábito de ermitão o qual, calando o seu verdadeiro nome e nascimento, induzido por um Pero Afonso, morador em uma azenha do Rio de Mouro, termo de Sintra, e com outros homens baixos e sediciosos, disse e publicou que era o Senhor Rei Dom Sebastião, meu sobrinho, que Deus tem, e passou Provisões em seu nome, com que o dito Pero Afonso e alguns de sua parcialidade o andavam publicando ao povo dos lugares ao redor, afirmando o dito ermitão ser o dito Senhor Rei; e falsa e enganosamente, amotinaram e convocaram muita gente rústica dos termos das Vilas da Ericeira, Mafra, Torres Vedras, Sintra, e de outras partes, fazendo ajuntamento e forma[n]do campo de gente armada, com que mataram algumas pessoas, e entre elas, o Doutor Gaspar Pereira do Lago, do meu Desembargo, Ouvidor dos feitos crimes da Casa da Suplicação e a um seu filho e a um sobrinho, e ao licenciado Manuel de Ataíde da Sarrea, Juiz de Fora da Vila de Torres Vedras e a um seu Escrivão, os quais ambos deitaram de uma rocha abaixo no mar; e roubaram muitas casas dos que não queriam seguir seu bando e motim, perturbando a paz e sossego do Reino. E eu pela obrigação que tenho de mandar fazer justiça e acudir com o rigor devido a semelhantes insultos e atalhar os males que, contra serviço de Deus e meu, e aquietação pública, se puderem seguir, mandei com brevidade o Doutor Diogo da Fonseca, do meu Conselho, Corregedor do Crime de minha Corte com alçada aos ditos lugares, e ao Doutor Álvaro Lopes de Távora, do meu Desembargo, Corregedor do Crime da cidade de Lisboa, com outros oficiais e ministros da Justiça, contra os quais os do dito motim e ajuntamento, se puseram em resistência, sendo principal cabeça o dito Pero Afonso; e contudo, foram desbaratados pelo dito Corregedor e muitos deles presos; e também o foi o dito ermitão, na Vila de Colares e o dito Pero Afonso no lugar do Bombarral; os quais, e outros principais culpados, foram mortos por justiça com o rigor que tal caso merecia, assim na cidade de Lisboa como nos lugares onde cometeram o delito, além dos que foram mortos por resistirem e quererem ofender minhas justiças. E, posto que todos os que no dito motim e insulto tomaram armas contra meu serviço, sendo seu verdadeiro Rei e Senhor, incorreram no crime de lesa-Majestade, e nas penas que, por direito e 259

minhas ordenações são postas aos que cometem e são dignos de grave castigo, não somente nas vidas, mas nas honras e fazendas. Havendo, porém, respeito ao castigo que por este caso, muitos por justiça receberam e aos que por razão dele, foram mortos e aos culpados serem homens rústicos, lavradores e ignorantes e a serem induzidos por o dito Pero Afonso e por outros cabeças principais, e alguns com medos e vexações que em suas fazendas lhes faziam, inclinando-me mais à piedade, de que os Reis devem usar e pelo muito amor que a meus vassalos tenho, usando de minha natural clemência, de meu próprio motu, certa ciência, poder Real e absoluto, de que nesta parte quero usar e uso, por esta presente carta perdoo e hei por perdoados a todos os ditos rústicos e lavradores que no dito motim e insultos foram e tomaram armas contra meu serviço e contra a paz e quietação do Reino, e lhes remeto e hei por remetidas todas as penas cíveis e crimes que pelo dito caso, por direito e minhas ordenações incorreram e hei por bem que livremente possam tornar e estar em suas casas e recolher suas fazendas, como se no dito crime não tiveram incorrido O que assim me praz, com declaração que se não entenderá este perdão senão nos ditos rústicos e lavradores, nem outrossim se entenderá nos que se provar que forem culpados nas mortes do dito Gaspar Pereira do Lago e Juiz de Fora de Torres Vedras e dos mais que foram mortos com eles. E, porém, as pessoas ao diante nomeadas como principais delinquentes e autores das mortes, roubos e insultos e dos mais males e danos que se seguiram e puderam seguir aquietação e sossego público em que os meus Reinos estão e por o haver assim por serviço de Deus e meu e bem comum, as hei por indignas deste perdão e por exceptuadas dele, as quais pessoas são as seguintes: António Pais que por outro nome se chama António Pallos, do lugar de D. Maria. Gião da Mota e Antão Alvarez, do Barril, Francisco Duarte, da Fonte Boa, Silvestre Marinho, da Ericeira, Luís Álvarez, das Casas Velhas. Ascenso Queimado, do lugar do Brejo e Baltasar Ferreira, dos Alvarinhos, Bartolomeu Carvalho, do Sobral, termo de Torres Vedras. Álvaro Luís, de Ribamar, termo de Mafra, Marçal Moreira, genro da fradessa de Odivelas e Gaspar Coelho de Monterroio, termo de Sintra, João Cardoso, do Barril, Simão Mancebo, cerieiro, do Turcifal. Domingos Pires, da Feiteira, termo de Sintra e Francisco Simão, da Ribeira, termo de Mafra; as quais pessoas particulares acima 260

nomeadas, hei por bem que não gozem deste perdão e que se proceda contra elas, pela ordem que tenho dada ao dito Corregedor, Diogo da Fonseca, na provisão da Alçada que lhe mandei passar, a todas as pessoas que por direito merecerem; e assim hei por exceptuados todos os que pelo dito caso foram entregues nas galés para nelas servirem até minha mercê, e os mais que pelo mesmo caso, são presos, contra os quais mando que se proceda como for justiça; e bem assim hei por exceptuados do dito perdão, ao padre Frei Vicente Pais, da Ordem de S. Domingos, e a João Gaspar, Cura da Igreja de Santa Maria do Porto [Carvoeira], como principalmente culpados no dito motim e ajuntamento e insulto, contra os quais, por serem pessoas eclesiásticas, mandarei proceder, não como seu Juiz, mas como seu Rei e Senhor, pelo modo que, conforme a [sic] direito, leis e costume deste Reino, o posso e devo fazer, além do castigo que por seus prelados e superiores lhes será dado. E declaro que por este perdão nem por as cláusulas dele, é minha tenção prejudicar ao direito das partes danificadas e ofendidas, nem ao direito que poderão ter as mulheres, filhos e herdeiros das pessoas que foram mortas, porque poderão requerer seus danos e perdas que receberam, e perseguir e acusar por as ditas mortes, os culpados nelas, cível e crimemente como lhes parecer. Pelo que mando a Simão Gonçalves Preto, do meu Conselho, Chanceler-Mor de meus Reinos, faça publicar esta Carta de Perdão na Chancelaria e o treslado dela se fixará nas portas dos Paços da Ribeira da Cidade de Lisboa, e enviará outros treslados às Vilas de Sintra, Mafra, Ericeira, Torres Vedras e às mais partes onde lhe parecer; e este se registará nos Livros da Mesa dos Desembargadores do Paço e das Casas da Suplicação e do Ponto e o próprio se lançará na Torre do Tombo. Francisco de Barros a fez, em Monção, a vinte de Julho. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1585. Roque Vieira o fez escrever. Foi publicada a carta de perdão acima escrita, na Chancelaria, ao primeiro de Agosto de 1585 anos.

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Carta de perdão geral concedido aos rústicos do termo de Sintra

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VI De Lisboa, aos 15 de Julho de 1585 Jornais Fugger Missivas não impressas à Casa Fugger dos anos 1568-1605 98 Um falso Dom Sebastião Aos 12 deste [mês] trouxeram para aqui o nosso novo suposto rei Dom Sebastião e ontem à tarde foi conduzido através de toda a cidade, montado num burro; foi-lhe decepada a mão direita, a seguir enforcado e esquartejado. Hoje enforcaram dois dos seus companheiros. Este Dom Sebastião reconheceu publicamente que fôra levado a tal acto por tentação do Maligno e por alguma gente, e disse chamar-se Mateus Perez; que o seu pai e ele eram pedreiros. A sua insolência chegou tão longe que a uma milha daqui enganou muitos camponeses, convencendo-os de que seria Dom Sebastião. Na terça feira deixou-se aclamar rei em cinco lugares, ao som dos sinos; distribuiu cargos, executou gente e as suas casas foram saqueadas. Reuniu oitocentos camponeses, e era de recear que daí pudesse resultar um levantamento. Mas de imediato foram destacados para lá trezentos soldados que dispersaram os camponeses e enforcaram uma parte deles. Alguns refugiaram-se nos montes. Esta agitação foi sem dúvida provocada por Dom António que deveria ter vindo em auxílio com a sua armada reunida em França. Ontem foi apanhado um francês com missivas. Gente desta, cada vez mais será presa, dia a dia, e é necessário que, de futuro, não se confie nos portugueses.

Organização de Victor Klarwill. Tradução de Sebastião Diniz. Cf. Cinco Notícias alemãs sobre o desventurado Rei da Ericeira, in Boletim Cultural 2002, Mafra, 2003, p. 35-36. 98

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VII Séc. XVI [?] Miscelânea de Bento Xavier de Magalhaens Correa de Oliveira

Trovas de Gonsalo Annes Bandarra [DCL: P-163, fl. 119r-119v]

[…]. Um castelhano que era filho de um alferes que era de uma das companhias que assistiram em guarda quando em Lisboa enforcaram Pedro Afonso, que na Ericeira se fez El-Rei D. Sebastião, contou em presença de muitos sujeitos que ao tempo em que deram o último Pregão ao dito Pedro Afonso, na forca, e que dizendo o Porteiro por se fazer El-Rei D. Sebastião, sendo ele morto, se ouvira uma voz por todos os assistentes das ditas companhias que dissera: Morto não, mas perdido sim. Ao que acudiram procurando quien es? Quien es? Sem jamais poderem saber mais que o que tinham ouvido e que (quanto a ele, isto é, o castelhano alferes) lhe parecia fora voz do Céu, o que é digno de assim se poder crer. […]. VIII Antonio de Herrera Segunda Parte de la Historia General del mundo, de XI años del tiempo del Señor don Felipe II. El Prudente, desde el año de MDLXXV hasta el de MDLXXXV (Madrid, 1601, p. 448-450)

Luego se leuanto otro Rey mas perjudicial. llamado Gõçalo Aluarez, hijo de vn cãtero, de la Isla de la tercera, y auiedo estado pocos meses en vn monasterio de Frayles descalços en la villa de Obedos 14. leguas de Lisboa le despidieron por doliente, y con habito de hermitaño estuuvo en vna hermita junto al lugar de la Ylicera a la marina dos años, uiuiedo asperamete sustentãdose de limosnas, y presumiedo la gente ignorãte que podia ser el Rey don Sebastian que hazia penitencia, le regalauan, y le lleuavan a sus casas, acordo el hermitãno de confirmar la gente en este engaño, y entre outras mañas que vso para engañar mejor, fue, que quando algunos dormian en la 267

hermita, se leuãtaua a media noche, y se açotaua reziamente quando conocia que la gente le acechaua, y dezia cuytado de ti don Sebastian que tantos murieron por tu causa, como podras hazer la penitecia que tus pecados merecen, y otras palabras con que todos creyã que era el Rey. Esto se fue estendiendo por la comarca, y se hablaua en Lisboa secretamente, y un labrador rico de aquella tierra le lleuaua a su casa, y le regalaua, y algunas vezes que a importunacion suya se quedaua a dormir alli, hazia su diciplina, y lamentacion acostunbrada con que se publico, y creyo que era el Rey, y como la gente hazia caso delle, el labrador se apodero del, fin dexalle ver a nadie, hasta que acabase su penitencia y con esto todos seguiã la voluntad del labrador. que se llamaua Pedro Alfonso, y porque dixo que declararia el dia que el Rey yria a Lisboa, se juntarõ ochocientos hõbres, de los quales se hizo general, nombrandose don Pedro Alfonso de Meneses, Cõde de Torres uedras, Señor de Cascaes, Alcayde mayor de Lisboa, y proueyo Alferez, y Sargento mayor. El hermitaño ya se yua declarando por Rey, y llamaua algunos caualleros, y quãdo yuan no les hablaua, diziendo que tenia dispusicion para ello, y algunos muy principales de los que auian seruido a dõ Sebastian en Africa fueron a ver al Rey, y a ofrecersele, y don Pedro Alfonso los despedia, amenazandolos que se fuessen donde no los mandaria matar, vieron-le que algunnas vezes cortaua las espigas de los trigos, y dezia que a si se auia de hazer de las cabeças de los Señores, y cogia las rosas de los trigos, que llaman amapolas, y dezia que se auian de ver las calles de Lisboa de aquella color, mando el hermitaño hazer sellos Reales, y al platero que los hizo le prendieron. En teniendo los sellos despachaua cartas, y prouisiones con que se acrecentaua mas la opinion de que era Rey, y dõ Pedro Alfonso le traya recogido que nadie le via sino su muger, y una hija que deziã que auia de ser Reyna, la muger de Antonio Simonis hõbre rico, y hõrado, recibia el Rey en su heredad que estaua alli cerca, y le regalaua, y seruia como a Rey, y embio a llamar a su marido para que le viesse: pero no pudo, y para mejor encubrirse, traya vnos antojos grandes que le tapauã la media cara. Crecio pues tanto su locura, que se atreuio a escriuir vna carta al Cardenal Archiduque que la lleuo vn hijo de Antonio Simonis, que ya era su criado, y el padre escriuano del Almacen, dio la carta al Cardenal y le dixo, não haga Vra Alteza poco caso desto, mandolo prender, y el Corregidor que lo prendio lo lleuo a su casa, y examinado le solto, la carta contenia que le desembaraçasse 268

sus palacios, pues era tiempo que se desembaucassen los embaucados, y otros disparates, y como se publico que el mensajero era hijo de Antonio Simonis, y que el padre cõsentia en ello, que era viejo, rico, y conocia bien a dõ Sebastiã, la ciudad lo creyo, y se altero. Mando el Cardenal prender a Antonio Simonis, y a su hijo, y embio al Corregidor Antonio de Fõseca que recibiesse informacion del caso, y prendiesse al Rey fingido, y a su general, y como no los hallo se boluio a Lisboa, dexãdo comission a la justicia de Torres uedras, que lo hiziesse: pero el general lo prendio a el, y a su Escriuano, y los de peño sin dalles cõfession, aunque se la pidirõ y hallandose el Doctor Gaspar de Pereira del Consejo Real de Lisboa, con su muger y hijos en vna heredad suya, hazia la parte adonde andaua el Hermitaño, dezia a algunos de aquellos que dexassen aquella ceguedad, y rogassen a Dios por la vida del Rey dõ Filipe que era justo, y pacifico, que don Sebastian ya era muerto, y sabido por el Rey, y su general, embiarõ de noche gente que le mato, y a su hijo, y vn sobrino, y roboron la casa. Mãdo el Cardenal Archiduque al Corregidor Fonseca que boluiesse a ella, y embio cõ el al Capitan Calderon, com 400. soldados Castellanos, dio uista el Corregidor al general, y el Capitan cõ los soldados e embosco en unos panes; pero siendo descubiertos los soldados la gente del Rey les pregunto quien biue, y diziendo los vnos, biua el Rey don Sebastian, y los otros el Rey don Filipe, los soldados les dieron vna roziada con que huyeron los Portugueses, que dãdo muertos treynta, y siguiendo el alcãce se mataron, y prendieron muchos, y no pudo ser preso el general. Auiase este dia que fue a onze de Iunio apartado el Rey de su general con orden que entretanto que se retiraua por algunos dias se recogie e la mas gente que se pudiesse, y que presto bolueria, y lleuaria cõsigo dos priuados, y a los 12. al amanecer se metio en vn monte, y los priuados fueron por de comer a vna heredad de vn cauallero, llamado Baltasar de Sa que se lo hizo dar luego, y los mando seguir, y el mesmo fue, y prendio al Rey con sus criados, y auiso al Corregidor Fonseca que vino, y los lleuo a Lisboa, y acerto a entrar por la puerta de San Antonio, visperas deste Santo, al tiempo que yua el Cardenal Archiduque a visperas. Yuan el Rey y sus criados a cauallo en bestias de albarda, y confessado el Rey dixo sin tormento todo lo sobredicho, y que la noche de San Iuan tenian determinado de entrar en la ciudad, degollando, y matãdo a los que no quisiessen obedecer al nõbre de don Sebastian, y esto cõ toda la mas gente que pudiesse, y que en teniendo la ciudad pacifica, pensaua 269

ponerse a una ventana, y dezir al pueblo (veisme aqui que no soy don Sebastiã) sino vn hombre que ha venido a libraros de la tyrania de Castellanos, ahora hazed Rey a quien quisieredes, al cabo lo haorcarõ lleuãdo le a cauallo porque el pueblo salisse del engaño en que estaua, y por Cõsejo de los Padres de la Compañia que le ayudaron a bien morir (yua diziendo abozes que no era don Sebastian) sino hijo de vn cantero de la Tercera, cortaronle la mano derecha, y le hizieron quartos, y la cabeça quedo por vn mes puesta en la horca: sus dos compañeros tambien furon ahorcados. El Capitan Calderon desbarato, como queda dicho, a los soldados deste Rey, y los que fueron presos, a muchos ahorco el Corregidor Fonseca, y a muchos echo a galeras de los culpados, en la muerte del Doctor Pereyra, y de los que fuerõ despenãdos, y la gente de Ylicera, Caruonera, y Mafra, tres lugares louãtados e huyerõ sin quedar muger ni niño, el capitan general yua huyendo, y veynte dias despues del caso como auia en toda la tierra orden para prender a los que no lleuassen cedula de paso, y el pregunto a vnos labradores que jugauã a la bola por el camino de Obedos, le dixo vno de los jugadores burlando, vos deueys de ser Pedro Alfonso, y el respondio yo soy (que no deuiera) y con esto lo prendieron, y lleuaron a Lisboa, y confesso en conformidad del hermitaño, y fue justiciado. Era hõbre de 50. años, caluo, alto de cuerpo, de gran cabeça, la boz feroz, barba, y cauello negro y en su aspeto mostraua ser cruel, y mal inclinado, y era muy conocido en Lisboa, porque siempre andaua en pleytos, y luego fue preso su Sargento mayor, y tambien justiciado. IX D. João de Castro Discvrso da Vida do Sempre Bem Vindo, e Apparecido Rey Dom Sebastiam ... (Paris, 1602, p. 34-35)

Logo após o qual [falso D. Sebastião de Penamacor] no [ano] de 1585, junto de Lisboa, se contrafez outro, a que chamaram o Rei da Ericeira; por começar por ali, ambos homens baixos, mas este mais determinado ou por si, ou porque o fizeram ser, ainda que sem aquele 270

saber, e fundo que pedia tão grande máquina. Começando-se de espalhar pelo Reino que era o verdadeiro Rei D. Sebastião aparecido naquela parte, abriram todos os ouvidos como a coisa que podia ser, e engrossando o rumor, mandou ele por conselho do seu Pedro Afonso, chamar D. Diogo de Sousa. O qual sendo um dos fidalgos reputados e de peso, aceitou o recado, e perguntou logo ao Pedro Afonso que lho levava: Que sinal lhe dera? Como quem o tinha do verdadeiro Rei, e tornando em si, encobriu o que lhe escapulira. Enfim determinou ir aonde o mandava chamar, disfarçando-se para isso, mas o pedreiro da Ilha Terceira, que nenhuma semelhança tinha com o verdadeiro, receando abocar-se com tão grande personagem, não foi, mandando-se-lhe escusar. Não puderam Vossas Mercês negar naqueles actos de pessoa tão qualificada, ver-se clarissimamente, que o trouxera de África, e que o tinha por vivo, e sinal seu, parecendo-lhe que podia ser aquele. O que confessou à hora da sua morte, como testemunham seus amigos de alma, morrendo com nó grande na garganta, que depois de Deus, só El-Rei D. Sebastião lho pudera tirar. Outros fidalgos houve, nada desiguais dele, que levados do que podia ser, e movidos do que se afirmava, se foram também demudados desenganar por si mesmos. Finalmente indo o Rei da Ericeira em crescimento de opinião e de lavradores, que se lhe ajuntavam, chegou a mandar uma carta ao Arquiduque Cardeal Alberto, que estava então em Lisboa governando Portugal. Com a qual não somente suspendeu a ele, mas a todo seu Conselho e a todos os Senhores, fidalgos, e povo daquela cidade. Mas como não soube dar o golpe por não ter ninguém consigo que Saloios, acudindo-lhe depressa o Cardeal Alberto com os soldados do presídio, atalhou a sedição que pudera acender, porque vindo a gente de guerra à escaramuça com ele e com os seus lavradores, desfizeram-nos logo, pondo-os em fugida. E prendendo-se depois o falso Rei, levaram-no a Lisboa, aonde mostrado por toda ela, o justiçaram.

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X Luís Torres de Lima Avisos do Ceo, Sucessos de Portugal ... (Lisboa,1630)

Capítulo XXXXIV De dois que se fingiram ser el-rei D. Sebastião, um na Ericeira, e outro em Penamacor. Por pecados infames dá Deus castigos infames, e infama a difamadores, e soberbos com lhes mostrar aos olhos que não tem parte de altivez: que até a alma, que é espírito, há-de ser humilde; pois logo que deve ser o corpo de barro tão vil, e ínfimo? E porque não reparamos nesta consideração, não repara Deus em nos afrontar com castigos vis. Querendo castigar com zombarias nossas zombarias, e de siso nossas graças com estas graças: permitindo que dois Rústicos se fingissem Reis, querendo desautorizar o Reino. Porque estando aqui o Príncipe Arquiduque Alberto governando neste tempo, na Ericeira lugar vizinho de Lisboa se introduziu, e fez Rei D. Sebastião um deles, começando seu entremez em uma Ermida por meios fingidos de penitência; tratando de enganar aqueles aldeões, com quem tratava: recontando da batalha, da perda, e do desbarate, e de algumas coisas, que haviam acontecido, que ele tinha lido, e com lágrimas, suspiros dizia: Portugal, Portugal, que é de ti? que eu te pus no estado, em que estás. E com ouvirem estas lamentações, acabaram de crer os que estavam fora que aquele era El-rei, ou a alma de Samicas em seu lugar: e assim com esta voz, e fama ia crescendo o nome entre aqueles currais, acudindo-lhe alguns para o gasto desta farsa. Porém levantaram-se-lhe os espíritos; quis de passar de Rei do campo, determinando sê-lo na cidade: querendo cometer a mais árdua, e dificultosa coisa, que Capitão Romano nunca pensou. Foi determinar entrar em Lisboa numa noite de S. João da Era de 1583. Com gente de armas daquela rusti?, apelidando-se por Rei com tão denodo, e atrevimento: que um vilão farto em nada repara. A David faltando mantimento, mandou pedir a Nabal aldeão socorro; negou-lhe. Quando David viu o despejo, com que procedia, foi com alguns dos seus para onde Nabal residia, para o destruir. Veio 272

Abigail ao caminho pedir-lhe perdão, e misericórdia. E como ele era benigno, e misericordioso perdoou a culpa. Porém ainda o da Ericeira passou além, por querer tomar Ceptro, e Coroa: sendo mais para enxada, e alvião, que para o mais. Passou Provisões. e Alvarás; fez promessas, deu Títulos: casando-se consequentemente com uma lavradora bem parecida, coroando por Rainha; pondo-lhe na cabeça uma coroa de prata de uma imagem da sua Freguesia, e por tal a logrou alguns dias, até que em um se ordenou sua prisão. A qual fez (mandado) Diogo da Fonseca, que então servia de Corregedor do Crime da Corte, indo com duas Companhias de arcabuzeiros Castelhanos, e com alguns Alcaides, e Juízes do Crime, todos assim juntos partiram para a Ermida: chegando perto dela deixaram emboscada a arcabuzaria num vale baixo de trás de umas ramas. Foi avante a Justiça e sendo descobertas as varas pelos da guarda do senhor Rei, e de seus cúmplices, arremeteram a eles, como lobos ao gado. Fugiu a Justiça à rédea solta, e não com pouca pressa, até os levarem ao posto da emboscada; e saindo com fúria notável em seu seguimento, lhes deram um viva de arcabuzaria, e mosquetaria, que mataram alguns, ferindo outros, e fugindo todos, saltavam montes, e vales como gamos. Foi preso o senhor Rei, e trazido a Lisboa com três ou quatro mais de seu Conselho, onde publicamente foram justiçados, e feitos em quartos. E nisto pararam os fumos de Baco, que traziam no cérebro. XI Pedro Teixeira La descripción de España de las costas y puertos de sus Reinos (ms., 1634 [BNM]) 99

[...]. Seis leguas está la villa de la eyriçeira, situada en un alto sobre la mar. Su puerto no és mas para pequeños barcos, por ser sólo una Cf. El Atlas del rey planeta (ed. Felipe Pereda / Fernando Marias, Hondarribia, 2002). 99

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angosta cala llena de peñas donde rompe la mar con grande furia y, en aziendo tienpo de traveçia, sacan con mucho trabaxo los barcos a tierra por no ser posible al poderen estar en la mar sin que se azen pedaços por la yncapaçidad del puerto. Adelante desta villa de eyriçeira una legua se entra en el mar un rio por entre peñas, donde no puede entrar enbarcaçión ninguna. Tiene de la parte del mediodía poco desviado de sua boca en un alto, como es toda esta costa, un lugar que llaman la Carvoeira. Deste río continúa la costa azia el poniente, sin aber outra coza de que que azer mencíon en ella [...]. XII (167?)

Miscelânia Curiosa de Sucessos Vários dos fingidos Sebastiões 100 O 3º fingido foi chamado Rei da Ericeira, o qual era um oficial de Pedreiro, natural da Ilha terceira e achando-se naquelas partes da Ericeira, um Pedro Afonso, lavrador rico e morador em Rio Mouro, agasalhando-se o Pedreiro em sua casa e estando de noite fazendo oração a voz inteligível, entre outras palavras disse estas: - Deus Senhor perdoai-me meus pecados, e o haver sido a causa de tantos males como fui - Era Pedro Afonso curioso e nesta ocasião estava espreitando o seu hóspede e em lhe ouvindo estas últimas palavras, por elas inferiu e por elas entendeu ser o tal homem o mesmo Rei D. S.; e obrigado desta ilusão ou ou desta tentação do Demónio, se foi logo a ele e deitando-se-lhe a seus pés lhos beijou muitas vezes e lhe disse que ele era o próprio Rei D. S. Defendeu-se o pobre homem com a verdade e desenganos dela; não bastando todas as diligências de suas afirmações contra o ateimado Pedro Afonso, antes de cada vez mais firme e mais furioso na sua teima até que o pobre de perseguido veio a conceder na bestial vontade daquele que falsamente o autorizava tanto. Pelo Pedro Afonso ficou logo sendo seu Secretário, seu Conselheiro e seu valido, que até com os Reis fingidos têm valimento os maus secretários. Convocaram os saloios de todos Extraído de Feiticeiros, Profetas e Visionários. Textos Antigos Portugueses, Selecção de Yvonne Cunha Rêgo, Lisboa, 1981, p. 216-217 e 240-244. 100

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aqueles contornos e só saloios lhe assistiram. Foi este sucesso no ano de 1585. Foram sobre eles os soldados do presídio de Lisboa e desbaratando aos saloios prenderam ao falso Rei e ao seu Pedro Afonso e trazidos a Lisboa, nela foram enforcados e esquartejados. Chamava-se Mateus Alvares era filho de Gaspar Alvares, outro Pedreiro. E porquanto foram diminuídas as notícias que dei do 3º fingido D. Sebastião, chamado o da Ericeira, as quero agora acabar de dar aqui. Em uma quinta-feira dia da Ascensão, 30 de Maio de 1585, governando estes Reinos o Cardeal Alberto, por seu tio el-rei D. Filipe 1º, saindo o Cardeal da Missa da Capela Real, entrou um mancebo filho de António Simões, escrivão dos armazéns dos mantimentos e em público lhe deu uma carta cujo subscrito dizia: - Ao muito Ilustre e Senhor Cardeal. Ele a tomou e perguntando de quem era, ao que o mensageiro respondeu, que era d’el-rei D. Sebastião. O Cardeal chamou logo a Diogo da Fonseca, Corregedor do Crime da Corte, que ali se achava que o levasse preso e que o pusesse a bom recato; e logo naquela noite mandou o próprio Corregedor ao outro, chamado Alvares Lopes de Távora e três Alcaides com muitas espingardas e muitos galegos, que ao todo eram mais de cem pessoas, que consigo levavam ao dito mancebo que trouxe a carta e lá aonde quer que foram, andaram três dias e tornaram sem o dito mancebo, o qual não apareceu mais, nem do que quer lhe fizeram se soube mais alguma coisa. Em segunda feira, primeiro oitavo do Espírito Santo, dez de Junho do mesmo ano de 1585, vieram ao Paço dois homens com um recado, que se não soube, de que resultou partirem desta cidade, em o dia seguinte, onze do dito mês, os dois Corregedores do Crime da Corte com coisa de 150 homens, os mais deles de cavalo e todos bem concertados e foram para a Ericeira onde diziam estar um homem que se dizia ser el-rei D. Sebastião, o qual tinha já tanto poder de gente, que mandou matar um Desembargador por nome Gaspar Pereira do Lago, e um seu filho e um seu sobrinho; o mesmo mandou também fazer ao Juiz e a um Escrivão de Torres Vedras; e de sua parte tinha muita gente, com o que meteu toda a Corte e o Reino em grande confusão. Em quarta feita, 12 do mesmo mês, foi chamado o Senado da Câmara ao Paço, onde houve Conselho e na tarde do mesmo dia 275

trouxeram três homens presos, cada um sobre seu burro e todos vestidos de saloios e sem chapéus na cabeça. Um deles era bem moço e o outro mui ruivo, o outro era barbinegro; e vinham dando no ruivo, dizendo - vedes aqui o vosso rei D. Sebastião - Entraram pelas Portas de Santo Antão, Rossio, Rua dos Escudeiros, Douradores, Ourives de Ouro, Rua Nova, Terreiro do Paço, para que o Cardeal os visse, o que ele não quis fazer e o levaram ao Limoeiro, onde chegaram acompanhados de muita multidão de gente do povo tão turbulento e desinquieto, que os entendidos recearam houvesse algum motim. Em uma sexta feira, 14 do mesmo mês, saiu o Rei fingido a padecer, em cima de uma cavalgadura de albarda e escachado nela e dizia o pregão: - Justiça que manda fazer El-Rei Nosso Senhor. Manda cortar a mão direita a este homem por fazer Provisões e Alvarás falsos, e assim o manda enforcar e esquartejar, por se fazer El-Rei D. Sebastião que Deus tem em glória; e por se fazer alvorotador do povo, sendo ermitão de uma ermida de S. Julião na Ericeira e ele e seus pais oficias de Pedreiros, naturais da Ilha Terceira. Saiu do Limoeiro pela Sé abaixo, Correaria, S. Nicolau, Rua das Arcas, Rossio, Rua dos Escudeiros, Douradores, Ourives de Ouro, Rua Nova, Pelourinho (que ainda não estava no Terreiro do Paço e em 16 de Dezembro deste ano o mudaram para defronte da porta do mar onde está hoje), aí lhe cortaram a mão direita e dali foi a pé até à forca, que estava no cais da Pedra, onde o enforcaram. E por toda a distância deste caminho mandou a justiça, que a cada dois pregões, o mesmo padecente de cima cavalgadura delatasse sua culpa, dizendo as palavras seguintes: - Todos me perdoai pelo amor de Deus tanto escândalo como tenho feito neste Reino e mortes que por minha causa se fizeram e se fazem. Eu me chamo Mateus Alvares e sou Pedreiro, natural da Ilha Terceira e nela filho de Gaspar Alvares, também Pedreiro. Estive naquela ermida por Ermitão cinco anos e o Demónio me tentou e chamou a este estado. Morreu contrito, pedindo perdão a Deus e ao povo. A mão ficou pregada no Pelourinho, a cabeça na forca e os quartos nas portas da Cidade. É de saber que este fingido passou Provisões e Alvarás de mercês, fez promessas e deu títulos e casando-se com uma lavradora bem parecida a corou de Rainha, pondo-lhe na cabeça uma coroa de prata de uma imagem da sua freguesia, E com os seus saloios tinha 276

assentado que com gente de armas havia de fazer sua entrada em Lisboa na noite de S. João deste mesmo ano de 1585, o que lhe atalhou a prisão que lhe foi feita pelas justiças de Lisboa, 11 do dito mês, como atrás dissemos, acompanhadas de duas companhias de arcabuzeiros Castelhanos e chegando perto da dita Ermida da Ericeira, deixaram a arcabuzaria emboscada em um vale, atrás de uns ramos, passou a Justiça adiante e sendo investida pelos saloios deitou a fugir à rédea solta, até meter os saloios na emboscada, que saiu com grande fúria e dando nos saloios uma carga matou alguns e feriu outros e fugiram todos os saloios pelos montes, uns como gamos outros como galgos; e aqui é que se fez a prisão do fingido. No dia seguinte ao em que morreu o fingido, que foi em um sábado, 15 do dito Junho, saíram a padecer dois companheiros, e dizia o pregão: - Justiça que manda fazer el-rei Nosso Senhor; manda enforcar e esquartejar a estes dois homens por serem companheiros daquele que se fazia Rei D. Sebastião e se fazerem alvorotadores do povo e darem ocasião a escândalo e serem culpados em muitas mortes. O mais velho que era o das barbas negras, fazia o ofício de MordomoMor, podia ter de idade quarenta anos. O outro pode ter de 18 até 20 e era o pajem privado. Morreram ambos com muito grandes demonstrações de arrependimento. Os Ministros da Justiça tiraram devassa dos rebelados, onde morreu muita gente de parte a parte; foi saqueado o lugar da Carvoeira, com as quintas e casais em redor; e dos culpados que prenderam, foram lá enforcados treze e os demais botaram às galés. Um Pedro Afonso, de quem já falámos, se dizia ser Secretário do fingido, o qual se ocultou nesta revolta e se lançou pregão - que quem o desse à mão para se prender, lhe dariam duzentos cruzados e lhe fariam mercês com perdão se fosse culpado do mesmo crime. Os culpados que trouxeram para Lisboa, foram sessenta homens, todos sentenciados para galés, uns por dez e outros por oito anos; e por ser no tempo da ceifa e se perderem as novidades, porque os homens andavam ausentes, por Provisão lhes concedeu El-Rei a todos em geral, perdão e que por assim vir livremente para suas casas e terras, reservando somente ao dito Pedro Afonso, o qual em uma quinta feira, 18 de Julho do mesmo ano, o trouxeram preso a esta cidade em uma cavalgadura de albarda; e vinha gritando e pedindo favor à Virgem Nossa Senhora, alegando-lhe o haver feito a sua festa todos os anos; em sábado 20 do mesmo mês foi sentenciado, em segunda-feira 22 foi 277

a arrastar, cortar as mãos e esquartejar e pôr os quartos nas entradas. Dizia o pregão: - Por traidor e alvorotador do povo e lhe haver dado muito escândalo e ser culpado em muitas mortes de homens. Poucos dias depois trouxeram de Setúbal o Sargento-Mor de Pedro Afonso, que também foi enforcado e esquartejado e os quartos nas portas da cidade; ia um seu companheiro, por se não querer dar à prisão o mataram à espingarda. Três dias depois enforcaram e esquartejaram um homem honrado de Setúbal, por levar e trazer cartas ao Prior do Crato D. António. O papel donde tirei esta cópia é autógrafo, está bastante mal tratado; e pondo de parte o desordenado dele, como seu autor confessa ir escrevendo o que lhe ia constando, tem merecimento e dá grande luz à história daqueles tempos, motivo por que o junto a esta minha Colecção de Sentenças 101. XIII [Halle im Magdeburg. A. 1714]

O recente estado do Reino de Portugal e dos territórios a ele pertencentes dentro e fora da Europa. Segundo os mais avaliados escritores antigos e novos latinos, espanhóis, franceses e outros 102 Seguiu-se logo outro de nome Gonçalves Álvares, da ilha Terceira, filho de um pedreiro, que permaneceu primeiro em Óbidos como frade descalço, depois como eremita em Hizera e aí mesmo viveu dois anos em grande austeridade. Ao princípio, na verdade, talvez este nem sequer pensasse em fazer-se passar por D. Sebastião; mas porque em Portugal o povo em geral ainda tinha o rei por vivo, continuava a pensar que o mesmo se encontrava num lugar ermo a fazer penitência por causa da batalha africana na qual tantos cristãos haviam perdido a vida; então os habitantes daquele lugar começaram a tomar este eremita pelo verdadeiro D. Sebastião, porque só há um par de anos chegara ali num barco, e demonstravam-lhe grande respeito onde quer que chegasse ou se hospedasse. Como entretanto o 101 102

Texto datado de 27 de Novembro de 1873. Tradução de Sebastião Diniz. Cf. Ob. cit., p. 36-37.

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bom eremita notasse isto, e muito lhe agradasse, tomava parte na comédia e por vezes clamava na sua cabana para que se ouvisse: “Ah, pobre Sebastião, que és culpado por tanto sangue derramado, como podes penitenciar-te o bastante por tudo?” Com isto não só reforçava o juízo que dele modo que quase toda a gente falava no regresso do rei Sebastião. Um certo de Torres Vedras, senhor de Cascais e alcaidemor de Lisboa, com a pretensão de restituir a D. Sebastião o seu reino. Também mandou fazer um selo com as armas reais e que usava em vários diplomas que exarava; também enviou ao Vice-Rei uma missiva em que exibia o selo, mas tão toscamente concebido que só se podia sentir pena. Mas o Vice-Rei, passado pouco tempo, destacou 400 soldados, os quais dispersaram o povo que acorrera e prenderam o pretenso D. Sebastião que, logo e de boa vontade, tudo confessou, e como recompensa recebeu uma corda à volta do pescoço. XIV Pero Roiz Soares Memorial (Ed. Manuel Lopes de Almeida, Coimbra, 1953, p. 224-228)

E era vivo neste tempo estava el-rei D. Filipe em Aragão que fora lá fazer Cortes e de caminho, casar a filha mais velha o príncipe de Sabóia. E estava cá no reino governando, o cardeal Alberto, em cujo tempo se tornou afirmar que el-rei D. Sebastião não tão somente era vivo, mas que estava muito, muito perto de Lisboa, e que iam muitos fidalgos falar com ele e outros lhe mandavam recados. Até que de todo se descobriu que estava na Ericeira, termo desta cidade, e veio a coisa a tanto que os vilões vinham todos comprar pólvora publicamente à cidade, dizendo a todos que era para acompanharem el-rei D. Sebastião. E andando a coisa desta maneira, entre grandes e pequenos afirmando ser aquele. E estar ali em dia de Ascensão aos trinta de Maio da era de 1585. Saindo o cardeal Alberto da capela da missa acompanhado de toda a fidalguia de Portugal, se foi a ele um mancebo filho de um António Simões, escrivão dos armazéns, homem rico e abastado. E deu uma carta ao dito cardeal dizendo que lha mandava el-rei D. Sebastião. Considere aqui quem ler isto e veja o que seria na

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cidade e no povo vendo-se dar uma carta desta maneira publicamente e com tal recado. E entrando logo o cardeal em conselho com a dita carta, concordaram lá mandar corregedores e alcaides com gente a ver o que era. Mas nem deixou de haver logo ali fidalgos, que disseram ao cardeal que eles foram ver este homem que se dizia ser el-rei D. Sebastião e que o não era. Que era um ermitão que estava ali numa ermida da Ericeira. Com o qual ficou o cardeal mais sossegado. Mas, todavia, ele e todos muito suspensos porque o dito rei tinha já escrito outra carta a D. Diogo de Sousa, general que foi da armada de el-rei D. Sebastião quando passou a África, e diziam que ele o trouxera no seu galeão. Na qual carta lhe mandava que logo se fosse ver com ele e escreveu outras cartas ás câmaras de algumas cidades de Portugal, incitando os que estivessem prestes para o receber e ajudar a meter de posse o seu reino. O D. Diogo, todavia, pediu para ir lá a seu chamado e indo-lhe não quis falar dizendo que porque não ia só como lhe mandara. E depois disto foi que o cardeal mandou lá os corregedores e alcaides com seus arcabuzeiros. E não podendo dar com ele, tiraram devassa e acharam que era um ermitão que havia dois anos que estava por ermitão numa ermida da Ericeira, e que agora se descobrira que era el-rei D. Sebastião. E que como a tal lhe mandavam de Lisboa quanto ele mandava pedir. E o mesmo iam falar com ele. E que o ourives d’el-rei, que era seu dantes, ia ter com ele e lhe levava muitas peças e coisas servindo-o e acatando-o como rei. E que o que de cá lhe mandavam da cidade, lhe mandava tudo um António Simões, escrivão dos armazéns que é o em que atrás falo. E vindo os corregedores de lá, com este recado, presumiram logo tudo ser mentira. E prenderam António Simões, e prenderam o ourives d’el-rei Gregório de Barros. E foram para prender um sombreireiro que lhe fez um chapéu e lho levou e fugiu. E logo aos onze de Junho da dita era veio recado como o dito ermitão se tinha declarado por rei publicamente, e tinha já consigo passante de mil homens. E mandara tomar o juiz de Torres Vedras e o mandara deitar de uma serra abaixo a ele e ao seu escrivão, os quais se fizeram em pedaços. E mandou mais a uma quinta de Gaspar Pereira do Lago, desembargador que lá estava com sua mulher, e um filho e um sobrinho chama-lo. E porque não quis ir e responder que não conhecia outro rei se não el-rei Filipe seu senhor, o mandou matar a ele e ao filho e ao sobrinho como de facto, mataram. E lhe saquearam a casa e à mulher só deram a vida e ao dia de santo António. 14 (sic) do dito mês trouxeram os mortos em três tumbas que 280

era lástima vê-los, neste comenos era já lá mandado com grande pressa uma companhia de soldados castelhanos e outra de portugueses. E os mesmos corregedores e alcaides e chegando lá acharam já três bandeiras de gente feita postas em esquadrões. E por esses lugares todos à roda botando pregão da parte do dito rei postiço que todos o seguissem e fossem ajudar sob pena de morte. E tinha mandado muitas provisões por todo o reino às câmaras das cidades e vilas com cartas que logo o viessem acompanhar e seguir com a mais gente que pudessem trazer. E como a fama era já por todo o reino ser el-rei D. Sebastião, tomavam as cartas e provisões, e beijavam-nas pondo-as nas cabeças com muito acatamento e em algumas partes começando logo de dar ordem para o ajudarem e lhe mandarem gente. E neste comenos deram as companhias lá que digo irem e achando esquadrão formado, formaram também o seu a vista e estando para darem batalha disse o capitão dos castelhanos a altas vozes para o esquadrão dos portugueses que estavam com el-rei postiço - quem vive -. Responderam el-rei D. Sebastião ao que disse o capitão castelhano que se era el-rei D. Sebastião lho mostrassem que ele seria o primeiro que lhe beijaria a mão e o seguiria. Ao que responderam que não queriam, e nisto deram Santiago neles e matariam obra de trinta na primeira surriada. E os mais se foram retirando até os acabarem de desbaratar e prender todos. E o bom do rei tanto que viu a briga travada, desapareceu ele e um vilão que consigo trazia, velho que era seu veador e um mancebo que era seu pajem. E vieram ter a um monte aonde pelos sinais que já havia dele, o prenderam a ele e aos dois que com ele vinham. E os trouxeram por toda a cidade descarapuçados ao qual rei chegando ao limoeiro, lhe foram feitas perguntas. Confessou ser natural da Ilha Terceira, filho de um pedreiro e que havia dois anos que estava por ermitão de uma ermida na Ericeira. E que estava ligado com o demónio, o qual lhe fizera fazer e pôr por obra e fingir-se ser el-rei D. Sebastião. E que para isso, começara a botar fama por manhas subtis entre os vilãos e para mais acreditar sua intenção, se confessara a muitos confessores aos quais dizia e afirmava na confissão, ser ele el-rei D. Sebastião. E que ele trazia consigo e tinha cinco testemunhas para quando se descobrisse que escaparam com ele na batalha. E que se não havia de descobrir ao todo, se não dia de São João que fazia sete anos que se perdera, e partira deste reino e que prometera a Deus de neles fazer penitência e que era verdade que ele era o que mandara a carta ao cardeal e a outra 281

a D. Diogo de Sousa, e a algumas câmaras do Reino das cidades e vilas. E tinha muitas provisões a muitos homens de mercês e tinha adquirido aquela gente a si e esperava adquirir muitas mais e tinha determinado de dar na cidade dia de São João antemanhã. E entrar na cidade e ver se podia ficar apoderado desta maneira e que para mais sustentar isto, tinha afirmado àquela gente que esperava por uma grossa armada de França para o ajudar, que tinha mandado vir e desta maneira tinha adquirido a gente a si e determinado fazer o que vedes se nosso senhor não permitira, prender-se antes, porque por tal ordem ia tudo ordenado. E estava crente entre todos ser ele el-rei D. Sebastião, que se chegara ao dia de São João e fizera o que tinha determinado. Perdera-se Portugal com estrago de muita gente o que permitiu Deus se fizesse antes naqueles que o seguiam, que presos os mais deles foram enforcados, passante de trinta na mesma quintã da Ericeira, onde mataram o desembargador e outros muitos foram para as galés. E ver as ruas de Lisboa cheias de mulheres e meninos destes que enforcaram, e perderam lastimava a alma, sendo causa de tudo este mal aventurado homem que à sexta feira 14 do dito mês saiu a enforcar e a esquartejar com um pregão que dizia: - Justiça que manda fazer el-rei nosso senhor. Manda cortar a mão e enforcar, e esquartejar este homem, porque sendo pedreiro filho de um pedreiro, natural da Ilha Terceira, sendo ermitão na Ermida de S. Gião da Ericeira, fingiu e se fez el-rei D. Sebastião, que está em glória e foi caso de muitas mortes e grandes danos e opressões e por aqui mais comprido. Mas estas foram as forças primeiras do pregão o qual saiu sobre uma besta para todos o verem, à vontade na qual a cada passo confessava ser ele o próprio que causara tanto mal. E por ser tão disforme e contrário nas feições d’el-rei D. Sebastião, nunca se mostrava nem descobria senão a vilãos, usando sempre de ardis e manhas. com a mulher do dito António Simões e com seu filho que também foram destes males porque, como lá tinha o dito António Simões uma quinta em que estava a mulher e o marido, cá na cidade servindo seu ofício de lá certificava a mulher ao marido ser aquele el-rei e ele de cá mandavalhe todo o necessário. E pelo dito da mulher fazia crer na cidade a todos, que era el-rei aquele jurando-o e afirmando-o até chegar o filho a vir dar a carta ao cardeal como atrás ouvistes. e assim, mulher e marido foram também presos. E em prisões e trabalhos acabaram e logo ao outro dia fizeram também Justiça dos dois que prenderam com o ermitão. E porque o principal desta maranha, era também um 282

vilão que chamavam Pedro Afonso, que foi o que veio chamar D. Diogo como atrás ouvistes, e o que tinha também afirmado em toda a Lisboa ser este el-rei D. Sebastião o qual era muito do campo da gente que este ermitão tinha junta o qual lhe deu este cargo e título de Marquês de Torres Vedras e Conde de Monsanto e de Cascais. De todos estes títulos lhe tinha feito mercês, o qual Pedro Afonso foi o que formou a batalha e o que mandou matar o desembargador e botar os outros pela penha abaixo. Era crudelíssimo e diz que tinha determinado, entrando a noite de São João na cidade mandar descabeçar todos os fidalgos: este depois de dada a batalha escapou e como dele se tivesse grande notícia e ser o principal culpado, mandou o cardeal fazer grandes diligências para o haver à mão com promessas e dádivas. Foi preso e trazido a esta cidade aos 18 de Junho da dita era e logo saiu arrastar e as mãos ambas cortadas. E enforcado e esquartejado com um pregão de uma folha de papel em que recontava os males e danos de que fora causador e desta maneira houve fim esta tragicomédia que tantas vidas custou e tantas desventuras e depois disto ainda trouxeram outro vilão que era o sargento-mor a que fizeram as mesmas justiças. XV [Frankfurt e Leipzip, 1733]

Minucioso Discurso sobre a situação presente dos Estados Europeus em que se trata clara e pormenorizadamente das respectivas origem, crescimento, poder, comércio, riqueza e fraquezas, forma de governo, interesse, pretenções e desavenças, juntamente com o cerimonial aplicável entre os seus emissários. Com as necessárias tabelas genealógicas e um prefácio do Senhor D. Jacob August Franckenstein […] 103 […] e o que nós desejamos, facilmente acreditamos […]. Por isso, tendo os portugueses sido tão miseravelmente tratados e nada mais desejando insistentemente do que um rei da casa de D. Manuel, facilmente acreditaram em todos os que lhes podiam falar de D. 103

Tradução de Sebastião Diniz. Cf. Ob. cit., p. 37-38.

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Sebastião. Primeiro veio um eremita que se pôs a suspirar e exclamava: “Ah, tu desgraçado Sebastião”; e como as gentes ouvissem tais clamores, acorriam e, embora como eremita nada tivesse de realeza em si, mesmo assim tomavam-no por D. Sebastião. Quando os espanhóis tiveram notícia disto, capturaram o eremita e decapitaramno; assim terminava o assunto. A seguir veio um pedreiro e também se apresentou como D. Sebastião, e apareceram alguns mercadores que o apoiaram; também conseguiu constituir uma comitiva. […]. XVI José Pereira Baião Portugal cuidadoso, e lastimado com a vida e perda do Senhor Rey D. Sebastião (Lisboa, 1737, p. 732-734)

Sucedeu isto no ano de 1584, no mês de Julho, e podendo servir de exemplo para emenda de outros tais atrevimentos, foi ao contrário, pois logo no ano seguinte se viu outro ainda mais extravagante pelos mesmos termos, fingindo-se ser el-rei D. Sebastião, um moço chamado Mateus Álvares, natural da Ilha Terceira, filho de um pedreiro, o qual, saindo-se do Noviciado dos Frades Arrábidos do Mosteiro de S. Miguel junto à vila de Óbidos, se fez também ermitão numa ermida de S. Julião junto à vila da Ericeira. Aqui fazia uma vida ao parecer mui penitente, e se introduziu a ser rei antes que ninguém o imaginasse. Disciplinava-se fortemente onde pudesse ser ouvido, e dizia com triste lamentação: Portugal, Portugal, que é feito de ti, que eu te pus no estado em que estás, oh triste de ti Sebastião, que toda a penitência é pouca em respeito de tuas culpas. Começaram alguns a crer que ele era el-rei, e entre eles um lavrador rico chamado Pedro Afonso. Juntaram-se até oitocentos homens de que se fez General, acrescentando ao seu nome o apelido de Meneses. Pôs o fingido rei Casa Real (sic) e fortificou-se, casando-se com uma filha do dito Pedro Afonso, moça bem parecida coroando-a por Rainha, com uma coroa de prata de uma imagem de Nossa Senhora, fazendo Marquês de Torres Vedras a seu pai, e Conde de Monsanto, Senhor de Cascais e Alcaide-mor de Lisboa. 284

E assim fazia outras mercês, passando provisões, e alvarás com solenidade de selos reais, ocultando-se sempre e mostrando-se a muito poucos por grande favor, aos quais contava algumas particularidades da batalha, para os ter mais seguros nesta presunção. E mandando recado a D. Diogo de Sousa, General da Armada, que lhe fosse falar, tanto que soube, que ele perguntara ao mensageiro pelo sinal que lhe dera, receando-se que se descobrisse o engano, ou por outra alguma razão, que não consta, lhe tornou a mandar dizer, que não fosse.; e contudo indo lá, lhe não quis falar, dizendo que o fazia assim porque não ia só. Escreveu depois ao Cardeal Alberto, que lhe desocupasse o seu Paço, e se fosse embora para Castela. Porque já era tempo de que abrissem os olhos tantos enganados. Foi preso o embaixador e soltando-o logo cobrou maiores forças a opinião de ser el-rei, por onde, o que assim se fingia se foi ensoberbecendo, e fazendo alguns graves castigos em todos aqueles que o não queriam reconhecer, e lhe negavam a obediência, sendo executor o Marquês, seu sogro, que era homem crudelíssimo e desumano. E agora muito mais com a vanglória dos títulos, que lhe foram dados, e considerar-se sogro d’el-rei. Vendo o Cardeal Governador, que se devia atalhar tão grande desordem antes que passasse a mais, deu ordem ao Corregedor de Torres Vedras para que os fosse prender, e querendo-o executar foi morto arrebatadamente com os seus Oficiais por aquela gente, que o seguia. E sendo isto repreendido por Gaspar Pereira, Ouvidor daquela comarca o mataram também, e a um filho e a um sobrinho. Saqueando-lhe a casa como em guerra justa. Passando já neste tempo de mil a gente assoldada que o seguia, vindo todos a comprar pólvora, e bala à cidade. Diziam publicamente, que era para acompanhar a elrei D. Sebastião. Pelo que, e porque não crescesse mais o dano e influência, foi necessário acudir com mais forte remédio. Deu-se ordem ao Corregedor da Corte, e se mandaram a juntar todos os Ministros da Justiça com os seus Oficiais, e com quatrocentos Soldados castelhanos bem armados foram fazer a diligência. E chegando perto do couto do novo rei, ficaram os soldados emboscados num vale, indo a Justiça adiante, e sendo descoberta pela guarda, arremeteram a eles como lobos. Fugiu a Justiça com muita pressa até os irem meter na emboscada, de onde saindo com fúria lhe deram uma carga de tiros com que mataram, e feriram a muitos dos fautores do rei, fazendo 285

fugir aos outros pelos montes, e vales. Foi preso o rei, e alguns do seu concelho e trazido a Lisboa fez confissão de que não era el-rei, nem pretendia sê-lo, e que só intentava dar sobre Lisboa com as armas dos seus seguidores, na madrugada do dia de S. João. E vencida ela como esperava, pretendia dizer ao Reino, que já o havia posto em liberdade para que fizessem rei. Foi enforcado em 14 de Junho do dito ano, cortando-lhe primeiro a mão direita no Pelourinho, aonde ficou pendurada por passar Provisões e Alvarás falsos, fingindo-se el-rei D. Sebastião, a cabeça esteve um mês pregada na forca, e os quartos foram postos pelas portas da Cidade. E no dia seguinte enforcaram e esquartejaram a outros que foram presos com ele, um que fazia o ofício de Vedor, que seria de quarenta anos, e outro que era Pajem privado, que seria de idade de vinte anos. Na Ericeira foram enforcados vinte homens, que eram deste bando, muitos foram lançados às galés. e Pedro Afonso, Marquês e Conde General, e Secretário do triste rei, fugiu no dia da prisão dos mais; mas pouco depois foi preso, fazendo-lhe em Lisboa o mesmo, que tinham feito ao seu soberano. E os pobres moradores daquele contorno despovoaram a terra com medo por terem seguido a voz do rei enganoso. Foram também presos e castigados muitos, que enganados o favoreciam de Lisboa e lhe mandavam dinheiro e peças de valor. Como foram António Simões, escrivão dos armazéns, e Gregório de Barros, ourives d’el-rei, pagando miseravelmente o zelo, com que cuidavam servir ao seu rei. Parece que foi o intento de mandar chamar D. Diogo de Sousa, saber dele se era certo, como se dizia, que el-rei veio na Armada, porque sendo assim, e sabendo dele onde estava, e se estava pronto para entrar a governar, ajustariam ambos a forma de ocupar Lisboa, e desocupá-la dos Castelhanos com aquela sua gente, e entregá-la ao dito Rei, com o que ficava restituído ao seu Reino, e aqueles serviços seriam bem gratificados por ele, e agradecidos de todo o Reino. Isto se colhe da sua confissão, e outra coisa se não deve imaginar, pelos descaminhos ou impossibilidades a que se expunha por todas as vias; o que qualquer mediano entendimento conheceria muito bem.

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XVII Luís Cardoso Diccionario Geografico ou Noticia de todas as Cidades, Vilas, Lugares e Aldeias, Rios, Ribeiras, e serras dos Reynos de Portugal e Algarve, com todas as cousas raras, que nelle se encontrão, assim antigas, como modernas (tomo 2, Lisboa, Regia Oficina Silviana e da Academia Real, 1751, p. 497-498) CARVOEIRA – Lugar na Província da Estremadura, Patriarcado de Lisboa, Comarca de Torres Vedras, Termo da Vila de Sintra. Está situada em um alto, com boa vista. A Paróquia fica fora do lugar. É seu orago Nossa Senhora do Porto: tem três altares, o maior e dois mais, um de S. Sebastião, outro de São Mamede. É a Senhora Imagem milagrosa e tem sua Irmandade. Era esta freguesia da Vila de Cheleiros, aonde ainda hoje são anexos e vai à Matriz uma pessoa de cada casa dia do Corpo de Deus, dia da Natividade da Senhora e das Candeias. Todo o dízimo vai para a igreja de Cheleiros. Era ermida e com licença do Prelado e do Prior consentiram puzessem os fregueses Cura, haverá cento e oitenta anos, apresentado pelos fregueses, que lhe dão de côngrua uma pipa de vinho, cem alqueires de trigo e vinte de cevada, com a regalia de ser apresentação do povo. Tem esta freguesia uma ermida de São Julião, fora do lugar. Os frutos da terra são vinho, trigo, cevada e milho. Tem um Juiz e Almoxarife para todas as causas destes moradores, com o ordenado de 45 mil reis cada ano. Tem outro Juiz anual e um procurador que conhece das Almotaçarias, correições e condenações. Com o Escrivão fazem corpo de Câmara. São eleitos pelos homens da governança e confirmados pelo Senhor da terra: têm estes a regalia de darem o Ofício de Escrivão.Tem privilégio para que não conheça das causas dos moradores senão este e depois de julgado por ele, conhcem por apelação os Juízes dos feitos da Fazenda. Tem também o privilégio para se não fazer nela soldados, pela sentinela que fazem os moradores em um facho que tem esta na foz do rio, pelo perigo de poderem ali desembarcar Mouros. Passa por esta freguesia um rio, chamado Rio grande do Porto.

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XVIII 1758 Memórias Paroquiais de Nossa Senhora da Expectação do Porto (antiga Nossa Senhora do Ó) do Reguengo da Carvoeira [ANTT: Memórias Paroquiais, v. 31, maço 54, p. 307-310]

Desta freguesia de Nossa Senhora do Porto, reguengo da Carvoeira, em cumprimento dos interrogatórios que se inquire saber é o seguinte que contém em si esta terra, tem por nome e é chamada Carvoeira.

Memórias Paroquiais da Carvoeira (primeiro fólio)

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1. Esta terra fica na província de Lisboa, pertence ao Patriarcado de Lisboa, é comarca de Torres Vedras, reguengo da Carvoeira, freguesia de Nossa Senhora do Porto. 2. O donatário desta terra é, ao presente, Joaquim Miguel Lopes de Lavre. 3. Tem esta terra trinta e seis moradores e pessoas são cento e oitenta e duas, pouco mais ou menos. 4. Dentro nela e, pelos lugares da mesma freguesia, tem trezentos e noventa, pouco mais ou menos. 5. O sítio dela é em um outeiro baixo. As povoações que dela se descobrem são as seguintes: um lugar que chamam o Urzal, outro que se intitula Gonçalvinhos, outro que é chamado o Zambujal, outro a que chamam as Casas Velhas, outro que é por nome Leitões, outro que é chamado o Seixal, outro por nome Casalinhos, outro que é chamado Fonte Boa da Brincosa, os quais lugares ficam distantes desta terra um quarto de légua. 6. Esta terra é determinada e reguengo separado, compreende em si nove lugares e o nome deles é o seguinte: um se chama o Urzal, outro chamado Carrascal, outro se chama os Casalinhos, outro se chama Fonte Boa da Brincosa, outro se chama Baleia. outro se chama Valbom, outro Barril de Baixo, outro Barril de Cima, outro Pobral (1), dos quais, principiando pelo primeiro que se chama Urzal, tem sete vizinhos e moradores e; segundo, que é Carrascal, tem três vizinhos; o terceiro, que é Casalinhos, tem dezanove moradores e vizinhos; o quarto, que é chamado Fonte Boa da Brincosa, tem vinte e nove vizinhos; o quinto, que se chama Baleia, tem oito vizinhos; o sexto, que se chama Valbom, tem três moradores e vizinhos; o sétimo, que se chama Barril de Baixo, tem três vizinhos; o oitavo, que se chama Barril de Cima, tem quatro vizinhos; o nono e último, que se chama Pobral 104, tem oito vizinhos. 7. A paróquia desta terra está distante fora dela quase meio quarto de légua, junto a um do e os lugares que tem são os que ficam ditos neste parágrafo supra e, os nomes, são também os que nele relatei. 8. O seu orago é Nossa Senhora da Expectação do Porto, contém em si três altares, em (que) se invoca São Sebastião, outro é chamado de São Mamede e, outro (altar mor) é de Nossa Senhora da 104

Pobral vem redigido com a grafia Povoral.

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Expectação do Porto e tem, dentro da mesma igreja, duas colunas pequenas nas quais descansa o coro da mesma igreja. Tem uma só irmandade, a qual é de Nossa Senhora da Expectação do Porto. 9. O pároco que nele há é cura e a apresentação é dos fregueses dela, e aprovação ou confirmação do prior da vila de Cheleiros e, a renda que o cura tem, ad pluirium (?), é cem mil réis. 10. Não tem beneficiados, nem conventos, nem tão pouco hospital, nem Casa de Misericórdia. 11. Tem esta terra duas ermidas, uma se chama Santo António e, outra, é chamada São Julião, esta está distante deste lugar da Carvoeira um quarto de légua, próxima do mar, aquela está junto a este lugar da Carvoeira, o qual, como já disse, se chama Santo António e, ambas, pertencem aos fregueses. 12. Nesta ermida de Santo António não vem a ela romagem e, só no seu dia, que [é] a treze de Junho, fazem os mordomos desta mesma freguesia sua festa; àquela que é de São Julião acodem, em alguns dias do ano, algumas pessoas de romagem, os quais dias são os que se seguem: o dia depois da Epifania, em Janeiro, que é a sete do dito mês, o Domingo antes do dia de Santo António e o primeiro Domingo do mês de Setembro. 13. Os frutos que os moradores desta terra recebem em mais abundância é vinho, e pão e algum milho, porém o vinho é em mais saturidade, também recolhem alguns legumes, mas poucos, e alguns melões e melancias, pêras também, em pouca quantidade. 14. Nesta terra há juiz, e almoxarife e ordinário. Tem câmara e não consta, nem se sabe, que esteja súbdita a outra justiça. 15. É esta terra reguengo apartado que nele se sentenciam causas o litígios. 16. Desta terra não há memória que saíssem homens insignes nas artes liberais ou virtudes. 17. Nesta terra não se faz feira alguma, nem tem correio, só sim, tem algumas pessoas que vão à cidade de Lisboa, das quais se serve alguma criatura que queira alguma coisa da corte. Está esta terra distante da cidade de Lisboa, capital do reino, seis léguas. 18. Tem esta terra alguns privilégios, dos senhores Filipes reis, isentas algumas coisas, isto é: de canas, bestas e outras coisas semelhantes que contêm em si os ditos privilégios. 19. Nesta terra não há fonte nem lagoa de especial virtude ou qualidade. 290

20. Nesta terra não há porto de mar no qual entrem embarcações, nem também tem muros ou fortalezas, só tem uma casa pequena que serve de facho ou vigia próxima do mar em tempo presente, sendo ainda algum tanto destruído do terramoto e pouco reparada. 21. Nesta terra não há serra de que neste interrogatório se faz memória nem lembrança, pois nesta terra não há senão uns vales e montes, dos quais não há coisa digna de especialidade. E nestes vales se criam alguns animais, os quais servem para o fabrico das terras. Nos mesmos montes alguma caça se cria, suposto que é pouca, são perdizes e coelhos. Não tem esta terra lagoa, ou fojos, só sim um, em um rio como abaixo explicarei. O temperamento destes montes e vales é cálido no Verão e frígido no Inverno. 22. Nesta terra há um rio o qual se chama o rio de Nossa Senhora do Porto, e tem o seu princípio onde chamam a Malveira. O seu nascimento não é muito caudaloso, as águas deste rio, pelo verão, se secam em algumas partes e, em outras, não; e neste sítio só um rio pequeno entra, o qual se chama da Vidigueira e neste mesmo rio entram alguns regatos. 23. Este rio se chama de Nossa Senhora do Porto, não é navegável nem hábil para embarcações em toda a distância dele. Não é de rápido curso, só quando as águas no lnverno se multiplicam e crescem. 24. O seu curso é do Nascente, do qual traz seu nascimento, e finaliza no Poente. Alguns peixes cria em maior abundância, os quais se chamam fatassas (?) ou, por outro nome, taínhas, as quais entram para ele por um pequeno braço de mar que, no mesmo rio, mete mar quando é mais bravo e isto só no tempo do Inverno, que daí para diante o mar o tapa com areia e não correm as águas. Também tem alguns peixes que se chamam corveias e mais alguns peixes que se chamam bordalos. 25. Neste rio há algumas pescarias, ainda que poucas, as quais comumente são no tempo do Inverno e algumas no Verão, e as pescarias que nele se fazem são de cana e algumas com a rede de larefa [?] ou três malhas, mas estas são proibidas pela câmara deste senado, desde uma ponta que este rio tem para baixo até quase ao mar, que será de distância menos de meio quarto de légua, e as pescarias de cana são livres e isentas.

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26. Nas margens deste do se cultivam e não têm qualidade alguma de silvestre e, só sim, as suas margens constam de vinhas e terras que se cultivam para pão. As suas águas não têm particular virtude alguma. 27. Sempre, em todo o tempo, conserva este nome, fenece e acaba no mar. Neste rio não há represa, levada, açude ou cachoeira que embaracem para ser navegável. 28. Tem este rio uma ponte, a qual é fabricada de cantaria, a qual está no sítio da igreja de Nossa Senhora do Porto, junto à dita igreja, de distância de vinte passos, pouco mais ou menos. 29. Este rio, neste sítio, não tem moinhos, lagares de azeite, pisões, noras ou outro algum engenho, nem dele há memória que em tempo algum se tirasse algumas coisas que diziam respeito a ouro ou prata. 30. Os povos e gente do sítio deste rio usam livremente das suas águas, não para a cultura dos campos, que dele se não podem utilizar os moradores para a cultura das margens do mesmo modo, mas sim os animais se aproveitarem para saciar a sede e não tem função alguma que as povoações estejam agregadas e sujeitas. Tem este sítio de longitude, onde principia até onde fenece e acaba, duas léguas e meia; tem princípio onde chamam a lage e, daí, à Malveira e, daí, passa por onde chamam a Alcainça e, daí, por um sítio que chamam Farelo e, daí, passa pela ribeira da vila de Cheleiros, pelo Moinho da Cruz e pelo Moinho de Cima e, daí, pelo Moinho de Valbordo e pelo pé de um lugar que chamam Carvalhal e, entrando neste sítio, não passa por povoação alguma e finaliza normal. E, finalmente, é esta terra pensionária e quarteira, pois dela se pagam quartos ao senhor dela, que é Joaquim Miguel Lopes de Lavre. E não sei que haja coisa alguma de que faça menção, os interrogatórios, mais. Carvoeira, 28 de Março de 1758 O Cura Luís António Cavado

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XIX [Leipzig, 1759]

História de Portugal Outra parte segundo volume. Da união deste reino com a Espanha até aos tempos actuais 105 O segundo a entrar em cena, pouco tempo depois, foi Mateus Álvares, filho de um pedreiro da ilha Terceira que, por devoção à vida espiritual, se demorou alguns meses no convento dos carmelitas descalços, perto de Sintra, e de lá passou para uma ermida, próximo da Ericeira, uma parte dos revoltosos foi derrotada, perto da Ericeira, e desbaratada; também o eremita foi finalmente capturado e trazido para Lisboa onde, esteve em completo recolhimento por dois anos, vivendo das esmolas do povo. Os camponeses, por fim, convenceramse de que este podia bem ser o penitente D. Sebastião; um, de nome Afonso, persuadiu-se disso mesmo, e todos insistiram tanto com o eremita que, finalmente, este declarou perante eles que não queria, por mais tempo, ocultar-se do seu povo fiel. A seguir, foi devidamente proclamado rei pelos seus crédulos adeptos; Pedro Afonso desempenhava o papel de general; foram espalhadas pelo reino missivas com o selo real, por força das quais todo o honrado português era exortado a prestar auxílio ao rei ressurgido; pois que nas terras onde o novo rei tinha aparecido já estavam em armas mais de 700 homens. Porém, o cardeal Alberto chamou às armas o povo por todos os sítios; juntamente com alguns dos seus companheiros, foi enforcado em público e logo a seguir esquartejado.

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Tradução de Sebastião Diniz. Cf. Ob. cit., p. 38-39.

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XX 1760, Novembro 4 [Visitação de] Nossa Senhora do Porto da Expectação da Carvoeira [ACPL: ms. 113]

O Reverendo Pároco como tão cuidadoso no culto divino como observei, no asseio do sacrário e da mesma sorte na administração dos sacramentos a seus fregueses se faz digno da conservação do seu ministério com a exacção que manda o Concílio Tridentino e Pastorais para o modo das estações, ensino da doutrina, visita dos enfermos, absolvições na hora da morte, e quanto for possível assistência aos moribundos. E como nesta freguesia se acham tantas pessoas ainda das do trato menos cível sabendo ler e escrever porque o cuidado dos párocos antecessores se empregava em os ensinar, pelo que lhe recomendo faça pelos imitar nesta parte por ser coisa tanto estimável para o serviço de Deus e da República, o que só pode suceder fazendo habitação em algum lugar do centro da freguesia o qual pode ser o da Carvoeira onde há ermida, sítio proporcionado para os referidos exercícios espirituais quotidianos e do terço da Virgem Senhora, e aí poderá exercer os mesmos empregos que seus antecessores ficando também mais pronto para acudir com pontualidade na sua administração a toda a freguesia. Louvo ao Reverendo Prior de Nossa Senhora do Reclamador de Cheleiros, matriz desta freguesia, a afabilidade com que se houve em o acto da visita e a clemência que tão generosamente ostentou com os paroquianos assentindo às condições que lhe propus para a inteligência e execução do contrato conforme a erecção desta paróquia e aos fregueses desta freguesia a submissão e resignação com que se houveram para o complemento dos referidos ajustes e declarações, conforme consta do termo que perante mim e no acto de visita se fez, o qual foi confirmado pelo Eminentíssimo Senhor Cardeal Patriarca Dom Francisco de Saldanha por despacho de vinte e dois de outubro de mil setecentos e sessenta, e segundo o mesmo termo se remeteu o original para o cartório da matriz de Cheleiros e o treslado feito pelo mesmo secretário da visita para perpetuamente estar no cofre desta freguesia. Espero em a Virgem Senhora, segundo o referido ajuste não 294

haja mais alterações nesta freguesia nem discórdias não só com o mesmo referido prior mas ainda uns com os outros paroquianos. Pela comissão que Sua Eminência for servido dar-me a respeito dos requerimentos que se lhe tinham feito desta paróquia, sendo entre eles o de serem confirmados nas mesmas ocupações o juiz da igreja e finalizarem este ano que correm por não se concluir a eleição quando o povo foi convocado, assim hei por bem e mando que os tais sejam conservados mas que lancem as suas contas como se acabassem de servir e começarão nova receita e despesa pertencente a este ano a qual será lançada por um escrivão conforme o que me requereram e segundo os votos do povo, elejo para a dita ocupação em este ano a António Pereira da Carvoeira, o qual finalizará com o tal juiz e procurador no tempo costumado e daí em diante com os referidos se elegerá pelo povo da mesma sorte uma pessoa da freguesia que saiba escrever e contar para servir a dita ocupação. Como pelo concurso de todo o povo na multiplicidade de votos para qualquer determinação é causa distúrbios e dissensões, mando haja quatro louvados os quais juntos com os referidos oficiais farão a apresentação do curato e todas as mais eleições das confrarias não sendo a do juiz e procurador e escrivão da igreja que esta só será feita pelo povo, e atendendo ao número ténue dos paroquianos e quantos são ocupados todos os anos em a igreja servirão daqui em diante de louvados o que for juiz de Nossa Senhora, o mordomo mais velho do Santíssimo Sacramento, da mesma sorte o das Almas e o do Nome de Deus. Mando debaixo de pena de dez tostões para o meirinho das futuras visitas aos dois oficiais da igreja juiz e procurador que em qualquer tempo servirem façam com que todos os anos os remanescentes das contas se metam no cofre da igreja conservando cada um dos referidos em si a chave que lhe pertence juntamente com o Reverendo Padre Cura, e neste andará um livro por que conste as entradas e saídas dos referidos acréscimos. E como a ermida de S. Julião é da jurisdição do Reverendo Prior da freguesia de Nossa Senhora da Assunção do Reclamador da Vila de Cheleiros, matriz desta freguesia, e a ele por direito pertence as oblações que se ofertam ao mesmo santo, e pela mesma razão o apresentar ermitão para a referida ermida, recomendo a este muito em Deus Senhor Nosso ponha na dita ocupação pessoa idónea e temente a Deus, fiel e verdadeira, e como pela distância não poderá bem saber 295

quais são estas qualidades no apresentado peço queira atender às rogativas que os oficiais lhe fizeram a este respeito. E para que as esmolas que se dão anualmente para as obras e culto do mesmo santo as quais se devem converter no referido e para que não tenham em tempo algum desvio, mando que por estas se faça no mealheiro que está na mesma ermida uma fechadura com três chaves, das quais uma pertence ao Reverendo Prior da matriz, e como pela sua distância em que assiste não pode estar tão pronto para se extrair o dinheiro com tanta pontualidade por não se expor algum furto pelo solitário do sítio, em nome do dito Reverendo Prior estará a dita chave na mão do Reverendo Padre Cura desta paróquia e as outras duas estarão na mão do juiz e procurador da igreja, e tirado que seja o dinheiro do dito mealheiro logo se meterá no cofre da igreja debaixo das suas chaves fazendo-se verba no mencionado livro e juntamente no que deve haver para a receita e despesa da mesma ermida, e para que o culto do santo, conservação da mesma sua ermida e casas de romagem não padeçam deterioridade por não haver quem tenha este cuidado com tanta prontidão, mando haja sempre um procurador em cuja mão esteja o livro da receita e despesa o qual receberá do cofre da igreja o que fôr preciso para as referidas coisas e nele passará recibo de quanto recebeu para assim dar conta em que o gastou, e as quais contas serão revistas pelo dito Reverendo Prior, e porque o Padre Paulo da Fonseca sempre tem mostrado grande devoção ao dito santo cuidando no seu culto por ser pessoa tão abonada nomeio para sempre no dito lugar e lhe peço queira continuar como até ao presente, e deixando este a dita ocupação se fará eleição de outro anualmente da mesma sorte que as mais da igreja paroquial, em tudo se conservarão os costumes até aqui observados na dita ermida sem alteração alguma excepto querendo-se dar algum dinheiro à razão de juro se não poderá fazer sem autoridade do Reverendo Prior para ser com toda a segurança. Estes e os mais capítulos que não estiverem revogados por legítimo superior mando se cumpram e guardem, o Reverendo Pároco os fará passar pela chancelaria de Sua Eminência no termo de dois meses publicando-os primeiro à estação da missa conventual em três dias festivos, pena de dois mil reis para as despesas da Relação. Dados em esta Vila de Colares aos quatro de Novembro de 1760.

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Recebi os capítulos acima que são os próprios que se acham lançados no livro das visitas que fica na minha mão. Colares, 5 de Novembro de 1760. O Padre Cura Manuel Duarte. XXI 1769, Agosto 23, Reguengo da Carvoeira Pública-forma redigida pelo escrivão Anastásio Gaspar contendo um instrumento de denúncia efectuada pelo provedor e irmãos da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira e um despacho do Doutor João Maurício da Silva Gorjão, Almoxarife e Juiz privativo do Cível e do Crime no Reguengo da Carvoeira sobre os agravos imputados ao corregedor João Anastácio Ferreira Raposo, entre os quais a intromissão na correição do Reguengo e na licitação dos quartos desse mesmo reguengo por Silvério Francisco, Manuel Freire, António José Joaquim da Costa e Amaro Duarte daí originários [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1362, doc. 1, fl. 42-74v]

XXII [Frankfurt e Leipzig, 1777]

Curiosidades de Portugal ou notícia abreviada da natureza do país, do carácter dos habitantes, e das múltiplas transformações políticas deste reino com algumas anedotas dos tempos mais recentes 106 No ano de 1585 apareceu em pessoa D. Sebastião, ou melhor um impostor que, instigado por alguns descontentes entre os grandes, se fazia passar por ele. Embora em nada se parecesse com o mesmo, encontrou, em breve, seguidores entre a populaça. Mas o vice-rei resolveu intervir, e a investigação revelou que era filho de um telheiro 106

Tradução de Sebastião Diniz. Cf. Ob. cit., p. 39-40.

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de Alcazon e que tinha vivido alguns anos como eremita. Foi condenado perpetuamente às galés. A este seguiu-se um outro eremita que se chamava Gonçalvo Álvares13 e nascera na ilha Terceira. Não só era bastante parecido com o rei Sebastião, mas também a circunstância de ter nascido na ilha acima mencionada au mentava o juízo a ele favorável. A princípio, fôra frade descalço e, mais tarde, passou dois anos como eremita em Hizera14. Também isso aumentou a sua consideração, tendo assim a populaça ficado completamente convencida de que D. Sebastião se mantinha na solidão para cumprir penitência. Ao perceber que ideia o povo fazia dele, decidiu aproveitar-se desta oportunidade. Fechava-se, por vezes, na sua cabana e em voz alta chamava: “Ah, infeliz Sebastião, que és o culpado de tanto sangue derramado. O que podes fazer para expiar a tua culpa?”. Os vizinhos ouviam isto e, em breve, chegava até Lisboa que D. Sebastião ainda estava vivo. Um lavrador rico, Pedro Afonso, acolheu-o em sua casa e, em pouco tempo, reuniu uma multidão de 800 homens, e proclamava em público que queria restituir o trono ao rei D. Sebastião. Mandou gravar um selo especial com as armas reais e enviou uma carta selada com o mesmo ao cardeal vice-rei para que se rendesse. Ao ver que o caso se tornava sério o cardeal enviou um destacamento de soldados, os quais, em breve, dispersaram o povo que acorrera em massa, e prenderam o pretenso D. Sebastião. Este confessou de livre vontade o seu embuste e foi enforcado. XXIII 1781, Novembro 4 Treslado dos capítulos de visita da freguesia de Nossa Senhora do Parto da Carvoeira [ACPL: ms. 486]

António Rodrigues Bicho, Reitor da Paroquial Igreja do Santíssimo Sacramento da cidade de Lisboa, ratificador de testemunhas do Tribunal do Santo Ofício, visitador ordinário das vigararias da vara das Vilas de Sintra, Cascais e Arruda e parte do 298

tempo de Lisboa, pelo Eminentíssimo e Reverendíssimo Senhor Cardeal Patriarca D. Fernando de Sousa Silva e Meneses, primeiro deste nome. Faço saber que visitando esta igreja de Nossa Senhora do Parto da Carvoeira em presença do Reverendo Pároco e muita parte de seus fregueses me pareceu por serviço de Deus prover o seguinte. Sendo-me presente o grande e muito louvável desejo que todos os moradores da freguesia de Nossa Senhora do Parto, Reguengo da Carvoeira, têm de que em a sua freguesia haja sacrário em o qual esteja colocado o Santíssimo Sacramento, não só por sua consolação, mas para se aproveitarem recebendo-o uma e muitas vezes como verdadeiros fiéis, não lhes sendo até agora possível tê-lo em a ermida que serve de paróquia por causa de estar só sem vizinhança alguma, e se ter edificado na raiz de um elevado monte e próxima a um rio que não pode conter a grande quantidade de águas e por cuja causa se tem várias vezes inundado, e no distrito da freguesia aonde reside a maior povoação está a excelente ermida de Santo António, edificada por uns reverendos sacerdotes falecidos irmãos do Reverendo Padre Paulo da Fonseca, o qual seus herdeiros e mais o povo suplicaram licença para se colocar, reter e conservar perpetuamente o Santíssimo Sacramento em a referida ermida. Atendendo pois ao bem público e espiritual necessidade dos mesmos fregueses e que algum deles tem falecido sem receberem o sagrado viático por falecerem em horas incompetentes para se celebrar, mando que o Reverendo Pároco assim que o sacrário que a dita ermida de Santo António já tem estiver forrado e tiver pavilhão consagre logo e conserve em o sacrário o Santíssimo Sacramento para poder em qualquer hora administrar o sagrado viático aos seus fregueses executando em tudo o que determinam os cânones e constituições quando tratam desta matéria. E porque nesta freguesia há vários lugares e casas distantes aonde processionalmente se não pode levar o Santíssimo Sacramento, não só pela longitude, como pelo escabroso e tortura dos caminhos, ordeno que o juiz e louvados, saindo a despesa do cofre de Nossa Senhora, façam logo no espaço de dois meses um relicário em o qual possa o Reverendo Pároco levar o sagrado viático a todos os seus fregueses, advertindo que do dito relicário só se poderá servir em lugares distantes e não em a Carvoeira aonde processionalmente e com a devida decência acompanhado ou de irmãos do Santíssimo ou

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dos louvados e com capas encarnadas levará o Santíssimo debaixo do páleo na forma do antigo e sempre louvável costume de Portugal. E tresladados assim os capítulos da visita que deles serve e ficaram no livro das visitas da freguesia de Nossa Senhora do Parto da Carvoeira a que me reporto, e de como os recebe o Reverendo Pároco aqui assinou e eu o Beneficiado João Colaço Ramalho secretário da visita os escrevi. Recebi os capítulos da visitação supra. Carvoeira Nossa Senhora do Porto, 4 de Novembro de 1781. O Cura Julião Duarte. XXIV [1781] Igreja de Nossa Senhora do Porto Reguengo da Carvoeira [ACPL: ms. 486-A]

O Reverendo Cura Julião Duarte, diligente na administração dos sacramentos, mas pouco instruído e sem a viveza que se requere para o lugar de pastor. O Reverendo Padre Paulo da Fonseca, de setenta e nove anos, bem instruído, muito temente a Deus, e digno de louvor. XXV 1781, Agosto 22, Torres Vedras Certidão de José da Veiga, escrivão da Correição da Comarca de Torres Vedras do auto de arrematação dos quartos do Reguengo da Carvoeira [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1362, doc. 1, fl. 109-109v]

[fl. 109] Joze da Veiga Escrivão da Correição nesta Comarca de Torres Vedras por sua Magestade Fedelissima que Deos guarde etc. Certifico aos Senhores que a prezente virem em como do Juizo da Correição do 300

Civel da Corte emanou Carta Precatoria derigida ao Doutor Corregedor da mesma Comarca para efeito de se proceder a arrematação dos quartos do Reguengo da Cravoeira por tercentos ao anno de mil setecentos setenta e nove, o qual depois de cumprida mandou o dito Doutor Corregedor em dar em Praça apregão os dias da ley e por editaes na forma do costume, e depois se asinou dia para arrematação a que se procedeu sendo prezente o Procurador que lançou em nome dos moradores do mesmo Reguengo e havendo outros lanços à outras pessoas foy mayor de seiscentos trinta e dous mil reis dado pello Procurador do Rematante o Alferes Luis Antunes, e sendo afrontado o dito Procurador dos moradores do mesmo Reguengo, foy chamado pello dito Doutor Corregedor e o iristou para que lanssace sobre o dito [fl. 109v] lanço o que elle não quis fazer e se foy embora, e andando em Praça mais algum tempo os ditos quartos, e não haver quem nelles mais lançace mandou o dito Doutor Corregedor aRematar e com efeito os aRematou o dito Alferes Luis Antunes, por seu Procurador com procuração bastante constante dos autos em que asinou termo, sem que já mais o fosse Joze Henriques de Faria que nesse tempo héra Escrivão Companheiro e por tudo passou na verdade constante dos autos o que me reporto passei a prezente que asinei nesta villa de Torres Vedras em os vinte e dous dias do mês de Agosto de mil setecentos outenta e hum annos, Joze da Veiga, Jozé Pais Cordeiro e Jozé Perreira XXVI 1807, Novembro 17, Lisboa Parecer desfavorável da Mesa do Desembargo do Paço ao pedido de D. Jorge de Meneses para subrogar uma propriedade de Vínculo instituído por Manuel Lopes de Lavre ao qual pertencia o Reguengo da Carvoeira. [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 2132, doc. 32, fl. 1-2]

[fl. 1] Senhor Como parece. Palácio de Mafra, 23 de Março de 1807

301

[Assinatura autógrafa de D. João, Príncipe Regente] Por Avizo da Secretaria d’Estado dos Negocios do Reyno, de 14 de Outubro deste prezente anno, Mandou Vossa Alteza Real, que nesta Meza se lhe consultasse o que parecese hum requerimento de Dom Jorge de Meneres, que diz em sua petição: que sendo o Suplicante actual Admenistrador do Vinculo instituido por Manoel Lopes de Lavre, e mais Senhores da sua casa, de que fora ultimo Admenistrador Joaquim Miguel Lopes de Lavre, ao qual Vinculo, entre os mais bens, pertencia o Reguengo da Carvoeira junto à Villa de Mafra, com todas as suas rendas, jurisdições, e Direitos, o qual ao presente andava arrendado pela quantia de novecentos e sincoenta mil reis por anno, sendo o maior rendimento a que tinha chegado: que considerando o Suplicante que este Reguengo fora pelos seus Antecessores tomado em subrogação por hum Padrão de Juro Real, da quantia de seis contos de reis cujo rendimento annual era a de trezentos mil reis, comtudo aquelle rendimento dos novecentos e sincoenta mil reis podia ser falivel, por isso que dependia ou dos Rendeiros, ou da industria dos Lavradores; e por isso querendo sigurar hum estabelecimento mais firme e seguro, e ainda com a maioria de mais duzentos e sincoenta milreis por anno, se convencionara com Manoel da Silva Franco, recebendo deste vinte contos de reis em Apoleces de Novo (fl. 1v) Emprestimo que rendião hum conto e duzentos mil reis, ficando estas Vinculadas ao mesmo Morgado, em subrogação do dito Reguengo, que passaria como livre com todas as suas rendas, Direitos, e Jurisdições ao referido Manoel da Silva Franco; e porque semelhante contrato não só era conforme ao espirito da Ley novissima, mas munto util ao Vinculo, e à Real Fazenda, pelas cizas que lhe rezultava da Liberdade dos bens de raiz, por isso pedia a Vossa Alteza Real a Graça de lhe primitir que podese fazer a pertendida subrogação, em attenção às expostas razões. Ordenou a Meza ao Dezembargador Antonio Bemvenuto Jorge, que ouvindo ao Imidiato Sucessor, informasse depois interpondo o seu parecer, ao que satisfes dizendo que ouvindo ao Imidiato Sucessor como se lhe ordenara, respondera elle repetindo as mesmas vantagens que seu Pay descobrira na pertendida subrogação que se não podia duvidar da munto facil, e munto segura arrecadação destes Juros; mas que isto só durava emquanto não chegava a amortização das capelas, e assim se conservaria até se achar em que fosse empregado, sofrendo 302

entretanto a Caza hum gravissimo encomodo, podendo munto bem suceder que o Suplicante ou seu filho fosse o Admenistador; e que nem hum nem outro farião esta reflecção: que tão bem hum arendamento feito a pagamentos adiantados, não era o que devia regular o valor da propriedade para se deduzir o seu preço; pois que se ella fosse (fl. 2) admenistrada por um vigilante Pay de Familias qual se não mostrava o Suplicante poderia ser outro o seu preço: que tão bem se devia ponderar que o valor do Reguengo não era só o util, pois que tão bem devia entrar em conta o onorifico, ao qual posto que não attende-se o Rendeiro, o devia fazer o Proprietario, o que não escaparia ao Suplicado. Que o qe tinha acontecido com este Reguengo, e constava dos documentos, que se juntavão, se via que o Supicante não entendia dos seus enteresses: que em 1640 se vendera elle por onze mil cruzados; e em 1700 dera o Antecessor do Suplicante trezentos mil reis de juro por elle, tirando-o assim do Morgado em que estava incorporado, sendo serto que naquele tempo se diria que o Vinculo ficaria utilizado; que hoje porem assim mesmo mal arrendado produzia novecentos e sincoenta mil reis, sendo tal o aumento progressivo das riquezas, que não havia probabelidade algua de se interromper esta ordem de couzas. Que portanto lhe parecia a elle Informante, que em o Suplicante requerer hua tal subrogação, dava a mais deceziva prova de desprezar ou desconhecer os enteresses dos seus secessores. E sendo tudo visto Parece à Meza o mesmo que ao Ministro Informante para ser escuzado o requerimento do Suplicante. Lisboa 17 de Setembro de 1806 Gomes Ribeiro Leite 107

107

Na margem esquerda: Foi voto o Dr. Francisco de Abreu Pereira de Menezes.

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XXVII 1814, Março 28, s. l. Auto da medição e de marcação do Rossio d’Além a rogo da Câmara de Mafra aos lavradores Joaquim de Miranda e José Freire Amaro [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 7-8v]

[fl. 7] Auto de Medição e de Marcação Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e oito centos e quatorze annos aos vinte e oito dias do mês de Março do dito anno em o sitio de Fonte boa da Brinquoza Regengo (sic) da Carvoheira e no destrito chamado o Rocio d’alem, junto ao dito lugar no termo da Villa de Mafra cham (sic) Baldio do Senado da Camera onde veio o dito Senado servindo de prezidente o Doutor Joze Joaquim de Abreu Vieira Juis de Fora dos Orfaons sizas e direitos Reais com Alsada por Sua Real Alteza que Deos guarde e nesta Villa de Mafra e seu termo com os Veriadores Estevão João de Carvalho Estevão Gomes Sardinha e o Sindico da Camera e Capitão Manoel Marques da Cunha no impedimento do Procurador do Conselho Maximo da Silva e Francisco de Paulla Alcaide e Agostinho Joze Porteiro com vertude da Provizão retro e seu Cumprasse ser do tambem prezente o Recorrente Gregorio da Silva mandarão ao [fl. 7v] dito Porteiro apregoasse pello dito Sitio e suas vezinhanças quem tivesse que requerer no lugar sobre dito Terreno baldio pertendido pello recorrente de aforamento comparecesse no dito acto para se lhe deferir como fose de justiça e sendo prezente os loucrados do Juizo nomiados pello Senado da Camera Joaquim de Miranda e Joze Amaro Freire Lavradores o Juis Prezidente lhe deferio o juramento dos Santos Evangelhos em hum livro delles em que pozerão suas manos direitas sobre cargo do qual lhe mandou lemiar regote que elles com boas e saniz Consiencia se o que o Recorrente pertencia seria Baldio se projedicava o publico ou articular a prezente de Marcação e que depois de medido e de marcado virem e examinassem e segundo a sua qualidade e extinção avaliassem tanto o que valia de Capital como de foro anual tudo com boas e saniz Conciencias sem dollo malicia ou afeição e sendo por elles Recebido o dito juramento debaixo do mesmo 304

prometerão cumprir na forma que lhe hera emcarregado e aparessendo o dito Porteiro disse [fl. 8] tinha cumprido na forma Ordenada e por verdade prestava sua fée de assim o haver executado. E ajuntando se o Povo do dito lugar e suas vezinhanças Requererão que aquelle dito Baldio lhe servia de seus logradouros para tender das suas roupas e para eiras da debulha do seu pão e para pasto de seus gados por serem os unicos logradouros daquelas vezinhanças e que por isso é que serviço lhe faria hum potavel perjuizo; Mas sem embargo disso o Juis Prezidente e mais Veriadores em verdade da provizão mandarão proseder a medição e a marcação pella forma seguinte // Principiando o Nascente aonde se emtravou Marquo e cordeando pella parte do Sul para o Poente onde se meteu Marquo tem noventa e nove varas e cordeando para o Norte aonde se emeravou Marquo tem noventa e duas varas e cordeando para o Nascente onde se emeravou Marquo tem quarenta e quatro varas e cordeando para o primeiro marquo tem sesenta e quatro varas. E parte do Norte com baldio, Sul com estrada, Puente com baldio, Nascente com estrada, e sendo visto examinado o dicto Terreno demarcado pellos ditos loucrados declararão que valia de capital vinte mil reis e de foro anual duzentos Reis e para de tudo constar (fl. 8v) mandarão fazer este auto que dou fé passar os referido na verdade e todos com o dito Juis Presidente Veriadores asignarao Escrivão da Camera o escrevi. Doutor Abreu Carvalho Sardinha Marques Domingos de Faria Gama Joze Freira Amaro Joaquim de Miranda Francisco de Paula Agostinho Joze

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XXVIII 1814, Abril 27, Mafra Auto da medição do Rossio d’Além executada por ordem régia [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 6-6v]

[fl. 6] Illustrissimo Senhor Em observancia a Ordem de Vossa Senhoria lavrada na Copia da Provizão do Supremo Tribunal do Dezembargo do Paço a favor de Gregorio da Silva morador no lugar da fonte boa da Brinquosa Regengo (sic) da Carvoheira passamos ao lugar denominado o Rocio d’alem termo desta villa a Vertoriar o Terreno Valdio (sic) que o mesmo Gregorio da Silva requereu a Sua Alteza Real para lhe ser dado de aforamento e tendo procedido as circunstancias legais e do estilllo comcorreu o dito sitio Grande multidão de Povo dambos os sexos requerendo com palavras manças e submissas que não fosse dado aquele baldio por isso mesmo que era serviço de logradouro que tenhão os Povos Vezinhos para as pastagens de seus gados, para lavarem de roupas curas defiados e para faserem suas leyras no tempo da debulha e alem (fl. 6v) disso porque dentro do mesmo Terreno se comprehendem duas estradas publicas. Apesar disto satisfazemos com o nosso dever passando a fazer a medição e achamos serem verdadeiras as duas reprezentações e por consequencia julgamos que a tentar as ponderar as cousas que alegão não hé o referido Terreno de natureza daqueles que se deva incorpurar ao dominio de hum particular como evidente por juizo de tantos, O mesmo Povo oferese o requerimento concluzo para que o façamos subir a prezença de Sua Alteza Real pelo Supremo Tribunal do Dezembargo do Paço e nos temos a honra de o aprezentar a Vossa Senhoria para que em sua vista e da nossa Informação delibere o que lhe pareser mais justo. Dirige a Vossa Senhoria, Mafra em Camera aos 27 de Abril de 1814. Illustrissimo Senhor Provedor da Comarca de Torres Vedras Antonio Vicente dos 306

[ilegível]

Jose Joaquim d’Abreu Vieira Estevão Manoel Gomes Sardinha Estevão João de Carvalho XXIX 1814, Maio 21, Mafra Pedido de Gregório da Silva para lhe ser passada uma atestação em como as suas casas estavam dentro dos limites do termo da vila de Mafra para fins da sua contenda relativa ao Rossio d’Além com a respectiva atestação de Domingos de Faria Guimarães, Escrivão da Câmara de Mafra [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 15-15v]

XXX 1814, Agosto 8, Fonte Boa da Brincosa Auto da vistoria realizada ao Rossio d’Além a mando da Câmara da Vila de Mafra [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 16-17]

[fl. 16] Auto de Vestoria Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e oito Centos e quatorze anos aos oito dias de mês de Agosto do dito ano neste Citio de Fonte Boa de Brincoza no termo da Villa de Mafra Comarca de Torres Vedras aonde veio o Doutor Antonio Maria Carneiro e Sá Cavaleiro Profeço na Ordem de Christo, Provedor actual da Comarca, Comigo Escrivão de seu cargo ao diante nomiado, e bem assim Joaquim de Miranda e Jose Freire Amaro lovados avaliadores dos Predios Rusticos pelo Senado da Camera da Vila de Mafra nomiados e Ajuramentados e todos para efeito de se prosseder a vectoria no terreno baldio do Concelho, que neste Citio pertende de Aforamento e Recorrente Gregorio da Silva na forma expecificada no 307

seu Requerimento antepedente, feito A Sua Altesa Real Pella Suprema Meza do Dezembargo do Paço, e logo o dito Ministro determinou aos sobreditos lovados, que debaixo do juramento de seus officios e com boas e sans consciencias e sem dollo malicia ou afeição, procedessem a Vectorizar, apegar, medeira confrontar o dito terreno pertendido pello Recorrento, declarando a seu citado actual, e sera susceptivel de cultura capaz de produzir quão vinho e azeite, dando lhe a seu vallor intrinseco [fl. 16v] arbitrando lhe o foro que enfectuarem eu anualmente para o Conselho valia, declarando mais, se da concepção deste Aforamento resultava ou não perjuizo ao Publico ou particular, o que sendo ovido e atendido pellos ditos lovados assim o prometerão cumprir, como lhes tinha sido encarregado. E na presença delle Ministro e de mim Escrivão procederão à deligencia pela maneira seguinte = Declarão que este baldio tinha de nascente a puente noventa e nove varas, e confrontava pello Sul com estrada = De Sul a norte confrontando pelo poente com baldio noventa e nove varas = De puente em frente confrontando pello norte com baldio quarenta e quatro varas = e do norte ao Sul comfrontando pello Nascente com estrada secenta e quatro varas = todas de sinco palmos cada huma. Que este terreno se achava inculto e servia de logradoiro para o Povo do lugar de Fonte boa de Brincoza onde fazia as suas eiras, estendião as suas ropas, e para mais uzos proprios dos Camponeses. Que era atravessado por duas estradas que a cruzavão. Que a sua qualidade era infrior, e de poca produção, más que reduzido a cultura, sempre produziria, pão e vinho, e azeite, [fl.17] e que atendendo a estas Raçoens Mandavam o valor de Vinte mil Reis, e de foro anual emfatueriam para o Concelho duzentos Reis= Que deste Afforamento algum prejuizo resultava aos Povos dos lugares de Fonte boa da Brincoza tanto aos moradores do termo de Mafra como do Regengo (sic) da Carvoeira, por ali fazerem eiras, estenderem ropas, e na saida dos Gados, a alguma pequena porção de mato que apanhavão, pois o terreno nem isso produzia com abundancia como se mostrava vesivelmente. E que desta sorte tinhão dado suas tensoens como entendião o que elle Ministro bem presensiava. E de tudo o dito elle ministro mandou fazer este Auto que assignou Comigo Escrivão e Lovados, e eu Jorge Lourenço Cesar Nunes da Cunha eScrivão da Provedencia desta Comarca e escrevi e assignei e do seu conteudo porto minha fé,

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Carneiro de Sá Jorge Lourenço Cesar Nunes de Cunha Joaquim de Miranda Joze Freire Amaro XXXI 1814, Agosto 8, Fonte Boa da Brincosa Certidão de Jorge Lourenço César Nunes da Cunha, escrivão da Provedoria da Comarca de Torres Vedras, atestando que no Auto da Vistoria compareceram muitas pessoas de ambos os sexos, moradores no lugar de Fonte Boa da Brincosa, com suas casas no termo de Mafra e outros na demarcação do Reguengo da Carvoeira que estavam contra o aforamento pretendido por Gregória da Silva [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 18]

XXXII 1814, Agosto 8, Fonte Boa da Brincosa Certidão de Jorge Lourenço César Nunes da Cunha, escrivão da Provedoria da Comarca de Torres Vedras, atestando que no Auto da vistoria compareceram muitas pessoas de ambos os sexos, moradores no lugar de Fonte Boa da Brincosa, com suas casas no termo de Mafra e outros na demarcação do Reguengo da Carvoeira que estavam contra o aforamento pretendido por Gregório da Silva [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 18]

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XXXIII 1814, Novembro 14, Lisboa Súplica de João Freire, Manuel Pires e outros moradores no Reguengo da Carvoeira a Sua Magestade para esta lhe conceder o aforamento do Rossio de Além visto a sua utilidade para a comunidade [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 26-26v]

[fl. 26] Senhor 108 Dizem João Freire, e Manoell Pires e mais Povo abaixo asignados, e Moradores no Reguengo da Carvoeira Comarca de Torres Vedras, que no cittio denominado o Rocio de Alem termo da Villa de Mafra costumão fazer os Supplicantes Suas Eiras para adebulha de Pam, e Estendais de Roupas por não haver naquelles Cittios, outro igual que possa servir para huma tão grande utilidade Publica,e por isso ficão tutalmente despervidos quando aquelle terreo se de (sic), e de Marque a Pessoas que delle se Utilizem, e Cumo a Utilidade dos Suplicantes redunda a bem do Publico, e à boa Coltura das Suas Colheiras querem os Supplicantes dever A graça a Vossa Alteza Real que no ditto Terreno se não de Marque chão a qualquer Pessoa que o requeira, e que fiquem os Supplicantes na posse delle pagando por isso o competente Foro ao Concelho da Villa de Mafra lavrando-se a Competente Escriptura de Aforamento que os dois Supplicantes os obriguem em Nome de todos á Satisfação do dito Foro e mais peneoens que lhe forem impostas, e por isso. Para 109 Vossa Alteza Real que atendendo ao bem util do Publico Mande que o ditto Chão seja aforado aos Supplicantes por que de Outra forma he ruina do Povo e os Supplicantes Como ficao Vassalos, esperão da Iynata piedade de Vossa Alteza Real assim lhes conseda na forma que lhe Requerem

Na margem superior: O Provedor da Comarca informe com seu parecer, ouvindo os Officiais da Camara Nobreza e Povo, e procedendo as maes deligencias da Ley dos aforamentos dos bens dos concelhos. Lisboa 14 de Novembro de 1814. 109 Na margem esquerda : Ass. De Manoel Pires e Joao frere. 108

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E Receberá Merce [fl. 26v] Joze Rodrigues Luiz Pires Joze Migueis

João Alves Antonio Alves João Batalha XXXIV

[1814], s. l. Petição dos moradores de Fonte Boa da Brincosa ao Rei contra a súplica apresentada por Gregório da Silva sobre o aforamento do Rossio d’Alem [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 9-12]

[fl. 9] Senhor Ante o Real Throno de Vossa Alteza dezejavão humildes prostrar-se todos os moradores de Fonte boa da Brincoza, e agradecendo primeiramente a Real Benignidade comque Vossa Alteza os manda ouvir, expor depois os grandes motivos de que estão assistidos para chamar injusta a pertenção de Gregorio da Silva, morador do mesmo lugar e a Supplica que fez a Vossa Real Alteza obrrepticia, e subrrepticia como passão a demonstrar nas Razoens seguintes. Primeira Diz o pretendente em sua supplica = Que aquella porção de terreno inchulta, e bravia não tem producção alguma, nem presta algum serviço publico do interesse dos moradores Vezinhos.= assim como na mesma supplica diz aquer reduzir a Cultura = dos generos de que for capaz tanto em beneficio do Suplicante como do publico. Estas expressoens, Senhor, são obrrepticias, e subrrepticias; porque occultão a Verdade que o impetrante sabe, e querem persuadir hum

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Zelo de agricultura, e bem publico, que elle nem tem, antes intenta atacar e offender, porquanto. Segunda Aquelle terreno, e que elle dezignou em a Vestoria, e demarcação [fl. 9v] hé não só hum verdadeiro logradoiro do Povo, qual dezigna a Ord., liv. 4, tit. 43, §12, mas alem disso comprehende duas estradas publicas, e geraes para o trafico dos moradores, e outras Serventias muito necessarias ao uso dos moradores Comprehende as Eiras de que se servem todos os Lavradores do Reguengo da Carvoeira para a colheita, e preparo de seos frutos. E comprehende os estendedoiros para Lavadeiras, que ali corão e ansougão roupas, meadas e etc. tudo do uzo publico, e que interessa o bem do lugar, e dos Vizinhos, e da mesma Lisboa a quem as Lavadeiras servem. Terceira Esta verdade de tão palpavel, que o impetrante a confessa na sua suplica. sem talvez o querer nem advertir. Aquelle terreno he chamado o Roxio d’alem e deste nome se deixa bem convenser, que aquelle terreno he Logradoiro do Povo: pois que em toda a parte semelhante denominação sé se da aos lugares mais publicos, e destinados ao passeio, e dezafogo dos moradores, e que nas Poveaçoens maiores, e reguladas athe são Praças publicas, come em Lisboa etc. E não será, Senhor, merecedor o Impetrante da nota de levar aprezentação de Vossa Real Alteza huma Supplica obrrepticia, e subrrpticia só pelo que fica apontado! pois elle nem o ignora, nem pode ignorar! pois ainda mais. Quarto Havera quatorze, ou quinze annos, que Manoel Antunes, morador do mesmo Reguengo alcançou Provizão, que constará dos Livros da Cammera de Mafra, e sendo huma menor porção de terreno, e que nem comprehendia as estradas, nem eiras, nem estendedoiros das Lavadeiras, ainda depois de proceder as deligencias de Vestoria, e demarcação, na forma da Provizão [fl. 10] dirigida ao Doutor Provedor da Commarca, ficou inutil a deligencia do Impetrante, e de outros, que 312

tambem pertendião pequenas porçoens, e com outra contemplação aos necessarios uzos do Povo naquelle Sitio, do que agora pertende o Requerente Gregorio da Silva. Quinto Não pode ignorar o Impetrante que outro do seu nome Gregorio Gomes dos Salgados, morador em Mafra, e actualmente no Rio de Janeiro, sendo Creado do Serenissino Senhor Infante D. Pedro Carlos, e seo favorecido, conseguio Provizão, demarcação, Informação, e posse de hum terreno no Sitio dos Caeiros do mesmo termo de Mafra, porem constando a Vossa Real Alteza os incomodos que dali rezultava aos moradores, foi servido por outra Real provizão mandar annular a provizão estranhando, que aquelle Gregorio ouzasse valer-se da Proteção do Senhor Infante para opprimir hum povo, e não só perdeo a posse, mas igualmente a despeza do fabrico, e sementura de hum grande Pinhal, que já havia preparado. Este facto constante dos livros da Commarca de Mafra, e pouco anterior a Retirada de Sua Real Alteza para o Brazil não só serve para exemplo do prezente mas ainda augmenta em algumas circonstancias muito atendiveis. Porquanto. Sexto Naquelle terreno nem se fexarão estradas, nem Eiras, nem se prohibia o trafico da Lavage de Roupa, do qual vivem, e se sustentão muitas familias pobres, e só por Vossa Real Alteza atender, que erão privadas do uso do dito para os seos quotidianos uzos, foi servido mandar anullar aquela Provizão, declarando, que não era da Sua Real Atenção deixar esquecer [fl. 10v] hum particular com incommodo de muitas familias e Sendo no prezente Cazo não do incommodo, mas a ruina dos Lavradores, Fazendeiros e geralmente de todo o Povo de Fonte boa da Brincoza, e Reguengo da Carvoeira deveria ser atendido este Gregoria da Silva, Não Senhor. Septimo Os Suplicantes não temem, Senhor, que o Impetrante possa offerecer alguma prova em dezabono da Verdade em que fundão a Sua Respostam e Só poderia Suceder que elle ajudado de algum vintem / 313

Seo, ou alheio / podesse inovar alguma Cultura mais util para si proprio, porem prijudicial a todos os Suplicantes e portanto ao bem publico, pois alem dos damnos já apontados, ainda Crecem o de matos para os moradores nos Seos uzos domesticos, estrumes, e pastagens oara as Criaçoens de todo o genero de Gado. Eis aqui, Senhor tudo quanto o Impetrante calhou, e Requereo com falsidade na Prezença de Vossa Real Alteza com obrregeção, e Subrregeção. Oitava Parece ainda digna de Reflexão dos Suplicantes e da Real Atenção de Vossa Alteza a circunstancia do tempo, que havendo chegado a Carestia das Carnes ao maior auge, não pode desmerecer contemplação a industria dos creadores para ser ajudada, e promovida Igualmente Se pode contemplar a vertigem, ou espirito de ambição com que em toda a parte do Reyno se tem excitado o dezejo de aforarm e apropriar Baldios, e outros terrenos para Cultura sem deixar os necessarios para os gados de Creadores mais pobres, cuja industria tambem serve ao Estado, e tanto mais quanto pela suas menores forças são precizos Vender as suas creaçoens por menor preço que os mais. Finalmente que nem a Ley de 1804 que promoveo a cul [fl. 11] tura Se pode entender no espirito que agora Se observa, nem podia advinhar a nova, e lamental decadencia da nossa Agricultura, e gados, nem ainda mais o que pode acontecer destes novos, e apreçados Fazendeiros, que augurando vantages aos bem publico na produção dos Seos Cultivos, podem vir Ser enganados nas colheitas das Suas imaginaçoens, e isto depois de apossarem-se dos terrenos em que gastando algum vintém para os possuirem, e vedarem, nem se utilizem nos annos seguintes a Sim, aos outros, Salvo na Venda dos mesmos pastos, que já deve Ser acompanhado de odioza uzura, vexam e dos pobres, e dos mizeraveis, e deminuição do bem publico actual, que Só Restará para Ser conhecido, e chorado quando não tiver Remedio. Nono He portanto indispensavel, que os Supplicantes tornem a lembar, que Se as nossa Ordenaçoens tratárão no Livro 4, titulo 43 de promover a Agricultura com tantas Regras, e Cautelas, como lemos em 314

todo aquelle titulo, tambem acautelárão no § 12 todos os matos, e matas e outros maninhos, que não forão coutados pelos Senores Reys Antecessores e São termos de Villas, e Lugares para os haverem como Seos, e os defederem e coutarem em proveito dos pastos, Criaçoens, e Logramentos que os moradores dos ditos lugares pertencem. E Como aquelle terreno tem todas as identicas ciscunstancias como fica ponderado não pensão os Suplicantes dever Ser mais axtensos,e enfadonhos a Vossa Real Alteza. Décimo Concluindo pois na Confiança da Sua justiça, em tanto mais na Alta e Regia Prezidencia de Vossa Alteza querendo tambem demonstrar a Sua [fl. 11v] prompta, e devida obediencia para os interesses da Coroa, e necessidades do Estado, havendo-se Consideração que algum pedaço daquelle terreno pode dar interesse maior sem prejuizo de todos, e sendo preferidos os primeiros, que obtiverão Provizoens, e dezignavão pequenas porçoens, e sem incommodo dos mais Vezinhos, todos os moradores sejão collectados para satisfazer aquella porção que o Impetrante offereer pelo foral, que intentava. Estes são os sentimentos com que todos assgnão, e que esperão subão a Prezença de Vossa Real Alteza confirmados, e melhor expendidos pela Cammera e Nobreza da Villa de Mafra Pe. Julião Alvares Luis Duarte Manoel Rodrigues Roberto da Silva João Duarte Joze Gomes Francisco Roiz João da Costa Manoel dos [?] Antonio Freire Francisco Antonio Antonio Alves

Jeronimo Francisco Joze Miguez Agostinho Joze Pio João Freire Gregorio Francisco Antonio Fernandes Gouveia Antonio Rodriguez Joze Martins Abel Gomes E Receberá Mercê

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[fl. 12] Manoel Freire 110 Daniel dos Santos Antonio Baleia Boaventura Joze de Fonseca Manoel Pirreira Capitam Jose Pirreira Antonio Joze Bazilio da Costa Antonio Duarte João Francisco Bernardo Baleia Anacleto Duarte Antonio da Saa Isidoro Antonio Antonio Freire Antonio da Costa Maximianno Simoens Joze Batalha XXXV [1814], s. l. Nota do Desembargo do Paço para se apurar os conflitos originados pela colocação dos marcos no dito Rossio d’Além [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 14]

Na margem superior : Joze Gorjão Nicolao Alberto 1º Tenente Ajudante do Batalham de Artilheiros Ordenados de Mafra. 110

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XXXVI 1815, Junho 5, Lisboa Nova súplica de Gregório da Silva pelo seu procurador Joaquim Alves de Melo para, sem perda de tempo, obter o aforamento do baldio contíguo a uma das suas propriedades [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 22]

[fl. 22] Senhor 111 Diz Gergorio [sic] da Silva do Lugar da Fonte boa da Bruncoza (sic) termo da villa de Mafra comarca de Torres Vedras, que havera hum anno pelo mais ou menos, que o Supplicante requerera a Vossa Alteza lhe fizesse a merce de lhe dar de aforamento parte de uma valdio (sic) que esta contiguo a hua sua propriedade para o retear e cultivar a cujo requerimento deferio Vossa Alteza benignamente mandando-lhe medir pelo Doutor Provedor da Comarca de Torres, que todavia lho marcou e medio, como consta da certidão junta, mas dipois do Supplicante ter cancelado a obra e ter feito varias despezas se oppozerão Manoel Pires, Jozé Alvez, e Jozé Freire, e empatarão a ultimação deste negocio e porque o Supplicante esta parado há muito tempo, por isso novamente recorre a Vossa Alteza para enfim demandar expedir ordem ao dito Ministro ou para que ultime o dito negocio na forma do estillo, ou exponha a Vossa Alteza o motivo porque o demora informando sem perda de tempo. Para Vossa Alteza Real se digne assim o mandar. Com o procurador Joaquim Alvez de Mello E Receberá Merce

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Na margem superior: Remeta ao Ministro Informante Lisboa 5 de Junho de 1815.

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XXXVII 1815, Junho 5, Lisboa Mandato régio efectuado por Marcolino Inácio Fernandes para que a nova súplica de Gregório da Silva pelo seu procurador Joaquim Alves de Melo, datada do mesmo dia, seja enviada ao ministro informante [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 22v]

XXXVIII 1815, Junho 14, Torres Vedras Instrumento de parecer desfavorável do provedor da Comarca de Torres Vedras ao requerimento apresentado por Gregório da Silva, morador em Fonte Boa da Brincosa sobre aforamento de um baldio no Rossio d’Além, no termo do Reguengo da Carvoeira [ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14, fl. 1-1v]

[fl. 1] Senhor Haja visto ao Processo da Corôa – Lisboa 5 de Julho de 1815 [Rubrica] [Rubrica] Escuzado. Lisboa 27 de Setembro de 1845 [Rubrica] [Rubrica] [Rubrica] 112 Suplica a Vossa Alteza Real Gregorio da Silva, morador no Lugar de Fonte Boa da Brincosa termo do Reguengo da Carvoeira, licença para poder afforar huma porção de terra no Baldio no Rocio d’Alem junto ao referido lugar, que já fica no termo de Maffra pelos motivos ponderados em seo Requerimento, o qual Vossa Alteza Real

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Na margem direita Conformemente com a Informação [Rubrica].

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manda que eu informe com o meo parecer precedendo nas deligencias do Estilo. Como havia huma Petição do Povo de Fonte Boa, que servia como de impugnação à pertenção do Recorrente julguei deve-lo juntar por linha ao principal Requerimento por versarem ambos sobre o mesmo objecto, e poder com mais familiaridade, sendo tudo presente a Vossa Alteza Real, deliberar o que lhe parecer justo. Fui ao lugar da contenda ventorirar o Chau na forma do costume, e achei pelo que se via, e pelo que disserão os louvados, e experientes do lugar que aconcellão do Baldio do Suplicado era prejudical (fl. 1v) ao Povo, porque servia o dito Chãu do vio Publico para Eiras, para as mulheres estenderem roupa, levarem meadas, para pastar gado, soltar-se a criação, cortar-se algum mato; e finalmente para misteres e veios indispensaveis dos Povos e pequenos lugares. Alem disto he o terreno cortado por duas estradas, que serveio de passagem aos habitantes. Todas estas ponderosas racoens tornão injusta a pertenção do Recorrente afim. Parece me indeferivel o seo Requerimento, e attendido o do Povo de Fonte Boa da Brincosa para que continuem a ficar o Baldio, como dantes, do veio Publico; porem Vossa Alteza Real mandará o que fôr servido. Torres Vedras 14 de Junho de 1815 O Provedor da Comarca de Torres Vedras Antonio Manuel Carneiro e Sá

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LITERATURA

FERREIRA-DEUSDADO O D. Sebastião da Vila da Praia 113 Nasceu e recebeu a graça do baptismo depois do meado do século XVI na vila da Praia da ilha Terceira, Mateus Álvares, celebrado na história pátria sob o título de Rei da Ericeira. Era filho dum mestre de obras ou pedreiro. Aprendera a primeira instrução no convento dos religiosos franciscanos de Nossa Senhora da Conceição, edificado à beira-mar. No período da revolução de 1832 esse convento passou à mão de particulares, sendo lançado por terra pelo terramoto de 1841. A vila da Praia ostenta ao observador um aspecto grandiosamente triste, e próprio para meditações graves. O painel que se patenteia à vista é pitoresco e sugestivo. A serra do Facho, do lado do aquilão, a verdejante planice que a envolve é muito aprazível. O padre António Cordeiro, citando Gaspar Frutuoso, diz que a vila da Praia da ilha Terceira era cercada de uma muralha com quatro baluartes e quatro portas: a do Porto, a do Rossio, a de Nossa Senhora dos Remédios e a das Chagas, que dentro das muralhas se continham mais de quinhentos vizinhos e que era cercada de muitas e excelentes quintas. O vasto e branco areal em hemiciclo, guarnecido de baluartes e de fortins é a ante-sala onde a vila recebe fidalgamente os hóspedes, que veem do reino de Neptuno. Foi aí que assentou arraiais o primeiro capitão donatário da ilha, campeão da heróica ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, edificando a povoação segundo a traça da Renascença, cujo estilo alvorecia no horizonte da nova aurora arquitectónica. Foi aí que Mateus Álvares passou a sua meninice, nesse solo agitado por convulsões vulcânicas, contemplando a imensa uniformidade do verde esmeraldino do oceano. Os vales são taças vulcânicas arrefecidas, acidente geográfico, que nos Açores chamam caldeiras; guardadas sempre por altas colinas, que mais parecem gigantes ramalhetes de verdura e de flores. O sol acariciador cobre-as com o manto louro e quente da sua luz velada. Raras vezes nas ilhas o céu apresenta a

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In Quadros Açóricos, Angra do Heroísmo, 1907, p. 110-117.

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diafaneidade dos dias luso-continentais. A luz solar é mais doce e menos crua do que a continental. O mestre de obras vivia na abastança com o salário do seu mister e queria que o seu Mateus fosse antes homem de ofício do que um letrado. O rapaz sonhava ambições, ía às aulas do convento, mas muito cedo sentiu o coração vitimado pelo atropismo duma bela dona. Essa donzela era filha de Gonçalo Mourato que exercia o ofício de chanceler da correição na Terceira e ilhas de Baixo. A família Mourato residia na ilha desde o século XV, época em que os Reis católicos conquistaram o reino de Granada. Provinha duma nobre tribo moiresca, aparentada com os abencerragens da corte muçulmana de Granada. Esta família de astrólogos e de alquimistas tornou-se vantajosamente apreciada em toda a ilha. Fora convertida à verdadeira religião por um freire de Cristo. Zara Mourato, conhecida pela Mouratinho, era o enlevo não só de peões, mas de cavaleiros. Em verdade nascera linda como as flores do campo, pura como o orvalho que as refresca, brilhante como a luz que as colora. Conservava muitos caracteres da raça árabe, e até possuia a meiga distinção de filha dilecta do emir. Alta, delgada, de linhas finas e doces, tez desmaiada de tom dorido, olhos negros, amplos, cabelo sedoso e escuro, as pérolas dos dentes saíam do seu escrínio de púrpura, quando deixava desabrochar um sorriso. E esse sorriso era um bálsamo celeste com que são ungidos os anjos. O seu olhar era tão docemente penetrante que rasgava as cerrações da alma dos que tinham a fortuna de ser alvejados. Possuía, herdada da avó mourisca, uma jóia de diamantes em forma de crescente muçulmano, orlado de flores feitas de outras pedras preciosas, e em cada uma dessas flores um versículo de surata adequado do Alcorão, aberto em rubis. O ruivo filho do pedreiro, jovem ambicioso, via o mundo através os finos cristais da imaginação poética. Sonhara possuir na encosta florida dum monte uma branca casinha alegre e meiga como um ninho. Nessa casinha sentir o hálito perfumado duma filha de Moirisma, vestida de colóbio branco ou de túnica de côr celeste, redolente a princesa árabe. Mateus Álvares amava Zara e cada vez que a via, lançava novos deleites na vaga imensidade do seu sonho. A gramática latina e o padre-mestre do convento ficavam às vezes esquecidos. Depois de sucessivas provas negativas, de pungentes amarguras, viu que não era correspondido. Esse sonho tão longamente acariciado 324

no fundo da sua alma, desfez-se. Reflectiu que ele no mundo era um triste verme, e que pretendia loucamente colocar-se no caliz duma esplendente rosa. O seu pungitivo conceito acha-se expresso nestes versos: Descia um lúcido raio Ao seio de certa rosa A manhã, porque era em Maio, Podeis ver que era formosa. A flor sorria nos vales, E o doce raio do sol, Achou-lhe dentro do caliz Um nefando caracol! De súbito exclama irado: -Que fazes, podes dizer-me, Neste seio imaculado Quando não passas dum verme?! Eu por mim, sou essa aurora Que um supremo olhar produz! -Eu sou um verme que adora Todo o seio aberto à luz. Dissipado o nevoeiro da quimera, o espírito de Mateus teve a consciência de estar acordado, vindo aos rebolões das altas regiões do sonho. Chamado à realidade concebeu o projecto de vingar-se, lançando-se altaneiramente ao mar da ambição social. Um dia seria homem grande, e poderia arrogantemente desdenhar Zara. Esse revés sofrido não lhe abateria o ânimo, nem lhe quebrantaria o esforço, seria, ao contrário, um estímulo para a luta. Resolveu, pois, partir para Lisboa, apenas carinhosamente recomendado pelos frades. O laborioso e experimentado pedreiro disse-lhe: - Meu filho, bem pareces apressado ribeiro, que não sentes, nem o bem que perdes, nem o dano que buscas, pois te ausentas do berço em que nasces para buscar no mar a sepultura! Deixas a pátria pelas terras estranhas, o abrigo da fonte que te cria, pelo desabrido das ondas que te esperam!

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A adolescência sonhadora e bucólica deste mancebo, vibrou no cristal transparente da poesia, mas o seu fim trágico repercute-se no bronze da história. O palhabote da sua fortuna velejou com vento ao largo até Lisboa. Entrou como noviço no convento de S. Miguel, junto de Óbidos, depois passou para o convento da Cortiça na serra de Sintra. Não querendo submeter-se à austera disciplina monacal, tornou-se eremita, e foi residir num eremitério junto da Ericeira. Filipe II de Espanha acabava de ser aclamado Rei de Portugal. A alma popular abatida pela desventura refugiou-se no maravilhoso. Acreditava-se que o Rei D. Sebastião não morrera, e que andava pelo mundo cumprindo penitência por ter arrastado o reino à perdição. O messianismo sebastianista apoiou-se e fortaleceu-se nos versos proféticos de dois famosos sapateiros do século XVI: Simão Gomes e Gonçalo Bandarra. O encoberto havia de aparecer num dia de nevoeiro. Mateus Álvares, mancebo gentil, era da mesma altura e da mesma idade do Rei falecido. Tinha a tez branca, o cabelo e o buço ruivos, como os príncipes da casa de Áustria. A testa igual à de D. Sebastião, formava dois espaçosos cantos ou ângulos reentrantes, divididos pela saliente superfice central de cabelo. Como o soberano sepultado nas plagas da Mauritânia, Mateus Álvares mostrou-se desde a adolescência meditativo e silencioso: de inteligência aguda e de imaginação ardente, arriscando-se a perigos até à temeridade. Tinha exaltações religiosas e altanerias impróprias do seu humilde nascimento. Depois do desastre de Alcácer-Quibir, cria-se ardentemente existir D. Sebastião, envolto numa nuvem de misteriosa auréola, lembrando D. Rodrigo, último cabeça do império visigótico. No eremitério, em todo o reino, não se falava senão em visões sebastianistas. Mateus Álvares começou a revelar-se com ares melancólicos e misteriosos que faziam cismar as pessoas que com ele falavam. Em volta do eremitério principiava a gente a perguntar se não seria Mateus Álvares, um penitente, expiando culpas, talves o próprio Rei D. Sebastião? As conjecturas iam-se avolumando. Corria como certo que se tinha ouvido, no silêncio da noite e na solidão do eremitério, Mateus Álvares flagelar-se, exclamando, quando julgava que ninguém o ouvia: “Portugal! a que abismo desceste! Sou eu a causa

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da tua desgraça! Infeliz Sebastião, com que penitência hás-de expiar as tuas culpas?” Pouco a pouco contou-se como assente que naquele humilde tugúrio vivia encoberto o Rei desejado. Não era unicamente o povo que acreditava, também a gente da burguesia e da abastança. O rico proprietário do Rio de Mouro, Pedro Afonso, jurou que antes do dia de S. João o havia de sentar no trono. Esses rumores chegaram a Lisboa. O governo ficou sobressaltado, e mandou um corregedor à Ericeira inquirir do caso. À chegada do corregedor sumiram-se os partidistas do Rei escondido. Voltou para Lisboa tranquilo, supondo que o motim desaparecera. Rapidamente e como por milagre o grupo tornou a formar-se, e Mateus Álvares desvanecido com a fidelidade dos seus vassalos, começou a distribuir mercês e títulos. Pedro Afonso foi feito, pelo pretendente, Conde de Monsanto, senhor da Ericeira e governador de Lisboa. A filha deste importante vassalo foi escolhida para esposa, e coroada Rainha de Portugal com um diadema pertencente a uma imagem de Nossa Senhora. O pretendente permanecia sereno e hábil, enviando mensagens secretas a diferentes fidalgos, antigos companheiros de armas da infeliz jornada da África. Teve o ousio (?) de enviar uma carta ao Cardeal Arquiduque Alberto, ordenando-lhe que saisse do reino. Espalharam-se proclamações chamando o povo às armas. A insurreição ia-se tornando séria. Reunira em volta de si mais de mil homens com provisões e munições. Desembargadores, corregedores e outras autoridades, lá enviadas, uns foram lançados ao mar das ínvias escarpas da Ericeira e outros trucidados. Às intimações da autoridade respondiam os fanáticos sequazes do pretendente com descargas de fuzilaria. Por último os insurgentes foram derrotados e muitos dos cativos submetidos à tortura. Houve pelejas renhidas, e recontros aturados, correndo o sangue a jorros e morrendo muita gente 114. Não seria este pretendente um alucinado, um fenómeno psicopático de mudança de personalidade, acreditando-se sinceramente o próprio Rei? Mateus Álvares, Rei da Ericeira, entrou em Lisboa, prisioneiro, dia 12 de Junho de 1585. Sendo-lhe aplicada a tortura, suportou-a com Na parte histórica desta narrativa seguimos a obra Les faux Don Sebastian, de Miguel d’Antas. Etude sur l’histoire de Portugal, Paris, 1866. É a mesma fonte expositiva neste capítulo da História de Portugal, de Manuel Pinheiro Chagas. 114

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ânimo e dignidade, declarando nobremente que de caso pensado tomara o nome de D. Sebastião, e que as suas intenções eram concitar os portugueses contra o jugo castelhano e depois diria. “Estais livres, escolhei o Rei que vos aprouver”. A grandiosa simplicidade desta confissão gerou pânico nos juízes, por verem que uma causa que inspirava tais dedicações, vivia intensivamente no âmago do coração. A forca, erguida pelos zelosos corregedores, na Ericeira, em Mafra e em Torres Vedras, ficou permanente, até que o Arquiduque Alberto comovido lhe pôs termo. No dia 14 de Junho de 1585, ao D. Sebastião da vila da Praia, foi cortada a mão direita pelo algoz,mão com que assinara alvarás e proclamações¸depois enforcado, a cabeça separada do tronco, ficando durante um mês exposta no pelourinho, e o corpo, retalhado em pedaços, foi repartido pelas portas da cidade de Lisboa. * * * Os velhos da vila da Praia da Vitória ainda hoje mostram na ponta da Mamerenda, alongada sobre o mar, a penedia musgosa, onde o infeliz enamorado de Zara, corroído pela amargura e requeimado pela vingança, ía solitariamente entre o jantar e a ceia, horas de merenda, meditar e chorar 115.

O fim trágico de Mateus Álvares é rigorosamente histórico. Depois casualmente lemos o seguinte: O Rei da Ericeira, comédia em três actos, inédita, de Jacinto Heliodoro de Faria Aguiar de Loureiro, revista, refundida e muito ampliada por Júlio de Castilho e publicada em folhetins no Correio Nacional, de Lisboa, a começar em 31 de Dezembro de 1901. O autor ainda vivia em 1859 com 53 anos de idade. Foi jornalista e dramaturgo pouco conhecido. Esta comédia é uma irritante falsificação histórica de lesa-arte. Faz o Rei da Ericeira natural de Mafra, com o nome de família de Fernão de Sá. Cobre-o de zombarias, ultimando a comédia com indultos mentirosos e aviltantes, fazendo cair de joelhos o altivo Terceirense aos pés dum perdão do governo de Castela. O engraçado da comédia não vale as odientas injúrias à verdade histórica. Nunca é lícito tornar uma tragédia grandiosa e real numa farsa desprezível. 115

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ALBERTO PIMENTEL O Rei da Ericeira I - Se ele não for santo, quem o há de ser! - Já o viste, Thuribia? - Se o vi? Já até lhe falei. Está metido dentro da sua gruta, de onde só avista o mar. é como se quisesse ter Deus sempre diante dos olhos. Figura-te que cheguei à boca da gruta, e chamei, tremendo: Meu Senhor! meu senhor! De aí a momentos, vejo-o a aparecer: um lindo homem, muito branco, com os cabelos louros e os olhos azuis, com um ar de tristeza, que fazia respeito. Mal me viu, perguntou-me: “ A que vens tu, minha filha?”. estive um instante sem poder responder-lhe. Mas cobrei alento e disse-lhe: “A ver vos, real senhor”. E logo caí de joelhos, porque as pernas me tremiam como varas verdes. Então aquele anjo do céu, estendendo os braços, levantou-me, passou-me a mão pelo rosto, e disse-me como se estivesse falando à sua filha: “Ora pois! entra com Deus, e ouvir-te-ei” - Não sei como tiveste coragem de estar falando a tão alto senhor! - Eu andava já há dias para dar tão ousado passo, porque tinha curiosidade de ver o nosso santo rei D. Sebastião; mas acanhava-me de o fazer. Outro dia fui à Carvoeira e, quando lá me vi, entrou comigo a curiosidade. Uma voz cá de dentro dizia-me: “Vai”. Fui. Meti pelo caminho de S. Julião e procurei a gruta, que me tinham dito ficava à beira do mar. Lá mesmo o encontrei. O Tio António Simões havia jurado a meu pai que era aquele em carne e osso el-rei nosso senhor, que tinha podido escapar aos mouros. Ele que o diz é porque o sabe, que o Tio António Simões é um homem de bem ás direitas. - E que te disse el-rei nosso senhor? - Perguntou-me quem me tinha mandado lá. Contei-lhe a pura da verdade: o que meu pai ouvira dizer ao Tio António Simões. Vai ele e sorriu-se. Esteve alguns instantes calado, com os olhos fitos no mar, e depois disse-me com uma voz tão doce, que parecia música do céu: “António Simões é um bom homem, mas julga que eu sou quem não 329

sou. Não passo, filha, de um pobre solitário, que já não quer nada do mundo, e só deseja que o deixem tranquilo para chorar tudo quanto tinha e perdeu.” - E tu que lhe disseste? - O que lhe havia eu de dizer?! Que todo o povo da Ericeira sabia muito bem quem era aquele grande senhor, por mais que sua alteza real o quisesse disfarçar. Que não havia palmo de terra onde não tivessem caído as lágrimas do povo, que chorava a grande desgraça do seu rei. E nisto, filha, rebentaram-me as lágrimas dos olhos, a quatro e quatro. Vai ele e levantou-se, encostou a minha cabeça ao seu peito, e disse-me: ”Não perdeste o teu tempo, conquanto te enganasses com a pessoa que procuravas. Eu não sou quem António Simões cuida; sou, sim, um pobre solitário que se habituou a conversar com Deus, de dia e de noite, na grandeza das suas obras. Vai-te, e diz ao honrado povo da Ericeira que eu não sou quem eles erradamente supõem, mas que nem por isso deixo de ser menos pecador. Pede-lhes que me deixem em paz, que não procurem avivar no meu espírito pensamentos que eu desejo afastar. Diz a teu pai e a teus vizinhos isto mesmo, que o meu maior desejo é fazê-lo saber a este desgraçado povo escravizado”. Eu tinha relanceado os olhos pela gruta, onde só havia terra e pedra. Não tive mão em mim que não dissesse: “E estais vós aqui, meu senhor, sem uma enxerga onde o vosso corpo repouse?!” Aquele grande senhor sorriu-se e tornou-me: “Perdi tudo o que era do mundo, filha, não se me dá de agasalhos. António Simões já para aqui teimou em trazer uma enxerga e uma manta, e eu dei-as ao primeiro mendigo que por aqui passou. Era um cego - cego dos olhos, que outros o são do entendimento, mais cegos ainda que os dos olhos, porque não querem ou não podem ver a sua desgraça. E despedindome deu-me um beijo na testa. A sua boca parecia feita de veludo. Eu corei, que senti todo o sangue subir-me à cara. E, recuando, saí da gruta, com o mesmo respeito com que teria saído do Paço da Ribeira. - Não contaste isso a mais ninguém? - Ora! não contei eu outra coisa! Vim pela Carvoeira, e logo ali ficou tudo em pratos limpos. Juntou-se povo assim para ouvir-me - e juntava os dedos das mãos uns aos outros. Mulheres não havia mais na povoação. Umas já o tinham ido ver. Tal qual como a mim! diziam elas quando eu estava contando o que aquele grande senhor me havia dito. 330

- Não se quer dar a conhecer! bradava uma. - É o que é! dizia o tio Duarte Gil, que sabe muito bem, por lho ter confessado o tio António Simões., que aquele santo é a real pessoa de el-rei D. Sebastião em carne e osso. Outras mulheres vão lá amanhã pedir-lhe que as deixe beijarem-lhe a mão. - E tu beijaste-lha? - Mal pecado! De atarantada que estava, nem lembrança tive de lhe pedir que me deixasse beijar-lhe a mão. Que falta de respeito que eu cometi com aquele grande senhor! Mas hei-de lá tornar para lhe beijar a mão... - E eu vou contigo também. - Pois iremos ambas, que tiraremos o medo uma à outra. Que ele a bem dizer não há pessoa mais bondosa, mas a gente, como sabe que é el-rei nosso senhor, acobarda-se de lhe falar. É o que é. Quando queres tu lá ir? - Vamos para a semana, que tenho menos lida. - Tens tu lida tamanha que te não dê vagar para anediar as crenchas? Ou queres por saia de cós de veludo com alforja nas vasquinhas? - Sou agora alguma figura de almadraques! Mas para a semana deve estar pronto o meu gonete de serguilha. II Era raro o dia que na gruta de S. Julião não entravam dezenas de pessoas propelidas pelo desejo de ver de perto o santo rei desgraçado, que se tinha purificado de todos os seus erros na catástrofe de Alcácer-Quibir e que, estranho no seu próprio país, chorava na solidão a perda da coroa real, que recebera de seus avós. O litoral é retalhado em grandes penedias desconjuntadas, que tombaram umas sobre as outras, como destroços de uma vasta edificação arruinada. A negrura do basalto parece retinta nas labaredas de um incêndio antigo, que o facho de uma destruição enorme ateou. Aqui e ali uma estreita faixa de areia mitiga a aridez das ribas, oferecendo-se aos beijos da onda, que umas vezes se contenta em osculá-la fugitivamente, outras vezes, empinando-se em vagalhão, arqueia sobre as rochas negras o dorso flexível, quebrandose subitamente numa explosão estrondosa de flocos de espuma.

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Na corda do litoral, avançando para o sul, o Cabo da Roca alteia-se com a perspectiva de um cubelo longínquo, que fortifica a extremidade da ampla cordilheira de Sintra, recortada em ondulações gobosas, dando a impressão de um enorme dromedário petrificado. Em frente da gruta, o mar, sem limites e sem recifes, imenso como a ambição dos homens, profundo como a grandeza de Deus. Era ali, no recesso daquela gruta solitária, que Mateus Álvares alimentava os seus planos audaciosos, vastos como o oceano, espelho de todas as ambições terrenas, porque agora se aquieta por momentos para logo se revoltar num desespero incansável. Ele tinha nascido na ilha Terceira, rodeado pelo mar, - pelo mar que parecia ser o modelo caprichoso do seu destino. Seu pai fora um pedreiro, um humilde, que não atava às suas tradições de família um apelido distinto. Uma febre lenta de celebridade devorava em segredo a alma de Mateus Álvares, enfuriando-o na raiva de se ver tão humilde como seu pai. O mar sorria-lhe como uma estrada aberta e provocadora, que chamava os sonhadores, para os afogar na perfídia de um naufrágio ou para os revezar numa praia de continente. Tantas vezes o mar o procurou atrair, que Mateus Álvares acabou por confiar-se-lhe. Por única bagagem, a sua ambição. Não tem outra os ambiciosos que se aventuram. Veio quase ao acaso para a metrópole, e obteve ingresso num convento da Estremadura. A sua alma pôde respirar mais desafogada, porque ele, o filho de um obscuro pedreiro açoriano, conseguira irmanar-se pelo hábito aos mais ilustres da comunidade. Mas a sua ambição constituíra uma espécie de indisciplina revoltada, que lhe tomara insofrível o peso dos cânones. Deliberou, pois, fugir às peias regulamentares da vida monástica, e continuar a aventurar-se ao sabor da sua fantasia irreprimível. Ainda assim trouxera do convento um pecúlio proveitoso de frases untuosas e de inflexões macias, que não era para desaproveitar. Para uma viagem incerta todo o viático é prudente. Da ciência dos frades trouxera apenas essa: a de saber viver para manobrar a rota de uma ambição indeterminada, mas audaz. Transitando de povoação em povoação, reconheceu que todo o burgo era como que uma esponja que absorvia as mais salientes individualidades. Escolheu pois a solidão para se fixar, porque a 332

solidão dá relevo à excentricidade, quase sempre pretensiosa, do solitário. E depois melhor é, para os ambiciosos, atrair o burgo do que ser absorvido por ele. Uma gruta, não tão solitária que não estivesse encravada entre duas povoações do litoral, a Ericeira ao norte, S. Julião ao sul, mas não tão próxima do povoado que o povoado a assoberbasse, foi o palco escolhido por Mateus Álvares para o drama, que ele entrevia, da sua existência futura. Os primeiros dias arrastaram-se estéreis de peripécias, porque a vida da lavoura desliza sempre no mesmo trilho, sem avidez de sensações, e ele estava ladeado de camponeses. As primeiras noites eram profundas, insondáveis nas oscilações vagarosas desse colossal relógio que se chama céu. A lua, enorme pêndula de prata, baloiçavase monotonamente sobre o azul, parecendo marcar as primeiras horas da eternidade. E Mateus Álvares, entregues à sua imaginação audaciosa, pensava, sentado numa pedra da gruta, com o rosto apoiado nas mãos, os cotovelos apoiados nos joelhos, descaído o lábio inferior, como D. Sebastião, diríeis. Foi na solidão da beira-mar que Mateus Álvares procurou sondar a sua ambição, interrogá-la e medi-la. O que era que ele queria, a que ideal aspirava? E então, como se encontra de repente o conceito de um enigma, reconheceu que tinha seguido o rasto do rei de Penamacor, o primeiro falso D. Sebastião. Como ele, havia tentado e abandonado a vida conventual; também como ele se fizera eremita. Mas o capuz que escondia a fisionomia do rei de Penamacor, bem pouco semelhante à de D. Sebastião, podia Mateus Álvares dispensálo vantajosamente, porque as suas feições acordavam a reminiscência das feições do misterioso vencido de Alcácer-Quibir. Era uma vantagem enorme sobre o seu predecessor. Não a deixaria escapar-se. Este sonho de grandeza subjugara completamente a sua ambição; enchera-a. Mateus Álvares erguera-se a meio da gruta, e com o rosto alto, fitava o mar, onde a lua estirava um tapete de malhas argênteas. Uma visão grandiosa passara pelo seu espírito, como na fascinação de um espectáculo fantástico: ouvira o trono de Portugal gemer debaixo dos seus pés e vira o leão de Castela recuar diante dos seus chapins dourados.

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O alvo do seu destino estava, desde essa hora, fixado: mirava-o com segurança, a despeito da sentença que condenara a galés perpétuas o rei de Penamacor. Mas as távolas do jogo de Mateus Álvares eram outras, e melhores. A sua semelhança com D. Sebastião valorizava o êxito da empresa. Tinha a mesma idade do rei, a mesma brancura de pele, a mesma barba aloirada. E depois a opinião pública estava já impressionada pela credulidade, disposta a admitir como possível o regresso do vencido de Alcácer-Quibir. O rei de Penamacor havia preparado o caminho, fora o mártir de uma ideia e, pelo que respeita às ideias, raras vezes lhes colhe o fruto aquele em cujo espírito elas primeiro floriram. Isto pensara Mateus Álvares, e desde essa hora, sonhou-se rei de Portugal. III Traçado o plano, Mateus Álvares começou desde logo a executá-lo habilmente. O acaso havia-lhe deparado um poderoso auxiliar na pessoa de António Simões, abastado proprietário de S. Julião. Foi-lhe fácil reconhecer a ingenuidade que enchia a alma crédula e boa do camponês. Exaltou-lhe a imaginação falando-lhe das desgraças que pesavam sobre Portugal oprimido. Contou-lhe a história do desastre de Alcácer-Quibir, com grande minudência de informações, umas exactas outras fantasiosas. Foi até ao ponto de descrever-lhe as sensações íntimas do rei na hora em que a nacionalidade portuguesa se englofou febrilmente num abismo de sessenta anos de cativeiro. A escravidão havia acordado na alma popular o sentimento do profetismo poético. Bandarra, falecido trinta e cinco anos antes, tinha acendido nas almas simples o facho da credulidade vidente. O rei voltaria da ilha encoberta, porque as profecias o prometiam: Este sonho que sonhei É verdade muito certa, Que lá da ilha encoberta Vos há de chegar este rei.

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Mateus Álvares, que facilmente conseguira lançar suspeitas no ânimo de António Simões, acerca da sua misteriosa individualidade, revelara-lhe contudo, acentuando muito intencionalmente esta revelação, que tinha chegado dos Açores, de uma ilha, a Terceira. E recordava-lhe ao mesmo tempo, como entregando-lhe o fio de um segredo, a trova de Bandarra: Que lá da ilha encoberta Vos há de chegar este rei. D. Sebastião voltaria pois, porque o profeta mais de uma vez o afirmava com segurança: Vejo sem abrir os olhos Tanto ao longe, como ao perto, Virá do mundo encoberto Quem mate da águia os polhos. O sebastianismo, difundido nos campos pelas trovas que se popularizaram, ao mesmo tempo que robustecia a crença de que o Encoberto voltaria, cavava abismos de dor no íntimo das almas, que viam perdida a independência da pátria. Mateus Álvares não deixou de acentuar o efeito sugestivo de cada uma das suas meias-palavras, e procurou atear no espírito do pobre camponês a mágoa que o desastre de Alcácer-Quibir havia derramado em todos os corações, a sede de repor no trono o rei cristão que tinha sido vencido pelos infiéis nas plagas de África. Ensinou-lhe o romance castelhano, que se vulgarizara em muitas povoações: Puestos estan frente a frente Los dos valerosos campos, Uno es del rey Moluco, Otro de Sebastiano. E quando o pronunciou a palavra Sebastiano, o seu corpo estremeceu numa vibração nervosa, e dos seus olhos rebentaram lágrimas, que revelavam uma dor muito íntima, muito concentrada num segredo cheio de personalismo. 335

Mas não passou das meias-palavras, nos primeiros tempos, não passou das sugestões artificiosas, por gestos ou vocábulos. António Simões revelou primeiro à mulher, depois ao seu amigo Pedro Afonso, de Rio de Mouro, o segredo das suas apreensões. A mulher acreditou logo que o solitário da gruta fosse el-rei D. Sebastião. Mas Pedro Afonso achou prudente que António Simões procurasse um meio de levar Mateus Álvares a denunciar a sua individualidade, a trair o seu disfarce. Combinaram os dois que António Simões, durante uma dessas entrevistas, chamaria o diálogo para a pessoa do Rei e, levantando-se de repente para logo cair de joelhos, beijaria a mão de Mateus Álvares, bradando, inclinado e reverente:” Meu Senhor! meu senhor!”. Assim fez. O solitário julgando que já era tempo de vibrar o golpe de misericórdia, quando António Simões genuflectiu osculandolhe efusivamente a mão, levantou-o carinhosamente nos braços, encostou-o ao peito, que conseguiu fazer arquejar e disse-lhe: ”Pois bem ! Já que adivinhaste o meu segredo, respeita a minha miséria, deixa-me acabar na obscuridade uma vida que não soube conservar no trono”. António Simões jurou guardar a mais absoluta reserva, para tranquilizar o espírito do solitário, mas o seu coração transbordava de felicidade expansiva por ser ele a pessoa a quem coubera a sorte de restituir à Pátria o rei Desejado e a independência perdida. Pediu, instou com Mateus Álvares que lhe desse a honra, ainda que imerecida, de ser seu hóspede. Álvares, já autoritariamente, intimou-lhe que se abstivesse de insistir no oferecimento. Requereu submissamente António Simões que ao menos Sua Alteza real se dignasse aceitar-lhe uma enxerga, para o seu real corpo repousar, e uma manta, para cobrir o seu corpo real. Mateus Álvares transigiu, se bem que ainda contrariado, mas previu que o aceitar a enxerga, para a dar depois a qualquer mendigo, seria um acto de abnegação que António Simões se apressaria a capitular de sublimemente evangélico. Pedro Afonso quis ir, com o seu amigo António Simões, beijar a mão do rei Encoberto. Mateus Álvares deu a perceber que, sendo Pedro Afonso íntimo amigo de António Simões, não podia nem devia reservar de um o segredo que tinha revelado ao outro. Portanto, deu a dextra a beijar a Pedro Afonso, e tratou-o com tanta maior deferência

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quanto, desde o primeiro lance de olhos, reconheceu que era esse o homem enérgico e resoluto que lhe convinha. Efectivamente, Pedro Afonso conservava o tipo desses chefes atléticos que nas sociedades grosseiras se impõem ainda pela força. Uma página de Herbert Spencer na Sociologia assinala que é a força que constitui ainda o primado entre os bosquímanos, os tapajos, os beduínos e outros povos selvagens. S. Julião, no séc. XVI, e por ventura ainda hoje, não variava muito dos costumes dos bosquímanos, beduínos e quejandos. Era de elevada estatura, quase um gigante. Cabeça leonina, peito arqueado, braços musculosos, voz volumosa. Estava habituado a correr aventuras com as armas na mão. Combatera nos batalhões populares pela causa do Prior do Crato, o rei mais efémero e também mais popular que tem havido em Portugal. Moralmente, partia do princípio de que todos os caminhos levam a Roma, e para derrubar o governo de Castela, que odiava, parecia-lhe que todos os meios seriam excelentes contacto que oferecessem alguma probabilidade de bom êxito. Mateus Álvares ficou encantado de ouvi-lo, sobretudo quando Pedro Afonso resolutamente, pôs cartas na mesa e aclarou o jogo. Tinha uma filha. Esteva disposto a sustentar a causa de el-rei D. Sebastião, como havia sustentado a do Prior do Crato, por que ele apenas queria, segundo afirmava, assegurar a independência de Portugal. Mas era arriscado o jogo, porque os castelhanos não largariam de boa mente o poder que haviam empolgado. Oferecia-se como chefe das hostes do Encoberto, deitaria pregão para uma nova cruzada, recrutaria gentes, reuniria armas, com o auxílio do seu amigo António Simões, se ficasse estipulado que sua filha viria a ser rainha de Portugal. Declarou que, se António Simões tivesse uma filha, não faria semelhante proposta, porque ela, em atenção ao pai, deveria ser a preferida. Mas como António Simões tinha um filho, que poderia ser largamente agraciado pelo soberano, não prejudicava os justos direitos do seu amigo. O rei concordou. António Simões subscreveu ao pacto, e ofereceu a Mateus Álvares mais um soldado na pessoa do filho. Desde essa entrevista, que tomara um carácter decisivo, Mateus Álvares era, para aqueles dois homens, o rei de Portugal.

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IV Em entrevistas ulteriores, Mateus Álvares combinara com Pedro Afonso e António Simões que, ao passo que eles espalhariam que finalmente el-rei D. Sebastião havia reaparecido disfarçado em eremita, ele, por sua vez, lhe daria sibilinamente, isto é, por palavras duvidosas e vagas a sua qualidade de pessoa real. Deste modo justificaria o disfarce que havia tomado e acautelava-se de qualquer represália que o Arquiduque Alberto pudesse empregar contra ele. Eram ainda uns assomos de medo e de incerteza pelo impulso que Pedro Afonso daria ao cometimento. Mas Pedro Afonso não se importava de correr todo o perigo, numa empresa cujo bom êxito poderia transformá-lo no segundo homem de Portugal, sogro do rei e seu braço direito. Badalava por toda a parte que na gruta de S. Julião estava recolhido o rei de Portugal, vivendo em miséria extrema; que era preciso repô-lo no trono, expulsando o estrangeiro intruso; que a conquista da independência da pátria, estando no coração de toda a gente, apenas dependia do regresso do rei, a quem o trono pertencia perante a justiça de Deus e o direito dos homens. “Ora, perorava ele, o rei voltou, está na gruta de S. Julião. Ide lá vê-lo apresentar-lhe as vossas homenagens de amor e respeito. Se ele vos quiser fazer persuadir de que não é D. Sebastião, tomai as suas palavras por uma prova de humildade cristã e de arrependimento que não podemos consentir”. A filha de Pedro Afonso, António Simões, sua mulher e seu filho secundavam-no nesta cruzada patriótica, anunciando aos povos que o rei D. Sebastião tinha voltado e estava na gruta de S. Julião sem ter enxerga para deitar-se, nem manta para cobrir-se. Formigueiros de gente concorriam diariamente a visitar o Encoberto na sua gruta da beira-mar. As mães levavam-lhe açafates de fartes, girgiladas e frutas. As filhas, que tinham começado por ir beijar a mão de Mateus Álvares, acabaram por levar-lhe flores do campo, que dispunham em tapete dentro e fora da gruta, como fazem delicadamente certas aves do paraíso, a amblyornis ornata, principalmente no seu ninho primaveril. Ele, dando aos olhos azuis uma doce expressão de ternura, abraçava-as respeitosamente, e procurava palavras com que pudesse

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negar frouxamente ser o rei D. Sebastião, sem contudo ferir a credulidade ardente do mulherio exaltado. Que não era quem elas cuidavam; mas que no seu coração havia uma inextinguível mágoa pela ruína de Portugal e pela usurpação feita ao rei lusitano, que ele conhecera muito bem numa ilha encoberta, como diziam as trovas do profeta de Trancoso. As velhas respondiam-lhe que não estivesse sua alteza real a negar a sua hierarquia, e as raparigas curvadas, abraçavam-lhe os joelhos, procurando beijar-lhe os pés, que graças ao aroma das flores, podiam disfarçar qualquer exalação menos aromática que a das flores. Algumas raparigas, à boca pequena e entre si, queixavam-se da esperteza ambiciosa umas das outras, citando o nome das que tinham ido de noite perguntar a el-rei D. Sebastião se ele queria ser alumiado pela lamparina dos seus olhos. Quando sentia que fora da gruta o estavam escutando, Mateus Álvares, fingindo penitenciar-se, batia rijamente com as disciplinas contra a parede, exclamando lastimosamente: “ Ai de ti, Sebastião, que toda a penitência é pouca a respeito das tuas culpas” 116. Outras vezes, simulava estar pensando em voz alta, e dizia interrompendo-se com repetidas intercalações de suspiros angustiosos: “Portugal! Portugal, que é de ti? que eu te pus no estado em que estás!” 117 O povo ouvia o monólogo e acreditava-o. Chorava. Mateus Álvares, para completar o efeito do logro, fingia dobrar o seu próprio choro. Os homens, fanatizados por Pedro Afonso, principalmente arregimentavam-se para defender a sagrada causa do rei D. Sebastião, e já o alistamento dos voluntários orçava por oitocentos soldados. Desenvolvendo uma grande actividade, no comando em chefe da hoste, Pedro Afonso fazia excursões até Torres Vedras afim de adquirir armas e munições de guerra. Encontrava, é certo, alguns incrédulos, que lhe lembravam o caso do malogrado rei de Penamacor. Mas Pedro Afonso, com uma grande audácia, respondia-lhes que fosse ou não fosse o vencido de Alcácer-Quibir, Mateus Álvares havia de estar sentado no trono de Portugal antes do dia de S. João. 116 Ano histórico, tomo 2, p. 470. 117 Avisos do céu, tomo 1, p. 247.

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Vendo que as adesões eram numerosas, e que o alistamento engrossava, o que valorizava a empresa, Mateus Álvares julgou ser chegado o momento oportuno de começar a execução do plano audacioso a que se havia associado. Fixou o dia para a solene aclamação e consórcio de sua alteza real. Alea jacta erat: Mateus Álvares, enquanto arriscasse a pele, não podia recusar nem retroceder. No burgo da Ericeira, em plena praça pública, dispuseram-se os aprestos para as grandes cerimónias, em que o rei, pela primeira vez depois de repatriado, devia aparecer ao seu povo. As flores e os estandartes ornamentava galhardamente a praça, em cujo centro fora levantado o sólio com docel e cadeiras de espaldar. Num altar, armado de improviso, a coroa de Nossa Senhora esperava o momento de descer sobre a cabeça da rainha, a filha de Pedro Afonso e ninguém se lembrava de perguntar, nem ela mesma se seria certo que D. Sebastião aborrecia as mulheres, como dizem alguns escritores fáceis em acreditar coisas pouco verosímeis. Parecia-lhe à noiva que tal não sucederia. Em torno da praça, o pequeno exército do rei da Ericeira, marcialmente equipado, fazia guarda de honra ao trono. Um vozear atroados e festivo saudou a aparição do cortejo real. Vinham à frente dois mocetões de Fonte Boa dos Nabos desempenhando as funções de porteiros da cana. Seguiam-se os reis de armas, a cavalo e descobertos, e os moços da estribeira: a fina flor dos rapazes de Odrinhas e Cheleiros. O cargo de estribeiro-mór era exercido por Pedro Afonso, que tivera a descrição de se nobilitar com o apelido de Meneses. A cavalo, e coberto, o seu olhar altivo dominava a multidão. Com pequeno intervalo, cavalgava o rei, carnavalescamente majestoso, de elmo e arnês, com o manto de púrpura pendente sobre as ancas do cavalo branco. A espada nua não era a precisamente de Afonso Henriques, que D. Sebastião tinha levado para Alcácer-Quibir, mas não seria menos antiga. A futura rainha, montava também um cavalo branco, que António Simões, por grande distinção honorífica, levava de rédea. O vestido era de fazenda azul celeste, decotado, e com tufos brancos nas mangas. Na cabeça boné de veludo preto, com pluma branca e pedras falsas. Punhos de renda cuja brancura contrastava 340

com a negrura das mãos crestadas. Desde a cintura até aos pés um cordão de retrós amarelo intervalado com esmeraldas de vidro. Ombros nus, opulentos de carnação sadia, e algum tanto morena. Um colar de ouro, com um bonso pendurado. Após as pessoas reais, aglomerava-se multidão de cavaleiros, sem distinção de lugares e cobertos: as rédeas sofreadas, as cabeças dos cavalos muito altas, os pés enfiados nos estribos quase até aos calcanhares. Hoje poder-se-ia chamar àquilo um círio. No ano da graça de 1585 era a paródia de um cortejo real. V O rei e a rainha descavalgaram à ilharga da praça do Jogo da Bola e dirigiram-se, a passo mesurado, para o sólio erguido a meio da praça. O rei subiu primeiro e conservou-se de pé sobre o trono. Pedro Afonso, com voz estertorosa, perguntou, do alto do último degrau: - Não é verdade que reconheceis a presença do nosso senhor e rei D. Sebastião, que Deus Guarde por muitos e dilatados anos? - É verdade! é verdade! conclamou a multidão. Pedro Afonso prosseguiu: - Não é verdade que de livre vontade o reconheceis como nosso senhor e rei, a quem de direito pertence a coroa de Portugal? - É verdade! é verdade! repetiu em coro a multidão. Então Pedro Afonso subiu ao estrado, tirou delicadamente o elmo que cingia a cabeça de Mateus Álvares, substituindo-o pela coroa real, que o capelão da ermida do Espírito Santo lhe entregou depois de a ter abençoado na presença do povo. Procedeu-se em seguida ao casamento, sendo a filha de Pedro Afonso conduzida ao sólio pela mão de António Simões. O capelão da ermida do Espírito Santo pronunciou em alta voz as palavras sacramentais, terminando por colocar sobre a cabeça da rainha a coroa de Nossa Senhora. Então uma cerrada metralha de flores confeitos e grãos de trigo cobriu literalmente o sólio, fustigando por várias vezes, as reais faces dos augustos cônjuges. Junto à Fonte do Cabo, a mais antiga fonte da povoação, estrugiram morteiros atroadores. 341

O cortejo desfilou novamente no meio deste estrondoso charivari, e suas altezas reais foram hospedar-se em casa de António Simões, que ficou sendo provisoriamente o Paço do rei de Portugal. Nesse mesmo dia, Mateus Álvares, querendo remunerar tantas provas de dedicação recebidas, agraciou o seu sogro com os títulos de Conde de Monsanto, Marquês de Torres Vedras, Senhor da Ericeira e Governador de Lisboa... in partibus infidelium. A uma das Valverdes, prima da rainha, nobilitou com o titulo de Condessa. Criou mais um Duque, e um Marquês, títulos que ainda hoje se conservam como alcunha nas famílias agraciadas. Também ainda subsiste o título de rainha em Ana Susana, descendente da filha de Pedro Afonso. À noite o burgo da Ericeira iluminou; as suas casas brancas de um aspecto mourisco, tinham a animação de uma folia do Ramadão em Marrocos. Havia gente ás janelas e ás portas. Pelas ruas estreitas formigava a multidão como se a voz do mudden, em pleno Ramadão, lhe houvesse anunciado a hora do magreb. E todavia estava-se num país cristão, que então, mais do que nunca, odiava os mouros causadores da derrota tremenda de AlcácerQuibir. A filha de Pedro Afonso não encontrou no leito nupcial o frio D. Sebastião descrito por César Cantu e outros historiadores. O que ela achou foi um D. Sebastião mais perfeito que o das histórias. Histórias! A comédia da Ericeira teve eco em Lisboa, chegou ao conhecimento da corte do arquiduque Alberto. Com a primeira tentativa de mistificação, representada pelo rei de Penamacor, mostrou-se o arquiduque benevolente. Mas, em vista de uma nova tentativa, agravada pela reincidência do espírito popular que a aplaudia, o regente julgou dever proceder com severidade. Foi enviado à Ericeira o corregedor Diogo da Fonseca, que já tinha instruído o processo do rei de Penamacor. À notícia da sua aproximação, os voluntários da hoste de Pedro Afonso intimidaram-se a ponto de desertar: uns foram esconder-se nos barrocais do litoral entre a Ericeira e Peniche; outros, os que eram pescadores, fizeram-se ao mar. O próprio rei desapareceu com a sua real esposa. E Pedro Afonso, vendo-se sem soldados, sumiu-se também. Ficaram apenas as mulheres e as crianças.

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Que noite aquela, comparada com a da solene aclamação de elrei Mateus Álvares! Conquanto se estivesse no estio, soprava um rijo vento norte, que fazia ulular funebremente os moinhos sobranceiros ao burgo. As ruas silenciosas e desertas. As casas lutuosamente fechadas. Só de vez em quando se ouvia a voz plangente das mulheres que, lastimando-se voltavam-se de ser inquiridas pelo corregedor. Relacionados os réus de alta traição, Diogo da Fonseca retirou para Lisboa, expedindo os respectivos mandados de captura às justiças de Torres Vedras. É neste lance que se evidencia a audácia de Pedro Afonso. Vendo escapar-se-lhe das mãos o seu próprio marquesado e a coroa real da filha, julgou dever jogar uma última cartada. Teve artes de aliciar de novo os fugitivos e de os armar para combate, estimulando o ânimo das mulheres com dizer-lhe que ele, com as armas na mão, vingaria em Lisboa o ultraje que lhes fora feito pelo corregedor da corte. Ao mesmo passo, induzia o genro a proclamar ao país, dandose a conhecer como sendo o rei D. Sebastião, convidando o povo a expulsar o estrangeiro e a reivindicar a coroa para o legítimo rei. Pedro Afonso ensinou a António Simões, sempre fácil em acreditá-lo, que o almirante D. Diogo de Sousa, que acompanhara D. Sebastião a África, tinha tido uma entrevista com Mateus Álvares na gruta de S. Julião, e o havia reconhecido como sendo o próprio rei. Esta prova era tão concludente, que António Simões correu a noticiá-la de povoação em povoação, fazendo grande número de prosélitos. Tendo já armado e espiritado o seu exército, Pedro Afonso julgou dever romper as hostilidades antes que os mandados de captura chegassem ao seu destino. Chamou o filho de António Simões e perguntou-lhe se ele estava disposto a desempenhar uma comissão de honrosa importância. - Tudo, respondeu com firmeza o rapaz. - Pois bem. Vais a Lisboa e entregas ao regente esta carta de sua alteza real, nosso rei e senhor. O filho de António Simões deu-se pressa em partir para Sintra, onde descansou alguns instantes, seguindo logo para Lisboa.

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Chegado ao Paço da Ribeira, em quinta feira da Ascensão, perguntou se poderia falar ao cardeal arquiduque Alberto. Disseramlhe que o cardeal tinha ido à Sé. Dirigiu-se imediatamente para a Sé e, avistando o cardeal, que saía da igreja, pôs-se de joelhos diante dele, e entregou-lhe a carta. O arquiduque leu. Era um cartel insolente intimando-o a restituir-lhe sem delongas o governo de Portugal. Sorriu o cardeal, e mostrou a carta ao corregedor, que o acompanhava. Diogo da Fonseca indignou-se e ali mesmo interrogou o portador da missiva: - De quem é esta carta? - D’el-rei nosso senhor, que a escreveu de seu punho. - Ah! vilão, que estás zombando! - Por Deus, meu senhor, que o solitário da gruta é propriamente em pessoa el-rei D. Sebastião. Meu pai e minha mãe conhecem-no como aos seus dedos, e toda a gente lá sabe que é esta a pura da verdade. - Que tolice ou que descaramento! exclamou o corregedor. - Que ingenuidade! replicou ostentosamente o arquiduque. Deixai ir em paz o muchacho. - Deixá-lo ir, meu senhor! - Não demos importância àquilo que de sua natureza a não tem. Quando os perseguimos, fogem! Que raça de valentes! E o arquiduque despediu, sorrindo com altivez castelhana, o filho de António Simões. Mas o corregedor, recolhendo a casa, mandou oficiar ao seu colega de Torres Vedras ordenando-lhe que sem demora procedesse à captura dos sebastianistas da Ericeira. VI Pedro Afonso, vendo voltar o filho de António Simões, o que porventura não esperava, tirou daí argumento para exaltar a imaginação dos seus voluntários dizendo-lhes que o regente tanto reconhecia a verdade da carta, que se não atrevera a contestá-la. Ao mesmo tempo tomava as precauções, cobrindo a rectaguarda no intuito de marchar sobre Lisboa. Mafra estava bem policiada, e o litoral era vigiado a todo o momento. Como reféns, ordenara aos de Mafra que pusessem cerco à 344

casa do doutor Gaspar Pereira, magistrado superior e membro do conselho real. O corregedor de Torres Vedras, estimulado pela instância que lhe fizera o corregedor da corte, dirigira-se à Ericeira. Mas em Mafra os revoltosos prenderam-no e ameaçaram-no de morte. O golpe de mão estava preparado. Na véspera de S. João o exército sebastianista, comandado por Pedro Afonso, atacaria Lisboa, forçando a entrada. Justamente nesta ocasião, chegava a Lisboa uma carta do jesuíta Leão Henriques, antigo confessor do cardeal-rei, para o secretário de estado Miguel de Moura, incluindo um exemplar da proclamação espalhada por Mateus Álvares. Imediatamente, Miguel de Moura ordenou ao marquês de Santa Cruz, capitão-general de terra e mar, que pusesse à disposição do corregedor da corte as forças suficientes para baterem os revoltosos. A ordem foi logo cumprida. Diogo da Fonseca, cinco léguas andadas de Lisboa, soube que o corregedor de Torres Vedras tinha sido lançado ao mar do alto das ribas da Ericeira; que o doutor Pereira, um filho e um sobrinho, foram massacrados pelos revoltosos em Mafra; finalmente, que Pedro Afonso havia entrado no caminho das mais sangrentas represálias tripudiando numa orgia de sangue. Sem mais demora, avançou para a Ericeira, quartel-general dos sebastianistas. Aí pelas alturas de Odrinhas, apareceu-lhe uma guarda avançada de esclarecedores revoltosos. Seriam uns duzentos. Diogo da Fonseca mandou-os intimar para que se rendessem. Eles responderam-lhe audaciosamente com uma descarga de arcabuzes. O combate foi rápido e decisivo. Desmantelados os sebastianistas de Mateus Álvares, trataram de salvar-se fugindo; mas cerca de oitenta caíram em poder do corregedor, que lhes arrancou pelo terror ou pela tortura o segredo do seu plano de campanha. Soube Diogo da Fonseca que o grosso da guerrilha havia saído de Torres Vedras na hipótese de oferecer combate às forças castelhanas, já a esse tempo reforçadas pelas companhias que os capitães Santo-Esteban e Colantes comandavam.

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Tendo expedido dois esclarecedores a cavalo, as tropas do governo espanhol foram avançando para o vale do rio de Cheleiros, e iam já descendo a vertente meridional do vale quando os esclarecedores retrocederam, à rédea solta, para anunciar que a guerrilha dos revoltosos estava à vista. Desde a Carvoeira, o declive da vertente meridional é pedregoso e alpestre. Plantas silvestres verdejam palidamente num ou noutro cômoro, mas o vale, por onde o rio desliza tortuosamente, escassíssimo de águas no Verão, é ferocíssimo, e os trigos vegetavam altos e robustos. Diogo da Fonseca tinha dois meios a seguir. Demorar-se no topo da vertente, pairando como Fabius Cunctator ou avançar resolutamente ao encontro da guerrilha. Como não tinha por inimigo Aníbal ou quem o valesse, e como estivesse cônscio da força numérica e disciplina militar do exército que lhe obedecia, não quis desairá-lo a ponto de mostrar receio da guerrilha. De mais a mais recebera instruções para acabar com a insurreição fulminantemente. Meteu-se pois ao vale com a intenção de ganhar a vertente setentrional. Mas, ao atravessá-lo, como se ouvisse já perto o alarido berberesco da guerrilha, mandou ocultar os seus arcabuzeiros entre os trigos, e só ele avançou a cavalo, acompanhado por uma pequena escolta de oficiais de justiça. A guerrilha vinha chibante, fanfarrona, caminho do vale: à frente, Pedro Afonso a cavalo, no meio de um estado maior que não brilhava pelo número. Eram os mesmos pimpões de Fonte Boa dos Nabos, que tinham precedido o cortejo real no dia da aclamação. Mal que avistaram o corregedor e a sua pequena escolta, deram em persegui-lo com grande fúria e grita. Mas o corregedor e os seus desandaram a galope simulando medo. A guerrilha, chegando ao topo da encosta, achou deserto o vale, e só avistou ao longo da planície o corregedor, que fugia à rédea solta contra a corrente do rio. As tropas regulares viram, de entre os trigos, descer os sebastianistas, e quando eles desceram, deram a primeira descarga de arcabuzes, que foi terrivelmente mortífera. Pedro Afonso, reconhecendo o estratagema, largou a fugir, e a guerrilha, espavorida e fraccionada, procurava baldadamente ganhar algumas das vertentes do vale. Muito dos voluntários ficaram prisioneiros, e não poucos caíram mortos e feridos.

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Houve porém um grupo de sebastianistas que se portou com heróica bravura. No vale, a pequena distância da vertente setentrional, assenta a igreja de Nossa Senhora do Porto, que foi mesquita, e que denuncia ainda todo o seu cunho de antiguidade mourisca, conquanto a data mais antiga que hoje se nos depara lá seja a de 1627. Os últimos guerrilheiros do rei da Ericeira fortificaram-se valorosamente no alpendre e nos parapeitos do muro que torneja o templo. Dali continuaram descarregando os seus arcabuzes até os derradeiros cartuchos. Não podendo ganhar a vertente, procuraram morrer com honra. Este feito militar faz-nos lembrar uma tela, Les derniers cartouches, em que o pintor Neuville eternizou um episódio semelhante, ocorrido em Bazeilles, por ocasião da batalha de Sédan. O que em Sédan fizeram em 1870 os soldados de infantaria de marinha - que nós cá não temos - realizaram-no, no nosso pequeno país, em 1585, os guerrilheiros do rei da Ericeira, Mateus Álvares. E ele, o herói da gruta de S. Julião? Que é feito dele? Mateus Álvares, avisado da aproximação da sua guerrilha, fora cautelosamente observá-la do alto de um dos montes que pelo norte dominam o vale. Chegou a tempo que o corregedor Diogo da Fonseca e a sua pequena escolta de beleguins fugiam à rédea solta pelo vale dentro, simulando grande medo. O rei da Ericeira desconcertou-se da sua gravidade real batendo palmas à fuga do corregedor, que julgava ser sincera; e com ela aplaudiram também dois ou três próceres inválidos que o acompanhavam. Mas quando de entre os trigos explodiu a primeira descarga dos arcabuzeiros, Mateus Álvares largou a fugir sem se importar com os próceres inválidos, nem com a dignidade real, nem com os seus guerrilheiros sacrificados. Na hipótese de uma invasão das tropas castelhanas pelo sul, a rainha havia-se aposentado na Ericeira, onde as primas Valverdes e outras moçoilas nobilitadas lhe assistiam em improvisada corte. Quando a guerrilha passou na Ericeira para vir tomar o caminho de Sintra, por onde, segundo o plano de Pedro Afonso, devia marchar sobre Lisboa, a rainha com as suas donas e donzelas saiu ao encontro dos voluntários fazendo-lhes festiva recepção e saudando o pai, que do alto do bucéfalo, como Cid Campeador o poderia fazer de

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cima do seu famoso Babieca, a cumprimentou inclinando a espada impoluta. Pobre rainha saloia! Esperando o pai, não foi tão infeliz como a filha de Jephté, mas a sua grandeza real estava condenada por horas. As raparigas do burgo, fanatizadas pela causa do solitário de S. Julião, ofereciam aos voluntários copinhos de água-ardente e flores. Sorriam-lhe e aclamavam-nos. Mas dentro de pouco tempo todo este cenário de ovação patriótica se transmudava no quadro lúgubre de uma derrota tremenda. E quem sabe talvez se os heróis que queimaram os seus últimos cartuchos na igreja de Nossa Senhora do Porto não teriam sido mais alcoolizados pelo amor do que pelos copinhos de aguardente que beberam? O amor é sempre o mesmo impulsor de nobres audácias, seja nas cidades ou nas aldeias. Quem hoje afunda o olhar na grande serenidade de vale, por onde o rio de Cheleiros entra no mar, próximo à Ericeira, mal poderá reconstituir o episódio guerreiro que ali ocorreu, entre descargas de arcabuzes atroadores, há trezentos e cinco anos exactos. VII O corregedor Diogo da Fonseca marchou, depois da vitória, sobre Mafra, onde, tendo mandado instaurar uma severa devassa, fez celebrar honras fúnebres por alma do doutor Gaspar Pereira, seu filho e sobrinho. O pobre corregedor de Torres Vedras nem sufrágios teve. A ingratidão dos governos! Ponde os olhos nisto, ó ingénuos magistrados do presente e do futuro. É claro que Diogo da Fonseca tratou, em primeiro lugar, de haver às mãos o rei da Ericeira e Pedro Afonso. Mateus Álvares fugindo de serra em serra, pelas terras dentro, pediu pousada numa locanda. A estalajadeira, sabendo daí a pouco a notícia da derrota, entrou-se de receios pela responsabilidade que lhe cabia por dar hospedagem ao solitário de S. Julião, muito conhecido em dez léguas ao redor. Mas um sentimento bom, de piedade feminina, acabou por convencê-la a receber na sua casa o pobre rei duas vezes vencido. Tinha ela razão para recear das represálias do governo castelhano, bem mais razão por certo do que tivera o 348

marquês de Santa Cruz para mandar reforçar em Lisboa a guarda do Paço da ribeira, com medo da guerrilha dos sebastianistas. O certo é, porém, que a piedade pôde mais nela do que o medo, e, acolhendo o rei fugitivo, ungiu-lhe porventura o corpo fatigado com lágrimas piedosas. Dois dias depois, soldados castelhanos cercavam a locanda, e hóspede e hospedeira caíam nas mãos do corregedor Diogo da Fonseca. Mateus Álvares era sem demora enviado para Lisboa, sobre o dorso de um burro, como Jesus Cristo entrou em Jerusalém. António Simões e outros graduados sebastianistas, com excepção de Pedro Afonso, acompanhavam-no custodiados e montados biblicamente, como ele. As mãos atadas atrás das costas. A gente que transitava pelas ruas da cidade, e que tinha visto passar pouco antes o arquiduque Alberto, viu chegar o rei da Ericeira com o seu irrisório cortejo, chasqueado e apupado pelos transeuntes castelhanos. A pobre estalajadeira, que dera pousada a Mateus Álvares, foi, com outras muitas pessoas, justiçada no Alto da Forca, na Ericeira, a mesma eminência onde o povo daquela vila julga ainda hoje que foi executado o falso D. Sebastião. Numa manhã de Setembro deste ano, junto à Igreja de Nossa Senhora do Porto, perguntava eu ao tio Filipe Gaspar, o mais letrado camponês da Carvoeira: - Onde foi então que mataram Mateus Álvares? E ele respondia com arreigada convicção: - Na Ericeira, no Alto da Forca. É uma tradição confusa que emparelha na morte o rei e os seus partidários. Ali mesmo na Ericeira, onde o povo lançara ao mar o corregedor de Torres Vedras, e onde Pedro Afonso fizera quartelgeneral, era natural que Diogo da Fonseca quisesse dar o espectáculo de uma severa punição. Mas era também natural que o governo de Castela quisesse, por sua vez, mostrar à capital a dureza do castigo com que punia os que ousavam incomodá-lo. Mateus Álvares fez declarações categóricas: - O seu plano, combinado com Pedro Afonso era entrar em Lisboa na Festa de S. João, quando o povo estivesse reunido nos folguedos tradicional dessa noite. Dar-se-ia a conhecer como sendo o rei Encoberto, anunciado nas trovas do Bandarra, e, depois de 349

reconhecido e aceite pelo povo, dir-lhe-ia do alto de um balcão: Eu não o rei D. Sebastião, mas sou um homem que vos restituiu a independência da pátria livrando-vos do jugo de Castela. E o povo reconhecido, não duvidaria aceitá-lo como rei. Eis o que ele havia pensado nas noites silenciosas da gruta de S. Julião. A 14 de Junho, Mateus Álvares foi conduzido ao cadafalso. Cortaram-lhe primeiro a mão com que ele havia falseado a assinatura de D. Sebastião; depois enforcaram-no com alguns dos seus cúmplices; por último cortaram a cabeça ao cadáver, e espetaram-na num poste, e esquartejaram-lhe o corpo, pregando-lhe os quartos nas portas da cidade. Pedro Afonso conseguiu andar a monte durante algum tempo. Mas acabou por ser denunciado por um dos seus correligionários, vendido a Castela. Enviado a Lisboa teve a sorte do genro: enforcado e espostejado. E a filha, a malograda rainha? Que ele sobreviveu ao desgosto de perder a coroa, não há dúvida nenhuma, porque deixou descendência que na Ericeira perpetuou a alcunha de Rainha na sua família. Provavelmente atiraram-na no primeiro momento para o fundo de um cárcere, até que se apiedaram dela, e lhe restituíram a liberdade. Pobre mulher! Ela tudo havia sacrificado ao impostor Mateus Álvares, tudo...; era justo que lhe dessem alguma compensação piedosa. De mais a mais, nem o seu sexo, nem a sua desgraça eram temerosos para o governo de Castela. Perdoando-lhe, ligavam-lhe menos consideração do que a seu marido, cuja sombra, vista à distância de léguas, fizera reforçar a guarda do Paço da Ribeira! De sinulato rege Sebastiano é o título do poema em que o Doutor Estevam Rodrigues de Castro contou as façanhas do rei da Ericeira. Eu, que já estando divorciado do verso, achei que era preferível a prosa para contar uma história em que o último poeta que figura é um sapateiro. Lisboa, 10 de Novembro de 1890

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SALINAS CALADO e A. BENTO FRANCO Tia Ana Rainha 118 Meu caro Moura Guedes: Contaram-me há tempos uma historieta da senhora Ana Rainha, da Ericeira, velha atontada que um dia num receio que eu chamei atávico e instintivo, rasgara uns papéis velhos que possuía. Assim suponho ter ouvido contar ao meu Exmo. amigo e Sr. Boto de Carvalhosa que tratou com a velha herdeira da realeza curtíssima da Ericeira, e a quem adquiriu o travesseiro e duas almofadas que um singelo bordado representa as antigas armas reais e que teriam feito parte do bragal da rainha D. Mariana, esposa do Mateus Álvares, o falso D. Sebastião. De memória do que tinha ouvido e insistindo muito na fonte onde bebi certos esclarecimentos, compus o meu desinteressante artigo sobre a senhora Ana Rainha. O meu amigo Dr. Bento Franco, velho companheiro de colégio e espírito interessantíssimo, escreveu a carta curiosíssima que lhe peço licença publicar hoje na Gazeta, de cujas hospitaleiras colunas ainda me não tinha utilizado, e que é hoje um belo jornal, que faz esquecer os que eu conheci e que a antecederam, e dos quais, de resto, tenho saudades, pelo que de nobre e bairrista neles se escreveu e em que colaborei sempre com tanto gosto. A carta do meu amigo Dr. Bento Franco estava a pedir logo publicação! Porém, não tinha autorização para o fazer; e hoje que me considero autorizado a publicar a interessantíssima carta, venho fazêlo gostosamente, pedindo-lhe para honrar a Gazeta, dando-lhe guarida nas suas colunas. O meu velho companheiro e amigo Bento Franco levanta cavalheiresca e galhardamente a luva pela “Tia Ana Rainha” e faz luz sobre a localização em que os “alevantados da Ericeira” se bateram por um Portugal livre. 118

In Gazeta de Torres (11 Nov. 1928).

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Daqui lhe envio um apertado abraço pela sua atitude, com sincero reconhecimento pelo saboroso “rebuçado” que com a sua bela carta me enviou. Agradecendo-lhe, meu caro Moura Guedes, a publicação destas duas cartas, sou o seu dedicado. Am.º M.to Grato SALINAS CALADO. *** Ericeira, 27 - VIII - 928. Meu caro Rafael Calado: Leio sempre com interesse a Gazeta de Torres, de que sou assinante, porque me interessa o progresso dessa terra, onde conto amigos. No penúltimo número da Gazeta despertou-me uma curiosidade instintiva o título da tua prosa “A Senhora Ana Rainha”. No palpite, que tive de entrada, apenas o meu espírito hesitou por uma questão de dissonância. Devo dizer-te, esclarecendo, que a personagem, que pelo teu braço fizeste entrar na História, foi aqui conhecida de contemporâneos e ainda hoje rememorada por vivos, sob a designação menos nobre mais “sui generis” de “A Ti’ Ana Rainha”. A César o que é de César... Mas se te faço reparos por esta subida de posto, outro ponto há no teu artigo, que me faz subir à face a indignação, obrigando-me a esta atitude de magriço, que corre em defesa de uma patrícia. Foi quando vi em letra redonda, que lhes chamavas “velha atontada”. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Tal nem se diz “calado” a uma senhora e muito menos a uma “Ti’Ana”. A Tia Ana Rainha era uma velha, o trivial das velhas do seu tempo. Rabugenta nas horas vagas, possuidora dos seus papeis velhos e de uma desconfiança ingénua aliás desculpável. Morreu há mais de 40 anos. Também não foi a última representante da antiga “corte” desfeita. 352

Sobreviveram-lhe personagens, que aqui na Ericeira se rememoram ainda, como o Ti’António Duque, o José Conde de Fonte Boa, a Marcelina do Conde, as Condessas, etc... descendentes dessa nobreza efémera de uma corte “mãos rotas” para títulos nobiliárquicos. Assediada pela curiosidade persistente e ansiosa de vários investigadores e rebuscadores de papéis velhos, a Tia Ana Rainha deu sumiço à papelada, não “por um receio atávico e instintivo”, que se ligasse ainda com tradições de família, passadas, que eram, pelo menos 12 gerações, mas muito simplesmente, conforme ela própria confessou a pessoas de família, porque viu nessa sanha perscrutadora de papéis velhos... manobra da Repartição de Fazenda. O aumento de contribuições... eis o espectro. Como vês, foi o instinto de legítima defesa tributária, que fez a Tia Ana dar sumiço à papelada. Atontada não; esperta... lá a seu modo. Julgando desta forma reabilitada a memória da Tia Ana Rainha, passemos a outro reparo, mas este a sério. * Dizes tu, que a “tragédia do rei da Ericeira teve o seu epílogo num ligeiro combate a poucos quilómetros de Torres Vedras, etc.” Sobre o assunto, rei da Ericeira, muito se tem escrito, mas principalmente muito se tem romantizado. A documentação, que aparece, é muito pouca e pouco detalhada. Correu sempre por estes sítios a tradição, que teria sido na várzea da Senhora do Ó do Porto da Carvoeira, junto à capela, a 2 quilómetros ao sul da Ericeira, que se ferira a refrega, que liquidou Mateus Álvares. Essa tradição referida até actos de valor demonstrados por 5 valentes, que teriam escolhido o alpendre da capela, como último reduto, onde morreram sem se entregar “salvando assim a honra das armas portuguesas” no dizer de Alberto Pimentel. Há 3 anos, aproximadamente, o meu amigo e conterrâneo Jaime d’Oliveira Lobo e Silva, infatigável investigador e hábil paleógrafo, a pedido de Monsenhor Porfírio Quintela, Prior ao tempo, na freguesia de S. João das Lampas, foi ali as fim de dar arrumo e 353

ordem ao arquivo paroquial e encontrou no Livro I de Registo de Óbitos a folha 277, dois registos que vieram derramar alguma luz sobre o assunto da localização do campo onde se teria ferido a escaramuça ou combate, como quiseres, que acabou com o reiermitão. As notas dos registos são do teor seguinte, salvo a ortografia: “No mesmo mês (Junho de 1585) faleceu P.º Luís, do Arneiro da Reganha, não fez testamento e foi enterrado no Adro de Nossa Senhora do Porto. Este morreu na briga dos alevantados do Rei ermitão de São Gião, o qual Rei morreu enforcado na cidade de Lisboa por dizer que era Rei; e mais se alevantaram com ele de três mil homens, mas alguns deles pagaram o desconhecerem o seu verdadeiro Rei, porque foram alguns também enforcados”. Na mesma página: “No mesmo mês faleceu João Roiz, de Cortesia, e foi enterrado no Adro de Nossa Senhora do Porto, e não fez testamento. Este morreu na briga dos alevantados”. Quando li o teu artigo firmei o propósito de te dar nota desta interessante e relativamente recente documentação, que te deve interessar o que faço com a devida vénia ao achador, que logo se prontificou a facultar-me uma cópia. Estas notas não são inéditas porque já foram publicadas no Diário de Notícias, há um ano ou ano e meio por pessoa a quem, visitando S. João das Lampas, o digno Prior as notou por curiosas. Delas se tira por conclusão: 1º uma suposição muito presumível sobre a localização da “briga”; 2º que na contenda entraram para mais de três mil homens; 3º que a área “alevantada” era extensa o Arneiro da Reganha e Cortesia são muito para o Sul da Ericeira, já no concelho de Sintra, de onde seriam Pedro Luís e João Rodrigues, dos 25 valentes a que se refere a tradição. Desculpa-me a brincadeira da primeira parte desta carta e ficas dispensado de me agradecer a seriedade curiosa da segunda, porque sei de antemão que és um guloso por estas coisas e meninos gulosos por via de regra agradecem um só rebuçado, que se lhes dê, e eu destes não tenho, que te possa dar em série. Este foi por acaso. Um abraço do teu muito amigo. A.BENTO FRANCO

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JOSÉ PATROCÍNIO RIBEIRO O Rei da Ericeira Romance Histórico Primeira Parte O Ermita de S. Julião I Era numa tarde cálida do mês de Junho de 1588. Pela janela aberta entrava uma larga fita de luz dourada do Sol que vinha iluminar a casa toda. Ouvia-se fora um monótono murmúrio das vagas e a gemebunda melopea dos pescadores alando os barcos na praia. Mariquinhas, sentada num escabelo, costurava numa camisa enfolhada que se empenhava em concluir esmeradamente. Era o presente de anos que tencionava oferecer-lhe ao pai daí a quinze dias. A Tia Aurélia, uma velhinha com perto de oitenta anos, sentada no chão remendava uma rede. Trabalhavam ambas em silêncio. Havia ali dentro, uma paz doce e calma de felicidade. Dominado os rumores que vinham do exterior ouvia-se o ruído seco característico, da agulha de Mariquinhas furando o pano. Maria, a quem tratavam sempre pelo diminutivo, contava dezoito anos e era alta e formosa; ela sabia-o e tinha nisso uma certa vaidade. Era pálida; os cabelos de um ruivo ardente apertava-os em dois bandós; tinha uns olhos castanhos escuros sedutoramente adoráveis na ternura lânguida do olhar. Sob o nariz artístico erguiamse, suavemente, uns lábios carnudos e vermelhos como pétalas de rosa. O vestido simples que trajava fazia sobressair cativamente a beleza e escultural da cabeça. A Tia Aurélia tinha em toda a sua pessoa o tipo comum das velhinhas tradicionais das aldeias. Havia naquele rosto com rugas uns clarões distinguíveis, mas já muito apagados, de uma beleza pretérita, mas era simpática e boa, como na generalidade é a velhice. Em ocasiões de jovialidade contava, com uma graça especial, a fazer

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rebentar de riso os seus ouvintes, as conquistas que tivera na mocidade. Havia sido em grande número! - Fiz perder o norte a muitos rapazes! dizia ela orgulhosa quando lhe puxavam pela língua para a ouvirem tagarelar sobre a corte de admiradores que tivera. A sua história era simples; consistia simplesmente na luta contínua de trabalhar para viver. A eterna história dos pobres. Casará com um marítimo de viagem de longo curso. Uniram-se no consórcio por um afecto recíproco, pela linguagem inteligente e muda dos olhares, sem se dirigirem nunca cartas ridículas de bajulices amorosas. Ela levou como património a sua beleza e os seus vestidinhos pobres mas asseados. Ele os seus braços musculosos e a vontade persistente de angariar o sustento para ambos. A prosperidade do casal aumentara diariamente. Viveram felizes durante muitos anos. Um dia Ricardo teve a ideia de fazer uma viagem à Índia. Era uma viagem lucrativa em que esperava ganhar rios de dinheiro, e vir por fim aposentar-se, trancando, com o dinheiro adquirido, a porta da sua existência trabalhosa por onde se haviam escoado os melhores anos da sua mocidade. Regressando, esperar então ali em terra, no forte da sua casinha e na sua feliz companhia da terna esposa a idade fria da velhice. Era uma ideia que ele acariciara durante tempo e que por fim quisera por em prática. Porém o destino foi-lhe adverso. Partira e por lá andou longe da pátria sem se saber dele. Ao cabo de dois anos regressou um patrício, que fora seu companheiro de viagem, e contou a terrível verdade. Tinham naufragado em Ceilão depois de duas noites borrascosas seguidas. O navio desfizera-se de encontro aos rochedos da costa. Ele salvara-se milagrosamente agarrado a uma barrica dos destroços. Ricardo era humanitário; “salvar o semelhante com risco da própria vida”, era o seu lema. Nas ocasiões de naufrágio o seu coração sensível desprezava o perigo para só ver o semelhante em luta com a morte. Esse apego natural à vida que os seres possuem achava ele muito justo; “viver para trabalhar, salvar o semelhante é um dever”, dizia muitas vezes. Era Ericeirense, e diz-se tudo. Porém, daquela ocasião a fatalidade alcançou-o; foi vítima da sua dedicação. Ao pretender arrancar a uma morte horrível um passageiro velho, este, na ânsia da luta com a morte, enlaçou de tal maneira o valente

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marinheiro seu salvador, que lhe tolheu os movimentos e ambos foram engolidos pelas ondas vorazes. Aurélia ia morrendo de dor ao saber a triste nova. A sua existência calma até ali ia mudar bruscamente para um futuro insondável um futuro de que ela tinha medo. Os primeiros meses de viuvez foram passados em lágrimas de saudade pelo esposo querido. Por fim conformou-se coma sua infeliz sorte e voltando à realidade mediu com horror o abismo da sua existência de viúva solitária. Apelou de toda a sua energia e quis viver Pessoas caritativas tendo dó dela de quando em quando davamlhe que fazer para poder ganhar alguma coisa. De carácter lhano (sic), de fino trato, todos simpatizavam com ela; e um facto em que se expandiu a sua alma bondosa veio fazer dela uma heroína e captar-lhe maior número de simpatias ainda. Morrera na vila uma mulher que deixou um filho. O inocentinho tinha pai ainda vivo mas este era pior que uma fera; quando a criança nasceu deixara a esposa e nunca mais quisera saber dela nem do filho; ficava pois a pobre criança ao abandono. Aurélia, que muitas vezes matara a fome a ambos, condoeu-se do órfão e adoptou-o. A luta pela existência duplicou então, tinha uma boca a sua cargo a sustentar; e para acudir à sua subsistência e à da criança “andava arrastadinha com trabalho” como dizem na linguagem vulgar da terra. Doida pela criança, julgando-a quase seu filho, educava-o de uma maneira muito livre, deixando-lhe fazer o que queria. Chegaram a censurar-lhe as largas que lhe dava, mas ela sorria simplesmente e não tratava de domar a vontade teimosa que principiava a desenvolver-se no rapazito. Os efeitos maus dessa educação livre sentiu ela mais tarde quando já não havia remédio. O seu filho adoptivo em vez de reconhecer o bem que lhe tinham feito, saiu ingrato de uma ingratidão revoltante, dessas ingratidões que fazem escândalo. O órfão que ela acolhera caridosamente, para não perecer abandonado, tornara-se víbora e mordia a pobre velha. Pedro Afonso, um rico proprietário da vila ficara viúvo e com uma filha de dez anos. Sabendo dos maus agradecimentos que o filho adoptivo dava à velhota, que tinha por sua vez de estar às sopas dele, chamou-a para sua casa para olhar por esta e pela educação de Mariquinhas, mas com

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restrita condição de o rapazelho não passar do limiar da porta. Foi pois a tia Aurélia quem concluiu a educação da filha de Pedro Afonso. Mariquinhas pondo a costura de parte levantou-se e dirigiu-se à janela. A casa estava construída sobre “a pedra do sebo”, no extremo sul do semi-círculo das Ribas. Gozava-se dela uma vista deslumbrante! Para o norte vêm-se as casas brancas de cal da vila da Ericeira e a descida ladeirenta que conduz da grande rotunda a praia da Ribeira. Esta calçada estava pejada como hoje ainda está, pelos barcos da população laboriosa dos pescadores. Em baixo, no cais onde as ondas batem com ímpetos de feras na jaula, viam-se algumas peças de artilharia, abandonadas, cheias de ferrugem. Haviam pertencido à bagagem bélica do Prior do Crato quando ali desembarcou numa das suas tentativas infortunadas para arrancar o reino das garras do leão de Castela. Na praia os pescadores procediam à faina de puxar os barcos da água para a areia. Em frente, a perder de vista, estende-se a imensa superfície do mar de um verde esmeralda. Ao sul, o cabo da Roca prolonga-se pelo Oceano a fechar o horizonte e sobre aquele, para o lado da terra, ergue-se o dorso íngreme da Serra de Sintra terminando em picos agudissímos que se recortam duramente no azul pálido do céu despido de nuvens. - Que lindo dia! exclamou Mariquinhas deslumbrada. A tia Aurélia sem largar a rede que concertava disse: - Não são nada bons estes dias de tanto calor. - Porque dizeis vós isso, tia Aurélia? perguntou Mariquinhas. - Porque trazem quase sempre peste. A última que houve foi primeiramente anunciada por um calor de cair passarinhos. Tinha eu então quinze anos; lembro-me bem, foi em vinte e oito. Morreu com ela meu avô que Deus haja! Os mortos eram levados às carroçadas para o cemitério do adro da Igreja. Pelas ruas da vila ardiam barricas de alcatrão para desempestarem o ar. Morria-se como um passarinho. Dava aquele mal na gente de um momento para o outro; ía-se muito bem pela rua, de repente, catrapus, caía-se no chão redondamente nas ânsias da morte... Mariquinhas voltada para o interior, ouvia aqueles pormenores com expressão angustiada. A velha suspendera o trabalho e continuava:

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-...Foi um castigo que Deus mandou aos homens! Todos os dias havia procissões de penitência, mas era o mesmo que não vê-las; ninguém pode aplacar a cólera do céu! Morriam milhares de pessoas por dia; não só aqui como em todo o mundo. Famílias inteiras finavam-se numa semana! Um horror!! - E como acabou a peste, tia Aurélia? interrogou Mariquinhas horrorizada. - Quando Nosso Senhor quis. Nos meses de Inverno, com o frio, foi acabando pouco a pouco. Por fim tornou tudo como era antes de haver aquele mal. - Nosso Senhor permita que não venha agora uma peste como essa; disse a rapariga atemorizada. - Que ele te oiça filha! Não à nada pior que um castigo do céu! Os psíquicos com a sua sabença não valem nada. Em Deus querendo, não são capazes de curar a gente por mais endrominas que nos façam. Eu nunca acreditei que um homem fosse capaz de curar uma pessoa de um mal que a atacasse. Bem sei que o demónio tem muito poder, mas Nosso Senhor ainda o tem maior e o mafarrico não o vence. Falava convicta, impregnada de fanatismo religioso, cheia desse cepticismo que têm as pessoas idosas das aldeias para com a evolução da ciência. Mariquinhas, silenciosa, sentara-se e retomara novamente a costura. Ouviu-se baterem à porta umas pancadinhas discretas. - É o seu neto, disse a rapariga vivamente ansiosa por que a velha mudasse de assunto. - Deve ser ele, deve. Vem ao cheiro da merenda o guloso, e gritou-lhe: Abre a porta e entra, rapaz. Levantaram a aldrava; ouviram-se passos pesados de homem na casa imediata e momentos depois penetrava no aposento em que estavam as duas mulheres, um rapagão dos seus vinte e dois anos. Saudou-as. - Ora seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo. - Mais sua mãe Maria Santíssima, responderam ambas em coro. Naquelas épocas de fanatismo saudava-se desta forma. A Inquisição assim o havia exigido e assim se cumpria rigorosamente.

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O novo personagem, depois de beijar a mão à tia Aurélia, sentou-se muito sem cerimónia, livremente, sem esperar que o convidassem a fazê-lo. Era alto e forte. Tinha um desses rostos triviais dos malandretes. A barba estava crescida, ao abandono. Os olhos vivos animados de um fulgor estranho, fixando furtivamente com quem tratava, eram a exposição plena da sua alma de patife. Chamava-se Martinho e era o filho adoptivo da tia Aurélia, a quem desde que soubera a história da sua infância chamava simplesmente avó. Com muito custo lá aprendera o ofício de calafate. Foi custoso fazer com que seguisse uma profissão definitiva. A princípio quisera ser pescador; a velhota arranjou-lhe lugar numa rasca onde fez duas ou três viagens costeiras; porém a labutação trabalhosa do marítimo não atraiu o seu folgado. Mostrou então uma vontade irresistível de seguir o ofício de calafetagem de barcos. A velha satisfeita com a resolução dele lá foi solicitar a um velho que tinha aquele mistério para lhe ensinar. O velho era abrutado, e como tinha conhecimento da má reputação do rapaz, disse logo: - Sim, ele pode vir que eu ensino-lhe o ofício, mas à primeira patifaria que me faça racho-o de meio a meio. Aurélia em casa comunicou a Martinho os receios que lhe inspirava o mestre e recomendou-lhe: - Vê lá rapaz, muito juízo. Olha que o que ele bem diz melhor o faz. Sê sempre muito bem mandado, muito obediente para ele gostar de ti. Nada de responder-lhe... Martinho prometeu categoricamente fazer o que ela lhe disse, porém, o seu sangue exaltado não lhe deixou cumprir a promessa rigorosamente. Respondia muito ao velho que, diga-se em abono de verdade, sendo predilecto por vinho não era dos indivíduos mais pacientes. Duma ocasião em que o malandrete se excedera na liberdade insolente da sua língua viperina o mestre fora de si atiroulhe com um machado que se o apanha-se na cabeça matava-o com certeza e incontinenti (sic) expulsou-o da oficina. Angustiada por aquela cena violenta e desolada pela perspectiva do ofício não acabado, e de resto como o rapaz desde que estava no aprendizado se mostrasse mais pacato, a velha sacrificou-se a ir ter com outro mestre para o admitir. Foi-lhe imediatamente satisfeita a pretensão. O novo mestre tinha pouca idade, contava somente mais quatro anos que o aprendiz. Faziam uma união diabólica na sua 360

camaradagem de homens - crianças. Se o aprendiz era estouvado o mestre quase lhe levava vantagem. Faziam partidas escandalosas em comum que davam que falar semanas seguidas na paz calma dos lares da terra. O aprendiz e mestre eram dignos um do outro. Foi pois entre os muito estouvamentos, seus e do mestre, que Martinho fez a sua aprendizagem. Na época em que principia esta narração sendo já oficial trabalhava por conta própria, porém raras vezes tinha que fazer porque sendo demasiado ocioso, poucos o procuravam para o encarregar de qualquer obra urgente, mas ele naquele pequeno meio de gente do mar vegetava, sempre satisfeito, mostrando não se preocupar com o sustento do dia seguinte. Diziam, por boca pequena, na vila que a avó, pois assim tratavam Aurélia, lhe dava ocultamente os restos da casa abastada de Pedro Afonso, pois este com o andar dos tempos, não se opunha já a que o rapaz lhe entrasse em casa, mas quando o encontrava portas a dentro falava-lhe muito friamente. Aproveitando essa condescendência do ricaço, Martinho ia amiudadas vezes a sua casa com o pretexto de visitar a avó. Nessas visitas começara ele a olhar mais atentamente para Mariquinhas e a reparar nos encantos desta que era uma perfeita rosa da beira-mar. A principio brotara nele uma afeição terna, mas com o tempo essa afeição mudara para paixão, porém tinha que calcar no íntimo do seu peito a sua paixão pela filha de Pedro Afonso, receoso que o expulsassem daquela casa se se declarasse. Considerava-se feliz quando ela lhe falava ou lhe sorria muito naturalmente. - Então, rapaz, que tens feito? perguntou a velha. - Estive a trabalhar até agora. Com este sol de rachar pedras não se pode fazer nada; ataca-nos o suor de tal maneira ... larguei a estopa e o maço e botei até cá para desenferrujar a língua. Desculpava-se assim para não se mostrar mandrião diante de Mariquinhas. - Quando é o baptizado da focinhada, senhor Martinho? perguntou a jovem. Aquela pergunta directa da formosa rapariga, desnorteou o ralaço. A suavidade daquela voz doce fez o coração pulsar-lhe violentamente. A resposta deu-a com voz tremida, perturbado. - Há de ser para a semana se Deus quiser. Falta só calafetar-lhe a proa, está quase pronta. Vós, senhora minha, ireis sem dúvida ver a função, não é verdade? perguntou. 361

- Se o senhor meu pai deixar. - Deixa sim, filha. Porque não há de deixar? atalhou vivamente a velhota. Martinho deu pormenores. - Há-de ser um baptizado de espavento, segundo me disse o João (carapau); quer que o baptizado da sua focinhada deixe fama. O padre prior há-de pregar um sermão na praia. Flores não faltarão. Já pediu aos patrões das rascas e dos caíques para os embandeirarem todos nesse dia! - E põe-lhe um nome santo, Martinho? perguntou a Aurélia. - Estou que sim, senhora minha avó. - Ainda bem; fez a velhota satisfeita e continuou: os últimos que baptizaram puseram-lhe nomes profanos: o “hespanhol” e o “peixe agulha”. Viu-se a sorte que deram aos seus donos. Ás vezes vinham os outros carregadinhos de peixe e eles ambos sem uma escama! É o que faz falta de religião. Calou-se. Martinho torcia o gorro entre as mãos e olhava disfarçadamente, por sob as sobrancelhas para Mariquinhas. Houve um silencio embaraçoso. A jovem interrompeu-o dizendo: - São horas da merenda, tia Aurélia. - Ah! É verdade filha. Já estás com apetite? - À tanto tempo que jantei... A velha largou o trabalho, pôs a agulha de emalhar sobre uma arca próxima e disse para Martinho: - Ajuda-me a levantar, rapaz. Dá-me a mão que já estou trôpega. Ele solicito, afectando um grande amor, correu a ajudá-la a erguer-se do chão a sua posição costumada de trabalhar nas redes. Depois, Aurélia arrastando os seus velhos chinelos dirigiu-se à cozinha. Martinho e Mariquinhas ficaram sós por momentos. Silenciosa com o rosto voltado para a camisa a rapariga costurava. Martinho contemplava-a furtivamente com o cérebro cheio de pensamentos lúbricos. Uns cabelos que se haviam soltado faziam cócegas na testa da jovem e esta erguendo a cabeça com um movimento rápido, compôlos. Neste movimento olhara distraidamente para Martinho que a fitava; os seus olhares encontraram-se e o embaraço de ambos foi

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evidente. Perturbada desviou, imediatamente, a vista e ruborizou-se castamente. Martinho sorriu. Teriam ficado ali eternamente, silenciosos, absorvidos nos seus pensamentos se a velha não voltasse da cozinha, livrá-los daquele embaraço angustioso. Voltou, finalmente, trazendo pão, facas, um pires com queijos frescos e outro com azeitonas. Depois tornou novamente dentro trazendo uma toalha, uns púcaros e um canjirão de barro vidrado com vinho. Estendeu a toalha alvíssima sobre a arca e colocou-lhe em cima os objectos que trouxera. Seguiu-se a merenda. Quando se dispunha a comer, a tia Aurélia disse ao neto que se conservava afastado, a distância: - Chega-te para cá, rapaz, e come, que a Mariquinhas dá licença. - Ora essa! porque não?! fez a rapariga amavelmente. Martinho não se fez rogado, aceitou logo. O desejo da velha era dar ao matulão o melhor bocado da merenda mas, a sua posição naquela casa inibia de fazer tal, ainda que fosse como a mãe de Mariquinhas esta sempre era a filha do dono da casa. Descrever a merenda será fastidioso. Durante o tempo que comeram, pouco falaram; só de quando em quando, uma frase solta a propósito da qualidade dos géneros: que os queijos estavam um pouco salgados, que as azeitonas tinham falta de erva, enfim simples pequenos nadas de que se ocupam os faladores sensíveis nas horas das refeições. Martinho comia mais do que falava e fez umas honras especiais ao canjirão que continha um vinhito da Carrasqueira, de lamber os beiços. Depois conservou-se para ali a conversar, por minutos sobre banalidades. Retirou-se, por fim, lançando na despedida a Mariquinhas um olhar suplicante de paixão que a rapariga prudentemente fingiu não ver. O sol ocultara-se já além no longínquo horizonte afogueado. A luz crepuscular invadia gradualmente o aposento. Ouviram-se vozes grossas de homens na rua. - Que Deus vos dê boa noite, senhor Pedro Afonso.! - Adeus, Tristão! cada vez mais garboso, hei? - E vós cada vez mais novo, senhor Pedro Afonso! Este soltou uma gargalhada escarninha. - Bonito! gosto de ouvir-te! fazes-me a boca doce; não é assim? Queres uma pinga, não é verdade? 363

- Se for da vossa liberal vontade dar-ma aceito e agradeço-vos. - Então anda cá. Pedro Afonso, como dono da casa, meteu a mão à porta, abriu-a e entrou. A filha correu a pedir-lhe a bênção ... - Deite-me a sua bênção senhor meu pai. Beijou-lhe a grossa mão nas costas com humildade e o pai fez no ar uma cruz com a mão direita aberta. - Que Deus te abençoe em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo! e beijou-a paternalmente. Tristão entrara também atrás de Pedro Afonso, e conservava-se tímido, olhando admiradamente aquele terno quadro comunicativo de cena doméstica. Aurélia entre portas deu as boas noites ao proprietário desejando-lhe que: - “Deus o trouxe em sua Santa guarda”... O ricaço sobraçava um pequeno molho de canas secas: - “Que era para fazer uma capoeira às galinhas”, disse e enfiou pela porta da cozinha para o ir deixar no quintal. Mariquinhas acendeu uma candeia de azeite que iluminava baçamente a casa de entrada. Quando Pedro Afonso voltou, a filha e a velha conversavam sossegadamente, com Tristão, um pobre pária de terra pequena. Havia uma grande desigualdade entre aqueles dois homens; hierárquica e fisicamente. O dono da casa, Pedro Afonso de Meneses, o seu nome todo, era homem dos seus cinquenta anos de estatura regular, peito saído de Hércules, rosto redondo, barbas já grisalhas, crescidas livremente. As doenças com ele não queriam nada. Ficariam impotentes ante o seu corpo saudável. Na freguesia todos o cumprimentavam com uma timidez de inferior para superior. Era rico, bastante e tinha disso fama; os vinhedos da Carrasqueira, quase lhe pertenciam todos; os pomares circunvizinhos ao rio da Meã eram dele; a encosta das pretas com os seus talhões paralelos para a sementeira de trigo tinha-o por dono. Porém, Pedro Afonso saboreava a superioridade da sua riqueza mas não era vaidoso. Tratava todos muito amavelmente. Não se importava mesmo de entrar numa taberna a pagar vinho a um conhecido nem tinha repugnância em fazer entrar em sua casa um desgraçado como aquele Tristão, para lhe dar de beber e matar-lhe a fome. Ás vezes penetrava inesperadamente numa mansarda em que sabia que a miséria campeava com seus tétricos horrores e à saída 364

deixava sempre sobre um móvel uma esmola avultada para atenuar em parte a perspectiva dolorosa da fome e do desespero. O seu coração bondoso granjeava-lhe simpatias inúmeras; o povo estimava-o pelas suas qualidades. - É o fogo de São Telmo! diziam os marítimos. - É o sol na eira! confirmavam os agricultores. Faziam assim os analfabetos o seu elogio neste laconismo que pode equiparar-se e que leva vantagem na sua singeleza expressiva às frases bombásticas de aduladores cultos. A riqueza que possuía, todos tinham conhecimento de como lhe tinha vindo parar às mãos. Não fora de modo duvidoso, mas sim do mais positivo modo que dar se pode. Ele colhera simplesmente o fruto de uma árvore que outro plantara. O pai fora marítimo e andara à caça de corsários nos mares do Oriente. Voltou novo ainda, podre de rico a aposentar-se. E para dar alarde da sua riqueza mandou construir uma coisa que ninguém ainda tinha visto na Ericeira. Foi uma casa nova, assoalhada, com primeiro andar o que ele mandou construir!! Até então as casas da vila eram térreas, os interiores do chão simples que o junco colhido nas margens da ribeira de Cheleiros atapetava para os tornar menos húmidos. Aquela decisão do pai de Pedro Afonso foi o supremo acontecimento da vila, por aqueles tempos! Das cercanias vinham aldeões à missa à Ericeira propositadamente para terem a glória de admirar com seus próprios olhos a “majestosa obra”! Aos domingos em torno da casa, ainda em construção, era uma pasmaceira de gente curiosa de todas as partes a olhar, a discutir, a admirar! O que é ter um olho na terra de cegos...!! Pedro Afonso à época contava somente oito anos; o pai meteu-o na mestra “para aprender a regra do a”. Ainda que fosse analfabeto teve aquela condescendência para com o filho. - Meus pais não me mandaram ensinar, dizia ele; não quero que meu filho possa dizer de mim o que eu digo deles... E impôs-lhe a condição de não seguir a vida do mar: - ... Em terra também se come pão. Quando eu morrer ainda cá te fica muito... Pedro Afonso cumpriu à risca o que o pai lhe ordenara. Fez-se lavrador para não levar a existência inteira ociosamente de papo para o ar a comer o seu património. Encontrou então no 365

caminho da sua vida uma criatura simpática que o atraiu. Helena era fraca, pálida; os rapazes da vila não simpatizavam com ela; ele achoua mais cativante por isso. E namorou-se dela e desposou-a. A sua felicidade aumentou no primeiro ano de casados: Helena dera-lhe uma filha. E viveram por anos contentes ditosos, embebidos na terna felicidade da sua trindade doméstica. Quando a pequena contava dez anos a esposa finou-se bruscamente. Pedro Afonso sofreu imenso com este golpe do destino. O embate atroz da fatalidade foi-lhe doloríssimo; teria feito uma cena de desespero se a filha o não detivesse à vida. Teve dó daquela criança e sacrificou-se por ela. Quando saíu a tumba levando a morta querida pôs-se a pensar: “à pequena coitada agora ficava dias inteiros só, quando ele fosse para as fazendas, nem ter já a mãe... ah! a mãe não, não tinha jeito nenhum ficara a pequena para ali sozinha; tinha que lhe arranjar uma companheira”. Segundas núpcias repugnavam-lhe. Lembrou-se então da tia Aurélia, muito mais velha do que ele, pobre mas de uma honradez proverbial e chamou-a para sua casa. Tristão era a perfeita antítese do rico proprietário. Magro, lábio descaído, olhar vago de beberrão, vestindo andrajos, pés descalços gretados pelo contínuo caminhar da sua existência errante. A sua história era uma história tétrica de pária criado ao abandono. A mãe dele, solteira ainda fora como Eva que comeu irreflectidamente o fruto proibido e quando se arrependeu já não havia remédio. Tristão era o caroço amargo do dulcifico pomo da volúpia. O pai, um D. Juan da aldeia, ao pensar nas terríveis consequências do mal de que fora causa, sumiu-se de tal maneira que ninguém lhe pôs mais a vista em cima! A mãe compreendendo a enormidade da sua falta principiou de olhar menos, envergonhada por semblantes severos das matronas da terra; reconhecendo indelével a mancha na sua honra fez-se descarada, de uma petulância inaudita, a tanto extremo que era citada como exemplo de depravação feminina. Vendia o corpo por tudo e a todos em tálamos primitivos tais como as pedras das furnas e a areia das praias! O vício e a vadiagem entraram nela e ao amamentar a criança ia também inoculando-lhe a sua existência de desgraça. Entre uma tigela de vinho e uma obscuridade nasceu Tristão que foi crescendo aos baldões da sorte. 366

Aos sete anos, morreu-lhe a mãe. Ficou ao abandono sem que uma alma caridosa que o acolhesse à sua santa guarda! Qual?! quem se encarregaria dessa missão espinhosa? Se ele era filho do pecado, se lhe corria nas veias da cabra que desacreditara a terra!! Que vivesse imundo, miserável e desprezível a espiar a falta que cometera a sua progenitora! Entre as pragas rudes das tabernas no convívio dos garotinhos da sua idade na praia sobre a areia de barriga para o ar ao sol, foi onde Tristão fez a sua aprendizagem do vício e da miséria. Acostumado à vida airada nunca procurou uma profissão. Ocupava-se por vezes em fazer o seu recadito e em ajudar na praia a faina de alar os barcos. Ocioso por hábito detestava todo o trabalho que necessitasse maior esforço muscular e por tal motivo fez-se pregoeiro, uma ocupação pouco rendosa mas também em compensação pouco trabalhosa; simplesmente pregoar pelas ruas da vila, o peixe, o vinho e os outros géneros, onde se vendiam e a que preço. Neste mister de correr as ruas o pregoeiro sabia muitas novidades e quando alguma circulava mais rapidamente não era raro ouvir dizer: - “Quem foi que disse isso?” E respondiam: - “O Tristão”. Sempre o Tristão, pregoeiro, a gazeta ambulante da terra. Porém ele explorava a sua qualidade de alvissereiro pois nunca se descosia sem se ter previamente enchido de vinho ou já lhe haverá aquecido o estômago com uma boa pratada de sopas. - Então, seu Tristão, que novidades nos conta hoje? perguntou Pedro Afonso. - Poucas ou nenhumas sei, senhor Pedro Afonso; respondeu o pregoeiro. - Ora essa! O pregoeiro não saber hoje novidades é um caso raro e nunca visto!! - Talvez não fizesse hoje nenhum pregão... interveio a tia Aurélia. - Não, ele hoje andou a pregoar. Eu estava no quintal e ouvi-o. Não é verdade Tristão? disse Mariquinhas. - É sim, senhora minha, fez ele aparvalhadamente, baboso, sorrindo para a formosa ericeirense. 367

- Que é isto, Tristão! Estás a sorrir para a cachopa?! Quererás tu ser meu genro?! gritou-lhe Pedro Afonso. O pregoeiro respondeu-lhe gargalhando: - Não senhor. Ah! Ah! Ah! que ideia! Porquê?! Não és tu um bom moço, não tens tu o teu ofício. Não foste tu porventura já doze vezes ás Índias, e não trouxeste de lá o teu pecúlio menos mau?! Eu mesmo velha não se me dava de juntar os meus trapinhos com os teus. Que dizes, hei?! Queres ou não? O dono da casa e a filha riam a bandeiras despregadas do elogio irónico que a velha fizera do pobre diabo que não sabia o que era uma embarcação flutuar nas aguas da Ericeira quanto mais nas das Índias. Depois de um silêncio de instantes Pedro Afonso disse: - Bem, naturalmente se estás esquecido. Vou dar-te de beber para te recordares das novidades frescas... Os olhos do pregoeiro brilharam de contentamento, e foi assim que se descaiu quando já o ricaço tirava de uma prateleira o canjirão. - Eu ouvi hoje dizer uma coisa mas... - Ah! sim ! Fez Pedro Afonso sem se voltar, pois hás-de contá-la que nós queremos saber o que foi. - É uma novidade muito importante, quase um segredo de... de... - Vá homem, desembucha. - Ai! Não sei como se diz...de...de... - De estado talvez; lembrou o proprietário. - Sim, senhor meu, de estado. - Diz lá, ó Tristão! que há-de ter a sua graça... - Vá rapaz que a gente quer ouvir... Pediram as mulheres trocistas, mas curiosas. O pregoeiro excitante olhava Pedro Afonso, este vazava vinho numa caneca e disse ao reparar no olhar interrogativo do pobre diabo: - Então?! as mulheres não podem ouvir? - Podem, mas...mas... - Mas...mas, precisas a língua desenferrujada, não é assim? e passando-lhe para as mãos a caneca com vinho: Pega lá. Tristão agarrou-a sofregamente, bebeu o conteúdo dum trago e pousando-a já vazia sobre a mesa, limpou a boca com as costas da mão, principiou:

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- O que eu ouvi dizer esta manhã à porta da ermida do Espírito Santo foi que apareceu um eremita naquela ermidinha para lá da Foz, em S. Julião. Calou-se como a observar o efeito das suas palavras. - E depois? perguntou Pedro Afonso. - E disseram mais que parece um desses caminheiros libertos que têm chegado quase todos os dias da Moirama, dessas Áfricas onde se deu a grande batalha. - Bem sabemos, continua. -...E ouvi dizer também que é moço, desempenado... E em voz mais baixa, misterioso, como que se receasse ser ouvido por alguém oculto. -...E que fala com muito acerto das coisas da corte. Sempre que conta como se deu a batalha grande chora que nem uma criança! e muito mais baixo ainda olhando em torno: desconfia-se que seja el-rei D. Sebastião! - Ai! Ai! fez Pedro Afonso e continuou: Temos outro Rei de Penamacor ao pé da porta. Saiu-se bem por tempo um falso monarca temos mais a seguirem-lhe o exemplo. E este como o outro também é eremita; mas aposto como não há de sair-se tão a salvo como o tal que foi só condenado a remar nas galés. - Afinal esse homenzinho não era el-rei D. Sebastião? perguntou a velha. - Não senhora tia Aurélia; vocemecê já tem ouvido contar tantas vezes como isso aconteceu...gritou-lhe Mariquinhas aos ouvidos. - Mas que queres, filha?! Já estou muito esquecida...nesta idade não tenho já os teus dezoito anos! Ainda assim as raparigas de agora são mais esquecidas do que as velhas! Esquecem-se dos seus deveres de meninas donzelas! disse secamente como uma censura. - Que dizeis, tia Aurélia?! fez a jovem ofendida. - Não falo de ti, filha...se todas fossem como tu, era a terra um céu aberto! mas para mal da terra há muitas doidivanas: eu não sei onde isto vai parar!... Vai indo, vai indo, até que Deus Nosso Senhor...Credo! Mãe santíssima! nem me quero lembrar!! e num outro tom: Pois não me recordo de ouvir o acontecido, não... Se o senhor teu pai fizesse o favor de relatá-lo outra vez... - Sim senhora, tia Aurélia. Ora essa! E Pedro Afonso narrou aos circunstantes um acontecimento que anos antes alvoraçara o país inteiro. 369

Na vila de Penamacor um homem tomara a iniciativa dos falsos D. Sebastião que depois se seguiram. O protagonista era filho de um canteiro da Batalha. Viera muito novo para Lisboa com um homem que fazia rosários e como este morresse, meteu-se a frade carmelita, porém em breve se enfastiou do convento e pediu para se fazer eremita que era uma profissão rendosa. Fez uma peregrinação pelo reino que terminou junto da vila de Albuquerque, na fronteira espanhola, num eremiteiro. Era rapaz dos seus vinte anos, esperto, simpático, e diversos devotos principiaram a visitá-lo de entre os quais sobressaia pela sua assiduidade numa senhora viúva de um soldado de Alcácer-Quibir. O eremita pagou as visitas à piedosa dama e com grande espanto de todos rasgou a capa da santidade pois que trocou pelos celicios e rezas a guitarra, e as trovas profanas! A sua vida escandalosa enojou o prior da freguesia que lhe ordenou o abandono imediato daquelas cercanias. Obedeceu-lhe prontamente receando ser preso como membro deturpador da santidade hipócrita dos ministros da igreja. E então para ganhar a vida fez-se passar por soldado de Alcácer-Quibir, cativo de Fez. Como era bom improvisador fazia narrações estupendas da carnificina da Batalha e dos martírios dos cárceres. O povo começou a atribuir-lhe a individualidade régia de D. Sebastião. A princípio desmentira-a mas achando em Penamacor dois pândegos que se lhe juntaram principiou de explorar a cegueira do povo. Esses indivíduos assumiram as personalidades simpáticas de Cristóvão de Távora, o valido de D. Sebastião, e do Bispo da Guarda. E os três para viverem à larga explorando a credulidade popular, juntaram-se unidos e amigos! Nas estalagens para não pagarem a despesa que haviam feito bastava somente o suposto Cristóvão de Távora, dizer duas palavras ao ouvido dos estalajadeiros. Os homens confusos e orgulhosos da suposta alta hierarquia dos seus hóspedes descobriam-se respeitosos sem nada exigirem e ainda faziam votos pela salvação do seu real Senhor! Essa cenas deram que falar e o arquiduque Alberto, que regia o reino, ordenou ao juiz de Penamacor que prendesse os impostores. Sob escolta entraram então em Lisboa, e foram expostos às grades da cadeia para que o povo vendo-os se convencesse de que nada se pareciam com as individualidades por que eram conhecidos. O suposto negou que se fizesse passar por D. Sebastião e disse que apenas aceitava as homenagens que lhe 370

prestavam. Foi então simplesmente condenado a remar perpetuamente nas galés. O seus sequazes tiveram menos sorte pois que sofreram a pena última. Foi a narração, um tanto deturpada, deste episódio que Pedro Afonso fez; e a tia Aurélia vendo em tudo que era trágico, avisos do céu, anotou: - Sempre o orgulho dos homens pobres em quererem figurar de grandes senhores. Por isso Nosso Senhor os castiga! Os dois pagaram com a vida o seu orgulhoso e o outro pode dar-se por muito feliz em ser só condenado em remar nas galés d’el-rei. Pedro Afonso, ainda que mostrasse uma certa indiferença exterior pelo que informara Tristão, no seu íntimo sentia uma curiosidade em saber o facto mais detalhadamente, e assim perguntou: - Mas o tal eremita dá mesmo a entender que é o nosso desejado rei D. Sebastião? Isso é que eu não vos posso dizer. Quem estava com esta conversa eram uns saloios da Carvoeira, e eu muito marralheiro fui ouvindo o que diziam. Contaram também que de noite se flagela lastimando-se e que tem ido àqueles lugares em redor (sic) muita gente visitá-lo. Hei-de saber isso mais a miúdo. Tu quando souberes mais alguma coisa vem dizer-ma... ouviste? - Com todo o gosto vos virei contar o que souber, senhor Pedro Afonso; e o pregoeiro levantou-se como para se retirar. O proprietário deu-lhe mais vinho que ele nunca rejeitava e antes que se retirasse Mariquinhas rindo, trocista, fez-lhe umas propostas amorosas que encheram de riso o pai e a velhinha. Quando saíu, Pedro Afonso lastimou-o: - Pobre moço! Que desgraçado!! O que faz uma mãe ser cabra! Cada vez está mais ensandecido! - Aquelas maleitas que ele teve em menino também lhe transtornaram o juízo; lembrou a tia Aurélia. Subitamente à porta entreaberta apareceu um pescador endomingado. - Ora salve-os Deus! - Que ele te traga em sua santa guarda, João! respondeu Pedro Afonso. - Ó tia Aurélia a minha rede como está? 371

- Quase pronta, rapaz. - Não me falteis com ela no dia de S. João Baptista, não? - Não, podes estar descansado que irás lançá-la ao Manjapão nesse dia. O pescador satisfeito despediu-se e retirou-se. Aurélia disse então a Mariquinhas: - Menina, vamos tratar da ceia que teu pai deve estar moído da labutação, e deve querer deitar-se. E foram todos para a cozinha. II Naquele ano o dia de S. Pedro caíra ao Domingo. Desde manhã cedo que ía uma azafama em casa de Pedro Afonso que fazia anos nesse dia. Esperavam-se visitas: o primo António Simões, de Rio de Mouro, e a família. Vinham passar o dia à Ericeira e assistir ao jantar natalício. O proprietário ericeirense saíra logo de manhã cedo para ir crestar umas colmeias a um pomar das que possuía no rio da Meã. Eram oito horas e ainda não voltara. A formosa Mariquinhas subira e descera a escada inúmeras vezes para pôr em ordem os aposentos dos primos no andar superior. E andava alegre, radiante, naquele dia de festa doméstica e de quando em quando entoava umas modinhas sentimentais que ecoavam numa harmonia doce em toda a casa impregnada do ambiente salino da vizinhança do mar e do aroma de alecrim queimado com cascas de laranjas. Ás nove horas Pedro Afonso regressou trazendo mel. - Ainda não vieram? perguntou à filha assim que chegou a casa. - “que não, que ainda não tinham vindo, mas que não poderiam tardar”, respondeu ela e foi para a cozinha ajudar a tia Aurélia no arranjo do jantar. Momentos depois ouviu-se um tropear de cavalgada. Mariquinhas correu alegremente à porta de entrada e o pai foi pela cozinha abrir uma outra no quintal que comunicava este com a rua. Em frente montado num cavalo de raça, vinha António Simões o morgado de Rio de Mouro. O seu traje e a sua obesidade lembravam Sileno vestido à saloia, montando um rocinante. Seguia-se a esposa, uma camponesa corada, comodamente sentada de lado sobre a albarda de uma jumenta. Atrás de ambos, no couce do cortejo, 372

escarramanchado num outro jericó pavoneava-se orgulhoso das cores berrantes do seu fato domingueiro o Joaquimzito, o “rapazete” como lhe chamava o pai. Esperavam-nos sorridentes no meio da rua Mariquinhas e a tia Aurélia que correra também à recepção talvez com grande inconveniente para os guisados que se preparavam na cozinha. Tinham vindo pelo lado das furnas para não darem tanto nas vistas da gente curiosa da vila. E distantes ainda, ao descortinar Mariquinhas, Manuel Simões disse alto esta bestialidade que na sua boca tinha foros de um alto elogio: - Lá está a cachorrinha do Pedro! Cada vez mais bonita o démo da cachopa!! A mulher, a prima Mécia, risonha, acenava vivamente com a mão num cumprimento e atrás o “rapazete” ansioso por chegar batia com o seu pau ferrado desalmadamente nas ancas da jumenta que a mãe montava berrando numa maneira equívoca: Arre burra! Quando chegaram acasalou-se com o convidativo cheiro a refogado que enchia o ar a efusão ruidosa dos cumprimentos de pessoas que se estimam e se não vêem à muito. Trocavam-se reciprocamente cumprimentos: - A sua bênção; padrinho! pediu a jovem. - Que Deus te faça uma santinha, filha! disse Manuel Simões, dando-lhe a mão a beijar. As mulheres abraçavam-se e beijavam-se ternamente e o rapazete também teve parte naquele festim de beijos. Quando lhe coube a vez de oscular a prima Mariquinhas, pregou-lhe uma beijoca tão repenicada que a rapariga corou castamente, envergonhada! Manuel Simões, estranhando a ausência de Pedro Afonso, e querendo fazer-se engraçado perguntou “pela criança que tinha nascido”. Não tiveram tempo de lhe responderem pois que o proprietário veio anunciar que o quintal estava aberto para recolherem as alimárias. Repetiram-se os cumprimentos com ele; fizeram votos para que contasse muitos anos e felizes. O morgado de Rio de Mouro, abraçava-se a ele e segredava-lhe baixinho, maroto: - A minha afilhada está uma moça de truz! - É a cara da mãe que Deus tem, respondeu-lhe Pedro Afonso, com o olhar velado por uma sombra de saudade.

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Depois as mulheres entraram em casa satisfeitas, palrando sobre banalidades dos pequenos meios e os homens foram recolher os animais na arribana do quintal. Manuel Simões, homem enérgico e de acção, primo materno e compadre de Pedro Afonso orçava pela idade deste e era dono de uma importante herdade em Rio de Mouro. Rivalizavam ambos na riqueza porém a maneira como a tinham adquirido diferia muito. Pedro Afonso tivera a herança paterna; Simões enriquecera-se. De uma tenacidade teimosa no trabalho ao pegar pela primeira vez na enxada jurou que só a largaria quando pudesse ter trabalhadores sob as suas ordens e economizando o mais possível só ao fim de trinta anos de um trabalho constante é que pôde cumprir o que jurara fazer. O bom casamento que realizou aumentou em parte a sua fortuna, e a época em que o conhecemos era um fanático pelo torrão natal onde vivia uma doce existência burguesa no seu morgado. Depois de terem desaparelhado os animais e de os haverem prendido à mangedoura, puseram-lhes à farta feno seco que os pobres quadrúpedes, cansados e famintos da longa jornada, principiaram de retraçar vorazmente. O “Russo”, o jumento, montado no qual Pedro Afonso ia às propriedades, olhava admirado e interrogativo aqueles intrusos que tão sem cerimónia tinham albergado na sua morada! E ter-se-ia arreliado certamente se não reparasse numa fêmea da sua raça que lhe fez afastar repentinamente o mau humor e a quem de ventas arreganhadas e orelhas hirtas começou zurrando um madrigal asinino! Pedro Afonso equivocado com aquele zurrar, disse ao compadre: - Vede como todos vos estimam aqui em minha casa. Até o meu “Russo” vos dá as boas vindas! e afectuosamente, quase com ternura, foi afagar o pobre “Romeu” orelhudo em quem parecia não ter reparado sequer a sua “Julieta” de entretida que estava em devorar o feno! Atravessando o quintal, Manuel Simões reparou num cevado que grunhia no cortelho e fez uns elogios rasgados à capoeira das galinhas artisticamente feita de canas; notou também um montão de lenha posto ali recentemente. - É para a fogueira logo à noite; esclareceu o compadre. Ao entrarem na cozinha deram com a tia Aurélia, de verdasca na mão, empenhada em perseguir o gato. 374

- Que andais fazendo, mulherzinha? interrogou o dono da casa. A velhota indeireitou-se. - Quereis saber? O mafarrico enquanto eu voltei as costas para provar a panela saltou nos carapaus fritos que estavam em cima da banca e comeu quatro!! - Então também os quis provar; tornou Pedro Afonso, rindo. E a tia Aurélia de braço estendido, empunhando a verdasca, imprecou o bichano que em cima do muro do quintal lambia os beiços muito descansado fixando-a com os seus olhos impassíveis. Na casa de entrada Mariquinhas e a prima Mécia punham a mesa. Aproximava-se a hora do jantar e todavia não tinha ainda aparecido um convidado. Era o tio Estêvão Sardinha, um velho lobo do mar, antigo camarada do pai de Pedro Afonso e a quem este tributava um respeito filial. Devido áquela demora o dono da casa fazia conjecturas e fartos de esperar resolveram-se a ir para a mesa. Aí, segundo o costume da época, a tia Aurélia como pessoa presente mais idosa rezou “o benedicté que os outros ouviram de pé, mãos postas, silenciosamente”. Quando se sentaram: - Dá-me que pensar esta demora do tio Estêvão Sardinha...disse Pedro Afonso. - Não vos apoquenteis senhor Pedro Afonso. Aquele é gaivota marralheira, não se perde no mar! falou a tia Aurélia. E como que a confirmar o que dissera a velhota, quando haviam enchido os pratos de sopa, assomou bruscamente ao postigo o rosto tisnado e risonho de veterano do mar. - Vai o vento de feição, hei? Já içaram a vela grande da terrina! Toca a velejar com vento fresco e cá o mestre ficava em terra! disse na sua linguagem, típica; e metendo a mão à porta abriu-a e entrou. - Ora viva lá, e seja bem vindo quem nos fez esperar e desesperar! exclamou o pai de Mariquinhas. Estêvão Sardinha desculpou-se. Detivera-o em casa a visita inesperada de um seu afilhado que regressara de uma viagem de três anos. Depois cumprimentou os presentes e mais afectuosamente Manuel Simões e a família que, como hóspedes tinham direito a uma atenção especial. Antes que tomasse o seu lugar vago pôs as mãos e rezou baixo para si, o costumado “benedicté”.

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A princípio ninguém falou procurando satisfazer os estômagos, só de vez em quando um ou outro teria elogios à habilidade culinária da velha e de Mariquinhas. O jantar era variado, constando de diversos pratos, e Manuel Simões mostrava particular agrado nos que se compunham de peixe. Uma rapariguinha, filha de uma vizinha pobre, viera naquele dia ajudar a faina da cozinha e era quem servia à mesa. A tia Aurélia ajudava-a porque a pequena fazia o serviço com morosidade, sem dúvida por não estar acostumada. Quando os estômagos já estavam um tanto confortados generalizou-se a conversa, e o Sardinha pregou aos comensais a estopada narração das suas aventuras de marítimo, talvez repetida pela vigésima vez! Por um motivo particular narrava as aventuras mais picarescas onde entravam mulheres e enquanto falava fixava a momentos a tia Aurélia como procurando alveja-la. Eles lá se entendiam com os seus botões! O Sardinha votava-lhe um ódio secreto desses ódios inofensivos das pessoas idosas, porque ela quando nova acolhera desdenhosamente os seus galanteios. Porém, só quem o compreendia era a tia Aurélia porque os outros circunstantes “ainda eram ovas quando ele já era peixe voador” segundo a sua frase costumada com que designava as pessoas de menos idade que ele. A velhota encavacando com aquelas ilusões do seu antigo requestador gritou-lhe num esforço: - Come rapaz! Por teres o costume de dar tanto à taramela é que te têm caído os dentes e já andas a modos estampado... - Estampado? eu?! fez o Sardinha ferido na corda sensível. - Admiras-te?! já em novo o eras! Todas as moças do nosso tempo o diziam... nunca foste capaz de te casares por mais que o tentasses! O tio Estêvão todo se encrespava na réplica: que, “se não casara foi porque não quisera, haviam algumas que andavam atrás dele pelo beiço, doidinhas”! e para provar o que dizia nomeava mulheres que na maior parte já tinham falecido. A disputa dos dois velhos divertia imenso os comensais a quem dava a sensação de estarem num tempo em que ainda não existiam, e de quando em quando Manuel Simões, divertido também com aquela cena, intervia tomando partido ora por um ora por outro fazendo-os acirrar mais, prolongando assim o entretenimento. Percebendo que os estavam desfrutando o velho marinheiro achou conveniente pôr ponto 376

na discussão, dizendo para a tia Aurélia que na sua qualidade de mulher não se queria dar por vencida: - Levanta ferro! O que tu queres é ouvir-me! E o incidente ficou assim encerrado. Depois, como que para estabelecer contraste ante aquelas discussões macrobiais, veio à tela da conversação um assunto palpitante de interesse, cheio de actualidade! Subitamente Manuel Simões, interpelou Pedro Afonso: - É verdade, senhor meu primo e compadre! O que me dizeis de um certo eremita que está próximo daqui segundo me contaram em Rio de Mouro?! - O quê? até chegou lá a nova?! Safa!! fez o proprietário da Ericeira numa admiração. É verdade que sim. Toda a gente fala nele. O seu viver misterioso tem intrigado muitos! Não é verdade Mécia? É verdade confirmou a mulher, acrescentando: Até dizem que se parece muitíssimo com D. Sebastião o nosso desejado rei. - Talvez tanto como o tal tramelga de Penamacor que nem dele tinha a idade! disse o tio Estêvão. - Contaram-me essa nova à quinze dias e tenho-a tido de reserva. Desde então para cá tenho ouvido mais narrações e vou ajuizando-as de mim para comigo. Não sei o que supor. Depois de aquele embuste do filho do canteiro da Batalha não sei o que poderá haver de verdadeiro no eremita de S. Julião! Enfim não sei o que suponha... o que digo é que dois D. Sebastião não pode haver agora um... - Sim há-de haver um com certeza verdadeiro rei de Portugal! exclamou o morgado de Rio de Mouro. Há-de haver um?! Dizei, antes houve um, senhor Manuel Simões, porque eu não creio que ele se escapasse da batalha. Lá tanto morriam os pobres como os fidalgos, a morte não respeita ninguém... a morte e o mar, com mil furacões! exclamou o velho e continuou sem atender a interrupção que queria fazer o morgado. - Mas olhe lá... -... Ainda há gente parva que acredita nas palavrinhas falsas de qualquer peixe tamboril! nem eu que tenho cabelos brancos, e já naveguei o mar desde a terra dos gaiteiros até a dos chinos, que usam trança como as mulheres! Tenho enxergado mundo, tenho lobrigado muita coisa, não velejo de encontro ao canto de uma sereia de barbas! 377

- Mas olhe lá tio Estêvão, pode muito bem ser que D. Sebastião não perecesse na guerra... - Porque dizeis isso?! por ser rei... - Não por isso! Vós sabeis melhor do que eu que o poder de Deus Senhor Nosso é muito grande! Sim, e em ele querendo nada é impossível! Ademais D. Sebastião passou-se às Áfricas em defesa da sua divina causa, em pró da sua doutrina santíssima, para combater infiéis, cujas almas não estão ainda resgatadas pelas águas do baptismo, e por isso Deus podia muito bem ter-lhe conservado a vida para ele poder continuar a sua obra de acarretar almas para o reino do céu! Não devemos pois duvidar do alto poder de Deus! Não vos façais aéreo. - Sim, não devemos duvidar... eu não duvido... mas é de precisão estar-se de vela por causa dos muitos engazupadores que há por esse mundo de Cristo! - Bem sabemos! O que vós não podeis dizer é: se o eremita é ou não el-rei D. Sebastião, disse Pedro Afonso. - Seja quem for! Se é garboso e novo o tal eremita, ainda podem lucrar com isso as cachopas daqueles arredores; tornou o velho anotado. - Moço e garboso era el-rei quando eu o vi... lembras-te Mécia? Parecia uma moçoila bonita vestida de homem! Nunca enxerguei porte tão esbelto num mancebo! A grenha loira, os olhos azuis... Agora se Deus não o levou, deve estar muito mudado na sua real pessoa. - Então já vistes D. Sebastião?! - Já, sim, senhor meu primo. Há-de haver onze anos; um ano antes da fatal batalha, quando o meu “rapazete” nasceu, em Lisboa, num dia de auto de fé. Queimaram-se nesse auto seis feiticeiros! Deus me perdoe! É o dia mais arreliado que tenho na minha vida! Houve um silêncio de instantes. Um desses silêncios de horror que sempre se faziam no interior das famílias quando a recordação terrível das cenas sangrentas do tribunal do Santo Ofício, era atirada bruscamente para o meio da conversação. Pedro Afonso que ficara pensativo mais que os outros, perguntou a Manuel Simões: - E se vísseis hoje D. Sebastião, conhecia-lo? senhor meu compadre.

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- Talvez... não digo ao certo. Há onze anos que isto foi... respondeu o compadre. - Pois então havemos de ir ambos a S. Julião para termos a certeza se é el-rei cumprindo penitência ou um engazupador que quer abusar da boa fé do povo... - Mas olhe, senhor meu primo, quando há-de ser esse dia se ao romper do dia de amanhã já estarei em Rio de Mouro? - Não, não estareis. Eu vos peço que fiqueis o tempo que quiserdes nesta vossa casa. Brevemente começo a secar o trigo e necessito dos vossos sábios conselhos para uma prova que entendo fazer. E depois já tendes lá em cima quartos preparados. Ficais, não é assim? Manuel Simões consultou a consorte. - Que dizes, Mécia? - Dizei que sim, prima minha; pediu Mariquinhas. - Como quiseres; respondeu a esposa. Fiquemos sim senhor meu pai, pediu o Joaquim num arroubamento: Gosto tanto de ver o mar! - Pois seja assim; anuiu o morgado. Visto que ficais iremos uma noite destas a S. Julião. De noite não se dá tanto nas vistas... - Mas já vos aviso que não poderei demorar-me mais do que três dias ou uma semana o muito. - Não importa! Pois amanhã se Deus quiser iremos lá. Manuel Simões concordou. - Senhor, meu pai, e primo, deixais-me ir também? pediu o Joaquimzito. - Não senhor! Não tens nada que fazer lá, disse o pai secamente. - Agora isto é necessário que fique entre nós; o que ele for depois constará. E olhe lá tio Estêvão, peço-vos que não divulgues a nossa visita lá para fora. - Podes estar descansado, Pedro. A minha boca será como a porta da ermida de Nossa Senhora Mãe dos Aflitos desde uma festa à outra. Ainda sei guardar segredo apesar de estar “estampado”, como disse a Aurélia. Podes descansar que da minha boca nada sairá antes do tempo. Ia a levantar-se novo incidente entre os dois velhos devido ao Sardinha ter acentuado claramente a palavra estampado, porém o dono da casa evitou-o, levantando-se prontamente da mesa. Todos o 379

imitaram. Havia terminado o jantar e, como era costume, ia dar-se graças a Deus. A tia Aurélia murmurou uma oração de agradecimento e ao terminá-la todos se benzeram em voz alta. De repente apareceu ao postigo o rosto magro de Tristão. - Dais-me licença... - Penetrai, disse o pai de Mariquinhas. O pregoeiro entrou e ficou-se imóvel no meio da casa, constrangido ante aquela gente estranha que naturalmente não suponha encontrar ali. Lançou uma olhadela rápida para os restos do jantar sobre a mesa e dirigiu-se a Pedro Afonso, pois sabia que ele fazia anos. Vinha desejar-lhe muitas felicidades, fazia votos pela alegria da sua casa, pela boa sorte da sua filha, a menina Mariquinhas. Dizia isto rapidamente, de fugida, como uma saudação estudada fora da porta antes de entrar, mastigada pelo caminho. Pedro Afonso ouvio-o em silêncio vendo-o a corar dentro dos seus andrajos, pouco à vontade, ante aquele burguesismo de interior. Agradeceu-lhe e disse à filha que lhe desse alguma coisa que comer para beber “uma pinga”, lá dentro, para estar mais à vontade, sem que a presença daquela gente desconhecida o constrangesse. E enquanto Tristão, na cozinha, de parceria com o gato devorava os restos do banquete e a velhota e a rapariguita dos vizinhos levantavam a mesa e lavavam a loiça, combinaram eles um passeio “uma vista de olhos pela vila”. De caminho lembrariam os rapazes e raparigas para o “bailarico” e iriam ao norte, ao cabo da vila, convidar os Diogos para não faltar música na função disse Pedro Afonso. Mariquinhas correu lesta ao andar superior a arranjar-se, a enfeitar-se, impelida por esse “coquetismo” de rapariga solteira. Quando desceu, saíram todos, depois de dizerem à tia Aurélia: - “Deus fique convosco!” - ao que ela respondeu da cozinha entre o ruído característico da loiça chocando-se: - “E que a sua divina graça vos acompanhe”! Fora, o rutilante sol de Junho, àquela hora da tarde, tinha uma carícia tépida. Adiante caminhavam as duas mulheres, ao lado destas o “rapazete” empunhando o seu pau ferrado tinha o aspecto singular de um alabardeiro de barrete. E o seu rosto de garoto impubre, iluminado por um sorriso provocativo, parecia desafiar alguém invisível, mudamente numa ameaça: 380

“Aproximai-vos se sois capaz!” Atrás, um pouco distantes, vinham os homens falando alto, quase berrando, alardeando a satisfação feliz de pessoas que jantam bem e bebem melhor! Dos interiores e das portas naquela tarde de dia santo aquela hora de mexericos, olhavam-nos curiosas as mulherezinhas palradoras. Quem visse a Ericeira de então, não reconheceria a Ericeira de hoje. A vila tem mudado consideravelmente desde aquela época a esta parte. O progresso ali é lento mas seguro, porém algumas coisas se têm conservado inalteráveis, umas na natureza outras na sociologia do povo. O que era homem é hoje ainda! Na natureza o que o tempo ainda não evolucionou são: os rochedos das Furnas, o marulho contínuo do oceano enchendo a atmosfera e o espreguiçar-se da vaga sobre a areia das praias. O que também não se evolucionou nem se evolucionara jamais, talvez, são as tardes mexeriqueiras dos dias santificados; amigas em casa de amigas. Em tais tardes os interiores decorados por molduras simples, quadriculando santos, impregnados de um remanso beatífico, toma o aspecto de mercado ou leilão de reputações. Ali desde a hora do jantar, ao meio dia, até à hora da ceia criticam-se e caluniam-se factos e indivíduos! Se numa dessas tardes, por um fenómeno, a atmosfera tornasse mais forte, subitamente, a precursão da voz humana ouvir-se-iam dezenas de bocas femininas dizerem somente: “F. é isto, C. aquilo, B. fez isto”! E quando seria curioso ouvir ecoando distintamente no ar essas frases de soalheiro, maledicentes!! Como dizíamos a vila de hoje difere muito da de então. A sua importância piscatória era mais alongada, porém, em compensação, não era ainda a Ericeira aprazível estância balnear actual com habitações de um certo cunho artístico e possuindo ruas alinhadas com calcetamento. As ribas não tinham o muro que hoje se vê e as casas não eram tanto à beira-mar, sendo na maioria térreas toscamente feitas de madeira, uma aqui outra ali. Os marítimos de então não tinham para passar as suas horas de ócio o parlatório do forte; onde ele actualmente se ergue era um terreno baldio onde a erva crescia livremente e as galinhas vadias depenicavam. Em toda a parte se viam redes estendidas a enxugar, e a prata viva das conchas dispersas pelo chão reluzia vivamente quando o sol lhe batia de chapa. Haviam só 381

duas igrejas: uma ao norte, onde é hoje S. Sebastião, e outra no meio da vila chamada a capela do Espírito Santo, onde é hoje a Misericórdia. Na do norte venerava-se de ano em ano a imagem de Nossa Senhora Mãe dos Aflitos, cuja festa e arraial tinham um brilhantismo fora do comum. O rancho foi seguindo vagarosamente em direcção ao extremo norte da vila, e quando eles passavam as portas dos casebres apareciam rapazes e raparigas atraídos pelo rumor das suas palavras em voz alta. Pedro Afonso ia avisando a mocidade da vila: - Ó Clementina não falteis hoje ao meu “bailarico... Ó António lá vos espero ver logo a bailar”. E respondiam-lhe: que sim, que não faltariam... Finalmente chegaram ao cabo da vila a casa dos Diogos. O pai de Mariquinhas bateu à porta; veio abri-la o filho mais velho, o Fernão, um afamado tocador de gaita de foles. Pedro Afonso pediu-lhe que aparecesse na função com o instrumento; prometeu-lhe que sim que não faltaria e disse que se quisesse, também iria o irmão mais novo com a charamela para se renderem, para que a festa não arrefecesse de entusiasmo a falta de tocadores. Aplaudiram-lhe a ideia e tomaram todos para o sul da vila tendo por piso o mesmo solo coalhado de conchas e de redes a enxugar. Ás vezes atravessava o caminho uma galinha de asas abertas, espantada, correndo veloz. Ao lançarem uma olhadela pelas portas abertas dos casebres dos pescadores avaliavam a miséria dessa gente. À porta de uma dessas habitações da escória da vila, estava sentada ao sol uma mulher nova, franzida e pálida, pobremente vestida, amamentando uma criança. No rosto da desgraçada advinhava-se vestígios nítidos do sofrimento da fome. Era uma dessas infelizes a quem a primeira falta e o primeiro filho posejado antes do final da puberdade vieram amargurar-lhe a existência descuidada, plácida, antes de escorregarem. Pedro Afonso dirigiu-lhe a palavra numa saudação: - Que Deus vos salve Rosária! A rapariga levantou-se cumprimentando. Instintivamente por um pudor natural, ocultou o seio raquítico. A pobre criança interrompida assim tão bruscamente seu banquete de leite principiou a chorar num desespero. As mulheres acercaram-se a afagar o inocentinho que se calou de súbito, fixando-as de olhinhos muito 382

abertos, muito admirado sem dúvida daquelas meiguices desconhecidas. E faziam perguntas à mãe a respeito da pobre criancinha. - Então o vosso homem? interrogou subitamente o proprietário da Ericeira. - Lá está com a outra... não quer saber de mim... Disse simplesmente numa resignação estóica de consorte abandonada, numa submissão fiel de cadela batida e posta fora de casa! - Aquilo ela deu-lhe coisa má a comer ou beber, tornou Pedro Afonso num conforto. - Não sei... era tão meu amigo aquele meu homem...disse a desgraçada num tom de voz tão emocionante que comoveu toda aquela gente. - Pegai-la.. E o ricaço depôs-lhe nas mãos algumas moedas de bronze. O compadre imitou-o naquele rasgo filantrópico. E afastaram-se enquanto a mizera balbuciava palavras de agradecimento. Distantes à porta de uma taberna, encontraram Martinho que tomava os últimos raios do sol. O madraço, ao ver aquele estranho grupo endireitou-se e dirigiu-se a Pedro Afonso, muito cortesmente, felicitando-o pelo seu dia natalício. O proprietário agradeceu-lhe quase como indiferente pois que sentia um fundo desprezo por aquele matulão ocioso e bulhento quando o comparava no seu cérebro com a tenacidade trabalhadora da velhinha que o acolhera pequenino e órfão. Ainda assim teve este oferecimento, quase maquinal, na despedida. - Se logo quiserdes “bailar” lá tendes a minha função... Quando chegaram a casa era já sol posto. À porta o tio Estêvão despediu-se, dizendo trocista, que dali a pouco voltaria para saltar a fogueira com a Aurélia. E então começou a azáfama de trazer a lenha do quintal para a rua em frente da casa. A realização daquela festa nocturna anual era falada. Aquele baile ao ar livre, à luz da fogueira, era ansiosamente esperado durante o ano. Iniciavam-se neste baile namoros e ajustavam-se casamentos; e por tal facto tinha sempre concorrência de gente nova que vinha ali impelida pelo seu desejo ardente de cumprir o preceito de Cristo: “ crescei e multiplicai-vos!” Às oito e meia o pai de Mariquinhas acendeu a fogueira cujas chamas alumiaram vivamente o local. Puseram-se bancos para aqueles 383

que não dançassem gozar o espectáculo. Havia já bastante gente que tinha vindo cedo demais: marítimos, endomingados, mulheres que iam vender peixe pelas terras próximas, simples curiosos que vinham impelidos somente pelo desejo de ver, de dar fé! Por fim o recinto foi invadido por uma multidão de garotos de pé descalço atrás da qual vinham os Diogo músicos: um soprando na sua gaita de fole o outro ferindo os tímpanos com as notas agudas da sua charamélia uma espécie de flauta muito em uso naquela época. Então começou o bailarico. Pedro Afonso e Manuel Simões escolhendo cada um o seu par de mulheres já pesadas, tomaram também parte no folguêdo geral. Houve um gargalhar atroador de toda aquela multidão quando o Estêvão Sardinha puxou, inesperadamente, a tia Aurélia para o meio do recinto do baile e que começaram ambos a dançar! Fizeram roda áqueles pândegos idosos batendo-lhes palmas. De quando em quando tinham que parar, pois que os chinelos da velhinha, descalçando-se, obrigava-os por momentos a interromper o voltear compassado da dança! O Fernão Diogo, o tocador de gaita, tirava do instrumento acordes que embriagavam de entusiasmo toda aquela gente! As notas do instrumento na mão dele arrebatavam! às vezes simulavam o ganir de cães, miar de gatos, o vacilante soluçar ou a hilariedade de pessoas! outras vezes as notas grossas davam a sensação de uma tempestade desencadeando-se ao longe! Era um génio da música aquele Fernão! era como que um Wagner ericeirense! Aquele talento na impressionável arte auditiva vinha-lhe de família, era hereditário. A família dos Diogos, desde velhas datas que soprava gaita de fole nos arraiais fazendo as delícias das multidões! E talvez terminasse ali aquela geração de assopradores, o que era pena, pois que Fernão tendo já vinte e cinco anos nunca pensara em casarse! O bailarico continuava em apoteose de mágica! Tinha um aspecto fébrico aquela festa nocturna à luz vermelha da fogueira! Mariquinhas dando tréguas à sua vaidade de rapariga formosa e rica dançava com todos, porém aquela condescendência da filha de Pedro Afonso alanceava o coração de alguém que também ali estava no folguedo sem todavia ter ainda tomado parte nele. Esse alguém que estava como espectador, o que sempre acontecia em festas idênticas, pois que nenhuma rapariga queria 384

dançar com ele, era Martinho que todo se mordia de ciúmes quando a cativante jovem era enlaçada pela cintura por algum rapaz e que volteavam ambos doidamente, vertiginosos, no furor da dança. Quando Mariquinhas se sentou a descansar, Martinho foi aproximando-se dela sorrateiramente. Havia tomado uma resolução. O seu coração pulsava-lhe com violência, o seu peito parecia-lhe arder em labaredas, tal era o fogo que sentia nele! O seu enorme afecto, o seu ardente amor impelia-o a declarar-se ali, doidamente, sem raciocínio, sem antever as consequências, do passo que ia dar! A imensidade da sua paixão compelia-o a desabafar desse enorme afecto que havia tanto tempo já que lhe passara da alma! E o abismo que havia entre ele e ela o louco de amor não o via naquele momento. O que era ele com a sua reputação enlameada ante a rica virgem que não tinha uma mancha a empanar a sua existência? Ah! mas ele amava-a enormemente, num sonho quimérico, num desejo ardente que talvez nunca tivesse realização, o sangue da sua mocidade pedia-lhe os afagos da carne! Ele amava-a com loucura, adorava-a mesmo. Amor sem esperança aquele! Era como que um sapo a namorar o sol! Chegando próximo de Mariquinhas, que ainda não tinha reparado nele, olhou em torno. O baile continuava no mesmo entusiasmo crescente. O tocador de charamela mostrava então as suas aptidões musicais. Pedro Afonso o compadre e o tio Estêvão ouviam atentamente. Tristão que parecia dar-lhes esclarecimentos sobre um determinado assunto. Nalguns grupos namoricava-se. A lenha da fogueira crepitava ardendo, e grandes labaredas, semelhando cobras de fogo, subiam para o ar envoltas em rolos de fumo. Subitamente a rapariga, que conversava com umas amigas, ao voltar o rosto soltou uma exclamação: - Ah! estais aqui, senhor Martinho?! Tão perto de mim e eu ainda sem vos ter visto! - Cheguei mesmo agora, neste instante... não digo bem, quando cheguei ao “bailarico” dançáveis vós. Sem dúvida, senhora minha, nos dá grande prazer esta função?! - Oh! muito! nem imaginais! É tão bom a gente folgar... disse ela fixando-o com os seus ternos olhos castanhos. 385

- Enquanto se pode... Não é verdade? tornou Martinho. - Pois de certo... que na velhice já não tem graça, direi melhor, torna-se engraçado para os outros. Não vistes quando a senhora vossa avó dançou com o tio Estêvão Sardinha como toda esta gente riu? - Não vi... ainda não estava cá, mentiu Martinho subjugado pelo encanto da voz da jovem, supondo que ela lhe iria relatar o facto que ele bem vira. Porém ela disse simplesmente: - Pois dançaram ambos e todos acharam graça, por isso eu digo que deve folgar-se na idade moça para que na velhice não tenhamos inveja da gente nova. - Dizeis, bem senhora minha, a idade moça é a quadra melhor da vida! é como o mar de Verão sem um bafo de vento norte a fazerlhe velhas... E quando estimamos uma pessoa e que ela nos estima também? Não há nada melhor do que essa estima de um para o outro... Mariquinhas olhava-o, e ele continuava entusiasmado, num desabafo, patenteando-lhe as escabrosidades da sua alma apaixonada. - ... É a maior felicidade amar e ser-se amado! Mas ás vezes ama-os e não sabemos se nos amam, porém, quando não temos a certeza de sermos correspondidos anima-nos uma esperança que nos dá alegria; essa esperança é como que uma vela salvadora no meio de um naufrágio! Ah! e quando amamos uma pessoa com todas as forças do nosso coração e que essa pessoa ainda não compreendeu o nosso afecto... a vida é aborrecida, é pesada como um fardo! - Compreendo-vos, amais e não sois amado... disse a jovem. - Sim, senhora minha, amo como ninguém ainda amou assim. Nunca confessei este meu grande amor. Ah! se me amassem também... - E quem amais? podeis dizer-mo... - Não advinhasteis ainda? - Não, juro-vos que não; e olhando em torno do baile, perguntou: E estará aqui a vossa escolhida? Aquela interrogação, Martinho estacou. Parecia arrepender-se de ter avançado tanto, mas era já tarde; os corações apaixonados não vêem momentos críticos. E assim baixando somente um pouco a voz, confidencialmente, disse: - Está... e eu estou junto dela! - Eu?! fez a rapariga numa admiração.

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- Vós sim, senhora minha. Sois vós a escolhida do meu coração... E vendo que Mariquinhas se afogueava: - Perdoai-me se vos ofendi sem querer... Efectivamente a rapariga ruborisara-se. A sua ingenuidade achava aquilo patusco. Sentia um formigueiro na garganta. E de repente, possuída de uma hilaridade súbita que não pode reprimir, principiou gargalhando tão livremente que as atenções se voltaram para o lado em que eles estavam. Martinho corrido, vexado, cheio de vergonha foi-se afastando disfarçadamente como se nada fosse com ele. As amigas de Mariquinhas admiradas daquele súbito gargalhar inquiriram: - Que foi isso?! Porque te ris assim? E ela ainda toda abalada de riso. - Quereis saber? O pobrezinho do Martinho ensandeceu... e contou-lhes o facto acontecido que da parte delas teve mais gargalhadas ainda. Martinho afastando-se do ajustamento, com o coração dilacerado trocista da sua confissão, foi ocultar-se na esquina duma casa distante por aquele acolhimento, apurando o ouvido. Suponha ir ao ouvir dali o seu nome repetido por todas aquelas bocas, analisando o acontecido e troçando-o. Mas enganou-se, o incidente não fôra escandaloso. O bailarico continuava, porém menos animado pois já se retirara bastante gente. Os restantes formando roda cantavam ao desafio, porque os tocadores fartos de soprar acabaram por ter as goelas secas e o dono da casa achou prudente levá-los a molhá-las com um copázio de vinho. A fogueira já com pouco combustível ameaçava apagar-se. E no céu estrelado passavam velozes nuvens negras que ocultavam por momentos a meia lua daquele fim do mês. Martinho escondido na sombra, arrependido do passo que dera, analisava os mínimos movimentos que faz a Mariquinhas. Achava-se possuído do grande receio de que ela fosse contar, ingenuamente, ao pai a cena passada entre ambos. E da esquina pode ver terminar a festa depois dos rapazes e raparigas terem saltado o braseiro da fogueira possuídos de uma alegria louca.

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E quando se retiravam grupos, e a tia Aurélia veio lançar água no grande braseiro para o apagar, Martinho estendendo solenemente o braço direito para o local onde se realizara o bailarico disse alto: - Hei-de vingar-me desta afronta... eu juro... por vida minha! E, ocultando-se como sombra das casas, dirigiu-se para a sua morada próximo da ermida do Espírito Santo, onde vivia solitário e onde tantas vezes o perturbara a lembrança da formosa Mariquinhas que acolhera com gargalhadas a confissão sincera do seu imenso amor! III O dia seguinte, o último do mês de Junho de 1588, nasceu ameaçador de aguaceiros. Mécia, inquieta, logo de manhã disse ao marido: - Vês! parece que temos chuva... não tem jeito nenhum irem a S. Julião com um tempo assim! - Isto não é nada... o dia segura-se, não chove; disse Manuel Simões na sua larga experiência de homem do campo olhando o céu carrancudo. Depois de almoçarem os dois homens e o Joaquimzito partiram para as fazendas. Quando regressaram, o dia tinha tomado outro aspecto. Pedaços de nuvens rotas deixavam ver o céu azul e a instantes o sol abrasador iluminava a terra. Depois da ceia, já noite fechada, saíram os compadres. O “rapazete” muito contrariado por não poder acompanha-los teve de ficar em casa a ouvir uma história de fadas da tia Aurélia e a ver a mãe e a prima a costurarem à luz do candeeiro de latão de três bicos. Simões e Pedro Afonso assim que se acharam no exterior, começaram caminhando apressadamente em direcção à praia do sul, a actual “praia” da “baleia”. Tomaram um caminho que conduzia ao “rio do fundo” e chegados ali desceram outro muito escabroso que levava à praia. - Agora sim! fez Manuel Simões com prazer sentindo a areia sob os pés que se tinham magoado no declive do caminho incómodo. - É outra coisa este piso, hein? disse Pedro Afonso só para lhe responder. Continuaram caminhando sobre a areia onde os seus pés se enterravam docemente. 388

Era a hora da baixa mar. No refluxo a água retira-se deixando ficar em seco penedos que na enchente oculta e a massa negra destes destacava-se com um grande vigor à claridade pálida da meia lua. Ao longe, sobre o oceano via-se uma grande toalha de luz tremelitante. À direita as rochas do “portinho de revés” punham uma mancha negra no céu de aço polido e no sopé da grande ribanceira terrosa da esquerda alonga-se a perder de vista a praia, então alva de luar, em que “a pedra furada” põe um ponto negro ao centro. Nas brumas do horizonte longínquo prolongasse pelo mar o cabo da Roca.

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JOSÉ JORGE LETRIA A Paixão e Morte de Mateus Álvares PERSONAGENS Mateus Álvares (jovem, menos de 30 anos, cabelo e pele claros) Pedro Afonso (homem de meia idade) Diogo da Fonseca (homem de meia idade) Voz-off António Simões Camareiro Homem Mulher Rainha (jovem, mulher de Mateus Álvares) Emissário (muito jovem). A acção da peça decorre em fins de Maio e princípios de Junho de 1585, tendo como eixo o apoio popular dado, na vila da Ericeira, a um homem de nome Mateus Álvares, ex-eremita, que se fazia passar por D. Sebastião, servindo-se da semelhança física com o monarca morto nos campos de Alcácer-Quibir. Em torno do impostor, cujas convicções vão enfraquecendo à medida que se aperta o cerco movido pelas autoridades de Lisboa, movimentam-se personagens como Pedro Afonso, seu sogro, António Simões, proprietário rural que dá credibilidade à impostura dizendo que se lembrava de ver passar o rei à sua porta antes do desaire da expedição militar ao Norte de África, pelo que podia confirmar a sua identidade, e sua mulher, designada na trama dramática apenas por Rainha. Toda a acção política e militar de cerco aos impostores, fortemente apoiados pela população, é conduzida pelo corregedor Diogo da Fonseca, magistrado ao serviço dos espanhóis, que já havia dado provas de eficiência e de capacidade de intervenção no caso do impostor, que ficou conhecido pela designação de Rei de Penamacor. O espaço em que se desenrola a acção dramática é marcado por um quase total despojamento, que contrasta com a densidade da linguagem poética. Devem predominar os tons sombrios da tragédia anunciada, vendo-se apenas, como referência simbólica, um trono de madeira pobre e ainda uma janela, única via de contacto do rei-impostor com a realidade circundante. Por esse espaço que é, ao mesmo tempo, sala de trono, sala do Paço onde se maquinam as acções repressivas e caminho de chegada e de partida, circulam

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personagens dominadas pelos jogos desconcertantes e complexos do poder e do contra-poder. É intenção do autor acentuar o registo anti-epopeico do texto, que não pretende ser instrumento de nenhuma moral colectiva nem de nenhuma mística mais ou menos patrioteira. Nota final: o ritmo da acção torna recomendável que o espectáculo seja feito sem intervalo.

Mateus Álvares - Avanço perigosamente para um trono talhado na névoa, escavado na sombra. O meu poder é precário, quase nulo, porque reino sobre coisa nenhuma e o território do meu mando é escarpado e ermo, como se fosse um deserto à boca do mar. Tenho coroa, ceptro e súbditos, mas falta-me ver reconhecida a legitimidade do meu mando. Só no Paço, em Lisboa, alcançarei esse desígnio. Para onde me encaminho não sei, que os meus passos, apesar da luz forte que me ilumina e traz em si as mais desejadas revelações, são por vezes inseguros, titubeantes. Reino sobre as falésias, sobre os rochedos altos que se inclinam sobre as ondas e sinto uma sede insaciada de infinito. A minha plenitude há-de ser a minha perdição. Do Altíssimo me vem um poder que não cabe nas palavras e só me traz desassossego e inquietação, quando é, afinal, a paz que busco. Mas não a tenho, não a encontro. Há lá fora vozes que clamam pela minha presença. Tenho exército, generais e mensageiros, rainha e pagens, conselheiros e nobres e, contudo, é somente na solidão que encontro companhia, a mesma que tinha nas celas sombrias do convento de São Miguel e do convento de São Pedro de Alcântara. É a minha tez clara, a cor de trigo dos meus cabelos revoltos que me dá esta trágica semelhança com o rei que nunca voltou. Eu mesmo me interrogo: serei eu o rei? Será que a ficção que teci em torno das minhas crenças e dos meus sonhos fez de mim um rei autêntico, credível, legítimo, eterno? É na crença dos outros que hoje se fortalece a minha crença. E cada vez se dilata mais o seu número. Chegam de todos os lugares em redor com pedidos de benesses, de títulos, de milagres, de armas para lutar, de bençãos e de terras. E tenho tanto e tão pouco para lhes dar. Tenho as palavras, os sonhos, os delírios e as promessas que, na minha boca, ganham o fulgor do lume, o tom febril das coisas divinas. Extinga-se esta luz que me ilumina e estará traçado o destino do meu mundo. Neste momento sou rei e sinto-me rei.

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(Mateus Álvares deambula pela cena, retomando, por fim, lugar no seu trono. Entra em cena Pedro Afonso, com bizarro uniforme militar). Pedro Afonso - Não cessa de aumentar, Majestade, o número dos que se querem juntar ao nosso exército para ver dilatada a força que já somos dentro desta pátria usurpada. Chegam de todos os lugares, camponeses uns, peregrinos outros, e trazem chuços e varapaus, punhais e machados. A pobreza é o que quase todos têm em comum, mas o que lhes falta em haveres sobra-lhes em fé na nossa causa. Sob as minhas ordens e a vossa bandeira estão dispostos a verter o sangue pela reposição no trono daquele que é o seu legítimo ocupante. Mateus Álvares - Cativa-me, bem o sabes, o calor das tuas palavras inflamadas pela crença, mas temo que seja ainda cedo para lançarmos essas boas almas numa guerra para a qual não estamos por enquanto preparados. Pedro Afonso - Compreendo, Majestade, os vossos receios, que só podem ser ditados pela prudência que sempre acompanha um homem de Estado, mas não deveis subestimar a capacidade de lutar destes homens que já sofreram no corpo sevícias, agruras e fomes. Alguns combateram a meu lado nas fileiras de D. António, Prior do Crato. São homens de uma imensa bravura, para quem nada se joga ou se decide fora do destino da pátria. Podemos, pois, contar com eles e com a sua coragem de soldados e de homens de bem. Nasceu para eles um novo sol quando lhes chegou a notícia de que o seu rei tinha sobrevivido ao massacre de Alcácer-Quibir. Foram engrossando, ao longo dos caminhos, o contingente da nossa esperança e hoje estão connosco, aqui na Ericeira, para vos levares em triunfo até ao Paço, em Lisboa, e para darem ao vosso mando a força incontestada de uma lei. (Pausa) Estão lá fora e esperam que assomeis à janela com uma palavra de confiança e de estímulo. Mateus Álvares (encaminhando-se para a janela) - Não os farei esperar. (Falando para o exterior, depois de ouvir vozes de aclamação) Que palavras usarei para vos mostrar gratidão pela bravura que demonstrais? Não vejo em vós somente o exército de um rei que luta para ver reposta a legitimidade do seu mando; vejo em vós, também, a força generosa de uma pátria que recusa a usurpação e a fala estrangeira de quem a quer ver vencida e acocorada, submissa e humilhada (aclamações). Longo foi o caminho que percorri até chegar 392

a esta terra, onde encontrei acolhimento e paz para me refazer da mágoa da derrota. Ainda trago nos ouvidos os ecos da batalha, o fragor da contenda interminável, os gritos dos homens e o troar dos canhões. Tudo isso me fere a memória e faz renascer em mim a vontade de começar de novo com as forças que Deus Nosso Senhor quis agrupar em meu redor, sob o comando do meu general Pedro Afonso (aclamações). Sei que há, entre vós, jovens e velhos, ricos e pobres, gente de muitos lugares e de variadas crenças e sei também que só um sonho vos une: o de verem no trono de Portugal um rei que use a mesma fala que vós e que tenha no sangue o fogo das grandes, das imortais convicções (aclamações). Para aqueles que chegam exaustos da jornada, cobertos de poeira, com os pés em chaga e o corpo alagado de suor, recomendo repouso e mesa farta, que os dias que se avizinham serão árduos e esgotantes. Em breve nos voltaremos a ver (aclamações). (Mateus Álvares e Pedro Afonso retiram-se. Vem à boca de cena o corregedor Diogo da Fonseca que, depois de uma prolongada vénia, presta contas do inquérito que realizou perto da Ericeira). Diogo da Fonseca - Trago-vos, senhores, notícias da agitação que vai por aquelas terras inflamadas pela palavra e pela presença de um homem de nome Mateus Álvares, que se faz passar pelo falecido D. Sebastião. Quereis saber quem é? Pois dir-vos-ei que não passa do filho de um talhador de pedra da cidade da Praia, na Ilha Terceira. Apurei, nas indagações que fiz e de que agora vos dou conta, que ingressou no Convento de S. Miguel e que depois de uma apagada iniciação religiosa se juntou aos frades de S. Pedro de Alcântara. Depois do noviciado, fezse eremita e encontrou abrigo numa zona escarpada, junto ao mar, perto da Ericeira. Voz-off - Pede-nos o Arquiduque Alberto, nosso senhor, que saibamos de vós o seguinte: como foi que um pobre e desconhecido eremita conseguiu impor com tal vigor a sua impostura? Diogo da Fonseca - Com extrema habilidade e persistência, senhores. Voz-off - Como assim? Diogo da Fonseca - Deu-lhe em primeiro lugar credibilidade a sua semelhança física com o falecido soberano tombado em AlcácerQuibir. A idade é sensivelmente a mesma e o cabelo e a pele são claros. Apurei no local que, a princípio, Mateus Álvares não estava muito seguro no desempenho do seu novo papel, tal modo que desencorajou 393

seguidores e tentou desarticular o movimento gerado em torno da sua figura. Voz-off - E como foi que esse movimento desapontou e ganhou força? Diogo da Fonseca - Também esse facto pode ser explicado, senhores. Para tanto contribuíu um abastado proprietário rural, António Simões chamado, que assegurou à população ser aquele o soberano desaparecido, pois muitas vezes o havia visto passar a cavalo junto às suas terras, a caminho das coutadas onde costumava caçar o javali, o veado, a lebre e a raposa. Valeu a garantia dada por António Simões para que essa pobre gente convertesse o seu desejo secreto numa crença indesmentível. Voz-off - Quereis com isso dizer que o aparecimento deste impostor corresponde a um anseio da população? Diogo da Fonseca (inseguro) - Não foi bem isso, senhores, o que pretendi dizer. O que se passa, na realidade, é que houve muito quem incutisse nessa pobre gente, servindo-se do púlpito e da conversa de albergaria, a convicção de que D. Sebastião se encontra vivo e que é imperioso trazê-lo de volta ao paço. Foi isto somente o que eu quis dizer. Voz-off - Adiante. Diogo da Fonseca - Mas houve mais, senhores. Avolumaramse as vozes dos que asseguravam ter visto e ouvido o impostor, no seu eremitério, noite alta, a vergastar-se e a gritar em tom febril: «Portugal! Portugal!» E mais vi eu, senhores, nesta viagem que fiz pelas bandas da Ericeira. Voz-off - O quê exactamente? Diogo da Fonseca - Verifiquei, senhores, que o impostor e aqueles que o rodeiam, a começar por um tal Pedro Afonso, proprietário de uma quinta em Rio de Mouro, gozam de um real e preocupante apoio popular. O que dá pelo nome de Pedro Afonso, foi combatente nos batalhões populares do Prior do Crato e terá ganho aí a experiência militar de que hoje faz uso para arregimentar e preparar homens de armas. Voz-off - Quereis com isso dizer que o impostor dispõe de um exército? Diogo da Fonseca - Precisamente, de um exército, indisciplinado é certo, mas nem por isso menos perigoso e digno de atenção por parte das autoridades do reino. Esse exército, conforme 394

me foi dado observar, segue com crença cega os seus chefes, a começar pelo já citado Pedro Afonso, homens mais movidos pela fé, estou seguro, do que pela cobiça ou pela sede de poder. Voz-off - Podemos pois inferir das vossas palavras, senhor corregedor, que existem razões de sobra para nos acautelarmos e para tomarmos as medidas que entendermos mais prudentes e adequadas? Diogo da Fonseca - Eu próprio não tiraria melhor conclusão. E mais vos digo. Tendo eu sido incumbido de investigar outro processo de impostura, que ficou há poucos anos conhecido com o nome do Rei de Penamacor, não hesito em considerar este que agora se me depara como infinitamente mais ameaçador para a segurança do Estado, nestas horas tão difíceis que vivemos. O que, no outro caso era ingenuidade e crença infantil, é aqui premeditação e jogo conspiratório. Tudo torna, pois, recomendável a adopção de medidas que funcionem como exemplar punição para potenciais impostores. Ai do poder que não esteja precavido ante a cobiça dos que nada têm a perder. Voz-off - São avisadas e sensatas as vossas palavras, senhor corregedor, mas deixai que sejamos nós a tirar as conclusões, que para tanto não nos faltam, graças a Deus, meios e clarividência. Diogo da Fonseca - Estou certo, senhores, que não vos há-de faltar a visão larga que quem governa deve ter do tempo e do lugar em que governa. Creio ter cumprido a minha missão como servidor leal e dedicado. Voz-off - Disso não temos dúvida, senhor corregedor. E não foi esta seguramente a última vez que tivémos de recorrer aos vossos valiosos préstimos. (Diogo da Fonseca sai de cena, reentrando Mateus Álvares, que toma assento no trono, e atrás dele Pedro Afonso e António Simões). Pedro Afonso (para Mateus Álvares) - Recebi há instantes a notícia de que o nosso exército já conta com cerca de mil homens. Mateus Álvares - E que experiência têm eles das coisas da guerra? Pedro Afonso - Infelizmente muito escassa. Mas não se encontre aí razão para desânimo, Majestade, que nem nos batalhões populares de D. António, Prior do Crato, em que, como sabeis, exerci funções de comando, encontrei tamanho entusiasmo, tamanho ardor e uma tão imensa generosidade.

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António Simões - Concordo convosco, Pedro Afonso. Aqueles com quem falei a caminho da Ericeira, descansando nas bermas ou matando a sede à beira das fontes, eram senhores de uma infinita crença em relação ao destino heróico do seu rei regressando do Norte de África. Deu-me cuidado, somente, ver que muitos deles são ainda bastante jovens e portanto ainda sem experiência de combates e da vida. Pedro Afonso - A crença é bem mais importante que a experiência. Dêem-me um mancebo de convicções e farei dele um herói. Dêem-me um soldado experimentado mas céptico e poderei ter sob as minhas ordens um cobarde. Mateus Álvares - Falta-nos agora a decisiva prova de fogo. Pedro Afonso - Permite-me, Majestade, um ligeiro reparo. A dúvida que por vezes vos assalta, nas palavras ou no tom carregado do semblante, não é coisa avisada. De vós esperamos hoje mais do que nunca, o ânimo renovado e a crença inabalável. Não podeis esquecer que se tudo correr a nosso contento, pelo S. João, quando o povo estiver nas ruas, ocupareis em Lisboa o trono que vos pertence, connosco a vosso lado para vos proteger e aconselhar. António Simões (para Pedro Afonso) - Deixai que vos diga que foi extemporâneo o vosso reparo. Quem somos nós para dizer ao nosso soberano aquilo em que deve ou não deve acreditar? Senhor de uma sabedoria de raiz divina, constantemente iluminadas pelos seus santos protectores, há-de o nosso rei saber melhor que ninguém como há-de e quando há-de dar-nos alento para o combate. Pedro Afonso (exaltado) - Quem sois vós, senhor, para, na presença do Senhor D. Sebastião, nosso soberano, quererdes tirar às minhas palavras a autoridade que o meu posto de combate em chefe dos exércitos reais lhes confere. Mateus Álvares (conciliador) - Acalmai-vos, senhores, e guardai para outros momentos e lugares a vossa ira, que bem precisa há-de ser. Aqui estamos irmanados por um ideal comum. Vós sois os meus homens de armas, os meus conselheiros, os pilares da minha corte. Se vos encontro desavindos, que esperança posso ter no desfecho desta luta? Pedro Afonso - Tendes razão, Majestade. Quem sou eu para comentar a intensidade da vossa crença ou a legitimidade das vossas dúvidas? Como posso virar contra o senhor António Simões, amigo de Vossa Majestade a cólera das minhas palavras? 396

António Simões - Também eu peço desculpa a ambos por ter provocado este desaguisado e o azedume desta troca de palavras. Mateus Álvares - Fico feliz por ver que o bom-senso prevalece na minha corte e que os homens de honra que me apoiam reconhecem a necessidade de estarmos unidos, hoje mais do que nunca. E por ter falado de corte, recordo-me agora, senhores, que pedi a vossa presença nos meus aposentos para vos dar conta de decisões recentes que tomei (bate palmas e entra em cena um camareiro). Camareiro - Majestade! Mateus Álvares - Aprontaste o que te pedi? Camareiro - Tenho tudo em boa ordem, conforme me haveis solicitado (apresenta ao rei uma pasta com documentos). Mateus Álvares (para António Simões e Pedro Afonso) - Estão aqui, nestes decretos que agora vou assinar, as boas notícias de que vos falei. Pedro Afonso (curioso) - Podemos saber que notícias são, Majestade? António Simões - Hão-de ser, por certo, em benefício do reino e daqueles que são neste momento o seu suporte moral e político. Mateus Álvares (assinando os decretos) - Não vos enganeis, meu bom António Simões. Chegou o momento de fortalecer o meu poder dando ainda mais força e novas prerrogativas aos meus mais directos colaboradores. É disso que tratam estes decretos e cartas patentes a que pela primeira vez irei apôr selo real. (Para Pedro Afonso) Que há-de ser um rei, soberano de um rei em luta contra os usurpadores, se não vir um prolongamento do seu mando naqueles que lhe são fiéis e que estão dispostos a dar por ele o corpo e a alma? Por isso tomei a decisão de vos nobilitar. Sereis, a contar de hoje, Senhor Pedro Afonso, meu sogro, Marquês de Torres Vedras, Conde de Monsanto e Senhor da Ericeira. Em breve vos designarei também governador de Lisboa, assim sejam vitoriosos os nossos esforços. Pedro Afonso (comovido) - Onde irei encontrar palavras, Majestade, para vos mostrar gratidão pela imensa honra que acaba de me ser concedida? Resta-me, apenas, testemunhar-vos uma vez mais a minha total lealdade e dedicação e dizer-vos que o empenho que já sentia se dilatou com as novas responsabilidades e títulos que me são atribuídos. Mateus Álvares (para António Simões) - E vós, meu fiel amigo, a quem tanto devo por terdes ajudado a instalar neste bom 397

povo a crença de que o seu rei tinha regressado vivo de Alcácer-Quibir, sereis, a contar desta data, Marquês de Alcobaça, Conde de Sintra e sSnhor de Mafra. Dói-me somente não poder transformar os títulos que hoje vos confiro na posse plena de terras e outros bens. Mas esse dia não há-de tardar. Isso está também nas vossas mãos. António Simões (beijando as mãos a Mateus Álvares) Contai connosco, Majestade. Pedro Afonso - Os vossos desejos são mais do que nunca ordens, Majestade. Mateus Álvares - Não servem estes títulos, senhores, para comprar ou para consolidar a vossa lealdade e, através dela, o meu poder, mas apenas para vos mostrar o meu reconhecimento pela forma como tendes defendido a nossa causa (pausa). E agora dizei-me: que notícias tendes de um tal corregedor Diogo da Fonseca que andou por estas bandas a inquirir sobre minha popularidade junto da população, sobre o número de homens do nosso exército e sobre a competência daqueles que os comandam? Pedro Afonso (balbuciando) - Andou, com efeito, um corregedor assim chamado perto da Ericeira a fazer perguntas inconvenientes, junto da população, sobre o número de homens do nosso exército e sobre a competência daqueles que os comandam? Mateus Álvares - Que apurou ele a nosso respeito? Pedro Afonso - Não sabemos ao certo, Majestade, mas imaginamos que não tenha levado um grande volume de informações, porque esta gente vos é fiel e não faz confidências ao primeiro forasteiro que lhe aparece pela frente. António Simões - Sei que ele ainda falou com muita gente. Pedro Afonso - Mas isso não deve constituir motivo de preocupação, porque os castelhanos, em Lisboa, não se hão-de atrever a defrontar um exército tão numeroso e convicto como é o nosso. Mateus Álvares - Devemos estar vigilantes, senhores, porque temos inimigos de peso e a sua força não pode nem deve ser subestimada. António Simões - Concordo inteiramente convosco, Majestade. Todos os cuidados são poucos e todos os olhos não hão-de ser de mais para vigiar. Pedro Afonso - Esse corregedor Fonseca é um traidor à pátria. Serve os espanhóis com uma dedicação cega, em troca do ouro e das

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terras que lhe dão por cada missão que cumpre, a contento deles. Já foi assim em Penamacor… Mateus Álvares (surpreendido) - Em Penamacor! Pedro Afonso (hesitante) - Foi, talvez o sabeis, um caso bem diferente deste. Aí tratou-se de um impostor que se fez passar por vós e foi castigado pelo seu desmando. Mateus Álvares - Se foi um caso de impostura, é seguramente bem diferente deste. Pedro Afonso (aliviado) - Precisamente, Majestade. O que eu pretendia dizer é que se trata de um homem experiente e arguto mas que, nem por isso, deve ser motivo de preocupação. Mateus Álvares - Fiquemos, porém, vigilantes. Mais: é preciso estreitar os laços que nos ligam à população desta terra. Dar-lhes-ei benefícios e privilégios que, uma vez entronizado em Lisboa, se hão-de concretizar. É preciso aliviá-la dos impostos e dos castigos corporais. António Simões - Essas medidas, Majestade, irão reforçar a já grande popularidade de que gozais dessa boa gente. Mateus Álvares - Disso não me restam dúvidas. É preciso que se sinta compensada pelo apoio que me tem dado sem nada exigir em troca. Pedro Afonso - Essa boa gente, Majestade, tem sido a vossa guarda avançada. Mateus Álvares - Bem o sei, bem o sei, e, por isso, tomo agora esta decisão. António Simões - Por estarem certos da vossa santidade, senhor, há camponeses que se encaminham para a Corte em busca da vossa benção e do poder balsâmico das vossas palavras. Muitos padecem de doenças dadas como incuráveis, outros foram feridos em batalhas quando integravam os batalhões populares de D. António. É gente de bem, Majestade, dedicada e brava, que está disposta a dar a vida pela vossa causa. Mateus Álvares - Pela nossa causa. António Simões - Certamente, pela nossa causa (pausa, ouvem-se no exterior aclamações e chamamentos da população. Pedro Afonso encaminha-se para a janela e pede a Mateus Álvares que se aproxime). Pedro Afonso (eufórico) - Senhor, são às dezenas e clamam pela vossa presença. Querem encontrar no calor das vossas palavras o conforto e o estímulo. 399

Mateus Álvares (dirigindo-se para a janela) - Nada lhes pode ser negado. (Falando para o exterior) Meu fiel e dedicado povo, neste momento exaltante para a nossa pátria só uma coisa me ocorre dizervos: a nossa força é a soma dos vossos braços generosos que se unem para dar corpo a um sonho que é de todos nós. Se queremos recuperar o trono e a dignidade da nação não podemos vacilar. Precisamos de ser firmes e abnegados. Os sacrifícios que hoje fizermos serão amanhã compensados, assim Deus o queira e nos ajude (Aclamações). A voz de Mateus Álvares vai-se esbatendo. Regressa o corregedor Diogo da Fonseca). Diogo da Fonseca - Trago-vos, senhores, notícias frescas do que se passa para as bandas de Torres Vedras. Voz off - Sentíamos que já tardavam. Diogo da Fonseca - À frente de uma coluna de soldados pus ainda ontem em debandada, às portas da vila, um bando de pés descalços que me queria fazer frente. Era, senhores, um bando de maltrapilhos, movido pela crença febril e pela dedicação cega à causa de um impostor que se atreve a conspirar contra o legítimo poder por vós personificado. Voz off - Sairam derrotados? Diogo da Fonseca - Não diria tanto, senhores, uma vez que se tratava de um reduzido número de homens, famélicos e mal armados. Creio, todavia, que os outros não terão maior preparação militar do que estes, o que nos dá uma ideia do que possa ser esse exército. Da boca de dois desses homens que trouxemos cativos para Lisboa obtive uma lista de nomes que já entreguei aos nossos capitães. E soube mais: os celerados atreveram-se a fazer prisioneiros um magistrado da Ericeira e o escrivão que o acompanhava, apenas porque se recusaram a reconhecer a autoridade dos impostores. Julgo saber que os irão julgar sumariamente a condenar à morte. Voz off - É imperioso tomar medidas. Diogo da Fonseca - Mas há mais e mais grave ainda, senhores. Os homens de Pedro Afonso sequestraram o Dr. Gaspar Pereira, membro do Conselho Real, na sua quinta, e não sabemos quais as intenções que têm em relação a ele, ao filho e ao sobrinho que com ele habitavam. Temo pelas suas vidas. Voz off - Juntai os homens que forem necessários e providenciai para que sejam libertados. Haveis apurado mais alguma coisa? 400

Diogo da Fonseca - Com efeito, senhores, tenho ainda uma outra notícia para vos dar. Um dos prisioneiros revelou-nos que o impostor vai enviar ao Arquiduque Alberto um jovem emissário que não é senão o filho de António Simões. Voz off - Que traz esse emissário para dizer? Diogo da Fonseca - Quase não me atrevo a contar-vos, por ser tão risível. Voz off - Contai-nos Diogo da Fonseca - Vem exigir a rendição das tropas de Espanha e a sua saída deste território no prazo de uma semana. Voz off (irónico) - E se não quisermos sair, que se propõem eles fazer? Diogo da Fonseca - Ameaçam-nos com a invasão de Lisboa e com o massacre de quem opuser resistência. Voz off - Embora tudo isso não passe de um acto de insanidade, ide avisar o Arquiduque Alberto, que, por certo, muito se irá rir quando vir chegar ao Paço o enviado desses loucos. Diogo da Fonseca (retirando-se com uma vénia) - Já vou a caminho, senhores, ansioso por observar a reacção da sua senhoria. (Homem e mulher do povo, dando mostras de fadiga, sentamse a descansar e falam sobre o Rei da Ericeira) Homem - Ao menos para estas bandas ainda nos prometem pão e agasalho. Mulher - Já o viste alguma vez? Homem - Não, nunca. Mulher - Será mesmo o rei que julgávamos morto noutras paragens? Homem - Juraram-me que sim que é ele mesmo, ou que então é o Diabo por ele. Mulher - Credo, cruzes! O Diabo por ele? Homem - Não sei por que te mostras tão desassossegada quando te falo no Diabo. Pensas que não sei da tua fama? Mulher - Que fama, homem? Homem - A de fazeres bruxedos e feitiçarias. Mulher (saltando do seu lugar para lhe tapar a boca) - Cala-te que alguém pode ouvir-te. Enlouqueceste? Sabes que essas aleivosias bem podem custar-me a vida. Homem - Desculpa, não quis jogar com a tua vida. Mas quando te juntaste a mim no caminho disseram-me que, além de teres sido 401

soldadeira nas campanhas do exército real, dominas os segredos mais ocultos e os mistérios que há por detrás das labaredas do inferno. Mulher (indignada) - Nada disso é verdade! Homem - Alguma coisa há-de ser. Mulher - Apenas posso dizer que não é mentira a tendência que tenho para adivinhar o destino de cada um, mesmo sem que para isso tenha de me esforçar. É um dom que nasceu comigo e que poucas vezes tenho usado, até por que sei que me pode custar a condenação à fogueira. Homem (com uma gargalhada) - Descansa, mulher, que não serei eu a empurrar-te para tão desgraçado fim. E agora diz-me (tenta abraçar a mulher), que destino iremos ter os dois? Mulher (libertando-se com esforço) - Quem sou eu para to dizer? Duma coisa somente estou certa. Homem (curioso) - De quê mulher? Mulher - De que tomámos o rumo certo para nos juntarmos a quem nos dê tecto e pão para comer, e de que horas difíceis esperam aqueles que nos vão acolher. Homem - Quem to disse? Mulher (com ironia) - Não sabes que tenho o poder de adivinhar? Homem - E como foi que adivinhaste? Mulher - Ora, li-o nas estrelas e na dança sombria das nuvens a taparem a cara do sol. Homem (céptico) - Como se aí se pudesse ler alguma coisa! Nem tu nem eu sabemos juntar duas letras. Mulher - É verdade, mas para ler nos astros que andam no tabuleiro luminoso do céu não é preciso ter estudos. Bem, é melhor que me cale se não quero acabar os meios dias no meio das labaredas. Homem - Já que começaste, acaba. Quero saber o que nos espera. Mulher - Não poderei dizer-te o que nos espera, mas receio que aqueles que agora mandam na terra para onde nos encaminhamos venham a ter um fim triste. Homem - Na fogueira? Mulher - Quem sabe! Homem - Se esse é o fim que os espera, estarmos do lado deles bem pode ser também o nosso fim.

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Mulher - Sempre podemos dizer que estávamos enganados, que nos fizeram promessas que não foram cumpridas, que estávamos de boa fé. Homem - Ah, achas que vão acreditar em nós? Mulher - Quem não acredita nas palavras de um pobre mendigo que não tem eira nem beira e nas de uma pobre soldadeira? Homem - Não sei porquê, mas acredito no que me dizes. (Apontando para a frente) Vão sendo horas de nos fazermos ao caminho, que a jornada ainda é longa e não sabemos o que nos espera. Mulher - Vamos então, que a noite não tarda a chegar e o tempo para as bandas do mar é muito frio e húmido. (Saem de cena. Mateus Álvares retoma o seu lugar no trono e fica durante algum tempo pensativo. Aproxima-se dele a mulher, Rainha da Ericeira). Rainha - Que vos apoquenta, meu esposo? Mateus Álvares - Tanta coisa, tanta coisa. Rainha - Desabafai comigo. Mateus Álvares - Há tormentos e preocupações que, de tão íntimos, não podem ser partilhados com ninguém. Rainha - Nem comigo que sou vossa mulher? Mateus Álvares - Claro que não tenho segredos para vós. Rainha - Falai então. Mateus Álvares - Estou inquieto com os rumos que a nossa luta começa a tomar. Há situações que, por mais que tente, não consigo controlar. Rainha - Que situações? Mateus Álvares - Dei aos meus homens, através de vosso pai, instruções precisas para que mantivessem a prudência e evitassem actos desmedidos e irreparáveis. Mas não foram atendidas as minhas recomendações. Rainha - Desobedeceram-vos? Mateus Álvares - Sim. Ontem, sem me terem consultado, lançaram ao mar, das arribas, um magistrado e o seu escrivão, depois de um julgamento feito quase em segredo. Rainha - Mas se eles mereciam esse fim ... Mateus Álvares - Por muito que o merecessem, deveríamos ter ponderado os perigos de uma sentença tão violenta num momento em que todas as atenções se concentram sobre nós e que somos o alvo preferido dos ataques dos espanhóis. 403

Rainha - Que podiam os nossos homens ter feito? Mateus Álvares - Essa pergunta devia ter-me sido dirigida antes de tomarem uma decisão tão grave. Agora é tarde. Os nossos inimigos vão ficar ainda mais encolerizados, e com razão, e vão transformar o combate que nos movem num assunto de vingança pessoal. E não desejo que tal aconteça. Rainha - Mas os homens estão impacientes. Mateus Álvares - Gostaria que vosso pai os acalmasse. Rainha - Mas ele faz tudo o que lhe ordenardes. Mateus Álvares - Não duvido, mas devia dar-me conta de todas as decisões que toma, mesmo daquelas que lhe parecem insignificantes. Neste momento tudo o que fizermos há-de ter as suas consequências, mesmo os actos aparentemente mais inofensivos. Rainha - Exagerais. Mateus Álvares - De modo nenhum. Diz-me a minha experiência que podemos pagar cara qualquer precipitação. Bem sei que os homens estão sedentos de acção, desejosos de ver chegar a hora do combate. Mas ainda é cedo. Combateremos quando tivermos forças para isso. Nunca antes. Rainha - E não receais que a vossa prudência possa ser confundida com o medo? Mateus Álvares - Ofendeis-me! Rainha - Perdoai-me, que o amor que vos tenho como poderia querer magoar-vos? Mateus Álvares - Eu sei que foi essa a vossa intenção. Mas há instantes em que as palavras ferem, porque trazem dentro o fogo e a revolta. A vós não me repugna confessar que por vezes sinto medo. Rainha (indignada) - Medo? Vós, um rei? Mateus Álvares - Como dizer? Talvez não seja medo, mas dúvida e sobressalto. Aflige-me pensar no que poderá ser o destino das centenas de homens que se batem pela minha causa, no destino das suas mulheres e filhos. Conheço a legitimidade dos seus propósitos e a matéria de que são feitos os sonhos que trago comigo há tantos anos. Mas será que todos sonham o mesmo que eu? Será que tenho o direito de fazer de pobres camponeses mal armados sonhadores como eu e como vosso pai? Será que a história me irá condenar por aquilo que hoje sinto ser justo e certo? Será que alguns dos que hoje engrossam as fileiras do meu exército se juntaram a nós à espera de uma fatia do poder? Será… 404

Rainha - Tantas perguntas, tantas perguntas, meu pobre esposo, tantas perguntas inúteis, desnecessárias, quando sabeis que as respostas, se as houver, apenas vão aumentar o vosso sobressalto e o vosso desespero. Estou a vosso lado para vos dar força e confiança. É esse o papel de uma rainha quando se joga o futuro do reino. Tendes sido bom para todos os que vos rodeiam, dando-vos títulos, terras, privilégios vários, honrarias com que nunca tinham sonhado. Achais que é pouco? Mateus Álvares (abraçando a mulher) - Não imaginais como agradeço as vossas palavras. Elas são para mim, nestas horas difíceis, um verdadeiro bálsamo, um bálsamo tão grande como o que encontro na oração. Mas as interrogações persistem e não quero esquivar-me do gume afiado com que me perseguem. Sei que avanço perigosamente para um reino talhado na névoa, escavado na sombra ... Rainha - Já vos ouvi essas palavras com sabor a presságio durante o sono e confesso que, ao escutá-las, fico numa grande aflição, porque não sei que aves de mau agoiro nos viajam dentro dos pesadelos. Quando isso acontecer, abri depressa os olhos e reparai que estou a vosso lado para vos dar conforto. Mateus Álvares - Mais uma vez estou grato pela força que há nas vossas palavras amigas. Mas que posso eu fazer para combater o desassossego que me vai pela alma? Rainha - Buscai em mim a certeza que por vezes vos falta, a determinação que por vezes se evade das nossas palavras. Eu sou a vossa rainha, não o podeis esquecer. (Entra em cena o camareiro real, que anuncia a chegada do emissário enviado ao Arquiduque Alberto). Camareiro - O vosso emissário acaba de chegar e vem exausto. Pede que o recebeis. Mateus Álvares - Que entre! Emissário (prostrando de joelhos junto de Mateus Álvares) Libertaram-me Majestade. Cumpri as vossas ordens, cumpri as vossas ordens. Mateus Álvares - Conta-me o que se passou. Emissário - Mal cheguei ao paço anunciei ao chefe da guarda quem era e ao que vinha e ele não tardou a dar-me ordem de prisão. Mateus Álvares (revoltado) - Prenderam-te? Emissário - Sim, Majestade, prenderam-me, mas não posso dizer que tenham sido cruéis no tratamento que me deram. Nessa 405

mesma noite interrogaram-me, sem me torturaram, e não conseguiram que da minha boca saísse nenhuma das informações que queriam ouvir. Mateus Álvares - És corajoso! Emissário - Ao alvorecer deixaram-me repousar. Depois voltaram com ameaças. Mateus Álvares - Que ameaças? Emissário - Diziam que, se eu não falasse, me haviam de sujeitar a torturas indescritíveis e depois me haviam de fazer passar pelas armas. Mas nem assim vacilei. Mateus Álvares - Serás recompensado pela tua coragem. Continua! Emissário - Ao fim desse dia, depois de muitos insultos e ameaças, conduziram-me à presença de um homem idoso que, vim a saber, era o Arquiduque Alberto. Mateus Álvares - Que lhe disseste? Emissário - Tudo o que haveis ordenado que dissesse. E ele ouviu-me com atenção. Mateus Álvares - E que resposta te deu? Emissário - A pior de todas. Rainha (ansiosa) - Explica-te! Emissário - O Arquiduque ouviu tudo o que tinha para dizer e depois respondeu que só não ria das minhas palavras porque estava certo de que eu acreditava cegamente no poder que dizia representar. Rainha - Que atrevimento! Mateus Álvares (para a rainha) - Deixai-me continuar. Emissário - E disse mais. Disse que me podia prender ou mesmo fazer condenar à morte, porque tudo estava dependente dele e da sua vontade. Eu aí atrevi-me a avisá-la de que a minha morte teria um preço muito elevado, porque o meu rei e o seu exército não deixariam ficar essa afronta sem as merecidas represálias. Quando disse isto ele riu à gargalhada. Rainha - Que atrevimento! Não há-de ficar sem resposta: Mateus Álvares (para o emissário) - Continua. Emissário - Tento lembrar-me exactamente do que o Arquiduque me disse, e peço desculpa se as minhas palavras parecerem desrespeitosas, mas foi assim mesmo que ele as proferiu. Do meu rei e do seu reino afirmou ser uma coisa de loucos que ainda faria verter muito sangue inocente. Disse de vós, Majestade, e perdoai406

me de novo a rudeza das palavras, que o vosso lugar era um hospício e não um trono e que vos havia de fazer engolir a fanfarronice e pagar no cadafalso as mortes do magistrado, do escrivão vão e de outros inocentes e infelizes servidores da coroa. Rainha (para Mateus Álvares) - É urgente, meu esposo, que o façais pagar pelo que teve a ousadia de dizer ao vosso emissário. Vós sois rei e ele apenas Arquiduque. Mateus Álvares (inquieto) - Deixai-o terminar! Emissário - Disse depois que me libertava, num acto magnânimo, para que eu pudesse vir à vossa presença e tentar demover-nos da ideia de conquistar o trono do rei Filipe. Pediu-me que apelasse ao vosso bom senso, não porque tencionasse ser clemente convosco, mas apenas para se poupar a vida de centenas de inocentes. Rainha - As suas palavras são afrontosas. Terá de pagar pelo que disse. (Para Mateus Álvares) Não estais de acordo comigo? Mateus Álvares - A intenção do Arquiduque parece-me ser precisamente essa: a de me levar a cometer actos impensados. Tenho, temos que ser mais prudentes que nunca. As forças de que eles dispõem são muito superiores às nossas. É certo que as nossas fileiras têm vindo a engrossar nos últimos dias. Mas também é certo, apesar da confiança que vosso pai me quer transmitir, que é um exército inexperiente e maltrapilho. Rainha - São os vossos homens e têm uma fé e uma dedicação muito superiores às dos soldados do Arquiduque. Disso não deveis duvidar. Mateus Álvares - E não duvido. O que penso é temos que ser cautelosos, avaliando com rigor as nossas possibilidades. Emissário - Majestade, o Arquiduque sabe que haveis dado ordens para se comprarem mais provisões e munições em Torres Vedras e deu ordens para que a caravana que as foi buscar seja interceptada antes de chegar à Ericeira. Mateus Álvares (Para o emissário) - Como te sentes agora? Emissário - Bem, Majestade, muito bem. E sei que se o Arquiduque me libertou foi por temer a vossa ira e a força do nosso exército. Mateus Álvares - Vai descansar, meu jovem amigo, que precisamos de gente firme, saudável e determinada para as grandes batalhas que ainda teremos de travar.

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(Retiram-se de cena a rainha e o emissário e entra de rompante, com ferimento no rosto, Pedro Afonso). Mateus Álvares (sobressaltado) - Que foi o que aconteceu? Pedro Afonso - Eram às centenas, Majestade, às centenas, e não tivemos condições para os levar de vencida. Tinham um poder de fogo muito superior ao nosso e estavam emboscados. Mesmo assim, os nossos homens bateram-se com grande bravura. Mateus Álvares - Não duvido que assim tenha sido, porque sei que ninguém vos excede em coragem e que os vossos homens vos seguem o exemplo. Mas agora acalmai-os e contai-me como tudo se passou. Pedro Afonso - Quem os comandava era o corregedor Diogo da Fonseca, que tinha a seu lado os capitães Santo Estevão e Calderon, homens fortes do Arquiduque. Eram às centenas e avançaram sobre nós com o seu imenso poder de fogo. Os nossos homens, depois da surpresa causada pelo embate inicial, mantiveram-se firmes nas posições que ocupavam e durante mais de uma hora não lhes cederam um palmo de terreno. Eu próprio comandei várias cargas e ... Mateus Álvares - Quantos homens perdemos? Pedro Afonso (evitando responder) - Não tantos como o inimigo. Mateus Álvares - Quantos homens? Pedro Afonso (visivelmente abatido) - À volta de oitenta. Mateus Álvares - Uma perda terrível! Pedro Afonso - Não é assim tão grave, Majestade, porque ainda temos muitas centenas de homens para combater e todos com um ânimo inabalável. Mateus Álvares - Como irão eles receber a notícia da morte de tantos companheiros seus? Pedro Afonso - São soldados, Majestade, e sabem, por isso, os riscos que uma guerra como esta envolve. Pior estaria o seu ânimo se não tivéssemos aprisionado uma mulher que, esgueirando-se para o interior da caserna, começou a murmurar loucuras sobre o nosso destino. Mateus Álvares - Que disse essa mulher? Pedro Afonso - Perdoai-me, mas não irei repetir as suas frases de louca ou de bruxa. Mateus Álvares - Insisto, que disse ela exactamente?

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Pedro Afonso - Disparates, Majestade. Disse, e preferia não ter de o repetir na vossa presença, que tinha lido nos astros os sinais da vossa total perdição. Claro que a mandei açoitar para que mais ninguém pudesse escutar as suas palavras febris e alucinadas. Mateus Álvares - Quero ver essa mulher! Pedro Afonso - Mas não passa de uma louca, Majestade, e aos loucos não se deve dar ouvidos. Mateus Álvares (elevando a voz) - Quero-a imediatamente na minha presença! Pedro Afonso (retirando-se) - Cumpra-se o vosso desejo, Majestade. (Falando para o exterior) Tragam essa mulher à sala do trono. Tragam-na depressa! (A mulher entra em desequilíbrio. Cai no chão e ergue-se com dificuldade, dando-se conta de que está na presença daquele que todos afirmam ser o rei). Mulher - Eu não fiz nada. Estou inocente. Mateus Álvares - Como te chamas? Mulher - Sou apenas uma pobre mulher a quem nunca ninguém perguntou o nome. Eu não fiz nada, senhor. Pedro Afonso (para a mulher) - Mostra respeito pelo teu rei. Mulher - Eu não fiz nada. Mateus Álvares - Que foi que disseste aos meus homens sobre o destino que nos está reservado? Mulher - Muito pouco, quase nada, senhor. Falei-lhes das estrelas que há no céu e daquilo que são capazes de nos contar sobre o nosso futuro. Mateus Álvares - Que foi que leste nessas estrelas? Pedro Afonso (para Mateus Álvares) - Disparates, coisas sem nexo, Majestade. Mulher (para Mateus Álvares) - Vi uma mancha de sangue a alastrar no pano negro do céu, uma mancha muito grande. E vi homens a perderem-se dentro dela como se fosse um mar de tormentos, um mar sem fim. Vi o vosso rosto e o dos vossos generais e conselheiros a desaparecerem no centro dessa mancha enorme, dessa mancha sangrenta como se fossem pequenas nuvens de pó que a brisa mais suave conseguisse destruir. Pedro Afonso - Cala-te, mulher! Cala-te! Pagarás com a vida o teu atrevimento.

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Mulher (cobrindo o rosto com as mãos) - Mas eu não fiz nada! Estou inocente! Só contei aquilo que me pediram para contar, nada mais. Eu não tenho culpa de ter nascido com este dom. Sou assim mesmo. Que culpa é que tenho de ser assim? Sou uma pobre soldadeira que se mistura com os soldados para lhes dar umas horas de paz e alegria. Que mal é que eu fiz? Que mal é que eu fiz? Mateus Álvares (para Pedro Afonso) - Ordenai que a libertem! Pedro Afonso - Se o fizermos, Majestade, as bruxas, as feiticeiras e os adivinhos cairão no nosso acampamento, nas nossas cavernas com os seus presságios e mentiras, minando o ânimo dos nossos bravos soldados. Não podemos correr esse risco. Já foram eles que andaram por estradas e veredas a anunciar que vós não havíeis de regressar dos campos de Alcácer-Quibir. E, como se viu, estavam enganados e só pretendiam afligir o povo. Se libertarmos esta mulher, outros piores que ela hão-de seguir o seu rasto até se confundirem connosco e com aqueles que nos dão apoio. Mateus Álvares (pensativo) - É bem possível que tenhais razão, mas não quero que esta mulher seja punida. Libertai-a. Pedro Afonso - Se assim acontecer, hão-de enxamear-nos os caminhos com as suas palavras sibilinas e ameaçadoras, hão-de aterrorizar as nossas mulheres com os fantasmas do luto e da solidão, hão-de roubar o sono aos nossos filhos com as suas imagens sombrias e graves, hão-de semear a descrença e a dúvida no espírito dos nossos soldados. Mateus Álvares - Porque havemos de desperdiçar o nosso precioso tempo com um assunto de tão pouca importância? Libertai-a. Pedro Afonso (arrastando a mulher por um braço para fora da sala) - Se é esse o vosso desejo, será cumprido. (Mateus Álvares monologa à boca de cena). Mateus Álvares - Tive um sonho, um sonho aterradoramente semelhante à descrição feita por esta mulher. Eu estava só no meio de um imenso território deserto e havia à minha volta pássaros negros, vorazes, assustadores. Mais adiante estava o meu exército, em cavalos de sombra, a afastar-se cada vez mais de mim. Eu queria falar com os meus soldados, transmitir-lhes as minhas ordens, mas já ninguém me podia ouvir, porque estava aterradoramente só, como se pertencesse a um outro mundo, ao mundo das vozes imperceptíveis, das imagens imateriais. Foi então que enxerguei, no meio da bruma, a figura de meu 410

pai esculpindo uma grande cruz de pedra com instrumentos de fogo. Depois vi-me com as carnes retalhadas pela fúria do chicote sobre o lajedo frio de um qualquer eremitério onde toda a penitência fosse permitida. Na minha direcção vi avançar uma enorme mancha sangrenta ameaçando engolir-me. Acordei sobressaltado e descobri-me rei, cercado por tantas dúvidas, interrogações e temores que de bom grado trocaria o ceptro por um cavalo veloz para me evadir de tanto sofrimento. (Pausa) (Em alvoroço entra em cena António Simões com notícias para Mateus Álvares). António Simões - Majestade, o almirante Diogo de Sousa, comandante da vossa esquadra, não aceitou o encontro que lhe havíeis proposto. Mateus Álvares - Como pôde ele recusar o meu pedido? António Simões - Segundo consegui apurar, ele pediu a palavra de ordem que usáveis nas naus da expedição e, como o vosso emissário não a soubesse, deu a audiência por encerrada. Mas o mais grave não é isso, Majestade. Mateus Álvares (impaciente) - Que foi que se passou? Dizeime! António Simões - O almirante mandou a Coimbra um homem de confiança para se avistar com o padre Leão Henriques. Mateus Álvares - O confessor de D. Henrique? António Simões - Ele mesmo. Amigos que temos em Coimbra fizeram-nos saber que o padre Leão Henriques, com toda a influência que tem na Companhia de Jesus, tomou imediatamente medidas. Mateus Álvares - Que medidas? Contai-me! António Simões - Partiu imediatamente para a capital com a intenção de avisar Miguel de Moura, secretário de Estado, da vossa intenção de vos avistardes com o Almirante Diogo de Sousa. Mateus Álvares - O cerco não cessa de se apertar à nossa volta. Por toda a parte temos inimigos, gente apostada em derrotar a nossa causa. Agora, mais do que nunca, temos que ser firmes e determinados. Já nada temos a perder. António Simões - Os nossos homens estão impacientes, querem combater, estão ansiosos por pôr à prova a sua coragem e a sua fé. Todos eles sonham com uma triunfal entrada em Lisboa e com a aclamação popular. No dia de S. João haveis de estar no trono,

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Majestade, e então não hão-de haver conspirações nem traições que vos possam derrubar. Mateus Álvares - Como eu gostava de poder partilhar a vossa confiança e o vosso optimismo. Mas eu sou um político e, por isso, tenho que ser prudente e hábil. A euforia e a esperança desmedida são inimigas do bom senso quando se tem de tomar decisões das quais depende o futuro de uma nação e do seu povo. António Simões - Tendes razão, Majestade. Mas podeis crer que a confiança não é excessiva, porque o vosso exército é forte e o que porventura lhe falta em experiência sobra-lhe em determinação. Tudo está, neste momento, a nosso favor: a revolta popular, o ânimo elevado dos soldados e dos seus comandantes, o temor que se apodera do governo de Lisboa. Mateus Álvares (céptico) - Como seria bom que tudo isso fosse verdade. António Simões - E é, Majestade. Posso garantir-vos, porque eu ando pelas ruas e pelas praças e sei o que por lá se diz sobre os impostos, sobre a fama dos espanhóis, sobre a crença no vosso definitivo regresso. Mateus Álvares - Não duvido que o povo esteja comigo, mas temo que a sua adesão seja efémera, sol de pouca dura. A nossa gente é boa, não o ponho em causa, mas acostumou-se a aceitar, com resignação e alguma manha, todos os mandos desde que a deixem viver numa relativa paz. António Simões - Quero pedir-vos, Majestade, que me acompanheis até à praça, onde estão os nossos homens. Eles clamam pela vossa presença, pelo estímulo das vossas palavras. Mateus Álvares (acompanhando António Simões) - Não os farei esperar. (Entra em cena o corregedor Diogo da Fonseca). Voz-off - Queremos felicitar-vos pelos vossos triunfos recentes, senhor corregedor. Para além de experiente e hábil magistrado, haveis provado ser também um destemido homem de armas. Diogo da Fonseca (com uma vénia) - Exageram, senhores. Não tenho senão cumprido o meu dever e é essa a minha maior recompensa. Mas outros factos, somados aos que anteriormente vos relatei, são para mim motivo de preocupação neste momento. Voz-off - Que factos?

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Diogo da Fonseca - Factos graves, senhores. É preciso pôr cobro à loucura daquela gente. Depois de terem lançado das arribas para o mar o magistrado da Ericeira e o seu escrivão, massacraram o Dr. Gaspar Pereira, o filho e o sobrinho que com ele habitavam. É verdadeiramente indescritível a cena que presenciámos. Por toda a parte encontrámos vestígios da sanha assassina do impostor e dos seus homens: corpos esventrados, roupas rasgadas, documentos espalhados pelo chão, telas retalhadas a golpes de espada. Nunca imaginei que pudessem chegar a este extremo. Mas o certo é que chegaram e agora trata-se de pôr cobro à fúria que lhes domina a alma. Voz-off - Tendes razão, senhor corregedor. Vão ser tomadas medidas urgentes para se evitarem novas chacinas e desmandos. O quadro que por vós foi traçado é eloquente. Já havíamos, de resto, tomado a decisão de ordenar ao marquês de Santa Cruz, capitãogeneral das forças de terra e do mar, que ponha à vossa disposição os meios que achardes convenientes para pôr termo a esta perigosa farsa. Só será poupado quem tiver mesmo que ser poupado. Chegadas as coisas a este ponto, arredámos do nosso espírito a preocupação de não fazer vítimas inocentes. Todos têm a sua culpa e por ela irão responder, a começar, naturalmente, pelos chefes da rebelião e da sedição. Diogo da Fonseca - Gostaria ainda de vos revelar, senhores, que foi tal o desmando dessa gente que roubaram de uma igreja, perto da Ericeira, o diadema de ouro e rubis para coroarem, numa cerimónia absurda, aquela que julgam ser a sua rainha. Também por isso deverão pagar. Voz-off - Irão pagar. Demos também ordens, senhor corregedor, para que seja reforçada a guarda ao palácio do Arquiduque Alberto, não porque temamos uma entrada vitoriosa dessa gente em Lisboa, mas porque é melhor prevenir e dar, ao mesmo tempo, à população da capital uma imagem de firmeza e de poderio militar. Diogo da Fonseca - Acertada medida a vossa, senhores. E agora, se me permitem, vou dar as minhas ordens e preparar os homens que estão sob o meu comando para o embate final com as tropas do impostor, que se prepararam para rumar a Torres Vedras e daí a Sintra, para depois tomarem o caminho para Lisboa. Antes que o esperem serão recebidos a ferro e fogo, que outra sorte e destino não podem merecer. (Diogo da Fonseca retira-se, regressando à cena Mateus Álvares acompanhado pela rainha). 413

Rainha - É grande o alvoroço entre os homens da nossa tropa. Ainda esta manhã, com a claridade forte destes dias de Junho, que hão-de ser gloriosos para a nossa causa, os vi partir cantando canções alegres. Mateus Álvares - Muitos não hão-de regressar. Rainha - Afastai do vosso espírito essas ideias sombrias. Eles partiram para vencer e sabem que só a vitória nos pode servir. Mateus Álvares - De bom grado tomaria o lugar deles no combate, mas vosso pai e os outros generais não consentiram. Rainha - E fizeram bem, que o lugar de um rei não é no campo de batalha mas no paço, delineando estratégias e definindo grandes objectivos. Mateus Álvares - Gostava de ter ideias tão límpidas e definitivas como as vossas, neste momento. Mas confesso que me abala um certo desânimo, fruto certamente dos pesadelos que me têm destroçado o sono. Rainha - Que pesadelos? Mateus Álvares - Pesadelos terríveis, senhora, tão terríveis que quase me não atrevo a contá-los. Mas há um, sobretudo, que me desassossega. Vejo-me sentado num trono gigantesco de chamas e, lentamente, o trono vai-se transformando em cadafalso. Depois acercam-se homens possantes, trajando de negro, que me empurrem para um abismo imenso, para um lugar sem nome no qual deixo de ter corpo, voz, identidade. Rainha - Credo, senhor, que sonhos terríveis. Não deveis preocupar-vos com eles, que nascem certamente da fadiga e da excitação em que viveis estes dias. Precisais de repousar. Precisa o vosso corpo e precisa o vosso espírito. Sem um rei forte não pode haver uma nação forte. Mais do que nunca os vossos homens precisam de vós e a vossa rainha também. Mateus Álvares - Nos pesadelos que me têm atormentado, oiço a todo o instante os ecos de uma batalha próxima, tão próxima que quase posso tocar os vultos que nela se digladiam. Rainha - Hão-de ser lembranças dessa batalha tremenda que travásteis em Alcácer-Quibir. E essas lembranças, todos o sabemos, são chagas vivas que levam anos a cicatrizar. Mateus Álvares - É bem possível que tenhais razão, mas o certo é que não encontro paz nem na oração, nem na fala dos amigos, nem nos vossos carinhos e desvelos. Posto perante os meus homens, 414

quantas vezes tenho simulado uma crença e uma determinação que já não existem em mim. Nesses momentos deixo de ser rei e torno-me comediante. A política transforma-se, para mim, num enorme teatro onde desempenho quase todos os papéis e onde tenho que saber de cor o que as personagens que comigo contracenam e preparam para dizer. É como se estivesse a enlouquecer, não podeis imaginar. É como se tudo em meu redor fosse uma encenação fantasiosa e como se eu estivesse fora da realidade, para ser apenas actor de uma peça cujo final desconheço, embora o pressinta. Rainha - Compreendo a vossa inquietação, mas insisto que tudo o que agora vos desassossega o espírito nasce da tensão em que temos vivido. Eu, ao vosso lado, sinto-me confiante e segura e gostaria de vos transmitir a mesma sensação. (Ouvem-se, no exterior, gritos, detonações e o ruído metálico de espadas contra espadas. Mateus Álvares corre para a janela tentando inteirar-se do que está a acontecer. A rainha procura acalmá-lo). Rainha - São, por certo, os nossos homens, os que permaneceram para vos fazer guarda, a exercitarem-se para a batalha. Mateus Álvares - E os gritos? E os tiros? E o galope desenfreado dos cavalos? Rainha - Há-de ser o vento forte que sopra nestas bandas a trazer ecos de batalhas distantes. Mateus Álvares - Mas se estão tão perto... tão perto que quase posso tocar-lhes! Rainha - Exagerais. Deixai que vos toque a testa. É bem possível que seja uma febre trazida do Norte de África. Mateus Álvares - Sei que não são alucinações. É uma batalha terrível aqui mesmo junto ao paço. Estamos derrotados. Que havemos de fazer? Por mim assumirei todas as culpas e todas as responsabilidades, porque tudo começou em mim e em mim há-de acabar. Mas tenho medo, um medo igual ao que sentia em criança quando se avizinhavam ciclones, quando a terra tremia ou quando me assustavam com o escuro. Eu sempre tive um medo imenso do escuro. Quando me prenderem não quero ficar às escuras e sozinho numa cela. Exijo luz e companhia. A treva e a solidão são quanto basta para me roubar a vida. Rainha (exaltada) - Se é como dizeis e se eles estão tão perto, temos de manter a cabeça fria e pensar no que deve ser feito. Temos bens a salvar, documentos, objectos valiosos. A nossa gente não há-de 415

reprovar-nos se fugirmos, porque é preciso salvar o poder real e garantir a sobrevivência da nossa causa. Mateus Álvares (de olhos fixos na janela) - Estou aqui e é como se não estivesse. Estou a ver o céu azul da minha infância salpicado de gaivotas. E tenho medo e ao mesmo tempo uma grande paz, uma paz maior que todos os pesadelos. Será que estou finalmente em paz comigo mesmo? Será porque se extinguiu a luz que me iluminava, neste teatro de sombras que é a História? Será porque alcancei finalmente a solidão que é gémea do poder? (Mateus Álvares retira-se e entra em cena Diogo da Fonseca, com notícias da batalha vitoriosa travada contra os rebeldes da Ericeira). Diogo da Fonseca - Este dia, senhores, há-de ficar gravado na história da nossa terra, porque foi hoje, 12 de Junho de 1585, que derrotámos o impostor que se fazia passar por D. Sebastião. Foi, e não o digo para realçar o meu feito, uma batalha árdua. Foi preciso recorrer a artifícios para encurralar as tropas do chamado Rei da Ericeira. Ordenei aos arcabuzeiros que se emboscassem num trigal, em condições de dominarem com os olhos e com as armas todo o terreno em volta, e depois mostrei-me ao inimigo como se quisesse parlamentar. Vi na minha frente o tal Pedro Afonso, que pelos vistos trazia a rendição para me propor. Não lhe dei tempo, confesso, para que pudesse abrir a boca, que com gente daquela laia nada se pode negociar. Simulámos uma fuga e, mal a encetámos, os nossos homens abriram fogo sobre aquele numeroso bando de maltrapilhos, pondo-os em debandada. Montámos a cavalo e perseguimo-los até ao adro de uma pequena igreja chamada de Nossa Senhora do Porto, onde eles se entrincheiraram. Aí tivemos de fazer grande mortandade, que os soldados de Mateus Álvares, embora famintos e mal preparados, batiam-se com bravura. Valeu-nos, na circunstância, o maior poder de fogo que tínhamos e também a larga experiência dos nossos militares. Derrotada essa força que se opunha à nossa entrada na Ericeira, fizemos grande número de prisioneiros. De caminho para Lisboa, fizemos o desvio por Mafra, onde foram prestadas honras fúnebres ao Dr. Gaspar Pereira e àqueles que com ele morreram. Dos muitos cativos que connosco trouxemos para a capital sei que nenhum vos dará tanto prazer ouvir e interrogar como este que agora ponho na vossa presença, senhores.

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(Recua e traz consigo Mateus Álvares, de pulsos amarrados e com as roupas rasgadas e manchadas de sangue e terra). Voz-off - Que tendes a dizer sobre tudo que se passou? Mateus Álvares - Muito pouco, muito pouco. Voz-off - Que loucura vos fez conspirar contra o poder legítimo que governa este reino e o seu povo? Mateus Álvares - Não foi loucura, mas sonho. O sonho de dar a este povo um rei português. No princípio, reconheço, tudo foi muito confuso e impreciso. Mas não faltava gente de boa fé que visse em mim o rei regressado das agruras da guerra depois de alguns anos de cativeiro. Passei a acreditar que essa era a única verdade que contava para mim e pela qual valia a pena bater-me. Muita gente se juntou a mim, tanto que fiz dela um verdadeiro exército e celebrei com ele um pacto de lealdade e de bravura. Lamento que muitos tenham caído sob o fogo dos vossos soldados. Deveria ter sido eu a tombar no lugar deles, que o sonho foi na minha cabeça que nasceu. Eles só tentaram ajudarme a dar-lhe corpo. Voz-off - E os vossos cúmplices? Mateus Álvares - Não tive cúmplices, mas sim amigos. E quando a minha crença começou a fraquejar apeteceu-me contar-lhes toda a verdade, mas era demasiado tarde, que, para eles, só existia um rei e uma luta pela qual valia a pena darem a vida. Voz-off - Qual o vosso objectivo? Mateus Álvares - A principio, nenhum. Queríamos apenas mostrar a quem vos governava que havia nesta terra vozes discordantes, um verdadeiro coro de descontentes. Mas o movimento ganhou corpo, vida, vontade própria, e quem era eu para decidir traválo? Voz-off - Se o tivésseis feito, muitas vidas teriam sido poupadas. Mateus Álvares - Disso estou seguro e só por isso lamento ter ido até ao fim neste meu teatro impossível. Perguntáveis qual era o nosso objectivo. Queríamos entrar em Lisboa com o apoio da população. Voz-off - Queríeis, em suma, tomar o poder? Mateus Álvares - Nunca pensámos verdadeiramente em tomar o poder, que isso exigia de nós uma sabedoria e uma experiência que não tínhamos. Para mim o importante era chegar a um sítio onde toda a gente me pudesse ver e ouvir. 417

Voz-off - E então que faríeis? Mateus Álvares - Dir-lhes-ia que não era o verdadeiro D. Sebastião e sim um português honrado que queria libertá-los do jugo castelhano. Depois havia de me retirar, pedindo-lhes para que, de mãos livres, escolhessem e proclamassem rei quem encontrassem com melhores condições para isso. Voz-off - Quereis fazer-nos crer que foi tudo assim tão simples? E que não houve intenção de conspirar contra o legítimo poder constituído? Mateus Álvares - Precisamente, senhores. Não conspirámos, apenas praticámos actos que estavam de acordo com a nossa consciência. Voz-off - Como o massacre do magistrado, do escrivão, do Dr. Gaspar Pereira e de familiares seus? Mateus Álvares - Também por esse acto assumo plena responsabilidade embora não tenha sido ouvido sobre a sua oportunidade e conveniência. Voz-off - Que teríeis feito? Mateus Álvares - Ter-me-ia oposto. Voz-off - Dai-vos, então, como culpado? Mateus Álvares - Se ser culpado é ter lutado por aquilo em que se acreditou, então sou culpado. Voz-off - E acreditásteis até ao fim? Mateus Álvares - Até onde minhas forças permitiram. Voz-off - Estais arrependido? Mateus Álvares - Estou arrependido de não ter pensado mais cedo no destino daqueles que combatiam por mim. Voz-off (ouve-se em fundo o rufar de tambores) - Estando provada a culpa do impostor Mateus Álvares, delibera este tribunal, legítimo representante do poder constituído para governar este reino, que o impostor e os seus cúmplices mais directos sejam enforcados ao alvorecer do dia 14 de Junho de 1585. A Mateus Álvares, chefe confesso da conjura, será ainda, como medida exemplar, cortada a mão direita, pois foi com ela que assinou decretos, cartas, patentes e proclamações. Que a lição extraída deste acto condenatório seja compreendida por todos aqueles que pensam pôr em causa, de forma vil e sediciosa, o poder do Arquiduque Alberto, representante legítimo, neste reino, de sua Majestade El-Rei Filipe II de Espanha e I de Portugal. A cabeça e

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pedaços do seu corpo serão distribuídos pelas várias portas da cidade, para servirem como exemplo. (O rufar de tambores aumenta de intensidade e ouvem-se gritos de mulheres, seguidos de uma música fúnebre. Entram em cena o homem e a mulher do povo que se haviam juntado às forças de Mateus Álvares). Homem - Conseguimos escapar a tempo ao inferno que os espanhóis por lá criaram. Mulher - Dizes bem, foi um verdadeiro inferno: sangue, labaredas altas, e aquele cheiro a pólvora e a carne queimada. Homem - A mim ainda tentaram apanhar-me, mas eu disse a um espanhol que me apontou a espada ao peito que não passava de um pobre mendigo que ali tinha ido parar em busca de tecto e de uma sopa quente. E não lhe disse mentira nenhuma, que eu, pensando bem, acabo sempre por estar do lado de quem me enche a barriga. Agora que vejo o inferno para trás das costas, reparo que nem tentei saber o verdadeiro nome daqueles que diziam ser o rei de Alcácer-Quibir. Mulher - Eu cheguei a vê-lo, a falar com ele e fiquei-lhe reconhecida por me ter mandado libertar. Não era má pessoa. Pareceume ser uma pessoa preocupada, aflita, com muito poucas certezas. Homem - Mas o mal dos reis e de todos os que mandam, costuma ser, terem certezas a mais. Mulher - Este não tinha. Homem - O que agora me aflige é esta dor nos pés e temos ainda tanto caminho para fazer até encontrarmos quem nos acolha. Mulher - E aqui por estas bandas não há-de ser, que, com os enforcamentos que os espanhóis estão a fazer junto às arribas, no sítio onde foram atirados ao mar o escrivão e o magistrado, ninguém se atreve a abrir a porta a desconhecidos. Homem - Ainda bem que não démos tempo a ninguém para nos conhecer e para saber os nossos nomes. Mulher - Que importância têm os nossos nomes? Quem ia perder tempo a perguntá-los, se nós mesmos, às vezes nem nos lembramos que os temos. Tu e eu somos dois desgraçados iguais aos que aparecem em todas as guerras. Nem mais nem menos. Homem - Exageras. Com as moedas que arrecadaste junto dos soldados ainda podemos passar umas semanas sem o martírio da fome. Mulher - Agora estou sem fome e apetece-me meter pernas ao caminho. 419

Homem - Para seguir que rumo, se não temos casa nem destino certo?

Mulher - Vamos até onde as forças nos chegarem. Homem - Porquê tanta pressa, se aqui estamos a salvo do fogo e dos soldados espanhóis? Mulher (afastando-se do companheiro) - Se não vieres, continuo sozinha. Homem (tentando juntar-se a ela) - Espera que eu vou contigo, mesmo sem saber para onde. Mulher - Anda, que a noite é a melhor companhia que podemos arranjar. FIM

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BIBLIOGRAFIA

Manuscritos ARCHIVO GERAL DE SIMANCAS

Espanha: Estado, legajo 1533, nº 94 ARQUIVO DA CÚRIA PATRIARCAL DE LISBOA Treslado dos Capitulos de Visita que ficaram nas Igrejas dos Distritos das Vigararias da Vara de Sintra, Cascais, arruda e parte do termo de Lisboa, ano de 1760 [ms. 113] Traslado dos Capitulos da Visita que ficaram nas Igrejas dos Distritos das Vigararias da Vara de Sintra, Cascais, Arruda e parte do termo de Lisboa, ano de 1781 [ms. 486] Livro da Visitação de 1781 [ms. 486-A] ARQUIVO DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DA ERICEIRA Escrituras de Venda, Quitação e Distrate (1622.02.21; 1653.01.09; 1661.09.03; 1668.11.21) [E/003/maço 001/ doc. 010] Várias Escrituras de Venda e Aforamento de umas propriedades em Valbom (1655.10.14; 1873.09.15; 1675.10.12; 1822.05.27) [E/003/maço 001/ doc. 011] Escrituras de Aforamento (1759.01.19; 1760.06.16) [E/003/maço 001/doc. 068] Capela dos Padres - Várias Escrituras de Venda e Aforamento e Requerimentos [E/019/maço 001/ doc. 001; 003; 007; 010; 017] Aforamento (1828.03.26) [E/019/ doc. 005] Requerimentos (ant. 1763.06.20; ant. 1835.06.06; 1839.08.22) [1/002/maço 001/ doc. 007; 023; 033] Mandado Geral de Penhora do Juiz Ordinário e Órfãos do Reguengo da Carvoeira (1825.03.11) [1/002/maço 001/doc. 015]

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ARQUIVO HISTÓRICO MILITAR Relatório de um reconhecimento militar dos itinerários de Lisboa a Mafra, Torres Vedras, Ericeira e Peniche, com descrição da praça e vila de Peniche 1808, Janeiro, 27 6 fls. manuscritas. Documento em francês. [DIV/3/01/03/14] Oficio do conde de Sampaio, secretário da Regência do Reino, dirigido ao coronel do Corpo de Engenheiros, Carlos Frederico Bernardo de Caula, para fazer uma carta topográfica do terreno compreendido entre o cabo da Roca e Peniche, como serviço do Arquivo Militar. 1808, Janeiro, 27 3 fls. manuscritas. Inclui um documento em francês. [DIV/3/01/03/15] Memória da descrição do terreno da costa entre o cabo da Roca e a vila da Ericeira, com observações sobre a defesa contra um ataque marítimo, pelo coronel Carlos Frederico de Caula e major Neves do Real Corpo de Engenheiros 1808, Março, 6 2 fls. manuscritas. [DIV/3/01/03/16] Memória com "Reflexão sobre a conservação das linhas de defesa que cobrem Lisboa" 1814, Janeiro, 27 - Junho, 14 9 fls. manuscritas e 1 mapa (s/esc.). Contém um "mapa do estado completo das 24 Companhias de Artilheiros Ordenanças destinadas à guarnição das linhas de defesa que cobrem a capital" assinado por Lourenço da Cunha d'Eça. [DIV/3/01/05/10] Ofício do marquês de Campo Maior para Miguel Pereira Forjaz a enviar um relatório sobre as obras de fortificação das linhas de defesa ao norte do Tejo 1815, Fevereiro, 27 - Abril, 7 6 fls. manuscritas. Inclui relatório da inspecção às obras de fortificação das linhas de defesa ao norte do Tejo, da autoria de Matias José Dias Azedo. [DIV/3/01/05/12] Notas das ruínas existentes nos redutos das 1ª e 2ª linhas de defesa de Lisboa, localizadas respectivamente nos distritos de Sobral, Torres Vedras, Alhandra, Montachique, Mafra e Vialonga, da autoria do sargento-mor engenheiro Joaquim Norberto Xavier e Brito 1815, Fevereiro, 27 6 fls. manuscritas. Contém notas de ruínas, com suas medidas e respectivas observações feitas pelo mesmo autor [DIV/3/01/05/13] Memória militar com uma descrição sucinta do terreno ao norte de Lisboa, compreendido entre o Oceano e o Tejo, com observações relativas às duas 422

linhas de defesa que cobrem a capital, da autoria do sargento-mor Joaquim Norberto Xavier de Brito 1815, Abril, 9 1 caderno com 8 fls. manuscritas [DIV/3/01/05/15] Parecer da Comissão de Fortificações, assinado pela totalidade dos seus membros, sobre as fortificações das 1ª e 2ª linhas de Lisboa que deverão ser reedificadas e as que deverão ser reparadas e apetrechadas em primeiro lugar e restantes fortificações marítimas do Tejo. 1823, Maio, 5 2 fls. manuscritas. [DIV/3/01/06/09] "Instruções gerais para o fim de obstar ao progresso das ruínas praticadas nas fortificações das linhas de defesa ao norte de Lisboa pelos habitantes das povoações vizinhas", de autoria do marechal-de-campo Manuel de Sousa Ramos, do Real Corpo de Engenheiros 1825, Dezembro, 22 - 1826, Maio, 24 13 fls. manuscritas. Contém: oficio de remessa para o conde de Barbacena Francisco, de ofícios (cópias) recebidos do capitão José Inácio Dacier, do Real Corpo de Engenheiros; ofícios do coronel Lourenço Homem da Cunha d'Eça e marechal Manuel de Sousa Ramos para o conde de Barbacena Francisco; oficio de José Gorjão Nicolau Alberto, ajudante do Batalhão de Artilharia de Mafra, para o coronel Lourenço Homem da Cunha d'Eça. [DIV/3/01/06/13] Mapas dos fortes e baterias da 1ª e 2ª linhas de defesa ao norte de Lisboa, assinados pelo coronel engenheiro graduado Lourenço Homem da Cunha d'Eça 1826, Novembro, 14 4 fls. manuscritas. Contém observações feitas na revista de inspecção passada nos meses de Agosto e Setembro de 1826. [DIV/3/01/06/04] Reconhecimento militar da costa desde a vila da Ericeira até ao forte do Magoito (cópia), de autoria do tenente-coronel António Anacleto de Seara, do Real Corpo de Engenheiros 1831, Novembro, 21 2 fls. Manuscritas [DIV/3/01/06/29] ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE MAFRA Tribunal de Mafra Autos Crimes de Querela acerca do Arrombamento e Roubo na ermida de S. Julião, 1874 [cota antiga: Tribunal de Mafra, cx. 15, CAR, n. 203] 423

Santa Casa da Misericórdia da Ericeira Testamentos de João Fernandes, 1764 e 1765 Câmara Municipal da Carvoeira O fundo do Município da Carvoeira, em virtude da sua extinção em 25 de Novembro de 1836, foi transferido para o Município da Ericeira, passando em 1855, mercê do Decreto de 25 de Outubro, para o Município de Mafra e, em 1992, com a criação do Arquivo Histórico Municipal de Mafra, para a custódia deste serviço. Reúne documentação produzida no âmbito das suas funções administrativas, gestão das receitas e património, licenciamento e fiscalização das actividades económicas, recenseamento eleitoral e cobrança dos impostos régios e municipais, entre outros. 17 livros, 50 documentos (1690-1836) Vereação Municipal Órgão executivo composto pelo conjunto dos Vereadores, eleitos trienalmente, aos quais competia a elaboração de posturas e demais regulamentos municipais, administrar os bens próprios do Concelho e as rendas municipais. A presidência recaía no Juiz Ordinário, eleito pelo Concelho, o qual desempenhou funções administrativas e judiciais no Concelho até 1830. Com a promulgação dos Códigos Administrativos de 1836 e de 1842 a presidência passou a ser da competência do Vereador eleito por maioria dos votos. 4 livros: actas e correições (1690-1836) Actas

Actas da vereação municipal, correições gerais, nomeações dos recebedores da décima, louvados dos prédios urbanos e rústicos, autos de arrematação, autos de posse de novos oficiais, auto de aclamação e autos de posse de novas justiças. 3 livros (1820-1836) Data 1820-1826 1828-1832 1832-1836

Cota Actual liv.0001 liv.0002 liv.0003

Cota Antiga liv. 1 liv. 2 liv. 3

Correições do Concelho Registo das querelas. 1 livro (1835-1836) [cota actual: liv.0001; cota antiga: liv.4]

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Secretaria Municipal Originalmente, designada Cartório do Escrivão, concentrava a gestão do expediente geral, averbamento de documentação (certidões, atestados, licenças e fianças), a contabilidade municipal e o notariado, bem assim como o registo da demais documentação produzida pela vereação municipal. Ao Escrivão, mais tarde renomeado Secretário (cargo de serventia vitalícia de acordo as Ordenações Filipinas, Liv. 1, Tit. 71 e que o Código Administrativo de 1842 havia de confirmar) cabia a responsabilidade de garantir a boa gestão da Secretaria, do Expediente e do Arquivo. Desempenhava ainda as funções de Escrivão do Provedor do Concelho. 2 livros: de manifesto do real de água e 50 documentos avulsos, entre ofícios e circulares (1789-1836) Expediente Correspondência expedida e recebida. 50 ofícios e circulares (1834-1836) Correspondência Ofícios e circulares relativos a eleições, pagamentos de impostos, apresentações das contas, nomeações e aplicação de legislação administrativa e ainda um relatório sobre o Concelho. 50 documentos (1834-1836) Ofícios e Circulares Expedidos 2 documentos (1836) [cota actual: doc.0001; doc.0002] Ofícios e Circulares Recebidos 48 documentos (1834-1836) Data 1834-03-12 1834-05-28 1834-06-24 1834-06-25 1834-06-27 1834-06-27 1834-06-27 1834-06-27 1834-06-30 1834-06-30 1834-07-17 1834-07-17 1834-11-06

Cota Actual doc.0001 doc.0002 doc.0003 doc.0004 doc.0005 doc.0006 doc.0007 doc.0008 doc.0009 doc.0010 doc.0011 doc.0012 doc.0013 425

1834-12-11 1834-12-11 1834-12-11 1835-04-24 1835-04-28 1835-04-28 1835-04-30 1835-05-14 1835-06-30 1835-07-29 1835-08-19 1835-08-28 1835-09-08 1835-09-09 1835-09-18 1835-09-25 1835-09-29 1835-09-29 1835-09-30 1836-01-28 1836-01-29 1836-03-18 1836-06-08 1836-06-08 1836-06-09 1836-06-11 1836-07-13 1836-07-28 1836-10-18 1836-10-18 1836-10-19 1836-10-20 1836-10-26 1836-10-27 1836-10-31

doc.0014 doc.0015 doc.0016 doc.0017 doc.0018 doc.0019 doc.0020 doc.0021 doc.0022 doc.0023 doc.0024 doc.0025 doc.0026 doc.0027 doc.0028 doc.0029 doc.0030 doc.0031 doc.0032 doc.0033 doc.0034 doc.0035 doc.0036 doc.0037 doc.0038 doc.0039 doc.0040 doc.0041 doc.0042 doc.0043 doc.0044 doc.0045 doc.0046 doc.0047 doc.0048

Manifestos do Real de Água Declarações sobre a produção e/ou venda de produtos agrícolas, especialmente das carnes verdes para o cálculo do real de água (imposto régio estabelecido pelo Alvará de 23 de Janeiro 1643), cujas receitas revertiam para a conservação e a construção de estradas, caminhos e pontes. 2 livros (1789-1828)

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Data 1789-1821 1803-1823

Cota Actual Cota Original liv.0001 liv. 5 liv.0002 liv. 8

Cota Antiga liv. 79

Provedoria da Comarca de Torres Vedras O Provedor era um oficial régio, o magistrado responsável pelas questões concernentes às capelas, órfãos, confrarias e testamentos, assim como pelos direitos reais (terças, fintas e sisas) e pela fiscalização das contas municipais. Após a sua extinção deste ofício, pela Lei de 3 de Novembro de 1830, as suas funções foram transferidas para os Juízes de Direito, Juízes de Órfãos e Administrador do Concelho. 10 livros (1690-1817): manifesto do subsídio literário, contas e terças do Concelho. Manifesto do Subsídio Literário Imposto régio destinado à instrução, criado em 1772 e extinto em 1857. 7 livros (1733; 1789; 1794; 1802; 1809-1811;1815-1817) Data 1733 1789 1794 1802 1809-1810 1811 1815-1817

Cota Actual liv.0001 liv.0002 liv.0003 liv.0004 liv.0005 liv.0006 liv.0007

Cota Antiga liv. 6 liv. 5 liv. 7 liv. 247 liv. 248 liv. 249 liv. 125

Contas e Terças Registo das contas anuais do Concelho, cujo cálculo era feito com base na receita do imposto da terça cobrado no município. 3 livros (1690-1729-1757, 1778-1812) Data 1690-1728 1729-1757 1778-1812

Cota Actual liv.0001 liv.0002 liv.0003

Cota Antiga liv. 252 liv. 11 F

Juiz Almoxarife da Carvoeira Ofício de nomeação régia ao qual estavam cometidas diversas funções, entre as quais as da cobrança dos direitos reais. Apesar do cargo ser de nomeação ser régia, nas funções relativas à cobrança de impostos, responde directamente à Casa dos Contos, mais tarde ao 427

Erário Régio, o qual depende hierarquicamente do Conselho da Fazenda. 1 livro, das quartas (1764-1802) Registo das Quartas Registo das cobranças realizadas pelo donatário do Reguengo da Carvoeira no valor de um quarto sobre as fazendas, nos seguintes lugares: Carvoeira, Baleia, Valbom, Barril, Pobral, Fonte Boa, Casalinhos, Ursal, Carrascal, Zambujal, Montesoiros e pessoas do Termo de Mafra e Ericeira. 1 livro (1764-1802) [cota actual liv.0001; cota antiga: liv. 9] Irmandade do Santíssimo Sacramento – Carvoeira 1869 - Conta geral da Irmandade do S. Sacramento da freguesia da Carvoeira de 1868 - 1869 1872 - Idem - 1871 - 1872 1880 a 1913 - Correspondência do Governo Civil de Lisboa dirigida ao Administrador do Concelho de Mafra (26 doc.) 1889 - Instituições de Piedade e Beneficência - Questionário 1914 - Orçamento geral da receita e despesa da Irmandade do S. Sacramento da freguesia da Carvoeira para o ano de 1914 a 1915 1915 - Mapa demostrativo da despesa autorizada e da despesa efectuada durante o ano de 1914 a 1915 Irmandade do Santíssimo Sacramento – Carvoeira Orçamentos (1888-1892-1899-1900-1902) Junta de Paróquia 1842 - Correspondência dirigida ao Presidente da Câmara Municipal da Ericeira 1862 - Exposição do Secretário da Junta de Paróquia àcerca do seu vencimento - Filipe Gaspar - Carvoeira 1895 e 1896 - Requerimento do sacristão da paróquia àcerca do seu vencimento (2 doc.) 1884-1896 – Contas de Gerência Juiz Almoxarife do Reguengo da Carvoeira 2 livros; 135 processos (1635, 1680, 1731, 1754, 1764, 1773, 1777, 1778, 1780, 1795, 1802, 1816, 1819, 1833) Registo de Querelas – Crime 1 livro (1764 – 1835)

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Registo de Tutelas 1 livro (1778, 1819) Inventários 118 processos (1635, 1641, 1680, 1685, 1688, 1696-1698, 1720-1721, 1728-1731, 1733, 1735, 1737-1739, 1744, 1747, 1750, 1752-1755, 1760, 1762-1763, 17651768, 1771-1772, 1774, 1778-1781, 1783-1784, 1787-1789, 1791-1795, 1799, 1801, 1803-1804, 1807, 1809, 1811, 1813-1814, 1817, 1819, 1821-1822, 1824, 1833) Justificações 1 processo (1731) Partilhas 9 processos (1795, 1802, 1806, 1809-1811, 1813, 1816, 1829) Treslados 1 processo (1777) Sentenças 1 processo (1703) Petições 2 processos (1754, 1773) Resíduos 1 processo (1780) Tombos 1 processo (1682) Avaliações 1 processo (1815) Juiz de Paz do Distrito da Freguesia da Carvoeira 1 livro (1835-1837) ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO Foral Manuelino do Reguengo da Carvoeira (29 Outubro 1514) [Livro dos Forais Novos da Estremadura, fl. 137] Carta de Perdão geral concedido aos rústicos do termo de Sintra (1585) [Livro 1º das Leis, fl. 102-103v] 429

Mercê a Catarina Leitão viúva de Pedro Serrão, morto a serviço d’el-Rei pelos alevantados, e ermitão da Ericeira, indo ele acudir a Lobagueira, termo de Torres Vedras, da feitoria de Malaca com os mais três cargos anexos pelo tempo de três anos para quem casar com uma das suas filhas que ela nomear (14 Dezembro 1585) [Chancelaria de Filipe I, livro 12, fl. 117v] Memórias Paroquiais da freguesia da Carvoeira (1758) [v. 31, maço 54, p. 307-310] Colegiada de Santo André de Mafra, Livro 1, s. n., fl. 31 Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 623, doc. 45 [moradores da Carvoeira, 1825]; maço 916, doc. 120 [moradores da Fonte Boa da Brincosa, 1815]; maço 1210, doc. 14; maço 1216, doc. 29 [1819]; doc. 68 [1817]:doc. 101 [Fonte Boa da Brincosa]; doc. 137 [1823]; maço 1362, doc. 1; maço 1804, doc. 46 [igreja Nossa Senhora do Porto, 1807]; maço 2132, doc. 32 Convento de S. Domingos de Benfica: maço 4, doc. s/ nº Paróquia da Carvoeira 9 livros: Registo de baptismos (1616-1655; 1668-1844) Registo de casamentos (1617-1712; 1715-1850) Registo de óbitos (1616-1804) ARQUIVOS PARTICULARES Livro de contas da Confraria de S. Sebastião da Carvoeira (1769 - 1899) Auto da tomada de contas á meza da Confraria de São Julião 2 doc. (1841-1842; 1842-1843) [Prof. Raúl de Almeida] [Inquérito dactilografado sobre] O Círio de Ribeira de Pedrulhos BIBLIOTECA DO CONGRESSO (Washington) [Miscelânea de Bento Xavier de Magalhaens Correa de Oliveira] Trovas de Gonsalo Annes Bandarra [P-163, fl. 119r-119v] CARTÓRIO PAROQUIAL DA ERICEIRA Livro das Visitações e diversa outra documentação reportando sobretudo ao período compreendido entre 1939 e 2014

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JUNTA DE FREGUESIA DA CARVOEIRA Actas da Junta de Paróquia da freguesia de N. Sra. do Ó do Porto 6 livros (19.02.1871 a 21.02.1892; 18.12.1902 a 01.01.1919; 03.05.1919 a 12.12.1946; 29.12.1946 a 11.1966; 18.12.1966 a 07.04.1977; 07.05.1977 a 10.02.1990) Copiador da correspondência expedida pela Junta de Paróquia 1 livro (01.01.1889 a 1895) Actas da Assembleia de Freguesia 1 livro (16.01.1980 a 28.12.2001) SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE SINTRA O Provedor e Irmãos da Santa Casa da Misericórdia de Sintra deliberam que a bandeira da Santa Casa acompanhe os enterros dos revoltosos justiçados em Mafra, Ericeira e Carvoeira [Livro 5 dos Acórdãos, fl. 256]

Impressos Generalidades ADRIÃO, Vitor Manuel, Iniciação martirial no Reguengo da Carvoeira, in Sintra: Serra Sagrada, capital espiritual da Europa, Lisboa, 2007, p. 311-329 ALVES, Joana Lopes, Roteiro de Pedras das Costas da Ericeira e Cascais pelo Pescador Fernando Brites, Ericeira, 1999 ANTIGOS Concelhos da Estremadura, in Bol. da Junta de Provincia da Estremadura, s. 2, n. 13 (Set.-Dez. 1946), p. 247-250 BEIRÃO, Inácio, Freguesia da Carvoeira: aspectos Histórico-Genealógicos, in O Carrilhão (25 Mar. 1998) BOAVIDA, Joaquim Gormicho, Roteiro de Pesca de Arrasto da Costa Continental Portuguesa, Lisboa, 1948, p. 127-131 [Mar da Ericeira] CÂMARA MUNICIPAL DE MAFRA, Relatório da Gerência de 1955 e Planos Camarários para 1956, Mafra, 1956 CARDOSO, Luiz, Diccionario Geografico ou Noticia histórica de todas as cidades, vilas e lugares […], v. 2, Lisboa, Regia Oficina Silviana, 1751 CARÉ JÚNIOR, José, A Adega da Foz do Lizandro, in Boletim Cultural ’98, Mafra, 1999, p. 582-583 CARTOGRAFIA impressa dos séculos XVI e XVII: imagens de Portugal e ilhas Atlânticas: exposição, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Porto, 1994 431

CARVOEIRA apela ao desenvolvimento, in Suplemento Região Saloia (19 Mai. 1944) CASTRO, Irene Lima Arrais, Contributos para o estudo de Sintra e o seu termo entre 1527 e 1878 (Estudo Estatístico), in Vária Escrita, n. 5 (1998), p. 321-391 FERNANDES, Paulo, Almeida / VILAR, Maria do Carmo, Identidades: património arquitectónico do Concelho de Mafra, Mafra, 2009 FERREIRA, Fernando Mendes, Património Cultural construído do Concelho de Mafra: freguesia da Carvoeira, [Mafra, 1990] FREGUESIA da Carvoeira, in Jornal Ilustrado A Hora, a. 3, n. 13 (1934), p. 30 FREIRE, Braamcamp, Povoação da Estremadura no XVI século, in Archivo Historico Portuguez, v. 6, n. 7 (Jul. 1908), p. 257 [GANDRA, Manuel J.], Mafra: Concelho, commune, county, Mafra, 1994 Idem (coord.), Carta do Património da Freguesia da Carvoeira, Mafra, 198? Idem, Sabores, cheiros e comeres regionais de Mafra: tradição e modernidade, Ericeira, 1998 Idem, A Cerâmica Tradicional de Mafra, Ericeira, 1999 Idem, In memoriam dos barristas da região de Mafra, in Boletim Cultural 2002, Mafra, 2003, p. 405 Idem, A Estrutura Simbólica do Monumento de Mafra, entre Heliopolis e o número 666, in Da Face Oculta do Rosto da Europa: prolegómenos a uma História Mítica de Portugal, Lisboa, 2009, p. p. 169-223 Idem, Florilégio de Tradições do Concelho de Mafra, Mafra, 2013 GANDRA, Manuel J. / CAETANO, Amélia / VILAR, Maria do Carmo, O Eterno feminino no aro de Mafra, Mafra, 1994 GIL, João Pedro da Silva Henriques, Casal dos Leitões: uma História de Família, 1487-1990, Mafra, 2004 GIL, João Pedro da Silva Henriques, Casal dos Leitões: uma História de Família (1487-1990), Mafra, 2004 GORJÃO, Sérgio, Memórias Paroquiais do Concelho de Mafra (1758) Memórias de Nossa Senhora da Expectação do Porto de Reguengo da Carvoeira, in O Carrilhão (15 Fev. 1993) Idem, Memórias Paroquiais, in Boletim Cultural ’96, Mafra, 1997, p. 307-344 GUERRA, Zulmira, Zambujal – Figuras da Minha Aldeia, in O Carrilhão (1 e 15 Fev.; 1 e 15 Mar. 1998) GUIA TRILHOS DE MAFRA: passeios pedestres / passeios em BTT, Mafra, 2007 LOPES, Irina Alexandra, Os extintos concelhos da Carvoeira, Cheleiros, Enxara dos Cavaleiros e Gradil e os seus forais (séculos XII e XVI): transcrição paleográfica e leitura actualizada, in Boletim Cultural 2006, Mafra, 2007, p. 101-103

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Idem, As casas das Câmaras dos extintos concelhos da Azueira, Carvoeira, Cheleiros, Enxara dos Cavaleiros e Gradil: séculos XVIII a 1855, in Boletim Cultural 2006, Mafra, 2007, p. 201-203 LUCENA, Armando de, Monografia de Mafra, Mafra, 1986, p. 91-95 MANIQUE, Luis de Pina, Iconografia Sacra do Concelho de Mafra: Santas Mães, in Bol. Junta de Província da Estremadura, s. 2, n. 11 (Jan.-Abr. 1946), p. 87-99 e s. 2, n. 12 (Mai.-Ago. 1946), p. 205-206 MARQUES, José Alberto S., Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia: sete séculos de memória: guia, Ericeira, 1998, p. 58-59, 74, 165-168, 177, 225, 228, 230, 233 MATA, António, Demografia histórica do 1º quartel do século XVIII LVII Freguesia do Regengo da Carvoeira, limite do termo de Sintra no séc. XVIII, in Jornal de Sintra (197?) MIRANDA, Cabral, Haverá ouro nas areias de S. Julião?, in O Concelho de Mafra, n. 578 (Jun. 1953) MONUMENTOS e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, v. 3, Lisboa, 1963, p. 15-17 PEREIRA, Domingos Machado, Uma avaliação contra a minuta de Apelação: apelantes: Manuel Simões, do Casal dos Leitões [e] Martinho Lopes Ferreira, da Carvoeira; apelado: Marciano Lopes, da Lapa da Serra, pelo advogado do apelado […], Tribunal da Relação de Lisboa, in Trabalhos Jurídicos [Mafra, 1931], p- 1-10 PEREIRA, Isaías da Rosa, Subsídios para a História da Diocese de Lisboa do século XVIII, Lisboa, 1980, p. 145-148, p. 223-225 e p. 286 PESTANA, Maria Eugénia, Relógios de Sol, in Boletim Cultural ’94, Mafra, 1995, p. 327-332 PRATAS, Ana Isabel, O concelho de Mafra: a retabulística das freguesias de Mafra, Ericeira e Carvoeira: relatório do seminário [do curso de licenciatura em Património Cultural, Departamento de História, Arqueologia e Património da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve], Gambelas, 2009 REAL, Mário Guedes, Pelourinhos dos Extintos Concelhos Estremenhos, in Bol. Junta de Província da Estremadura, s. 2, n. 29-31 (Jan.-Dez. 1952), p. 17 REIS, Horácio, O Concelho de Mafra (Notas Históricas), in O Concelho de Mafra (Dez. 1955) RIBEIRO, Mário de Sampaio, Carta a Guilherme Felgueiras, in Bol. da Junta de Província da Estremadura, s. 2, n. 12 (Mai.-Ago. 1946), p. 208-209 RODRIGUES, Maria de Lurdes, Inventário preliminar dos Fundos Municipais do Concelho de Mafra – Séculos XVII-XIX: Câmaras extintas (Gradil, Carvoeira, Cheleiros, Enxara dos Cavaleiros, Azueira, Ericeira). Nova proposta classificativa, in Boletim Cultural 2004, Mafra, 2005, p. 505508 Idem, Inventário das Câmaras Municipais extintas: Azueira, Carvoeira, Cheleiros, Enxara dos Cavaleiros eEriceira e Gradil, Mafra, 2008 433

SOARES, Ernesto, História da Gravura Artística em Portugal, v. 2, Lisboa, 1941, p. 707, n.º 2387 VENTURA, Margarida Garcez, A Colegiada de Santo André de Mafra (séculos XV-XVIII), Mafra, 2002 [doc. LXI, XCI, CXVI, CXVII, CXXIII, CXXVIII, CXXXIII, CXXXV, etc.] VILAR, Maria do Carmo, Fontes, Chafarizes e Bicas, in Boletim Cultural ’96, Mafra, 1997, p. 237 Idem, Lavabos de Sacristia, in Boletim Cultural’97, Mafra, 1998, p. 373-374 Idem, Arquitectura e Escultura Monumental Manuelina na Região de Mafra, in Boletim Cultural 2000, Mafra, 2001, p. 69 Arqueologia ARNAUD, José Morais, Relatório dos trabalhos efectuados em 1986 no Concheiro de S. Julião (Ericeira, Mafra), dact. (5 Mai. 1987) ARNAUD, José Morais / PEREIRA, Ana Ramos, Mafra: S. Julião, in Informação Arqueológica, n. 9 (1994), p. 62-63 ARNAUD, José Morais / OLIVEIRA, V. Salgado de / JORGE, V. de Oliveira, Relatório da Campanha preliminar de escavações no Penedo do Lexim (Verão de 1970), Lisboa, Jul. 1971 BREUIL, Henri, Contribution à l´étude des terrasses quaternaires au Portugal, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 17, n. 1-4 (Porto, 1989), p. 9-12 BREUIL, Henri / ZBYSZEWSKI, G., Contribution à l´étude des industries paléolithiques du Portugal et de leurs rapports avec la géologie du Quaternaire. Les principaux gisements des plages quaternaires du litoral d’Estremadura et des terrasses de la vallée du Tage, in Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, v. 26 (1945), p. 119-186 BREUIL, Henri / VAULTIER, Maxime / ZBYSZEWSKI, G., Les plages anciennes portugaises entre le cape D’Espichel et Carvoeiro et leurs industries paléolithiques, in Bulletin des Études Portugaises, v. 1 (Lisboa, 1942) e in Anais da Faculdade de Ciências do Porto, v. 27 (Porto, 1942), p. 161-167) e in Atlantis (Actas e Memorias de la Sociedad Española de Anthropologia y Etnografia y Prehistoria, v. 16, n. 3-4 (1942), p. 406-411 BYRNE, Inês Nadal de Sousa, A rede viária da zona Oeste do Município Olissiponense: Mafra e Sintra, in Al-Madan: arqueologia, património e história local, s. 2, n. 2 (Jul. 1993), p. 41-47 CHOFFAT, Paul, Le Cretacique dans l’Arrabida et dans la contrée d’Ericeira, in Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, v. 6 (1904-1907), p. 155 FERREIRA, Octávio da Veiga, Guia descritivo da sala de Arqueologia préhistórica do Museu dos Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa, 1977

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Idem, A Pebble Culture ou Peeble Industry em Portugal – breve síntese da sua descoberta e estudo, in Ciência Actual (Mar.-Abr. 1984), p. 23-25 e in Lucerna (Homenagem a D. Domingos de Pinho Brandão), Porto, 1984, p. 1724 Idem, Portugal Pré-histórico – seu enquadramento no Mediterrâneo, Lisboa, s. d. [1981] GANDRA, Manuel J., Bibliografia Mafrense: I. Arqueologia, Mafra, 1993 Idem, Bibliografia Mafrense: I. Arqueologia (Adenda), in Boletim Cultural ’93. Mafra, 1994, p. 367-374 Idem, Bibliografia Mafrense: I. Arqueologia (Adenda III), in Boletim Cultura ’94. Mafra, 1995, p. 367-374 GANDRA, Manuel J. / CAETANO, Amélia, Subsídios para a Carta Arqueológica do Concelho de Mafra, in Boletim Cultural ’94. Mafra, 1995, p. 252-255 IDANHA, Eugénio [Manuel J. Gandra], Arqueofactos e Artefactos, in Região Saloia (10 e 27 Abr., 11 Mai., 17 Jun. 1993) KALB, Philine, O megalitismo e a neolitização no Oeste da Peninsula Ibérica, in Arqueologia, n. 20 (Dez. 1989), p. 33-38 JORGE, Susana de Oliveira, A Pré-História – dos últimos caçadoresrecolectores aos primeiros produtores de alimentos, in Nova História de Portugal, v. 1, cap. 2, Lisboa, 1990, p. 75-101 LAUSTENSACH, Hermann, Portugal na época glacial, Coimbra, 1945 LOPES, Fernando M. Peixoto, Quadros sinópticos e Mapas relativos aos Subsídios para a Carta Arqueológica do Concelho de Mafra, in Boletim Cultural ’95, Mafra, 1996, p. 237 e 244-245 MACHADO, João L. Saavedra, Subsídios para a história do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcelos – número 1 (anos 1954-1964), Lisboa, 1965 MEDEIROS, José, Uma ara Romana em S. Miguel de Alcainça, s. l. [Mafra], s. d. [1984] MEDEIROS, José / PAULO, Jorge R., A criação do Centro de Estudos Etnográficos para salvaguarda e recuperação do património da Região de Mafra, in 1ª Jornadas Luso-Brasileiras do Património Edificado – comunicações, actas, conclusões, Lisboa, 1984, p. 39-41 [MEDEIROS, Sérgio], Cartas ao Director, in O Carrilhão (15 Mai. 1991) OLIVEIRA, Luís Filipe / SOUSA, Rogério Luís Manita e, Relatório sobre Turismo Cultural (Dez. 1988) PENALVA. Carlos, Ensaio de correlação do fácies lusitaniano com as indústrias do Marrocos atlântico, in Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, v. 63 (1978), p. 521-546 Idem, A Peeble Culture de tradição africana em Portugal, in Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, v. 65 (1979), p. 215-223 Idem, Vestígios de ocupação musteriense na praia tirreniana de S. Julião (Ericeira), in Arqueologia, n. 2 (Dez. 1980), p. 3-6

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DRUMMOND, Francisco Ferreira, Anais da Ilha Terceira, Açores, Governo Autónomo dos Açores, 1981. p. 377 [reimpressão fac-similada da edição de 1850] FARIA, Jorge de, Estêvão Rodrigues de Castro, in Feira da Ladra, v. 5 (1932), p. 116-117 FONSECA, António Belard da, Dom Sebastião antes e depois de AlcácerQuibir, v. 2, Lisboa, A. B. F., 1978, p. 35-38 FRANCISCO DE SANTA MARIA, frei, Anno historico, diario portuguez, noticia abreviada de pessoas grandes, e cousas notaveis de Portugal, Lisboa, Oficina de Domingos Gonsalves, tomo 2, p. 469-470 FRANCO, António Bento, Arte e Arqueologia, in O Concelho de Mafra, (Mafra, 2 Fev. 1947) dem, Tia Ana Rainha, in Gazeta de Torres (Torres Vedras, 11 Nov. 1928) FRANCO, António Cândido, Vida de Sebastião Rei de Portugal, Mem Martins, Europa-América, 1993, p. 170-171 FREIRE, Maria Teresa Geraldes, O poema “De simulato Rege Sebastiano”, de Estêvão Rodrigues de Castro, in Biblos, v. 58 (Coimbra, 1992), p. 27-47 GANDRA, Manuel, Mateus Álvares, in Da Vida, da Morte e do Além: aspectos do sagrado na região de Mafra: roteiro monográfico, Mafra, Câmara Municipal de Mafra, 1996, p. 204-205 Idem, Mateus Álvares, in Dicionário do Milénio Lusíada, Lisboa, 2003, p. 311317 GEBAUER, Georg Christian, Der Portugiesische Geschichte von der Vereinigung dieses Reiches mit Spanien bis auf die itzige Zeiten, v. 2, Lípsia, 1759, p. 16 [escamoteia a dimensão patriótica do episódio] GRUNDLING, Nicolaus Hieronimus, Ausführlicher Discours über den ietzigen Zustand Der Europäischen Staaten [...], Francoforte e Lípsia, 1733 [a p. 398400, brevíssima referência a Mateus Álvares, a propósito dos “pseudo Sebastiões”] HERRERA, Antonio de, Segunda Parte de la Historia General del Mundo, Madrid, 1601, p. 448-450 [KORN, Christoph Heinrich], Merckwürdigkeiten von Portugal oder kurzgefasste Nachricht von der Beschaffenheit des Landes, dem Karakter der Einwohner, und den vielfältigen Staatsveränderungen dieses Königreichs [...], Francoforte e Lípsia, 1777, p. 34-36 [no terceiro capítulo, dedicado a Filipe I, ao relatar pormenorizadamente os diversos episódios protagonizados pelos falsos Dom Sebastião, não omite o de Mateus Álvares a quem chama Gonsalvo Álvares] JUAN ATIENZA, G., El Sebastianismo portugués y la tradición del Rey del Mundo, in La cara oculta de Felipe II: Alquimia y magia en la España del Imperio, Barcelona, Ediciones Martínez Roca, 1998, p. 211-224 LEITE, Duarte, Os Encobertos, in O Primeiro de Janeiro (Porto, 27 Jan. 1947)

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ANÓNIMO, O Scisma religioso em Mafra ou a grave desintelligencia entre os povos d’aquela freguezia e o seu parocho encomendado, Lisboa, 1877 COMPROMISSO da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra. Do logar da Carvoeira, freguezia de N. S. do Ó do Porto, concelho de Mafra, Mafra, Typografia Mafrense, 1867 GANDRA, Manuel J., Achegas para o estabelecimento do Corpus das Loas da Senhora da Nazaré no concelho de Mafra, in Boletim Cultural 2001, Mafra, 2002, p. 551-552 Loas do Círio da Prata Grande (por ordem cronológica) Expressões do puro contentamento de que estão penetrados os festeiros da freguezia de Nossa Senhora do Porto, quando recebem das mãos dos da Ericeira Nossa Senhora da Nazareth (1813), Lisboa, Imp. Regia, 1813 [BN: L 600 A] Hymnos devotos que os festeiros da freguezia de N. Senhora do Porto consagrão á Senhora da Nazareth quando vão receber a sua bandeira, Lisboa, Imp. de A. L. d'Oliveira, 1830 [BN: L 600 A] Hymnos Devotos que os mordomos festeiros da Freguezia de Nossa Senhora do Porto consagrão á Senhora da Nazaré, No Anno de 1831, Lisboa, Impressão Régia, 1831. Vivas demonstrações de jubilo, com que os festeiros da freguesia de Nossa Senhora do Ó, do Porto, vão receber a Bandeira de Nossa Senhora da Nazareth, Lisboa, Typ. de Mathias José Marques da Silva, Rua do Ouro nº5, 1847 [BN: L 1138 A] Hymnos de louvor com que es festeiros de N. Senhora do O' do Porto, cenduzem a imagem de N. Senhora da Nazareth [...], Lisboa, Typ. José Marques da Silva, 1848 [BN: L 1138 A] Canticos on hymnos sacros com que os festeiros de N. S. do Porto da Carvoeira recebem a bandeira da Virgem da Nazareth, Lisboa, Typ. Universal, 1882 [BN: L. 600 A] MAGALHÃES, António Pedro Barreiros, Piedosos canticos Com que os devotos festeiros de Nossa Senhora do Porto da Carvoeira recebem a Bandeira de Nossa Senhora da Nazareth e sua Milagrosa Imagem na Villa da Ericeira E a conduzem á sua freguezia, onde lhe rendem cultos solemnes de Devoção e Piedade, no dia 9 de Outubro de 1898, Lisboa, Typ. de F. Silva, Rua de Santo Antão, 89 e 91. Idem, Piedosos canticos a Nossa Senhora da Nazareth offerecidos em sua honra pelos Devotos festeiros da freguezia do Porto da Carvoeira por occasião das festas celebradas nos dias 20 e 27 de Agosto de 1899; Da romaria ao Real Templo da Nazareth; E da entrega da bandeira aos mordomos de Alcainça em Setembro do mesmo anno, Lisboa, Liv. e Typ. de F. Silva, 89, Rua de Santo Antão, 91, 1899. 442

[SILVA, Martinho Lopo da], Hymnos Sacros recitados na recepção da veneranda imagem de Nossa Senhora de Nazareth, Na freguezia da Senhora do Ó do Porto da Carvoeira, No dia 10 de Outubro do anno de 1915. Hymnos Sacros com que os devotos festeiros de Nossa Senhora do Ó do Porto da Carvoeira festejam a veneranda imagem de Nossa Senhora de Nazareth, No dia 20 de Agosto do anno de 1916. Hinos Sacros recitados na recepção da veneranda imagem de Nossa Senhora da Nazaré da Freguezia da Senhora do Ó do Porto da Carvoeira, no dia 13 de Setembro do ano de 1932, Mafra, Tip. Liberty. MARÇALO, Francisco, Hinos Sacros com que os devotos festeiros de Nossa Senhora do Ó do Porto da Carvoeira festejam a veneranda imagem de Nossa Senhora da Nazaré, No dia 27 de Agosto do ano de 1933. Compostos por […], do lugar da Baleia, Mafra, Tipografia Liberty. Idem (da Baleia), Hinos Sacros recitados na recepção da milagrosa imagem de Nossa Senhora da Nazaré em S. Pedro da Ericeira e na sua condução processional para a Freguesia de Nossa Senhora do Ó do Porto da Carvoeira No dia 17 de Setembro de 1949. Idem, Hinos sacros em honra da Veneranda Imagem de Nossa Senhora da Nazaré Na freguesia de Nossa Senhora do Ó do Porto da Carvoeira no dia 10 de Setembro de 1950. Typ. Liberty, Mafra, 1950. Idem, Loas dedicadas a Nossa Senhora da Nazaré pelos festeiros da Freguesia de Nossa Senhora do Ó do Porto da Carvoeira, Setembro de 1966, Mafra, Elo. Loas a Nossa Senhora da Nazaré dedicadas pelo Povo da Freguesia da Senhora do Ó do Porto da Carvoeira, Carvoeira, Setembro [aliás, Agosto] de 1967, [Mafra], Elo, 18/8/1967. LEITÃO, João de Sousa, Carvoeira Nossa Senhora do Ó: Loas que a Freguesia da Carvoeira dedica à Veneranda Imagem de Nossa Senhora da Nazaré, Setembro/1983. PEDROSO, Inácio (Igreja Nova), Carvoeira Nossa Senhora do Ó: Cânticos de Louvor, Cantados pelos Anjos da Freguesia de N. Senhora do Ó da Carvoeira, em louvor a Nossa Senhora da Nazaré nas festas do dia 2 de Setembro de 1984 e na entrega da veneranda Imagem à Freguesia de S. Miguel da Alcainça Grande, em 15 de Setembro de 1984. FONSECA, José da (Baleia) /GASPAR, Afonso Batalha (Carvoeira), Freguesia da Carvoeira – Loas a Nossa Senhora da Nazaré: dedicadas pelos festeiros da Paróquia de Nossa Senhora do Porto (Srª do Ó), ao receber a veneranda imagem em 16 de Setembro do ano 2000, [Carvoeira], 2000 FONSECA, José da, Loas a Nossa Senhora da Nazaré: freguesia da Carvoeira: dedicadas pelos festeiros da Paróquia de Nossa Senhora do Porto (Srª do Ó), na festa de 25 de Agosto de 2001, na ida ao Santuário da Nazaré em 9 de Setembro de 2001 e na entrega da Veneranda Imagem aos festeiros de Alcainça, em 15 de Setembro de 2001, Sobreiro, Gráfica Sobreirense, [2001] 443

Manuel J. Gandra

Licenciado em Filosofia (Faculdade de Letras – Universidade Clássica de Lisboa). Enquanto Investigador, tem-se consagrado à investigação da História e da Geografia Míticas de Portugal (nomeadamente no que concerne às Ordens do Templo e de Cristo, ao Culto do Império do Divino Espírito Santo, ao Sebastianismo e ao Hermetismo), da iconologia da Arte portuguesa e da Circunstância Mafrense, temas sobre os quais se tem debruçado em publicações, colóquios, seminários, encontros, conferências, palestras, visitas guiadas e programas televisivos. Foi professor dos ensinos preparatório e secundário, tendo lecionado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e no IADE. Entre 1990 e 31 de Agosto de 1999, foi Coordenador dos Serviços de Cultura da Câmara Municipal de Mafra. Actualmente, é Professor na Escola Superior de Design do IADE-U. Coordenador Científico da Biblioteca António Quadros (IADE-U). Investigador do CLEPUL (Faculdade de Letras de Lisboa), Colaborador da UNIDCOM (IADE-U) e das Revistas Nova-Águia e Identidades Oceânicas. Membro do Conselho Consultivo do MIL e da Associação Identidades Oceânicas (IDEO, Brasil) e Director do Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica 445

[www.cesdies.net] que fundou em 19 de Abril de 1997, com sede em Mafra e actuando no Rio de Janeiro-Brasil, mediante uma parceria institucional com o Instituto Mukharajj Brasilan. Autor de artigos, opúsculos e obras versando a História e a Geografia Míticas de Portugal, nomeadamente: Portugal: Terra lúcida, Porto do Graal (1986); Bibliografia crítica das fontes e estudos respeitantes ao Hermetismo em Portugal: Alquimia (1993); Carrilhões de Mafra (1993); Apocalipse de Esdras: ecos nas letras e na arte portuguesas (1994); Cheiros, Sabores e Comeres regionais de Mafra: tradição e modernidade (1998); Regra Primitiva da Ordem do Templo (1998); A Cerâmica Tradicional de Mafra (1999); Joaquim de Fiore, Joaquimismo e Esperança Sebástica (1999); Os Templários na Literatura (2000); O Império do Espírito Santo na Região de Tomar e dos Templários (2000); Colecção Maçónica Pisani Burnay: catálogo (2000); O Monumento de Mafra de A a Z, v. 1 (2002); A Cristofania de Ourique: mito e profecia (2002); Dicionário do Milénio Lusíada (2003); A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (2004); O Projecto Templário e o Evangelho Português (2006); Portugal Sobrenatural (2007); Da Face Oculta do rosto da Europa (2009), 2ª ed.; Astrologia em Portugal – Dicionário Histórico-Filosófico (2010); Iconografia e Iconologia: estudos, notas e fontes de cultura visionária (2012); Livro das Profecias de Cristóbal Colón (2013); Amuletos da Tradição Luso-Afro-Brasileira (2013); Florilégio de Tradições do Concelho de Mafra (2013); O Anjo da Saudade: da Hierarquia Celeste e do Custódio de Portugal (2013); O Projecto Templário e o Evangelho Português (2013), 2ª ed. revista e ampliada; Fernando Pessoa: Hermetismo, Iniciação, Heteronímia (2013); Mafra, do ocaso da Monarquia, ao advento da República (2013); Itinerários da Monarquia Constitucional em Mafra (2013); Hagiografia de D. Sebastião: de desejado a encoberto (2014); Cátaros para um Languedoque Português (2014); António Augusto Carvalho Monteiro: imaginário e legado (2014); Palácio Quintela: Iconologia do Programa Pictórico (2014); As Ilhas Míticas do Imaginário Luso: fontes e iconografia (2014); Os Templários na Literatura de Língua Portuguesa (2014); etc. Contactos: Site: www.cesdies.net Email: [email protected]

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