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May 29, 2017 | Autor: Laíza Verçosa | Categoria: Machado de Assis, Literatura brasileira, Literatura, Romantismo Brasileiro, Realismo Brasileiro, Contos
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS LAÍZA STÉFANE VERÇOSA DO NASCIMENTO

“A FRUTA DENTRO DA CASCA”: estudo comparativo entre os primeiros e os últimos contos de Machado de Assis

RIO DE JANEIRO 2015

LAÍZA STÉFANE VERÇOSA DO NASCIMENTO

“A FRUTA DENTRO DA CASCA”: estudo comparativo entre os primeiros e os últimos contos de Machado de Assis

Monografia submetida à Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciada em Letras na habilitação PortuguêsLiteraturas.

Orientador: Prof. Doutor Godofredo de Oliveira Neto

RIO DE JANEIRO 2015

Dedico este trabalho à memória de Machado de Assis.

AGRADECIMENTOS Agradeço ao Prof. Dr. Godofredo de Oliveira Neto pela confiança depositada em mim no momento em que eu só tinha uma história para contar. Agradeço também à Profa. Dra. Marta de Senna, minha primeira orientadora. Minha paixão por Machado veio antes de conhecê-la, mas o amor e a perseverança no estudo do Bruxo vieram nas tardes de quinta, às três da tarde, logo depois dos jardins da Casa Rui. Agradeço à professora Mariana Lima, que, num curso de extensão no primeiro período da faculdade reconheceu o brilho nos olhos de uma aspirante à machadiana e disse: “tenta”. Agradeço aos meus pais, pelos ensinamentos que foram tão necessários nesse tempo de graduação, além de todos os investimentos possíveis para que eu tivesse este tesouro que, hoje, não podem me tirar. E ao meu irmão, por não me perguntar muitas coisas e respeitar meu jeito estranho de estar em casa. Agradeço aos amigos e amores que encontrei entre 2010 e 2015. O piegas me encontra agora para lembrar que “se chorei ou se sorri...” Agradeço a todos aqueles que me emprestaram livros, me ajudaram com palavras de incentivo, sorrisos, abraços e todas aquelas coisas sem as quais a vida não seria digna de um conto sequer. Agradeço ao Amigo de sempre. Tantos anos tentando agradá-Lo e fazer Sua vontade para, no final, acabar me apaixonando por ateus, céticos e pessimistas. Só posso crer que, como Machado, trata-se de autor muito irônico.

“O resto é saber se a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. [...] Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.”.” (Dom Casmurro, CXLVIII)

“O que Você chama a minha segunda maneira, naturalmente me é mais aceita e cabal que a anterior, mas é doce achar quem se lembre desta, quem a penetre e desculpe, e até chegue a catar nela algumas raízes dos meus arbustos de hoje.”

(Machado de Assis em carta a José Veríssimo, Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 1898)

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. ................7 2. CRÍTICA MACHADIANA: A HISTÓRIA DE UM PARADIGMA.......................11 3. O CONTO: NO JORNAL E NO LIVRO...................................................................15 3.1 - MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS PARA O ROMANCE E PAPÉIS AVULSOS PARA O CONTO ..................................................................................................15 3.2 - AS RÉDEAS DA IMPRENSA ...............................................................................16 4. A QUEBRA DE EXPECTATIVA...............................................................................20 5. AMBIÇÃO E VOCAÇÃO............................................................................................24 6. O TEMPO COMO DISSOCIADOR DAS RELAÇÕES SOCIAIS.........................31 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................41 8. REFERÊNCIAS............................................................................................................43

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1. INTRODUÇÃO

Machado de Assis foi um grande colaborador de periódicos nas últimas quatro décadas do século XIX. Tal afirmação não é exagerada se levarmos em conta sua extensa produção de contos que não fora reunida em livro, mas que figuravam nas páginas da imprensa carioca e colaboraram para a consagração do autor na literatura. Segundo a pesquisadora Marta de Senna, diretora do projeto da Fundação Casa de Rui Barbosa “Edição de contos de Machado de Assis como hipertexto”,1 ao todo, são 114 peças, em sua maioria bastante extensas e assinadas sob os mais variados pseudônimos: Max, Victor de Paula, J.J, Job... Nesse projeto, ao organizar o corpus de contos não reunidos em livro, convencionou-se chamá-los de “contos avulsos” e agrupá-los de acordo com a data de publicação. Essa produção exclusiva à imprensa ainda é bastante desconhecida entre leitores e até críticos de Machado. O aumento da produção de contos de Machado de Assis é em julho de 1863, quando o escritor começa a colaborar para o Jornal das Famílias, periódico que vive de janeiro de 1863 a dezembro de 1868. É nesse momento que se firma o Machado contista. Sobre essa fase, escreve Raimundo Magalhães Júnior, em biografia do autor: “Já se ensaiara no gênero, com “Três tesouros perdidos”, em A Marmota, de 5 de janeiro de 1858, e depois em “O país das quimeras”, em O Futuro, de 1º de novembro de 1862, por exemplo. Mas nunca os escrevera de forma mais ou menos sistemática, com o intuito de atrair o público feminino regular e constante. “Frei Simão saiu em um só número naquela revista [Jornal das Famílias]. Mas, a seguir, certamente a pedido do editor, Machado alongaria as narrativas, para que saíssem em dois, três ou mais números. Várias chegariam a sair até em quatro. E acertou de tal forma com o que o Jornal das Famílias exigia de seu talento que, de 1864 a 1878, escreveu cerca de 70 narrativas e teve de se desdobrar em diversos pseudônimos. [...]” (MAGALHÃES JÚNIOR, 2008, p. 274)

A abundância de sua produção certamente não traria uma linearidade absoluta de estilo e qualidade. Depois de entrar em contato com o melhor do jogo narrativo machadiano em livros como Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Papéis Avulsos (1882) e Histórias sem data (1884), o leitor mais astuto poderá estranhar algumas dessas histórias, publicadas nos

O projeto “Edição de contos de Machado de Assis como hipertexto” é financiado pelo CNPQ e tem seus resultados disponíveis no link http://machadodeassis.net/hiperTx_romances/contos.asp. O presente trabalho é resultado de três anos como bolsista no projeto, editando toda a produção contística do autor com o objetivo de disponibilizar online uma edição fidedigna da sua obra com links que explicassem as diversas referências históricogeográficas e também literárias. 1

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periódicos em capítulos, ao estilo folhetim, algumas com mais de vinte páginas. Muitas vezes é o mesmo estranhamento que ocorre ao entrar em contato com os primeiros livros de Machado, como Helena (1876), Contos fluminenses (1869) e Histórias da meia-noite (1873). O próprio Machado parece ter-se encabulado de muitos de seus textos se considerarmos que, de sua produção de mais de duzentos contos, reuniu em livro menos de uma terça parte. Tal escolha não se deve a uma preferência estilística pelo romance ou mesmo a uma qualidade inferior das narrativas curtas. A crítica costuma afirmar que o talento do escritor nos romances pode ser igualmente reconhecido nos contos. Sobre esse gênero, Machado escreve no ensaio “Instinto de Nacionalidade”: “É gênero difícil a despeito de sua aparente facilidade e creio que essa mesma aparência lhe faz mal, afastando-se dele os escritores, e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção de que ele é muitas vezes credor.”.2 Nos preâmbulos de seus livros de contos, Machado caracteriza-os também como um excelente entretenimento. Assim, mesmo a coletâneas de textos densos, como Papéis avulsos, ele escreve: “quando se faz um conto, o espírito fica alegre, o tempo escoa-se, e o conto da vida acaba, sem a gente dar por isso.”, numa referência a Diderot. Quanto à explicação para a relativa negligência da crítica, e dos leitores em geral, com os contos avulsos, pode ser a mesma para o desinteresse aos textos situados cronologicamente naquela que se convencionou chamar “primeira fase” de Machado. A divisão, embora didática, nunca contemplou os aspectos notáveis presentes desde o início da carreira do escritor e, muitas vezes, afastou os leitores de uma visão orgânica do artista. Tal atitude não enriqueceu o estudo de literatura, ao contrário, gerou pessoas programadas para elogiar Dom Casmurro (1899) e ignorar Ressurreição, quando ler ambos e cotejá-los poderia contribuir para a formação de leitores mais críticos. Por causa da separação: “fase romântica versus fase realista” ou “primeira fase versus segunda fase”, Machado é, para o público leigo, um escritor desconhecido em sua trajetória, ignorado em suas primeiras obras. Já a crítica, que conhece a obra anterior ao clássico do autor, comete outro equívoco, certamente mais frequente: o pensamento simplista de que tudo que foi escrito pelo Bruxo antes de Memórias póstumas revela um Machado de Assis romântico e pouco atraente no estilo. São generalizações que surgem da tentativa de classificar os escritos de Machado, quando se sabe que, em literatura, este seja quase sempre um empreendimento fadado ao erro.

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ASSIS, Machado de. Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade. In:______. Obra completa. 3. ed. Rio de Janeiro: Aguilar, 1973. v. 3, p. 801-809.

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Decerto o que leva a crítica ao equívoco de desconsiderar toda a obra primitiva de Machado e, dentre elas, as que o escritor não reuniu em livro, são características que o autor abandonou em contos posteriores, como certa prolixidade e a abundância de diálogos ("Virginius", 1864; "Casada e viúva", 1864), ou mesmo o tom laudatório com que se descrevem as personagens femininas ("O anjo das donzelas", 1864; "A pianista", 1866). Algumas dessas leituras são de valor quase exclusivamente histórico, como registro da produção de Machado de Assis no início de sua carreira. No entanto, o que se pretende examinar neste trabalho não são as características que o escritor abandonara para aperfeiçoar sua obra, mas as que ficaram e foram aperfeiçoadas nela. Dado que algumas dessas peças tenham sido renegadas pelo próprio autor, tendo nunca sido reunidas em livro, elas dão a conhecer um Machado de Assis em ensaio para ser o clássico que se tornou. Algumas apresentam esboços dos traços fortes que o distinguiriam como grande escritor, como a autoconsciência narrativa e a interação com o leitor, –que se fazem presentes, salvo erro, em todos os contos machadianos, nuns, mais, noutros, menos –; os diálogos intertextuais e o humor machadiano, principalmente na sátira social e na arquicomentada ironia do escritor. Essa ironia magistralmente trabalhada que distingue Machado no cenário da literatura nacional aparece em botão nos escritos do autor de meados do século XIX, e é através dela que reconhecemos os pilares do pensamento crítico e filosófico machadiano, a saber alguns deles: a sociedade de aparências, a inexorabilidade do Destino, a eterna guerra de interesses entre os seres humanos. A atenção deste trabalho se voltará para o estudo de três grupos de contos de fases diferentes do autor, tendo em cada um deles, ao menos um desses contos publicados exclusivamente na imprensa. Depois de um longo período de estudo da parte “esquecida” da obra machadiana, encontrei mais pontos de encontro com a obra “conhecida” do que pontos de distinção. Portanto, escolhi três motivos recorrentes na ficção machadiana, considerados pela crítica como temáticas ou recursos bem explorados na obra de Machado, a saber: o recurso irônico da quebra de expectativa, a temática da distância entre o que se almeja e o que se pode ter e a temática do efeito do tempo nas relações pessoais. Para cada um desses tópicos escolhi peças de diferentes fases de Machado: um “conto avulso” publicado na primeiríssima fase do escritor (antes de 1881), um conto considerado antológico, e ainda um terceiro ou quarto texto de comparação, podendo este ter sido ou não selecionado pelo autor para figurar em livro. O primeiro grupo comparará o “conto avulso” “Três tesouros perdidos” (1858) ao antológico “A cartomante” (1884), ao surpreendente, e também avulso, “A carteira” (1884) e ainda a “Uma carta” (1884). Essa seleção de contos será analisada a partir de um expediente

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comum aos três: a quebra de expectativa como recurso irônico. O segundo grupo estudará a temática da distância entre ambição e talento em três contos de diferentes fases do autor: o divertido “Aurora sem dia”, (1870), o avulso “Um ambicioso” (1877) e o excelente “Um homem célebre” (1888). Já o terceiro e último grupo será examinado a partir de outro tema caro a Machado: o efeito do tempo nas relações sociais. “O passado, passado”, conto avulso de 1876 e dois contos pertencentes a coletâneas organizadas pelo autor, “Noite de almirante” (1884) e “Mariana” (1891), serão as histórias exploradas neste último tópico. Antes do exame da seleção de contos, há dois capítulos de contextualização: o primeiro deles fornece uma visão geral de como os primeiros e mais relevantes críticos de Machado de Assis classificaram a primeira obra do escritor, o segundo capítulo expõe dados importantes para avaliar a produção literária e a imprensa no século XIX, principalmente as exigências do público leitor e dos editores do Jornal das famílias, Gazeta de notícias e A estação, periódicos nos quais foi publicada a maior parte dos contos aqui estudados. Pretendemos demonstrar com o estudo comparativo desses textos, alguns deles separados por décadas, algo já advertido há quase quarenta anos, por Silviano Santiago, no aclamado ensaio “Retórica da verossimilhança”:

Já é tempo de se começar a compreender a obra de Machado de Assis como um todo coerentemente organizado, percebendo que certas estruturas primárias e primeiras se desarticulam e se rearticulam sob forma de estruturas diferentes, mais complexas e mais sofisticadas, à medida que seus textos se sucedem cronologicamente. (SANTIAGO, 1978, p.29 e 30)

O olhar sistêmico sobre texto machadiano é, certamente, a forma mais justa de ler o brilhante Machado de Assis, mesmo aqueles textos que nem o próprio escritor considerou organizar na tradicional forma livresca. Pois são estes que, em sua despretensão, deixam entrever o que há de mais profundo e latente na visão de mundo machadiana.

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2. CRÍTICA MACHADIANA: A HISTÓRIA DE UM PARADIGMA O desconcerto que Machado de Assis causou em seus contemporâneos foi generalizado. Ao lado do reconhecimento de um escritor com talento nato, os críticos fizeram um inventário de ausências em sua obra. Faltava a Machado intenção moralizadora, enredo dinâmico, personagens mais sensuais e carnais e a exploração sentimental comum do romantismo. O ficcionista destoava da literatura que se achava nos jornais, e isso era percebido de maneira negativa na época. Na Semana Ilustrada, seu primeiro romance, Ressurreição foi recebido com as seguintes palavras: “embaraça-lhe a pena na descrição das paixões violentas e deixa incompletos os quadros das grandes tempestades do coração.” Apesar de sua falta de romantismo ser pouco apreciada por seus contemporâneos, ela não deixou de ser observada como algo que o distinguia dos demais escritores. A maioria considerou tais ausências um sinal de inadequação do escritor, mas não faltou quem chamasse essa peculiaridade de falha. Sílvio Romero, em 1897, no livro Machado de Assis: estudo comparativo da literatura brasileira reúne todas as opiniões acumuladas sobre o Bruxo em anos de crítica literária. Partindo de critérios como a “sub-raça brasileira cruzada” a que pertencia Machado, sua personalidade mediana e seu problema de gagueira, o livro tem declarações um tanto quanto preconceituosas ao autor de Quincas Borba, além de uma declarada antipatia à crítica de louvor à sua obra. Não deixa de comentar a “apregoada antinomia entre a primeira e a segunda fase da carreira do ilustre escritor, entre a sua antiga maneira e a nova.” Isso denota a importância atribuída, já àquela época, à divisão da obra machadiana em antes e depois de Memórias póstumas de Brás Cubas. Sílvio Romero não perde a oportunidade de discordar do que era ponto pacífico para depreciar o escritor: “[...] a nova maneira de Machado não está em completa antinomia com seu passado, sendo apenas o desenvolvimento normal de bons germens que ele nativamente possuía, naquilo que a nova tendência tem de bom, e o desdobramento, também normal, de certos defeitos inatos, naquilo que ela tem de mau.”

Para Romero, o que a literatura machadiana tinha de mau é o que hoje a crítica costuma enaltecer como o que tem de bom: o viés psicológico de observação da realidade, que não se adequava ao romantismo turbulento vigente por ser “pacato e ponderado”, mas também não se encaixava no naturalismo recente, por ter “meias tintas”, “ladeado de ironias veladas e de

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pessimismo sossegado”. O equilíbrio de Machado foi interpretado pelo crítico como um ecletismo de pouca originalidade, fruto de sua personalidade fraca. O que o escritor tinha de bom era uma linguagem castiça, influência dos grandes mestres que copiava, e um talento que ainda estava “em linha ascensional”. Guardadas as devidas diferenças, a teoria de um escritor em ascensão também foi adotada por José Veríssimo em sua História da literatura brasileira (1915), em capítulo especialmente dedicado ao Bruxo: “Ao contrário de alguns notáveis escritores nossos que começaram pelas suas melhores obras e como que nelas se esgotaram, tem Machado de Assis uma marcha ascendente. Cada obra sua é um progresso sobre a anterior.” (VERÍSSIMO, 1969) Essa ascendência, no entanto, não exclui o reconhecimento de que a primeira ficção de Machado já apresentava grandes diferenças em relação ao que produziam seus contemporâneos. Para o crítico, em Ressurreição (1872), “eximira-se Machado de Assis quase completamente do Romantismo, sem cair, porém, no que ao seu claro engenho lhe parecia o engano do naturalismo.”, além de ser “um livro a todos os respeitos novo aqui”. Tal constatação não o impede, no entanto de assinalar, tanto em Ressurreição quanto nos livros que lhe seguiram, A mão e a luva (1874) e Helena (1876), “visíveis ressaibos de romantismo” e não deixa de assinalar Memórias Póstumas (1881) como “o rompimento tácito, mais completo e definitivo de Machado de Assis, com o Romantismo sob o qual nascera, crescera e se fizera escritor.” José Veríssimo atribui a originalidade das primeiras obras e o brilhantismo das últimas à “singular personalidade literária” de Machado, que nunca se curvou a escola alguma, ficando isento de todas as tentativas de classificação. Lúcia Miguel Pereira em seu Machado de Assis: estudo crítico e biográfico (1936) é categórica em afirmar a nulidade das primeiras obras do escritor. A análise de Lúcia era fundada completamente estudo biográfico do autor. De acordo com a crítica, a vida difícil de Machado refletia-se na sua obra, por isso, em seus primeiros livros, eram abundantes as figuras de jovens pobres buscando ascensão social. A partir dos 40 anos, o escritor, já tendo conquistado seu lugar de prestígio na burguesia carioca, mediante emprego público e casamento, poderia ficar à vontade para criticar a política e a sociedade da qual fazia parte. Para Lucia Miguel Pereira, as primeiras histórias machadianas eram “muita fantasia, e nenhuma imaginação”, “tudo jogo de palavras” sem nenhum “contato quente da realidade” (PEREIRA, 1936). Sobre as personagens, chegou a escrever: “Dispunha apenas de três ou quatro tipos femininos todos copiados da galeria dos manequins românticos: a mundana faceira, a virgem sentimental, a beleza tentadora e fria, que desperta paixões sem as compartilhar, todas caprichosas, orgulhosas, misteriosas.” (PEREIRA, 1936, p. 150)

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Ninguém ignora a recorrência de certos tipos e situações no conjunto da obra machadiana. Tais personagens femininas, por exemplo, não são repetidas apenas nos primeiros contos e romances; são personagens que o autor vai repetir ao longo de sua vida literária. Mesmo essas primeiras personagens, dificilmente serão manequins tão estereotipados. Hoje uma leitura atenciosa e comparativa com os outros autores da época (e não com Memórias póstumas) ressaltaria a peculiaridade das mulheres de Machado. E se nelas não brotava tanta ousadia quanto em Capitu, certamente isso se deve ao fato admitido pela própria Miguel Pereira: o escritor ainda não gozava de plena autonomia nos folhetins literários, portanto não podia desprezar completamente a expectativa de suas leitoras e editores: uma literatura que girasse em torno de um “mundo convencional onde os desgostos amorosos são os únicos sofrimentos, onde tudo gira em torno de olhos bonitos, de suspiros, de confidências trocadas entre damas elegantes.” (PEREIRA, 1936, p. 149) Em 1939, no centenário de nascimento de Machado de Assis, a obra do autor é republicada e ele passa a ter uma imagem oficial e fazer parte do patrimônio cultural brasileiro. A cristalização da imagem machadiana não impediu, no entanto, que sua obra fosse revisitada por inúmeros estudiosos a partir dos anos 60. A norte-americana Helen Caldwell publica O Otelo brasileiro de Machado de Assis (1960), livro que abre caminho para uma série de estudos importantes sobre o narrador machadiano e a possível inocência de Capitu. É necessário notar que, a partir desse momento, os livros iniciais de Machado receberão alentada reflexão. A ideia de que a ficção anterior a Memórias póstumas de Brás cubas é cheia de “ressaibos românticos”, e incomparável ao que se escreve a partir de 1881, ainda resiste como uma nuvem pairando sobre cada releitura do Machadinho. No entanto, muitos desses primeiros livros começarão a ser usados como chave de leitura para os últimos. É assim, portanto, que Silviano Santiago, ainda na década de 1960, em seu “Retórica da verossimilhança”, relembra Ressurreição (1872) como ensaio para Dom casmurro (1899). John Gledson em Machado de Assis: ficção e história (1986) examina Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), comparando-os a Casa velha (1885). Mais tarde, o crítico aproximará este último à história de Bentinho e Capitu, afirmando que um é o embrião do outro. Roberto Schwarz, no livro Ao vencedor as batatas (1977) diz que os romances A mão e a luva (1874), Helena e Iaiá Garcia são unidos pelo tema central em torno da desigualdade social, em que as heroínas são moças cuja dignidade não se encaixa na situação social em que nasceram, logo a ascensão social merecida deve ocorrer através da ligação com famílias abastadas. Houve ainda outros estudos sobre a produção inicial de Machado de Assis, principalmente no que diz respeito aos seus romances. Reunimos aqui em linhas gerais, primeiramente, os críticos

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que mais se destacaram num primeiro momento e, logo depois, os que, além do grande destaque, lançaram um olhar mais demorado sobre a primeira obra do escritor. Percebe-se que, em todos esses, houve um esforço de revisitar a produção da juventude de Machado principalmente para entender a produção da maturidade e da velhice.

A crítica dos contos produzidos antes de 1881 ainda se restringe a comentários mais superficiais que deixam claro o caráter quase exclusivamente documental dessa produção, quando muito, eles apresentam valor de entretenimento vazio. Como nesse comentário de Antônio Cândido: “um Machado de Assis bastante anedótico e mesmo trivial, autor de numerosos contos circunstanciais que não ultrapassam o nível da crônica nem o caráter de passatempo. É ele que às vezes chega bem perto de um certo ar pelintra e uma certa afetação constrangedora. Mas este, graças a Deus, é menos frequente do que um outro aparentado com ele, engraçado e engenhoso, movido por uma espécie de prazer narrativo que o leva a engendrar ocorrências e tecer complicações facilmente solúveis.” (CANDIDO, 1995)

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3. O CONTO: NO JORNAL E NO LIVRO

Hélio de Seixas Guimarães, estudioso da estética da recepção na obra de Machado de Assis realizou trabalho muito esclarecedor sobre o papel do leitor na construção do romance machadiano. A primeira parte de seu trabalho, em que disserta em torno de alguns conceitos de leitor, é introduzida por uma citação que resume o motivo pelo qual a identificação do público de um autor é fundamental para entender também seu processo criativo: “‘Todas as obras do espírito contêm em si a imagem do leitor a que se destinam.’ A frase de Sartre constitui o postulado fundamental deste trabalho, que supõe que as marcas do público empírico respondem tanto a expectativas, mais ou menos infundadas, que o escritor tenha desse público quanto a eventuais constrangimentos que esse público coloque a sua obra. Isso significa entender a recepção do texto literário não como fim de um processo, nem como algo externo ao texto e independente de sua produção, mas como algo do mundo objetivo que participa do processo de realização da obra.” (GUIMARÃES, 2001, p. 15)

Esta seção, portanto, destina-se a entender minimamente a imprensa carioca e seu público para então compreender as exigências a que era sujeito um escritor que quisesse figurar nessas páginas. Machado de Assis foi incansável colaborador de jornais no século XIX e maior parte de sua obra foi publicada primeiramente nesses periódicos e depois reeditada em livro. Assim, não há como estudar a literatura produzida por Machado sem conhecer também o público a que ela se destinava. Tal exame é importante principalmente para os primeiros textos do Machado, foco deste trabalho, pois, esses eram textos de um aspirante a literato e não de um escritor consagrado, como o conhecemos hoje. A produção contística na imprensa do século XIX foi amplamente estudada por Jaison Luís Crestani. Sua tese de mestrado sobre as narrativas publicadas no Jornal das Famílias (2007) e de doutorado sobre as publicadas n’ A Estação e na Gazeta de Notícias (2011) foram, juntamente com a tese de Hélio de Seixas Guimarães serviram de base para este capítulo.

3.1 MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS PARA O ROMANCE E PAPÉIS AVULSOS PARA O CONTO

Assim como Memórias póstumas de Brás Cubas (1881) representou um divisor de águas para os romances de Machado de Assis, Papéis Avulsos (1882) representou, para a crítica,

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um grande salto qualitativo nos contos machadianos. O escritor já havia escrito cinco romances: Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876), Iaiá Garcia (1878) e Memórias póstumas de Brás Cubas (1880, na Revista Brasileira e em livro, em 1881); e dois livros de contos: Contos fluminenses (1869) e Histórias da meia-noite (1873). Marta de Senna, em introdução para a edição eletrônica do livro, enumera algumas características que fizeram da coletânea uma publicação realmente especial. A primeira delas é o tom irônico que Machado passa a assumir sem reservas a partir deste livro. John Gledson em introdução para a edição impressa de Papéis avulsos pela Penguin-Companhia das Letras (2011) ressalta esta novidade: “o autor finalmente solta as rédeas à ironia, [...] proporcionando boa parte do prazer da leitura, mas que também pode desnortear. [...] achou sua voz, ‘astuta e cáustica’” (GLEDSON, 2011, p. 7). A segunda característica diz respeito à rapidez da criação e organização do livro, que saiu em novembro de 1882, mesmo uma das histórias do livro, “Verba testamentária”, tendo sido publicada apenas um mês antes. Outras três características, também lembradas por Gledson (2011), são “a consciência de que podia ser um escritor brasileiro ao tratar de ‘assuntos remotos no tempo e no espaço’, sua rejeição do realismo doutrinário e a experimentação ficcional [...]”. O repúdio à brasilidade que só poderia ser vista ao estampar as paisagens brasileiras nas páginas dos livros já havia sido exposto no famoso “Notícia da atual literatura brasileira – Instinto de nacionalidade” (1873) e agora exemplificava como ficcionista “ao criar personagens como o pai de Janjão (de "Teoria do medalhão"), Machado de Assis ironiza toda uma elite endinheirada e supostamente pensante, que vive somente da e na aparência” (SENNA e SOUZA, 2012). Já a aversão ao realismo doutrinário igualmente havia sido praticada como crítico no polêmico ensaio “O primo Basílio” (1878). Por último, a experimentação literária de Machado chega ao auge com histórias alegóricas e fantasiosas, como expõe o excelente texto de Marcelo Diego: “solidificando os pactos de veracidade, penetra em inextricáveis matizes do fantástico; pastichando narrativas inaugurais, instaura uma temporalidade que se sobrepõe ao tempo; relendo o cânone” (DIEGO, 2008).

3.2 AS RÉDEAS DA IMPRENSA

O Jornal das famílias foi um periódico mensal lançado em 1864 pelo editor estabelecido no Brasil Jean Baptiste Louis Garnier para atender ao público feminino. Numa sociedade patriarcal, a assinatura de um periódico era feita pelo pai ou marido, logo, o que essas mulheres

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deveriam ler era escolha desses patriarcas e deveria acompanhar a moral e os bons costumes. O conteúdo do jornal era basicamente seções de moda com influência francesa. No editorial constava uma severa preocupação com a “instrução moral e recreativa, [...] e utilidade das famílias.” Quanto às sessões de literatura, na carta que a Redação dirige aos leitores, fica claro o projeto romântico-idealista dos editores, que se referem aos escritores como “hábeis e amenos literatos que não se esqueceram de enfeitar as nossas páginas com aquelas lindas produções caídas de suas penas em horas de mágica inspiração”. (JF, jan. 1864, p. 1-2) Em fevereiro de 1869, o propósito de entretenimento suave para as leitoras vai ser reforçado pela Redação do Jornal: “Anedotas espirituosas e morais [...] mais de uma vez conseguiram dissipar as névoas de melancolia que se haviam acumulado nas belas frontes de nossas leitoras.” (JF, fev. 1869, p. 2-3) Tal rigidez ideológica precisou ser administrada pelo jovem Machado, que começa a trabalhar para o periódico em 1864. Além disso, havia também uma série de exigências técnicas, como a extensão das narrativas. A publicação tinha rigorosamente 32 páginas mensais e, se por um lado, a seção “Romances e Novelas” precisava ser cortada no meio de uma história por puro ajuste tipográfico, por outro lado, seus colaboradores precisavam produzir intensamente para que a seção ficasse sempre preenchida. Em algumas ocasiões, Machado era o único colaborador e era obrigado a adotar uma série de pseudônimos, além de alongar propositalmente algumas histórias para preencher as lacunas deixadas por outros colaboradores. As narrativas seriadas não eram só uma exigência técnica. Também se tratava de preferência de muitos leitores e leitoras, que à época não estavam familiarizados ao gênero conto, mas estavam bastante afeitos ao romance, narrativa mais longa que permitia amplas descrições de quadros, paisagens, vestuário, sentimentos e outros excessos. Mesmo em seus primeiros contos para esses amenos jornais, Machado já frustrava algumas expectativas das leitoras quando deixava de descrever a toillete e o design das casas e roupas de suas personagens, por exemplo. A Estação: Jornal ilustrado para a família era uma publicação quinzenal da tipografia Lombaerts, no Rio de Janeiro. Circulou de 15 de janeiro de 1879 a 15 de fevereiro de 1904. “Conforme as indicações de Marlyse Meyer, a revista era “uma continuação brasileira da publicação francesa La Saison (da qual conservou igual a diagramação do cabeçalho) que circulou no Brasil entre 1872 e 1878.” (CRESTANI, 2011, p. 30). A revista dividia-se em duas partes: uma sobre a moda em Paris (fielmente traduzida de outra revista alemã) e a outra literária, composta por escritores brasileiros, dentre eles, Machado

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de Assis. O propósito principal da revista era ser um jornal brasileiro com as mesmas disposições da francesa La Saison. Às nossas amáveis leitoras e principalmente àquelas que nos acompanham desde 1872 perguntaremos: cumprimos nós fielmente o nosso programa, auxiliando e aconselhando as senhoras mais econômicas, fornecendo-lhes os meios de reduzirem a sua despesa, sem diminuição alguma do grau de elegância a que as obrigava a respectiva posição na boa sociedade, incutindo ou fortificando-lhes o gosto para o trabalho e moralizando a família a que, por seu turno, saberão incutir sentimentos iguais? O exame imparcial, que poderão fazer as nossas leitoras, dar-lhes-á a prova dos esforços que fizemos para agradar-lhes (A Estação, 15 jan. 1879, p. 1).

Crestani assinala o perfil feminino da revista, dirigido a senhoras de uma certa “posição” e “grau de elegância”. Apesar de a moda ser o principal assunto, percebe-se na edição brasileira uma preocupação em oferecer uma parte literária. Tal seção aumenta de espaço na revista, de quatro vai para seis páginas em 1890, no entanto, não podia ir muito longe em seu conteúdo, como fica bem claro neste outro editorial de 1897: “Às leitoras” Aos homens, a política, a administração, o comércio, as lutas exteriores de todos os dias. Não trabalhamos para eles, particularmente, embora saibamos que mais de um nos lê, nos acompanha e nos anima. A Estação foi estabelecida como um veículo das alterações elegantes e feminis que se dão no centro da vida europeia. […] todas acham aqui o que Paris inventou e o que lhes fica melhor (A Estação, 31 dez. 1887, p. 110).

Para a revista A Estação, a literatura não era mais que um passatempo. Isso se demonstra, por exemplo, na irregularidade da publicação do romance Quincas Borba de Machado de Assis, como num atestado de pouca importância da seção literária e mostrando que o autor só era mantido na revista por uma questão de status, por ser naquele momento um escritor de prestígio nacional e conhecido por seu bom gosto e linguagem castiça. A Gazeta de Notícias, diferentemente de A estação, tem um lugar de importância na história da imprensa nacional que excede a publicação de modas de Paris. Foi fundada em 2 de agosto de 1875 por Ferreira Araújo e circulou até o ano de 1942. O periódico era reconhecido entre escritores e intelectuais da época brasileiros e internacionais, como Olavo Bilac, Arthur Azevedo, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão entre outros. Seu editorial apresentava um projeto jovial, moderno e descontraído: “De onde viemos? Da mocidade! Quem somos? A mocidade! O que queremos? Viver, mas viver moços, rindo, amando, crendo no que é bom e justo, respeitando o que merece respeito, [...]” (Gazeta de

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Notícias, 2 ago. 1875, p.1). Nota-se que o bom humor era um elemento que o diferenciava do Jornal das Famílias, por exemplo, e a preocupação com a cultura e seu prestígio entre os intelectuais diferenciava-o d’ A Estação. O jornal apresentava ideologia liberal e um preço sensivelmente mais barato que os outros dois. Machado de Assis colaborou na Gazeta de 1881 a 1897, contudo o autor já havia publicado uma poesia para o jornal em 1877. Percebe-se a valorização do jornal ao nome de Machado pelo dia reservado para saírem suas publicações: domingo, o dia de maior tiragem. Além dos contos, o escritor vai colaborar também com séries de crônicas com crítica corrosiva e bastante humor e erudição. Embora o posicionamento político de Machado seja cético em relação ao liberalismo da Gazeta de notícias, o escritor se aproveitará bem do espaço literário para fazer suas experimentações. A maior parte dos contos de Papéis avulsos saíram primeiramente nesse jornal. Em seção intitulada “A seleção dos textos e o ponto de vista do autor sobre sua obra”, Jaison Crestani faz um estudo comparativo sobre a origem dos contos que foram republicados em livros e constata que a Machado dava preferência a republicar contos escritos para a Gazeta de notícias e, quando escolhia conto proveniente d’ A Estação ou do Jornal das famílias, cuidava minuciosamente da revisão e buscava ao máximo alterar aquilo que era específico à produção jornalística, mas que não colaborava para a construção do texto literário. Tal conclusão mostra que, em condições favoráveis, Machado produziu o que hoje chamamos de produção da maturidade, fase realista ou mesmo “o melhor de Machado de Assis”.

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4. A QUEBRA DE EXPECTATIVA

É lugar-comum na crítica machadiana a teoria de que Machado de Assis tem uma obra evolutiva, ou seja, a produção do escritor vai ficando cada vez melhor com o tempo. Essa premissa leva à conclusão de que as últimas peças têm a obrigação de ser melhores do que as primeiras. Foi José Veríssimo o crítico a consolidar a teoria da separação da obra de Machado de Assis em duas fases: a primeira, romântica; a segunda, realista. Tal teoria não é desprezível, mas a análise sequencial dos contos de Machado publicados somente na imprensa nos traz alguns exemplos que de certo modo a desmentem. Entre os primeiros contos publicados de Machado, há um exemplo que não se encaixa na análise evolutiva de sua obra. “Três tesouros perdidos” saíra em 1858 no periódico A Marmota. Trata-se de uma peça curta, cuja ironia já se manifesta no título, que trata com isonomia três itens de valores incongruentes (a mulher, o amigo com quem ela foge e o dinheiro que os dois levam consigo). A anedota consiste num engano que o sr. F comete, dando uma carteira com dinheiro a um sr. X pois supõe que sua mulher o está traindo com este. A narração começa in media res, técnica que será adotada ainda muitas vezes por Machado e que o escritor parece apreciar desde o início da carreira. Sem apresentação de personagens, somos postos em cena juntamente com as personagens, em narração essencialmente dramática, forma à qual o escritor estava se acostumando. Antes de ficcionista, Machado se aventurou no teatro, tanto como autor quanto como crítico. Depois de um diálogo afoito e objetivo, o narrador (e nós, narratários) lemos o bilhete da mulher do sr. F, confessando sua fuga com o amigo P. A razão do conto é apresentada, então, quando percebemos o engano do sr. F e suas três perdas, motivo de total desconsolo. Em 1858, temos o primeiro personagem azarado da ficção de Machado de Assis; além de ser também a primeira vez em que o escritor, através de seu narrador, constatará a embaçada oposição de razão e loucura, quando sr. F percebe que perdeu três tesouros e os lista igualmente e o narrador comenta: “Neste último ponto, o doudo tem razão, e parece ser um doudo com juízo.” A qualidade da peça talvez não seja comparável à de "A Cartomante" (a que voltaremos daqui a pouco), mas certamente este primeiro conto do jovem Machado tem mais sabor e estilo que outro da mesma "fase", publicado oito anos depois, em 1866, de nome “A pianista”. Além de ser um conto longo, nove vezes maior que o primeiro, é também um exemplo de romantismo de mau gosto, com tom edificante e final explicitamente moralizante. Uma das frases finais do conto é: “Isto prova que a natureza pode comover a natureza, e que uma boa ação tem a

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faculdade muitas vezes de destruir o preconceito e restabelecer a verdade do dever.” A própria crença de que uma boa ação é responsável pela modificação do caráter de alguém prova o quanto este conto não apresenta nenhum tipo de amadurecimento em relação ao primeiro. Consideremos a finalização das histórias do Bruxo. Pode-se dizer que alguns dos melhores contos de Machado apresentam um final imprevisível, que quebra as expectativas que o autor-narrador leva o leitor a ter – o que provoca um efeito cômico. Esse efeito cômico pode ser explicado por uma das teorias do riso, proposta por Kant e Schopenhauer: a teoria da incongruência. Kant, na obra Crítica do juízo, afirma: “o riso é um afeto resultante da transformação repentina de uma tensa expectativa em nada”.3 Schopenhauer, por sua vez, em O mundo como vontade e representação, define o riso da seguinte forma: “A razão do riso [...] é simplesmente a repentina percepção da incongruência entre um conceito e os objetos reais que foram pensados através dele em alguma relação, e o riso por si só é apenas a expressão dessa incongruência.”4 O artifício da incongruência é uma das especialidades de Machado e revela com total domínio das técnicas da ironia e da recepção do leitor. Entretanto, o escritor maduro aparece contemporâneo ao escritor em processo de amadurecimento. Para comprovar tal constatação, dispomos aqui de três contos contemporâneos entre si, dois deles publicados somente no periódico A Estação, no ano de 1884, e um integrante do livro Várias histórias (1896). O primeiro deles chama-se “A carteira”, conto curto que narra um episódio na vida de Honório, advogado cheio de dívidas que, ao passar pela rua, encontra uma carteira recheada de notas. Depois de muito consultar a consciência, resolve abri-la e descobre que ela pertence a um amigo íntimo. O desfecho do conto caminha para duas possibilidades: ou a vitória da honestidade de Honório e a satisfação de seu amigo ao receber a carteira perdida; ou a prevalência das necessidades, já que o dinheiro era exatamente o valor necessário para cobrir as dívidas. Machado finaliza o conto com o desfecho aparentemente mais moral: a devolução da carteira. O que surpreende, porém, é que a escolha moral de Honório não é recompensada. O final do conto é:

Honório deu duas voltas, e foi mudar de toilette para o jantar. Então Gustavo sacou novamente a carteira, abriu-a, foi a um dos bolsos, tirou um dos bilhetinhos,

3 KANT, Immanuel. Crítica do juízo. (Trad. Valério Rohden e Antônio Marques). Rio de Janeiro: Forense Universitária [19??] 4 SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. (Trad. Jair Barboza) São Paulo: Ed. Unesp, 2005

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que o outro não quis abrir nem ler, e estendeu-o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula, rasgou-o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor. 5

O leitor, que pode ter ficado aliviado com a atitude correta de Honório (cujo nome não é decerto gratuito), provavelmente surpreender-se-á com a ironia decorrente de o advogado devolver a carteira em lealdade a um amigo que não era leal com ele. Demonstra-se assim que os conceitos de ética e moral, que orientariam as escolhas e condutas do homem, determinando a melhor forma de agir, não são necessariamente recompensadas por atitudes análogas por parte dos outros. A questão é: se a carteira pertencesse a um estranho, Honório teria culpa em ficar com ela? Se ele soubesse do caso do amigo com a mulher, devolveria? A quebra de expectativa inicialmente é um efeito cômico, causado pela lástima pelo “azar” de Honório. Mas trata-se de Machado, e a questão se adensa: o leitor atilado passará pelo riso e imediatamente fará alguma reflexão moral. Tão surpreendente quanto o final ambivalente de “A carteira” é o fato de este conto, cheio de entradas éticas, psicológicas e irônicas, ser contemporâneo a outro chamado “Uma carta”. Trata-se de uma peça em que a protagonista, uma solteirona de quarenta anos, encontra uma carta de um admirador secreto e, a partir desse instante, começa a devanear sobre o casamento dos sonhos com o admirador, romântico e apaixonado. O conto explora o filão desgastado e machista da solteirona desiludida, que, no entanto, o escritor reinventaria magistralmente, dois anos mais tarde, com a Dona Tonica de Quincas Borba, (folhetim em 1886 n’ A Estação) em que a personagem vai servir a um propósito muito mais abrangente e universal, a saber: é ela mesma, a personagem, que servirá para demonstrar a "incongruência" de que fala Schopenhauer, a distância intransponível entre os desejos humanos e sua realização. Antes de chegar ao acabamento de Dona Tonica, Machado traz, em “Uma carta”, Celestina, cuja maior complexidade é sonhar e conjecturar sobre o casamento com o remetente da carta amorosa que encontrara na cestinha de costura. A surpresa final é quase previsível: a carta não era para ela. O mal entendido fora resultado da distração de uma escrava, e o final de resignação termina com uma frase piegas, digna de tragédia romântica: “Celestina empalideceu. Quando a preta a deixou só, Celestina deixou cair uma lágrima – e foi a última que o amor lhe arrancou.” No mesmo ano, 1884, temos “A cartomante”, publicado originalmente no periódico Gazeta de Notícias, e incluído por Machado no livro Várias histórias (1896), o que demonstra a qualidade do conto aos olhos do próprio escritor. Eis o enredo: Rita, esposa de Vilela e amante

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Todas as citações dos contos de Machado de Assis serão retiradas da edição online de Contos em hipertexto, acessíveis em www.machadodeassis.net

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de Camilo, visita uma cartomante para saber se é correspondida pelo amante que, por sua vez, considera uma tolice da amada o apelo para o esoterismo. Porém, tudo muda quando Vilela, o marido, começa a agir de modo estranho, como se desconfiasse do caso da mulher com o amigo. Camilo acaba por também ir à cartomante, que o tranquiliza, prevendo felicidade para o casal de amantes. Apaziguado, Camilo vai à casa de Vilela e Rita encontrar o amigo que o chamara incisivamente. O conto, no entanto, termina da seguinte forma: “Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: – ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensanguentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão.” A leveza e a paz de Camilo a caminho da casa de Vilela contrastam com o susto do assassinato de Rita e com a falta de tempo para também se assustar com o revólver do marido traído a apontar para si. Não é fortuita a escolha desta peça para integrar a coletânea Várias histórias. São admiráveis a economia e a habilidade na preparação emocional do leitor, a maneira como Machado guia a narrativa de modo a nos fazer acreditar, tanto quanto Camilo, na paz da situação. E, de repente, quebra-nos toda a expectativa. Ao lado de “A cartomante” e “Uma carteira”, o conto “Uma carta” parece ficar deslocado. Como dois contos econômicos, inteligentes e de final surpreendente podem conviver com um conto piegas, com uma personagem estereotipada e um enredo fraco? Como isso se explica na lógica de evolução da crítica machadiana? Além disso, e mais importante, outro questionamento que surge ao final das leituras comparativas é: os finais surpreendentes de “A cartomante” e “A carteira” são bons pelo efeito do riso, do susto ou da perplexidade dele decorrente? Tais questões talvez não possam ser respondidas, afinal o grande prazer do leitor de Machado é se deparar com os sentidos renováveis de seus escritos. Mas isso não é tão original quando se trata de Machado de Assis. Os que se dispõem a estudá-lo devem estar preparados para ter as expectativas quebradas, e, quase sempre, são recompensados pelo ensejo que lhes é dado de refletir, refletir, refletir...

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5. AMBIÇÃO E VOCAÇÃO

- Para que lutar? - dizia ele -. Vou com as polcas... Viva a polca! Homens que passavam por ele, e ouviam isto, ficavam olhando, como para um doudo. E ele ia andando, alucinado, mortificado, eterna peteca entre a ambição e a vocação... (“Um homem célebre”. ASSIS, 1888)

Uma das mais louváveis qualidades de Machado de Assis é a aparente neutralidade com que descreve situações angustiantes que perpassam a existência humana. A simplicidade usada pelo autor não beira o vulgar, mas também não dá aos dramas da vida o peso que ele tanto rejeitara como crítico em outras literaturas. O autor, portanto, trata de temas fortes com certa economia sentimental. Percebemos, contudo, que alguns desses temas tocam o escritor de maneira mais profunda ao vê-los “repetidos” em contos e romances. Escrevo aqui “repetidos” entre aspas porque o retorno a esses motivos nunca é mera repetição. Sobre isso, disserta Alcides Villaça: “Nos contos, há alguns que traduzem outros (caso de "Um homem célebre" e "Cantiga de esponsais", por exemplo), variando detalhes, ênfases e tonalidades, que reparticularizam tudo. O efeito inicial pode ser a sensação do mesmo nas diferenças (quando se busca reconhecer o modo de narrar ou alguma "ideologia" sistemática), mas modula-se no efeito da percepção de diferenças que alcançam alguma emancipação do mesmo (quando se privilegia na análise o particularismo da expressão artística).” (VILLAÇA, 1998, p. 11)

Um dos temas recorrentes na ficção machadiana é a distância entre o desejo e a realidade, o interior e o exterior. Afunilando a questão: “a eterna peteca entre a ambição e a vocação” (ASSIS, 1888). Esse motivo aparece em contos e romances desde o início da carreira do escritor. O desejo e a sua força motora nos indivíduos (para o mal e para o bem) poderia ser considerado uma obsessão machadiana, já que uma boa parte do que a crítica julga pessimismo e ceticismo em Machado seria justamente o tratamento cético que ele dá ao desejo. Proponho aqui uma divisão das personagens de Machado quanto ao tratamento de seus desejos. Encontro três categorias: as de desejos pusilânimes (Bentinho, Dom Casmurro; Félix, Ressurreição; Elisiário, “Um erradio”), as de desejos egoístas, interesseiras (Palha, Quincas Borba; Brás Cubas, Memórias Póstumas de Brás Cubas; Conceição, “Missa do galo”) e as de desejos frustrados, malogrados (Rubião, Quincas Borba; Dona Tonica, Quincas Borba; Matias, de “Último capítulo”). Há também as personagens que encerram em si interesses igualmente pusilânimes, egoístas e malogrados, mas nesta seção do trabalho terão atenção particular as personagens do último grupo.

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São muitas as personagens que se encaixam na classe dos frustrados. Essa frustração pode se dar por inúmeros motivos, mas, novamente restringindo o objeto de estudo, os contos aqui examinados têm em comum a desigualdade na medida da ambição e do talento, ou vocação, como melhor sugeriu Machado na citação do excelente “Um homem célebre”, que abre este capítulo. “Um homem célebre” foi publicado originalmente na Gazeta de Notícias em 1888, assinado por Machado de Assis e, mais tarde, integrou o conjunto escolhido por ele para Várias Histórias, seu quinto livro de contos, lançado em1896. A peça foi exaustivamente estudada pelos mais renomados críticos literários: Alfredo Bosi, John Gledson, José Miguel Wisnik e Antônio Carlos Secchin são apenas alguns dos nomes que se debruçaram sobre a narrativa. Certamente a história de Pestana dá “panos para a manga” e toca em vários pontos merecedores de atenção, tais como: música e/em literatura (já que essa também é uma temática recorrente), a cultura brasileira no século XIX, o pano de fundo histórico e a angústia do processo criativo dos artistas. Talvez seja esse um dos motivos para a história ser incorporada, salvo erro, em todas antologias que se propõem a reunir os melhores contos de Machado. Sobre o conto, atentemos para o que está no claro “Esquema de Machado de Assis”, de Antônio Candido: “Parece evidente que o tema da opção se completa por uma das obsessões fundamentais de Machado de Assis, muito bem analisada por Lúcia Miguel Pereira – o tema da perfeição, a aspiração ao ato completo, à obra total, que encontramos em diversos contos e sobretudo num dos mais belos e pungentes que escreveu: ‘Um homem célebre’. [...] A alternativa é negada também a ele; só lhe resta fazer como é possível, não como lhe agradaria. Neste conto terrível sob a leveza aparente do humor, a impotência espiritual do homem clama como do fundo de um ergástulo.” (CANDIDO, 1995)

Pestana é um famoso – e hábil – compositor de polcas no Rio de Janeiro de 1875, que tem na música clássica seu verdadeiro deleite, e na falta de inspiração para o gênero erudito sua verdadeira frustração. Após inúmeras tentativas de compor algo original no estilo clássico, tudo que o músico conseguia era cansaço: “deixava os dedos correrem, à ventura, a ver se as fantasias brotavam deles, como dos de Mozart; mas nada, nada, a inspiração não vinha, a imaginação deixavase estar dormindo. Se acaso uma ideia aparecia, definida e bela, era eco apenas de alguma peça alheia, que a memória repetia,”

O contrário, porém, acontecia na criação das polcas, que lhe saíam dignas e criativas, sem qualquer esforço a não ser o de sentar-se ao piano:

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“Compunha só, teclando ou escrevendo, sem os vãos esforços da véspera, sem exasperação, sem nada pedir ao céu, sem interrogar os olhos de Mozart. Nenhum tédio. Vida, graça, novidade escorriam-lhe da alma como de uma fonte perene.”

Para Antônio Candido, trata-se de um “conto terrível”, porém dos “mais belos e pungentes”, “sob a aparente leveza do humor”. A beleza e a leveza são devidas, em grande parte, ao narrador. Aqui ele destoa do narrador sarcástico a que estamos acostumados. O narrador de “Um homem célebre” não mofa das tentativas de Pestana, não ironiza sua originalidade na música popular e faz questão de associar o sucesso do compositor ao seu real talento. O humor que surge no conto é realmente leve, como nessa tirada do narrador: “As polcas que vão para o inferno fazer dançar o diabo - disse ele um dia, de madrugada, ao deitar-se. Mas as polcas não quiseram ir tão fundo. Vinham à casa de Pestana, à própria sala dos retratos, [...]”

O humor está também nos nomes escolhidos pelo editor para as polcas de Pestana, nada poéticos, às vezes vazios de significação aparente e às vezes fazendo referência a algum episódio político recente: Candongas não fazem festa, Senhora dona, guarde o seu balaio e Bravos à eleição direta! Está ainda na descrição da musa das polcas: “de olhos marotos e gestos arredondados, fácil e graciosa.”, em contraste com a arte erudita, “assassina e surda”, sem musa. O narrador reconhece na vida de Pestana que sua “má sorte” é questão inexplicável, um capricho da arte. Justifica o narrador que não é por falta de esforço, mas pela crítica íntima e exigente de Pestana, que reconhecia a desarmonia e falta de originalidade de sua produção clássica. Toda a insistência do músico é reconhecida no autor como “Vão estudo, inútil esforço.” E na descrição da inexplicável improdutividade artística se assemelha a outro conto machadiano: “Cantiga de esponsais”. A história do mestre Romão foi publicada originalmente em A Estação em 15 de maio de 1883, assinada por Machado de Assis. Logo mais, foi reunida ao livro Histórias sem data. É, portanto, anterior a “Um homem célebre”. O nome “Romão” é uma escolha que não se pode julgar fortuita e colabora na introdução ao enredo do conto. Na gíria brasileira, “romão”, em definição do Aulete, é o “que assume a responsabilidade de atos alheios; testa de ferro”. Não faz outra coisa a personagem do mestre a não ser reger missas compostas por outros, “mas ele rege-a com o mesmo amor que empregaria, se a missa fosse sua.” Em muito podemos comparar as personagens de mestre Romão e Pestana. A começar pelo temperamento: Romão Pires tem o “ar circunspecto, olhos no chão, riso triste, e passo

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demorado”, semelhante ao ar quase antipático de Pestana. Os dois são homens tristes e solitários; não tristes porque solitários, ao que parece. São tristes pela frustração da arte inacabada dentro de si; ambos têm fama no Rio de Janeiro por seus respeitáveis trabalhos como músicos; ambos vivem sozinhos, cada qual com seus “pretos velhos”, escravos que cuidavam de seus senhores e faziam de suas humildes casas um lar menos solitário, mas nenhuma companhia que impedisse os momentos criativos dos músicos; ambos são viúvos e tentaram usar o consórcio como fonte de inspiração, em ambos os casos, a perda de suas mulheres não entristeceu mais do que a tentativa malograda; e, por fim, tanto Pestana quanto Romão querem compor música clássica e se esforçam deveras para isso. “[...] a causa da melancolia de mestre Romão era não poder compor, não possuir o meio de traduzir o que sentia. Não é que não rabiscasse muito papel e não interrogasse o cravo, durante horas; mas tudo lhe saía informe, sem ideia nem harmonia. Nos últimos tempos tinha até vergonha da vizinhança, e não tentava mais nada.” (ASSIS, 1883)

O esforço não é recompensado. A diferença entre Romão e Pestana é que o primeiro, como já foi dito, não compunha nada de seu, seu sofrimento é aliviado apenas pela execução bem sucedida de peças de terceiros. Nas palavras do narrador: “Parece que há duas sortes de vocação, as que têm língua e as que a não têm.” O final de “Cantiga de esponsais” só confirma a mensagem deixada por “Um homem célebre”: a vocação é congênita, ou se tem ou não se tem. Essa mensagem não destoa também de outro conto que traz a arte como objeto de ambição de um personagem: “Aurora sem dia”. No entanto, o narrador deste não se compadece em nenhum momento do jovem Luís Tinoco, provavelmente, porque nele falte o que sobra em Romão e em Pestana: o tino, a consciência crítica de seu trabalho, o reconhecimento da insuficiência de vocação. A sensibilidade e a autocrítica de Romão e Pestana salvam ambos da insensibilidade na ironia do narrador machadiano. “Aurora sem dia” foi originalmente publicado no Jornal das Famílias, entre novembro e dezembro de 1870, assinado por Victor de Paula. A essa época, Machado já era conhecido no cenário da literatura nacional. É nesse ano, inclusive, que se publica seu primeiro livro de contos: Contos fluminenses. Entretanto, “Aurora sem dia” é posterior a Contos Fluminenses e o autor vai escolher essa peça para integrar sua coletânea seguinte: Histórias da meia-noite (1873). O enredo gira em torno da trajetória de Luís Tinoco rumo ao sucesso. Ele é um jovem de “estatura meã, olhos vivos, cabelos em desordem, língua inesgotável e paixões impetuosas”,

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que “um dia de manhã acordou escritor e poeta.” A partir dessas primeiras palavras do narrador sobre o rapaz, o leitor é levado a desacreditar de todas as tentativas do rapaz e a zombar de suas criações juntamente com o narrador. Tanto ele, o narrador, quanto o leitor e até os amigos de Luís Tinoco percebem os desvarios do rapaz, exceto ele próprio. Luís Tinoco torna-se uma piada por muitos motivos. Um deles é a crença de que tinha talento para poesia, e que não precisava ler outros poetas para se inspirar, pois “isto não se aprende; traz-se do berço.” Seu padrinho tinha um visão estereotipada dos poetas, e, quando o afilhado lhe confia seus planos literários, o velho logo se preocupa, pois acredita que a poesia era caso de doença. No caso de Tinoco, é bem provável que fosse mesmo doença, pois seus poemas são cheios de “imagens safadas, expressões comuns”, “frouxo alento e nenhuma arte”, chegando a compor “soneto sem a forma de soneto”. A única fama de Luís é a fama de ridículo, e isso não o abate, pelo contrário, antes aquece suas convicções de superioridade. Cuida ser alvo de invejoso e, por isso, compara seu destino de incompreensão em sua própria geração à “enxerga de Camões”. Com o tempo, desiste da “carreira” literária, mas não desiste da corrida pela glória, e encontra outro segmento a que se dedicar. Ingressa na carreira de publicista com o auxílio de um amigo e, nessa empreitada, chega mais longe que na anterior. O moço permanece com o mesmo atrevimento e autoconfiança cega. A política traz ao jovem algo mais que uma plateia indiferente. Luís chega a eleger-se deputado e se considera cada vez mais próximo de seu grande destino: “[...] e remirava-se na própria pessoa e no brilhante papel que teria de desempenhar. Via já diante de si a oposição ou o ministério estatelado no chão, com quatro ou cinco daqueles golpes que ele supunha saber dar como ninguém, e as gazetas a falarem, e o povo a ocupar-se dele, e o seu nome a repercutir em todos os ângulos do império, e uma pasta a cair-lhe nas mãos, ao mesmo tempo que o bastão do comando ministerial.”

O final de Luís Tinoco, no entanto, não é um grande destino, como está anunciado desde o início do conto. Aliás, segundo o narrador: “Luís Tinoco possuía a convicção de que estava fadado para grandes destinos, e foi esse durante muito tempo o maior obstáculo da sua existência.” A certeza de que sua ambição era compatível com sua capacidade e com a própria organização do mundo fez da sua vida uma grande comédia. Um pouco menos humorístico, mas não menos atroz é o tom usado pelo narrador no conto “Habilidoso”, publicado em 6 de setembro de 1885 na Gazeta de notícias, assinado por

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Machado de Assis e nunca reunido em livro. Trata da história de José Maria, um homem pobre que começa a pintar alguns quadros quando pequeno e, desde que uma vez ouvira que era “habilidoso”, tenta impor sua “habilidade” a quem quer que seja, parentes ou vizinhos, entretanto, não julga precisar de aulas para desenvolver o que chama natural, considera-se autodidata. João Maria se aproxima de Luís Tinoco na ambição, na autoconfiança, na obstinação, na rejeição à disciplina da arte e, principalmente na busca por glória: “Não se lhe via mais que a obstinação, filha de um desejo, que não correspondia às faculdades.”; “João Maria, que mirava o aplauso público, antes do que as bênçãos do céu [...]”. À história de João Maria, o pintor autodidata, acresce o dado social da pobreza. Os outros três personagens aqui examinados não diferem muito de João Maria quanto à situação financeira, mas a pobreza de João Maria é agravada pelo fato de ele não ser sozinho, como os outros, doravante tem mulher e filhos, que dependem de seu trabalho – o que fica evidente numa cena em que a mulher e os filhos vão ao médico e são descritos com detalhes em sua miséria. Além disso, o pintor não teve lições de desenho. Sua arte não é meio de sustento, é passatempo. É antes um copiador que um artista, mas supunha ser o segundo. Assim como nosso Machado, tinha a obstinação por um assunto: “A virgem Maria”, quadro a que voltava diversas vezes, para retocar, avivar, retificar, porque fora este o quadro que mais lhe agradou, lhe pareceu perfeito, e também porque talvez a pintura da Virgem pudesse um dia lhe saciar a sede de aplausos. Esse desejo de glória é outra característica que aproxima João Maria de Luís Tinoco, e talvez seja um dos motivos pelos quais o narrador não perdoa as personagens, zombando de cada tentativa malograda deles. É também o que distancia ambos de Romão e Pestana, e, consequentemente, salva os músicos da crueldade do narrador. A popularidade já é experimentada pelos últimos, e o que os frustra é que a mesma não seja resultado de seus esforços na arte que consideram mais legítima. É certo que o desejo de reconhecimento era matado a pequenos goles, entre família e parentes, e isso parece apequenar as ambições do artista, cada vez mais conformado com a glória que podia ter: “Assim quê, o círculo das ambições de João Maria foi-se estreitando”. Estreitou-se tanto o círculo que virou um beco, cena quase poética do conto, não fosse minimamente irônica a vaidade de João Maria, que finge não ver sua plateia leiga e ingênua, por isso, atenta e admirada: “Que este é o último e derradeiro horizonte das suas ambições: um beco e quatro meninos.

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“A cor apropriada era uma questão dos olhos, que Deus deu a todos os homens; assim também a exação dos contornos e das atitudes dependia da atenção, e nada mais. O resto cabia ao gênio do artista, e João Maria supunha tê-lo.”

A ideia de “gênio do artista” é herança de uma visão romântica de criação, a qual julga a arte como trabalho de seres inspirados. Essa concepção de trabalho artístico é recorrentemente criticada por Machado de Assis que, na poesia, chamaram parnasiano, e na prosa, realista. O amor pela Arte acompanhado de trabalho constante era característica admirada por Machado de Assis. Já a falta de modéstia era considerada pelo autor um defeito grave. Tais opiniões podem ser comprovadas pelas cartas pessoais em que se corresponde com críticos literários, amigos literatos e jovens autores. Curioso é ver que, se em “Habilidoso” e “Aurora sem dia” a falta de esforço e a naturalidade com que encaravam a vocação artística são depreciadas pelo narrador e punidas na história das personagens, em “Um homem célebre” e “Cantiga de esponsais”, parece haver uma contradição aos exemplos anteriores, já que Pestana e Romão não conseguem compor o que querem por ausência de algo natural e, se não são punidos com anonimato e frustração, também não são recompensados em seus esforços pessoais. A conclusão mais razoável a que se chega é a de que a valorização do esforço na criação artística vale mais como estratégia do que como verdade. O termo “estratégia” vem aqui apresentar uma forma de lidar com essa inclinação artística que as personagens têm, e que age neles como a Natureza do delírio de Brás Cubas: mãe e inimiga, ao mesmo tempo que gera a vida e dá identidade a eles, tira-lhes a paz da realização pessoal, por se saberem sempre aquém do necessário. Dessa forma, não se contradizem as experiências de Pestana e Romão às de Tinoco e José Maria. O que os críticos chamam ceticismo em Machado de Assis aparece aqui de maneira sutil: representado na injustiça e na ausência de nexo do Destino. A visão da Arte como musa indiferente, que premia com talento aleatoriamente aparece ainda na personagem de Elisiário. No extenso conto “Um erradio”, presente em Páginas recolhidas, está a questão do escritor que, ao contrário de todas as personagens aqui tratadas, sobra-lhe talento. Por outro lado, falta-lhe a obstinação de Luís Tinoco e o trabalho crítico de Pestana. Une-os todos o fosso que separa o sonho de criação e a realização propriamente dita.

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6. O TEMPO COMO DISSOCIADOR DAS RELAÇÕES SOCIAIS “O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. [...]Foi então que os bustos pintados nas paredes entraram a falar-me e a dizer-me que, uma vez que eles não alcançavam reconstituir-me os tempos idos, pegasse da pena e contasse alguns. Talvez a narração me desse a ilusão, e as sombras viessem perpassar ligeiras, como ao poeta, [...] Fiquei tão alegre com esta ideia, que ainda agora me treme a pena na mão. [...] e vou deitar ao papel as reminiscências que me vierem vindo. Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra de maior tomo.” (Cap. II – Dom Casmurro)

O tempo tem papel fundamental na construção ficcional do que se chama “filosofia machadiana”. A passagem do tempo é uma agente do estrago, que presta um desserviço às relações pessoais. Ele traz a verdade e, com isso, traz também o tédio, o esquecimento, a dissolução dos sentimentos. O romance de Machado que mais explora esse tema é Dom Casmurro, apesar dos outros sempre apresentarem algo que lembre a temporalidade: Memorial de Aires e Memórias póstumas, por exemplo, têm como motivo fundamental o registro das memórias dos narradores, e nisso, poderíamos incluir também Esaú e Jacó. Dentre esses, Dom Casmurro se destaca pela confissão do próprio narrador, citada na abertura dessa seção. No segundo capítulo do romance, Bento Santiago se dedica a explicar ao leitor os motivos que o levaram a escrever o livro. Percebe-se que essa é a segunda tentativa de reconstruir seu passado: a primeira fora a construção de uma reprodução fiel da casa de Matacavalos, onde passara a infância. A frustração de não conseguir restaurar o moço dentro do homem e o tédio conduziram-no à ideia do livro. A expressão “atar as duas pontas da vida” é, portanto, um eufemismo da obsessão de Bentinho pelo passado. No entanto, se a casa que manda construir fica idêntica à da mocidade, a narrativa de suas memórias não pode alegar tanta verossimilhança. Sua escrita é claramente contaminada pelo ressentimento que guarda da ex-mulher. A invasão de subjetividade no relato de lembranças afetivas não é algo exclusivo à literatura escrita. Qualquer pessoa comum que se proponha a contar uma história permeia seu discurso com o que mais lhe convém, conscientemente ou não. Sobre essas tendenciosas narrações em 1ª pessoa, comenta Dirce Cortês Riedel:

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“As relações entre o narrador machadiano e o seu passado não são, como as de Proust, na maior parte estabelecidas pela memória afetiva das sensações. Frequentemente é a memória voluntária, a da inteligência, que guia um narrador, bem certo da sua busca, embora nem sempre do seu achado.” (RIEDEL, 1991, p. 111)

Os narradores de 1ª pessoa dos romances machadianos, principalmente de Dom Casmurro, por guardarem essa relação afetiva com o tempo, dão-nos uma narração pouco linear, além de nada confiável. Por outro lado, nos contos, quando Machado de Assis aborda os dilemas pessoais de personagens associados ao tempo, costuma colocar narradores em 3ª pessoa que não se furtam a expor a parvoíce e as desilusões de seus personagens ao longo da narrativa, antes mesmo de chegar ao final dela. O escritor não deixou de tratar a temática do tempo também nos contos. “O passado, passado” (1876), “Noite de almirante” (1884) e “Mariana” (1891) são histórias que, em seus respectivos graus de profundidade, servem a um propósito próximo ao de Bento Santiago: “atar as duas pontas da vida”, compreender o presente narrando o passado. A principal diferença habita no sentimento condutor dos narradores. Bento Santiago o faz envolto em melancolia, alimentando o sentimento a cada memória revisitada. Já os narradores das peças aqui listadas, ao guardarem pouco ou nenhum afeto por seus personagens, parecem contar suas histórias para que elas sirvam de testemunhos da irreversibilidade do tempo, de sua crueldade com os sentimentos humanos, tudo isso coberto da acidez típica de quem conheceu a lição antes dos personagens e do leitor. “O passado, passado”, por exemplo, traz um narrador bastante sugestivo. Publicada no Jornal das Famílias, em junho, julho e agosto de 1876 e assinado por Lara, a peça ocupou três edições no periódico. Lembramos aqui que muitas histórias para jornal eram feitas sob medida, de preferência para serem publicadas em fascículos, obrigando o leitor a comprar as próximas edições. Tal necessidade justifica o comprimento de “O passado, passado”. De início, é-nos oferecido um enredo tipicamente romântico: o casal, impedido de viver uma história de amor quando eram apaixonados na mocidade, reencontra-se anos mais tarde, desimpedidos e prontos para retomar o romance. Tudo seria perfeito, exceto pela infelicidade que se prenuncia no título: “O passado, passado”, com vírgula indicando elipse de um verbo de ligação, muito provavelmente: “o passado está no passado”, “o passado foi passado”, “o passado ficou no passado”. Alguns títulos de peças machadianas merecem nossa atenção exatamente por prenunciarem a ironia narrativa. Certas vezes ele adianta as verdadeiras intenções do narrador, como num outro conto chamado “Encher tempo” (1876), que contém dez capítulos nada esclarecedores sobre o título, este, por sua vez, só é explicado ao final: “Mas

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que tem com esta história o título que lhe pus? Tudo; são umas vinte páginas para encher tempo. Em falta de cousa melhor, lê-se isto, e dorme-se.” No caso de “O passado, passado”, o título adianta o destino malogrado das personagens. Tal destino não é anunciado somente no título. O narrador, com discrição e algum cinismo, nos dá algumas pistas que, pouco a pouco, deixam claro ao leitor mais arguto a inexistência de um final feliz. Vejamos a descrição das personagens. Há o casal: Luís Pinto, capitão-tenente de 42 anos, e dona Madalena Soares, trinta anos, ambos viúvos. Na descrição física, há muitos elogios: Luís Pinto “tinha os olhos negros e rasgados, o olhar inteligente e bom, maneiras distintas e certo ar de superioridade natural.” Madalena tinha “um passo de deusa e [...] ar tranquilo e austero que lhe não ficava mal. [...] era formosa.” José Guilherme Merquior observa que a descrição de personagens é um dos esteios que faz de Machado um grande contista: “O autor procede, na caracterização de seus heróis, por uma sutil mistura de traços genéricos e toques individualizantes, equilibrando as notas típicas com as particularidades concretas de um hic et nunc, de um tempo-e-lugar determinado.” (MERQUIOR, 1996, p.239) Neste conto, o narrador deixa as personagens falarem por si, através de suas falas e de suas atitudes, por isso a narrativa é cheia de diálogos e alguns comentários sobre as expressões das personagens. Esse modo dramático de contar a história justifica o cumprimento da mesma. Um terço dela deve ser diálogo, alguns quase monossilábicos, por conta dos mistérios que envolvem a viúva. O narrador, quando intervém, o faz de maneira descontraída. Como nesta passagem cômica, em que os comentários são os hábitos alimentares do casal: “Ora, Luís Pinto jantara largamente, apesar de namorado, donde se pode concluir que amar é uma cousa, e comer é outra, e que não sendo a mesma cousa o coração e o estômago, ambos podem funcionar simultaneamente. Não ouso dizer o estado de Madalena. De ordinário, as heroínas de romance comem pouco ou não comem nada. Ninguém admite, em mulheres, ternura e arroz de forno. Heloísa, e mais existiu, nunca soube de certo o que era recheio de peru, ou mesmo trouxas d’ovos.”

Esse trecho exemplifica o que afirma Sílvia Azevedo sobre a originalidade Machado: “a criação machadiana procura extrair sua originalidade pelo desfocamento do modelo romântico.” (AZEVEDO, 1990) Desde o início do conto, a austeridade Madalena é apresentada como um sinal de mistério e elegância, comum a muitas personagens femininas de Machado de Assis. Já Luís Pinto, apesar de sério e bom, é apresentado pelo narrador com uma certa parvoíce que, junto a

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uma nostalgia pueril, não o deixa ver a quase indiferença de Madalena em relação a ele. Vejamos, por exemplo, o que faz o oficial de marinha na primeira vez em que vai visitar Madalena depois do surpreendente reencontro: “Vestiu-se mais apurado que de costume; contemplou-se repetidas vezes ao espelho, não por vaidade, aliás justificável, porque ainda era um bonito homem, mas para ver se havia ainda em suas feições um resto da primeira mocidade.” Sobre Madalena: “recebeu-o com muita afabilidade. [...] A conversa versou sobre cousas gerais; mas, por mais indiferente ou insignificante que fosse o assunto, Madalena tinha a arte de o tornar interessante e elevá-lo.” Enquanto uma personagem é descrita pela sua ansiedade, causada exclusivamente pelo reencontro com o passado, a outra é descrita por suas características morais de gentileza e inteligência, qualidades que certamente não eram exclusivas à visita de um amor antigo. O que vai se confirmar com a insistência com que Luís passa a visitá-la e tornar cada vez mais explícitas suas verdadeiras intenções, ao passo que Madalena, se tornará cada vez menos aberta, como neste diálogo: “- Nunca pensou em casar outra vez? Madalena estremeceu um pouco. - Nunca! - disse ela daí a alguns instantes. - Nem casará? Silêncio. - Não sei. Tudo depende...”

Madalena é descrita mais pelo que aparenta, através de seus gestos e olhares, do que pelas suas palavras. Cala, omite e demonstra duvidar de todas as certezas de seu admirador, ao passo que este não para de querer abrir e matar esse mistério, que considera angustiante, já que ambos são bem conhecidos de outra época. Quando finalmente desiste, aplaca sua ansiedade com paciência e confiança nas longas palestras com a viúva, algumas delas transcritas no conto, cheias de silêncios dela e questionamentos insistentes dele. Ao final, as omissões de Madalena são explicadas com a revelação de seu casamento com dr. Álvares. A notícia, apesar de surpreendente, não é assimilada por Luís como golpe. O narrador, bastante irônico, revela que o homem devia ter ficado triste, mas não ficara: “Não ficou cousa nenhuma. Deixou de assistir ao casamento, por um simples escrúpulo; e teve pena de não ir comer os bolinhos das bodas.” Há quem possa dizer que o conto terminaria muito bem se estas fossem as últimas palavras do narrador, no entanto, Machado acrescenta um último parágrafo, com intuito aparentemente moralizante, colocando a história ao mesmo nível das outras românticas:

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“Qual é então a moralidade do conto? A moralidade é que não basta amar muito um dia para amar sempre o mesmo objeto, e que um homem pode fazer sacrifícios por uma fortuna, que mais tarde verá ir-se-lhe das mãos sem mágoas nem ressentimento.”

Finalizar uma história com uma moralidade era costume entre muitos autores que escreviam para jornais. Isso porque as funções da literatura nos folhetins do século XIX eram basicamente entretenimento e edificação moral. Contudo, percebe-se que, mesmo usando um recurso raso e ingênuo, Machado sabe usá-la para fins maiores do que um mero aconselhamento. Sua moralidade não consiste em mero conselho ou advertência, antes tem caráter desiludidor e que funciona como uma espécie de absolvição para a personagem Madalena. Ao ler a trajetória do casal, o leitor comum tende a simpatizar mais com Luís Pinto, um homem bom, sério, bonito, recém-chegado da Europa e com uma atenção dedicada a Madalena, que, por sua vez, sempre aparece esquiva, misteriosa e com uma beleza estonteante. Normal ser levado a considerar Madalena uma dissimulada e Luís Pinto, um pobre coitado. Tal pensamento é quebrado pelo final irônico da narrativa e, logo em seguida, pela moralidade do conto, que isenta ambos de qualquer culpa ou ressentimento por não terem sido capazes de recuperar o passado e estimula as leitoras a repensarem justamente o modelo romântico, no qual o amor é resistente a tudo, inclusive ao tempo. A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, é um desses modelos. “Noite de almirante” também apresenta um casal cuja paixão é apagada pelo tempo. Originalmente publicado na Gazeta de Notícias, em 10 de fevereiro de 1884, assinado por Machado de Assis, no mesmo ano o conto é escolhido para integrar a coletânea Histórias sem data, junto a outros contos excelentes do autor. Há o marujo Deolindo e a cabocla Genoveva. Conhecem-se, apaixonam-se e, na necessidade de separação imposta pela profissão de Deolindo, firmam entre si uma promessa de fidelidade. Genoveva, porém, não cumpre a promessa. Após dez meses viajando, o marinheiro, que se manteve fiel ao juramento, volta ao Rio de Janeiro e encontra a amada morando com outro. Seria um tratamento banal de adultério ou mesmo um caso de desencontro trágico não fosse a reação tranquila da moça. Além de recebê-lo afavelmente e com ligeira surpresa, ela não se constrange por estar com outro. “– Pode crer que pensei muito e muito em você. Sinhá Inácia que lhe diga se não chorei muito... Mas o coração mudou... Mudou... Conto-lhe tudo isto, como se estivesse diante do padre – concluiu sorrindo. Não sorria de escárnio. A expressão das palavras é que era uma mescla de candura e cinismo, de insolência e simplicidade, que desisto de definir

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melhor. Creio até que insolência e cinismo são mal aplicados. Genoveva não se defendia de um erro ou de um perjúrio; não se defendia de nada; faltavalhe o padrão moral das ações.”

A amoralidade de Genoveva aparece não somente em suas palavras, mas também na descrição do narrador: “caboclinha de 20 anos, esperta, olho negro e atrevido.” Na caracterização de seus heróis, Machado de Assis faz uma sutil mistura de traços genéricos e toques individualizantes. Neste conto, Genoveva é mais heroína que Deolindo, que não passa de um marujo que voltou para a embarcação mentindo sobre a noite de almirante para não passar vergonha. Dissimulou sua aventura amorosa pois, se contasse que os braços da moça pertenceram a outro enquanto ele permanecia fiel à promessa, teria de contar também que nada fez para se vingar. Pelo contrário: ainda deixou com a caboclinha os brincos baratos comprados com muito custo em uma das viagens. A naturalidade de Genoveva faz com que ela seja perdoável, inocente, aos olhos do narrador, e, com alguma relutância, aos olhos de Deolindo também. Sua inocência diante do fato a diferencia de Madalena, por exemplo, que se constrange e transparece alguma culpa pelas esperanças que parcamente alimenta em Luís Pinto, ligado à Marinha pela profissão como Deolindo. A defesa de Genoveva diante dos questionamentos do marujo mais parece uma aula, que só a humildade e a sabedoria poderiam dar, e o narrador mostra condescendência para com a moça, ao discorrer sobre cada uma de suas frases assertivas, dando ao discurso de Genoveva um tom cândido e filosófico: “- Que mal lhe fez ele? Pode ser que qualquer outra mulher tivesse igual palavra; poucas lhe dariam uma expressão tão cândida, não de propósito, mas involuntariamente. Vede que estamos aqui muito próximos da natureza. Que mal lhe fez ele? Que mal lhe fez esta pedra que caiu de cima? Qualquer mestre de física lhe explicaria a queda das pedras.”

As conclusões de Genoveva sobre o tempo e os sacrifícios que alguém pode fazer por amor em muito se assemelham à sabedoria do narrador do conto de 1876, com a diferença de que a rapariga o diz por outras palavras, mais simples, mas não menos cheias de verdade: “– Muito bom rapaz – insistiu Genoveva –. Sabe o que ele me disse agora? [...] Que vai matar-se. – Jesus! – Qual o quê! Não se mata, não. Deolindo é assim mesmo; diz as cousas, mas não faz. Você verá que não se mata. Coitado, são ciúmes. [...]”

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Outro conto digno das mais seletivas antologias machadianas é “Mariana”, originalmente publicado na Gazeta de Notícias, em 18 de outubro de 1891, assinado por Machado de Assis, e mais tarde compilado em Várias histórias, de 1896. Segundo a crítica tradicional, esse é um dos melhores livros de contos de Machado. Nele estão presentes alguns clássicos para estudo do autor como “A cartomante”, “Uns braços”, “O enfermeiro”, “Conto de escola” e “Um apólogo”. O enredo inicial não se diferencia muito das outras peças aqui estudadas. Um casal, outrora perdidamente apaixonado e capaz de sacrifícios, reencontra-se após um tempo e esse encontro gera um desencontro de expectativas. Evaristo sai do Rio de Janeiro para a Europa e o que era para ser uma viagem de dois anos vira uma temporada de dezoito anos, somente interrompida pela súbita curiosidade que lhe vem com a notícia da “revolução” do Rio de Janeiro, um movimento militar que culminou com a Proclamação da República. Outro gatilho de curiosidade fora puxado ao ouvir, já no Rio, o nome de Mariana, sua amante de dezoito anos antes. “Crescera-lhe o desejo de ver Mariana. Que olhos teriam um para o outro? Que visões antigas viriam transformar a realidade presente? A viagem de Evaristo, cumpre sabê-lo, não foi de recreio, senão de cura. Agora que a lei do tempo fizera sua obra, que efeito produziria neles, quando se encontrassem, o espectro de 1872, aquele triste ano da separação que quase o pôs doudo, e quase a deixou morta?”

A motivação egoica de Evaristo o leva até a casa de Mariana, ela, no entanto, tem o marido doente na ocasião da visita, o mesmo que ela cogitara largar para fugir com o amante anos antes. Resoluto na ideia de ver o objeto de sua antiga paixão, e saber que sentimentos esse reencontro suscitaria, Evaristo aguarda na sala a esposa voltar dos cuidados do marido doente. Nessa espera, senta-se em frente a um retrato da moça em 1865, a época em que os dois se separaram. Não demora muito para o delírio encontrar a realidade: “Grande foi a comoção de Evaristo. [...] e ficou a mirar a moça de outro tempo. Os olhos pintados fitavam também os naturais, porventura admirados do encontro e da mudança, porque os naturais não tinham o calor e a graça da pintura. Mas pouco durou a diferença; a vida anterior do homem restituiu-lhe a verdura exterior, e os olhos embeberam-se uns nos outros, e todos nos seus velhos pecados. Depois, vagarosamente, Mariana desceu da tela e da moldura, e veio sentar-se defronte de Evaristo”

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No delírio de Evaristo, o casal repete as juras de outrora, confessa saudades e Mariana jura fidelidade ao amante:

Evaristo e Mariana tinham ancorado no oceano dos tempos. E aí vieram as palavras mais doces que jamais disseram lábios de homem nem de mulher, e as mais ardentes também, e as mudas, e as tresloucadas, e as expirantes, e as de ciúme, e as de perdão.

A realidade, porém, logo o interrompe com uma cena de completo enigma para o recémchegado da Europa: “Nem os olhos nem a mão de Mariana revelaram em relação a ele uma impressão qualquer, e a despedida fez-se como entre pessoas indiferentes. Certo, o amor acabara, a data era remota, o coração envelhecera com o tempo, e o marido estava a expirar; mas, refletia ele, como explicar que, ao cabo de dezoito anos de separação, Mariana visse diante de si um homem que tanta parte tivera em sua vida, sem o menor abalo, espanto, constrangimento que fosse? Eis aí um mistério. Chamava-lhe mistério.” (grifo nosso)

Era mistério o que preferia não admitir; a Mariana do quadro lhe agradara mais que a Mariana da vida real, fiel ao marido: “lembrando-se do retrato da sala, Evaristo concluiu que a arte era superior à natureza; a tela guardara o corpo e a alma... Tudo isso borrifado de um despeitozinho acre.” “Despeito” é a palavra que mais aproxima os homens esquecidos nesses contos. O termo usado pelo narrador, no entanto, nunca poderia ser admitido pelos próprios personagens masculinos, que, no tempo, foram superados, substituídos e até olvidados. O ressentimento que os liga está intimamente ligado à sociedade patriarcal do século XIX. Em geral, os homens dispunham de muitos privilégios neste modelo social, a começar pela dupla moral vigente, que lhes permitia aventuras sexuais com a mulher que fosse desde que guardada certa discrição, enquanto que às mulheres era praticamente tudo proibido. Das mais ricas às mais pobres, o valor de uma dama estava na posição de seu marido. A elas sobravam deveres, dentre eles, o maior era a submissão ao esposo, pai, ou outro patriarca da família. Portanto, à mulher não cabia a escolha e muito menos o prazer. Contudo, Machado de Assis é conhecido por construir fortes personagens femininas, que chamam atenção justamente pelo que tem de poder de decisão e manipulação do homem para se curvar a este poder. A expressão máxima disso é Capitu, uma mulher decidida e inteligente, contrariando o protótipo das personagens femininas da época, românticas, afeitas às amenidades e quase escravas das

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vontades de seus amados. Parece que Machado insiste num modelo de mulher que se iguala ao homem e muitas vezes, inclusive, o supera, mostrando-se mais sensata e arguta. Os três contos (“Noite de Almirante”, “O passado, passado” e “Mariana”), apesar de separados por intervalos de tempo significativos, têm uma estrutura de enredo semelhante, já que em todos é o homem que toma a iniciativa do reencontro e, por isso, ele é quem nutre mais expectativas em relação a isso e, logo, quem mais se decepciona com a indiferença ou recusa das mulheres. Em todos os contos, a história anterior ao reencontro continha paixão ardente e em todos a mulher entende o passado como algo que não se pode – ou não se quer – reconstruir, passando para o homem, e, também para o leitor uma ideia de maldade, imoralidade e leviandade no sexo feminino. Machado, no entanto, parece realmente gostar de suas personagens femininas. Basta ver que a acidez costumeira dos narradores machadianos não aparece voltada para o comportamento feminino em nenhum dos contos aqui analisados. Pelo contrário, o narrador parece, inclusive, lançar aos homens a responsabilidade pela frustração, poupando tais mulheres de um narrador ressentido e tendencioso como o de Dom Casmurro, por exemplo. Se tais histórias fossem recontadas pelos homens esquecidos das histórias, certamente a caracterização das mulheres seria diferente. A caboclinha de “Noite de almirante” talvez tivesse os olhos dissimulados, como os de Capitu e não, negros e atrevidos. Os olhos e mãos de Mariana revelariam a Evaristo a frieza e crueldade da dona e não uma “impressão qualquer”. E tudo de Madalena, em seu tratamento a Luís Pinto, seria simbólico de sedução e mistério provavelmente, teria tratado Luís Pinto com sedução e mistério, não de “afabilidade”. As mulheres machadianas, ao contrário do senso comum, têm a avaliação mais realista das situações. Elas são emblemas da visão de tempo do próprio autor: “[...] como Machado é um romancista do perecível, os seus personagens, pessimistas e violadores de sistemas e doutrinas autoritárias, reforçam o aspecto externo destruidor do tempo que ‘caleja a sensibilidade e oblitera a memória das coisas’. O tempo é o rato ‘roedor das coisas, que as diminui ou altera no sentido de lhes dar outro aspecto’. (Esaú e Jacó) ‘Matamos o tempo; o tempo nos enterra’. (Memórias póstumas de Brás Cubas). [...] O tempo é o ‘ministro da morte’. Nessa visão destruidora se fundem traços de Pascal, de Schopenhauer, de Heráclito, de Luciano de Samosata, em cujos epigramas se lê: ‘Tudo é mortal para os mortais: tudo passa junto a nós; se não somos nós que passamos ao lado das coisas’.”

Percebe-se que tanto nos contos como nos romances, Machado quis introduzir uma filosofia próxima à de Pascal, para quem cada instante é singular e único. Portanto, o homem de hoje não pode ser igual ao de amanhã e nem o sentimento de hoje pode resistir ao amanhã: “[...] não há homem mais diferente de um outro do que de si mesmo nos diversos tempos”. As

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mulheres machadianas entenderam isso muito bem, desde Madalena até Mariana. A primeira, mesmo levemente constrangida por não obedecer à lógica romântica de reviver a nova chance de um amor passado, principalmente depois de ter sido exposta a tantos diálogos circulares para encher as páginas dos jornais, não perde para a última que inverte a lógica da fidelidade, sendo infiel ao amante e apaixonadamente fiel ao marido. Tanto elas quanto Genoveva, que, com a mente tranquila, ainda ganhou uns brincos comprados no exterior do namorado revoltado, aprenderam melhor que seus namorados a lição de Machado sobre a passagem do tempo, revelando, também, a fraqueza e parvoíce de seus companheiros: tão decididos no início, tão ressentidos ao final. Deolindo não se matou, assim como não matou Genoveva, como planejou fazer na descoberta da traição, assim como Luís Pinto não se abalou com o casamento de Madalena como era de se esperar, dada a intensidade de seu sentimento; já Evaristo, tão vaidoso, quase troca o respeito pelo despeito por causa de uma alucinação. Todos homens com muito ego e pouca força diante de mulheres donas do tempo e de seus sentimentos....

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em crítica a Eça de Queirós, publicada em O Cruzeiro, em 1878, o brasileiro afirma que em O primo Basílio: "[...] cumpria não acumular tanto as cores, nem acentuar tanto as linhas", refletindo sobre o exagero de certos traços do português, que tornariam o livro inverossímil e pesado. Percebe-se que crítico e autor andam juntos nas opiniões e no exercício da narrativa: seja na exploração dos dilemas éticos e morais no interior de cada indivíduo ("A carteira”, “A cartomante”), seja na sondagem da fatalidade de certos destinos (“Aurora sem dia”, “Um homem célebre”, “Habilidoso”, “Cantiga de esponsais”), da fragilidade dos pactos e promessas ("Noite de almirante", “Mariana”), Machado de Assis surpreende pela sofisticação com que trata a densidade da vida humana. Barbosa Lima Sobrinho no Curso de Contos da Academia Brasileira de Letras, em 1955, disserta sobre o conto urbano e desenvolve a tese de que o gênero surgiu no Brasil com o aparecimento da imprensa, na década de 1830: “O conto surge de um novo fator ou de uma nova técnica da vida dos povos, qual seja a expansão do jornalismo literário.” Certamente, nessa expansão do jornalismo literário está Machado de Assis, afinando os instrumentos para entrar no palco da literatura nacional. Se seus romances são exaustivamente comentados e estudados na academia e também nas escolas, não se deve desprezar a sua intensa colaboração em jornais através da crônica e do conto, habituando os leitores a uma nova forma narrativa, da qual ele se tornaria um mestre. O título se deve tanto à maestria com que exerce a arte da narrativa curta quanto ao projeto de formação de leitores a que se dedica na produção para os jornais. Ensina em prefácio a uma de suas coletâneas os leitores a apreciá-las se não pelo conteúdo pelo menos pela vantagem que estas encerram em relação aos romances: “O tamanho não é o que faz mal a este gênero de histórias, é naturalmente a qualidade; mas há sempre uma qualidade nos contos, que os torna superiores aos grandes romances, se uns e outros são medíocres: é serem curtos.” (ASSIS, 1888) Se até aquele momento, os suplementos literários serviam apenas a preencher algumas páginas com algum texto de edificação moral ou divertimento, – funções históricas da arte literária hoje consideradas menores –, a literatura da civilização industrial, moderna, cultiva preferencialmente a última. Portanto, “a significação profunda da obra de Machado de Assis reside em ter introduzido nas letras brasileiras essa orientação problematizadora.” (MERQUIOR, p. 209) E essa afirmação não cabe somente a seus livros, mas cabe principalmente ao seu papel no jornalismo brasileiro.

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Desse modo, a crítica necessita novamente renovar o olhar sobre o jovem Machado de Assis. Dizer que os textos anteriores a 1881 são dispensáveis e só possuem valor documental já foi provado pelos grandes escritores que constitui verdadeiro atraso e só revela uma leitura descontextualizada do cenário da imprensa brasileira no século XIX. Os estudiosos mais sensatos preferem hoje dizer que aquele Machado de Histórias da meia-noite já estava neste Machado de Papéis avulsos, como “a fruta dentro da casca”. Se não se reconhece a qualidade e a inovação do escritor, que trazem o primeiro Bruxo, de “Três tesouros perdidos”, há de se reconhecer ao menos o caráter e a lição do homem, em nada semelhante ao Luís Tinoco de “Aurora sem dia”, que confiava tanto em seu próprio que esquecia de ler os outros. Os resquícios de romantismo, necessários à entrada do escritor na imprensa, podem estar presentes na ficção, mas em seu processo criativo, Machado mostra-se bem distante da tradição romântica de iluminação e inspiração do artista, como bem demonstra sua produtividade dessa época: “As obras imaturas de Machado de Assis demonstram o quanto ele era dedicado e persistente, pois se percebe nelas um enorme esforço por dominar as técnicas e formas convencionais da literatura, bem como por descobrir os mistérios da língua. Nisso ele gastou toda a energia de que dispunha dos 15 aos 39 anos. E foi bem-sucedido, porque, ao fim desse período, era considerado o melhor e o mais completo escritor vivo do Brasil.” (TEIXEIRA, 1988, p. 9)

Muitas são as dúvidas dos educadores e dos leitores mais cultos, no geral, sobre como apresentar Machado de Assis aos leitores do século XXI. Uma sugestão é reapresentá-lo como escritor uno aos leitores do século XX, para que estes se aproximem do escritor em formação e se distanciem do escritor mítico e consagrado, inalcançável. A lição do Bruxo não é mágica. Seu caminho foi construído com esforço e merece ser revisitado por muitas gerações de novos leitores e também de novos escritores.

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