A FUNÇÃO DA OAB-RN NO CONTROLE DA APLICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL: POTIGUARES EM DEFESA DOS REFUGIADOS

May 26, 2017 | Autor: P. de Oliveira Alves | Categoria: Refugee Studies, International Refugee Law, Refugiados sujeitos de Direito Internacional, Refugiados
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Revista Pesquisas Jurídicas ISSN 2316 – 6487 (v. 4, n. 2. jun./ago. 2015)

A FUNÇÃO DA OAB-RN NO CONTROLE DA APLICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL: POTIGUARES EM DEFESA DOS REFUGIADOS Pedro de Oliveira Alves* RESUMO A presente pesquisa busca analisar juridicamente as principais questões referentes ao caso dos sírios presos na cidade de Natal, em novembro de 2014, à luz do Direito Internacional dos Refugiados. Analisa a dogmática da responsabilidade internacional do Estado e a concretização do princípio constitucional da eficiência jurídica da Administração como elementos basilares em um cenário de uma jurisprudência pouco estudada. Reflete a notável participação da OAB-RN que repercutiu positivamente pelo país nesse caso. Por fim, possibilitará uma reconstrução das decisões judiciais sobre o caso potiguar, apresentando uma crítica necessária e construtiva. Palavras-chave: Administração Pública. Responsabilidade do Estado. Refugiados.

1 INTRODUÇÃO

Ao falar-se em responsabilidade civil do Estado, trata-se, inicialmente, do dever que este possui de reparar danos decorrentes de suas atividades perante terceiros. É preciso desvendar a área de regulamentação das obrigações do Estado brasileiro na proteção de refugiados, para que duas questões sejam esclarecidas. Primeiro, é preciso saber se a Administração Pública vem cumprindo essas obrigações, conforme os limites constitucionais. Em seguida, em caso de descumprimento, é preciso responsabilizar o Estado na medida de sua necessidade jurídica. Partindo das premissas apresentadas, esta pesquisa delimita-se à questão prática da proteção dos povos refugiados pelos agentes estatais. Não se trata de cobrar mais intervenção estatal, pois a análise jurídica de políticas públicas vai muito além de seu mero exame formal ou principiológico, conforme se pretende demonstrar nos próximos tópicos. No caso concreto tratado neste artigo, cinco sírios foram presos em flagrante no

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Graduando do 7º período do curso de Direito da UFRN. Membro do Grupo de Pesquisa "Direito internacional e soberania do Estado brasileiro: Perspectivas regional e universal.

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Aeroporto Internacional Aluízio Alves da cidade de São Gonçalo do Amarante-RN no dia 06 de novembro de 2014, sob o argumento de que eles estariam formando associação criminosa, utilizando documentos falsos e agindo com falsificação ideológica, conforme processo no âmbito federal a ser examinado. A participação da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio Grande do Norte, está sendo essencial para a perfeita aplicação do Direito Internacional. Ocorre que a problemática do caso consiste, inevitavelmente, no suposto status de refugiado, ainda que informal. O argumento de que eles estariam fugindo do cenário de guerra vivido na Síria é, sem dúvidas, muito forte. Tentar se refugiar na Holanda para que eles pudessem ter um destino diferente de alguns parentes que foram mortos nesses conflitos bélicos é, indiscutivelmente, matéria regulada pelo Direito Internacional dos Refugiados, cujas diretrizes também fazem parte do Direito Interno brasileiro. Sendo assim, qual a hermenêutica que deve ser aplicada para o caso? Se a decisão correta não for utilizada, quais efeitos de responsabilidade civil pelo erro judicial? É possível se falar em refúgio, ainda que não tenham sido realizados os procedimentos necessários juntos aos órgãos competentes? Eis o objeto desse estudo. A partir de um panorama geral sobre os principais elementos do caso dos sírios em terras potiguares, é preciso delimitar o campo de argumentos jurídicos para a proteção dos refugiados – pela via internacional e/ou nacional – e, consequentemente, verificar a (im)possibilidade de fundamentação jurídica para a caracterização de responsabilidade internacional do Estado brasileiro.

2 O CASO ABIA METS E OUTROS

Trata-se de um grupo de cinco sírios, de faixa etária entre 23 e 47 anos, que tentavam realizar viagem para a Holanda com conexão no Aeroporto Internacional Aluízio Alves, na cidade de São Gonçalo do Amarante-RN, no dia 06 de novembro de 2014. Ocorre que eles tentavam se passar por israelenses, utilizando documentos falsos e acabaram sendo presos em flagrante pelo Departamento da Polícia Federal, conforme pode ser verificado nos autos do

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Revista Pesquisas Jurídicas ISSN 2316 – 6487 (v. 4, n. 2. jun./ago. 2015) processo de nº 0003749-78.2014.4.05.840032. Os referidos sírios vinham de voo proveniente de Fortaleza-CE e pretendiam realizar conexão em Natal para seguir para seu destino final, a cidade de Amsterdã-Holanda. No entanto, a companhia área ArkeFly teria recomendado o procedimento de abordagem e exame de documentação utilizada pelos passageiros. Três dos cinco sírios confessaram a compra dos passaportes ilegais na Turquia.

2.1 Tramitação no poder judiciário

A 14ª Vara da Justiça Federal no Rio Grande do Norte homologou, em regime de plantão, a prisão em flagrante realizada. No entanto, após manifestação do Ministério Público Federal, a prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva no mesmo dia. O argumento utilizado na decisão citada foi como garantia da aplicação da lei penal e também considerando a conveniência da instrução criminal. Na Ação Penal 0003785-23.2014.4.05.840033, tramitada na mesma vara da Justiça Federal de Primeiro Grau, a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal – MPF – com base na tipificação do crime previsto nos artigos 299 e 304 do Código Penal, em concurso material, foi recebida em 29 de dezembro de 2014. Em 13 de fevereiro de 2015, a Ação Penal citada acima foi suspensa em razão do artigo 10 da Lei 9.474/97 – Estatuto dos Refugiados –, bem como a expedição de ofícios junto ao CONARE – Comitê Nacional dos Refugiados –, órgão responsável pela análise de pedido de refúgio, para maiores informações sobre o procedimento administrativo. Também foram expedidos ofícios para as Embaixadas da Síria e de Israel para informações sócio-criminais dos réus. Em nome da segurança pessoal dos réus e seus respectivos familiares, o Ministério Público concordou em revogar a solicitação de revogação desses últimos ofícios e solicitou que o processo tramitasse em segredo de justiça. No entanto, a fundamentação utilizada na decisão seguiu o entendimento de que o regime de exceção existente na Síria não seria causa suficiente, por si só, para impedir a 32

JUSTIÇA FEDERAL NO RIO GRANDE DO NORTE. Comunicação de prisão em flagrante 000374978.2014.4.05.8400. 14ª Vara Federal. Disponível em: . Acesso em: 18 fev. 2015. 33 JUSTIÇA FEDERAL NO RIO GRANDE DO NORTE. Ação Penal 0003785-23.2014.4.05.8400. 14ª Vara Federal. Disponível em: . Acesso em: 18 fev. 2015.

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Revista Pesquisas Jurídicas ISSN 2316 – 6487 (v. 4, n. 2. jun./ago. 2015) realização de cooperação internacional com o Poder Judiciário para “esclarecimento dos fatos”. Considerando que a mesma decisão não encontrou nenhum perigo concreto aos réus e seus familiares, o pedido de tramitação do processo em segredo de justiça também foi indeferido. Ressalte-se que o mesmo caso deu origem ao HC 5706-RN/TRF-534, o pedido liminar para a concessão de liberdade provisória ou de medidas cautelares diversas da prisão foi analisado pelo Des. Federal Geraldo Apoliano que entendeu que “há dúvidas acerca da identidade e nacionalidade deles, além de não haver prova de qualquer endereço certo ou atividade ilícita nos países de origem” e, portanto, indeferiu o pedido liminar. Neste sentido, o Des. Federal Élio Siqueira, relator do Habeas Corpus35, entendeu que havia uma “possibilidade concreta de evasão dos estrangeiros”, além de que não havia provas suficientes acerca da identidade, residência ou empregos fixos dos réus. Sendo assim, não poderia decidir pela liberdade provisória nesse caso. O voto do Des. Federal relator foi seguido pelos demais da Terceira Turma por unanimidade.

2.2 Crítica aos fundamentos utilizados

A falta de fundamentação jurídica do Direito Internacional nas decisões citadas sobre o caso em análise é extremamente desafiadora para a academia. Não se discutirá, entretanto, nesse momento, nenhuma crítica à (in)existência de uma ordem jurídica internacional e muito menos sua coação. Limitar-se-á, desse modo, aos argumentos apresentados. Embora nenhuma fonte de Direito Internacional tenha sido citada, é preciso também destacar que, até o presente momento, a legislação nacional sobre os refugiados ou mesmo sobre qualquer questão sobre migrações e o estrangeiro no Brasil foi citada apenas uma vez: o artigo 10º da Lei 9.474/97, Estatuto dos Refugiados, que trata simplesmente da suspensão de qualquer processo administrativo ou judicial, enquanto não houver uma decisão oficial do 34

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO. Habeas Corpus 5706-RN (000951410.2014.4.05.0000). T3. Des. Federal Élio Siqueira (convocado). j. 1.12.2014. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2015. 35 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO. Habeas Corpus 5706-RN (000951410.2014.4.05.0000). T3. Des. Federal Élio Siqueira (convocado). j. 1.12.2014. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2015.

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CONARE, órgão administrativo responsável pela análise das solicitações de refúgio. Extremamente pertinente é o Resp 1.174.235-PR36, julgado pelo STJ em 2010. Embora se tratasse de um caso distinto do que está em discussão, argumentos oriundos do Direito Comparado e do Direito Internacional Público motivaram uma exegese extremamente pertinente para a discussão: trata-se, antes de qualquer coisa, de controle jurisdicional de ato administrativo proveniente do CONARE, sob o prisma da legalidade. Infelizmente, não foi esse o posicionamento do Des. Federal Élio Siqueira quando, através de argumentos secundários, mencionou que havia contrariedades nos depoimentos à Polícia Federal, pois, em um primeiro momento, os réus teriam declarado serem turistas israelenses. Ora, questões como essa devem ser examinadas pelo CONARE e não pelo judiciário. Pois se eles forem considerados refugiados, todas essas questões terão sido superadas. Enquanto questões menores ganharam maior destaque, não se enfrentou a questão das medidas cautelares diversas da prisão de forma específica e clara, de modo que continua a se tratar a matéria de forma genérica e superficial. Em resumo, não foi dada uma justificativa adequada, do ponto de vista empírico, da necessidade em manter a prisão preventiva. Os processos judiciais que tratam de possíveis refugiados não são o meio adequado para a discussão da concessão de status de refugiado, salvo se houver lesão aos direitos dele. Os processos administrativos que tratam de refugiados pelo CONARE já são tratados em regime de urgência, por força de lei (art. 47 da Lei 9.474/97). Sempre que possível, se deve esperar pela exaustão dos processos administrativos. Esta é uma consequência da concepção objetiva dos direitos fundamentais, inclusive os limites ao direito de punir previsíveis em um Estado de Direito. Toda a legislação de Processo Penal deve ser interpretada não só sob os ditames da Constituição, mas de qualquer tratado que verse sobre os direitos humanos. Afinal, esse é o entendimento do STF após o RE 466.343-1/SP37, pelo qual o ordenamento jurídico brasileiro passou a adotar a visão da supralegalidade de tratados de direitos humanos. Inclui-se, portanto, qualquer tratado sobre o Direito Internacional dos Refugiados adotado pelo Brasil.

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STJ. Resp nº 1.174.235/PR. T2. Min. Herman Benjamin. j. 04/11/2010. DJe: 28.02.2012. STF. Recurso Extraordinário nº 466.343-1/SP. Pleno. Min. Cezar Peluso. j. 03/12/2008. DJe nº 104, publ. 05/06/2009. 37

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2.3 A Ordem dos Advogados do Brasil em prol da garantia de direitos

Desde o texto constitucional brasileiro, não há dúvidas sobre a indispensabilidade da advocacia privada à administração da justiça, conforme deve ser sempre lembrado o art. 133. Ao lado do parâmetro positivado, se poderia enaltecer parte da trajetória sobre o crescimento e fortalecimento de advogados e suas organizações em nome do aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito38. No caso específico dos refugiados sírios em Natal, é notória a contribuição da Comissão de Relações Internacionais da OAB-RN, cujo atual presidente é o advogado internacionalista Marconi Neves Macedo39, diante de uma articulação que dialoga com organismos acadêmicos, governamentais ou privados, para que matérias como o Direito Internacional dos Refugiados ganhe eficácia e passe a produzir efeitos jurídicos na ordem interna na medida em que se espera que seja. Portanto, se o Estado está vinculado à normatividade de tratados específicos sobre os povos refugiados, cabe a todos os agentes, nacionais ou internacionais, zelar pela sua aplicação ao caso concreto à luz dos ditames normativos. E, evidentemente, isso inclui a classe dos advogados, como tem sido o caso dos refugiados sírios de Natal. Sendo assim, faz-se necessário uma visão panorâmica acerca de quem são os refugiados e como devem ser protegidos pelo Estado brasileiro. Afinal, é preciso desvendar as normas jurídicas a serem aplicadas para compreender os caminhos seguidos, ou a serem seguidos, pela OAB-RN. Ao fim, retornar-se-á à discussão do caso em tela através do exame da responsabilidade do Estado.

3 PANORAMA EMPÍRICO DA SITUAÇÃO DOS REFUGIADOS

A maioria das pessoas pode contar com a proteção dos seus direitos pelo seu próprio país. Por outro lado, esse não é o caso dos refugiados. Todas as pessoas devem ter seus

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ORDEM DOS AADVOGADOS DO BRASIL. História da OAB. Disponível em . Acesso em: 21 jul. 2015. 39 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL NO RIO GRANDE DO NORTE. Comissões – OAB Rio Grande do Norte. Disponível em: . Acesso em: 21 jul. 2015.

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direitos básicos assegurados, inclusive ter sua segurança física protegida. Mas quando os países se tornam incapazes de realizar essa proteção, os indivíduos buscam refúgio em outros países. É justamente para assegurar essa proteção dos refugiados em território estrangeiro que surge a Proteção Internacional dos Refugiados. Muitos juristas enfatizam o refugiado como um sujeito de direitos sem qualquer eficácia durante um longo processo histórico sem mínima proteção legal (DOUZINAS, 2009, p. 155). Felizmente, a partir da segunda metade do século XX, essa realidade começou a se modificar com a criação de tratados internacionais e maior discussão da temática em legislações nacionais que tratassem da proteção dos refugiados com geração de resultados mais satisfatórios. Inicialmente, o Direito Internacional dos Refugiados foi visto como uma das vertentes da Proteção Internacional da Pessoa Humana que, juntamente com o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Humanitário, abarcariam toda a proteção de direitos dos indivíduos (GUERRA, 2011, p. 79). No entanto, Cançado Trindade (2003, p. 220) argumenta que, apesar dos diferentes processos de formação, as três vertentes da pessoa humana não devem ser dissociadas devido ao seu caráter complementar. A partir da segunda metade do século XX, essa realidade modificou-se com a criação de tratados internacionais e maior discussão da temática em legislações nacionais que tratassem da proteção dos refugiados com geração de resultados mais satisfatórios (DOLLINGER, 2005, p. 239-241). Muitos juristas enfatizam o refugiado como um sujeito de direitos sem qualquer eficácia durante um longo processo histórico sem mínima proteção legal (DOUZINAS, 2009, p. 155). Tal situação foi modificada após a criação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

3.1 O papel do alto comissariado das Nações Unidas para os refugiados

A Agência da ONU para os Refugiados guarda diversas peculiaridades desde o início das suas atividades em janeiro de 1951. De acordo com as apostilas que o próprio órgão costuma publicar e as informações de seu site, o Alto Comissariado limitava-se a um mandato de três anos que precisava ser sempre aprovado para reassentar refugiados europeus em consequência da Segunda Guerra Mundial inicialmente (ACNUR, 2014, p. de internet).

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Apenas em 1995, a Assembleia Geral da ONU ampliou o mandato do ACNUR (ou UNHCR em inglês) para que fosse o principal responsável pela proteção e assistência dos refugiados em todos os lugares do mundo. Tais poderes não se encontram em uma esfera acima do Estado, mas apenas se limitam a um caráter geral e subsidiário atualmente. A partir de 2003, foi abolida a necessidade de renovação trienal do órgão segundo informações extraídas do próprio ACNUR (2014) 40. Apesar de sua consolidação tardia e algumas incertezas de sua receita econômica, a organização já auxiliou dezenas de milhões de pessoas, tendo, inclusive, ganhado o Prêmio Nobel da Paz duas vezes (1954 e 1981). Atualmente, a agência conta com 7,5 mil funcionários em 124 países com 434 escritórios. Em parcerias com mais de 700 ONG’s, a ACNUR consegue prestar um serviço global de grandes proporções. Em 2009, por exemplo, a agência prestou serviços para cerca de 26 milhões de pessoas (ACNUR, 2010, p.3-6). Os crescentes controles migratórios nas fronteiras dos países estão cada vez mais rigorosos e isso pode gerar riscos de vida aos refugiados, caso eles sejam confundidos com meros imigrantes. A falta de conhecimento sobre as diferenças entre eles põe em risco o princípio do non-refoulement que cristaliza a ideia de que nenhum refugiado deve ser entregue ao seu país que continua com as ameaças e riscos contra o indivíduo. Um princípio que tem sido positivado nos tratados internacionais e visto, por alguns doutrinadores, como inderrogável, sendo classificado como de jus cogens (ALLAIN, 2002, p. 533-558). De acordo com o relatório Tendências Globais (ACNUR, 2010, p. 4), mais de 43 milhões de indivíduos foram deslocados por motivos de perseguição e conflitos internos ou internacionais, sendo o número mais alto deste século até aquele momento.

3.2 O compromisso brasileiro

No Brasil, sempre houve uma missão de liderança na América Latina, mas a verdade é que os primeiros inícios da proteção dos refugiados devem-se ao papel da Igreja Católica como é o caso da Arquidiocese do Rio de Janeiro, liderada pelo cardeal D. Eugênio de Araújo Sales, que passou a receber refugiados chilenos, argentinos e uruguaios nos anos 1970 em pleno período militar. (BARRETO, 2010, p. 17-19) 40

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Ainda de acordo com o ex-Ministro da Justiça e ex-presidente do CONARE Luiz Paulo Barreto, a Cáritas fluminense chegou a contar com mais de 70 apartamentos alugados, abrigando cerca de 350 refugiados. Fato semelhante ocorreria em São Paulo com o cardeal D. Paulo Evaristo Arns (SALES; ARNS, 2010, p. 62-69). De certa forma, foi a Cáritas que iniciou o tratamento formal dos refugiados e permanece até os dias atuais prestando significante papel na proteção brasileira através de inúmeras parcerias com o Poder Público. Mesmo com a redemocratização, ainda havia atuações muito discretas do governo brasileiro. Os trabalhos da ACNUR no Brasil e os órgãos do Ministério da Justiça se restringiam apenas à emissão de documentos, não havendo nenhum trabalho de integração social com os refugiados, salvo as atuações limitadas das organizações não governamentais. A partir daí, percebeu-se que era necessário a edição de uma lei mais ampla que fosse além das portarias ministeriais existentes e lançassem um novo panorama para os refugiados no Brasil. Por consequência, o Brasil passou a ter uma das legislações mais modernas a partir da edição da Lei 9.474/97 acerca do Estatuto dos Refugiados que também instituiu o Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE – que instrumentalizou os mecanismos de solicitação de refúgio e acerca da sua permanência em território nacional. As inovações legislativas em matéria de proteção dos refugiados têm sido extremamente valiosas para o aprimoramento do ordenamento jurídico e seu comportamento em decisões judiciais.

3.4 Avanços legislativos De início, o projeto de lei 1.936/199641 referente ao Estatuto dos Refugiados foi bastante discutido na época e ganhou diversas emendas na Câmara dos Deputados que passou a ampliar o conceito de refugiado que ia além do conceito utilizado no anteprojeto, passando a seguir a tendência utilizada na América Latina. Audiências Públicas foram realizadas e entidades da sociedade civil foram ouvidas, principalmente representantes da Cáritas Diocesana. A condição de refugiado é decidida pelo CONARE que é um órgão colegiado, representado por sociedade civil, representantes de ministérios da justiça, relações 41

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 1.936/1996. Disponível em: . Acesso em 08 dez. 2014.

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internacionais, saúde, trabalho e educação, além de representante da Polícia Federal. Entretanto, apesar de todos os avanços da lei supracitada, seu caráter é destinado à concessão de refúgio, dos procedimentos e soluções duráveis, mas não há muita referência de como serão concretizados direitos sociais, por exemplo. Em outras palavras, é preciso evitar que “a reflexão sobre os instrumentos que poderiam prevenir que a negação aos homens do direito a ter direitos se transforme em uma sentença de morte” (ARAUJO; ALMEIDA, 2001, p. 02).

3.5 Atuação do CONARE

Como descrito anteriormente, o órgão responsável pela condição de refugiado no Brasil é o CONARE, que, tendo sido criado pela Lei 9.474/97, está vinculado ao Ministério da Justiça. Contudo, sua composição compreende os Ministérios das Relações Internacionais, do Trabalho, da Educação e da Saúde, além do Departamento da Polícia Federal e a Cáritas Arquidiocesanas que representam a sociedade civil. O ACNUR também faz parte de sua composição, mas não tem direito a voto ou voz dentro do órgão nacional. A Defensoria Pública da União também é membro consultivo do Comitê. Diante das eventuais limitações do Estatuto dos Refugiados, o CONARE possui capacidade normativa de publicar resoluções que regulamentam suas atividades que buscam concretizar as soluções duradouras do ACNUR. São medidas assistenciais que visam garantir uma boa estadia dos refugiados em território brasileiro. Além de decidir sobre a concessão de refúgio, também cabe ao órgão decidir sobre a perda da condição de refugiado. Dentre suas competências, está a prestação de serviços públicos que vão além do simples auxílio jurídico e isso se reflete nos avanços sociais dos refugiados nos últimos anos. Mas se o CONARE ou qualquer outro agente estatal cometer erro na proteção dos refugiados? O Estado precisa ser responsabilizado internamente e, se isso falhar, estará configurada a possibilidade de responsabilidade internacional.

4 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

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Durante a época do absolutismo estatal, diversos países seguiram a teoria da irresponsabilidade do Estado, baseada no lema de que o rei nunca erra (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 239). No Brasil, no entanto, essa teoria nunca vigorou, pois “nunca se ensinou ou prevaleceu a irresponsabilidade do Estado pelos atos lesivos dos seus representantes” (CAVALCANTI, 1956, p. 611). Além do testemunho histórico de Amaro Cavalcanti, Ruy Barbosa também segue o mesmo entendimento sobre a jurisprudência brasileira desde os tempos imperiais, visto que “a nossa evolução jurídica, modificada pelo concurso de elementos liberais que intervieram sempre na educação do pensamento nacional, não deixou penetrar [...] privilégios regalistas”. (CAVALCANTI, 1956, p. 611-612). Para esclarecer o tema, Mello (2012, p. 1009) adiciona elementos importantes, quando diz que a responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado traz consigo a obrigação de reparar economicamente os danos lesivos a outrem provenientes de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos. Um ato lícito, bem como uma omissão, pode, sim, ensejar compensação pelo Estado. De forma abstrata, a responsabilidade só é cabível quando há violação, enquanto que se o direito é apenas combalido, havendo um sacrifício, o dever do Estado é afastado. Neste último caso, tem-se uma clara situação de supremacia do interesse público sobre o privado, na qual, entretanto, o particular receberá uma contraprestação porque tivera seu direito atingido em nome da coletividade. A noção de um Poder Público obrigado a compensar uma lesão que causa a outrem se baseia no fato de ser um ente maior e mais forte na relação com o particular. O Estado impõe as regras do jogo, da forma e quando quer, restando apenas aos integrantes da sociedade a opção de cumpri-las. Assim, a responsabilidade do Estado, além de atribuir um ônus a este, protege e dá relevo aos direitos de seus integrantes contra ameaças vindas de si mesmo. Fala-se que a conduta estatal abrange tanto atos comissivos como também atos omissivos (CAHALI, 1995, p. 282-285). O segundo momento ocorre, para maior parte do mundo, na metade do século XIX e pode ser conjugado com proximidade ao terceiro momento. Na fase da responsabilidade, entendia-se que o Estado, no exercício de seus “atos de gestão”, estava sujeito a ser

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Revista Pesquisas Jurídicas ISSN 2316 – 6487 (v. 4, n. 2. jun./ago. 2015) responsabilizado pelo que ocorria por sua conduta, mantendo-se intactos os chamados “atos de império” (CARVALHO FILHO, 2005, p. 440). Entende-se que a responsabilização subjetiva gera obrigação de ressarcimento por uma ação ou omissão que caracterizasse antijuridicidade, em que haveria de medir-se a presença de elemento doloso ou culposo (negligência, imprudência ou imperícia). Neste cenário, emerge a teoria da culpa administrativa, que afastava completamente a necessidade de individualizar quem cometeu a conduta lesiva, pois emerge a ideia do encargo do ente (como um todo) de ressarcir. Baseada no princípio de faute du servisse, ou seja, a necessidade de indenização diante a culpa administrativa (CARVALHO FILHO, 2005, p. 441), somente exigia que o mau funcionamento do serviço público fosse provado e tinha três formas de consumar-se: inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço. Por fim, a responsabilidade objetiva, estágio encontrado e vigente na maioria das localidades e legislações, nasce de fatos lícitos ou ilícitos que atinjam e firam o direito de outrem, com nexo de causalidade comprovado. Substituiu-se a culpabilidade do agente para a simples causalidade do ato. A causalidade tornou-se o fundamento da responsabilidade objetiva do Estado (CAHALI, 1995, p. 35-44). A teoria do risco administrativo incide sobre esta hipótese, por uma questão lógica e de justiça: o Estado é forte, com isso tem condições e deve assumir os riscos que vierem de suas atividades; quanto mais poderes, maior risco a ser suportado. Também ajuda a fundamentar a responsabilidade objetiva a noção de solidariedade social (MEDAUAR, 2010, p. 403), a repartição de encargos, pois a coletividade que se beneficia das atividades estatais também deve partilhar da obrigação de compensar os danos sofridos por outrem. Dessa forma, não há que se questionar se o ato público era mau ou bom. O que importa é a relação de causalidade entre a conduta do Estado e o dano sofrido pelo particular. Se sua previsão estiver positivada, deve haver a devida reparação. A atual Carta Magna42 agasalha a responsabilidade objetiva estatal, assim como

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CF, Art. 37, § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

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Revista Pesquisas Jurídicas ISSN 2316 – 6487 (v. 4, n. 2. jun./ago. 2015) também faz o Código Civil de 2002 43. Conforme ensina Medauar (2010, p. 405), do dispositivo constitucional decorrem as responsabilidades do Poder Público e Administração Indireta diante da vítima e do agente causador do dano perante o Estado ou seu empregador; a primeira de caráter objetivo, e a segunda, subjetivo (com direito de regresso assegurado ao ente estatal).

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MUTAÇÕES

DO

DIREITO

ADMINISTRATIVO

A

PARTIR

DA

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO

O Direito Administrativo, principalmente em consequência da influência da doutrina, tornou-se fundamental para o enunciado de conceitos, princípios e vínculos normativos que, certamente, colaboraram para o avanço do espírito de racionalidade da legislação (MEDAUAR, 1992, p. 25). É bem verdade que não basta enunciar novos princípios ou construir novos conceitos, se estes não forem dotados de viabilidade fática. É preciso fortalecer a concretização do direito administrativo, mas sem o isolar das demais legislações, principalmente, no tocante aos direitos fundamentais (MARTINS, 2012, p. 100-102). A Administração pública foi bastante modificada nas últimas décadas, com o objetivo de ajustar-se ao avanço da participação social e a positivação constitucional de princípios como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência administrativa (DIAS, 2009, p. 67). Seus aspectos de consensualidade e do aperfeiçoamento ético das relações humanas são elementos que comprovam tais mudanças que, na verdade, são previsíveis. Se o Estado se transforma, a administração pública também deve ser modificada (MOREIRA NETO, 2007, p. 42). A busca por respostas adequadas e eficientes em benefício dos administrados é inevitável. Esse novo Estado, de caráter plural, não é mais visto como o mentor da sociedade, mas como mero instrumento para a busca do bem estar social e da proteção dos direitos e liberdades dos indivíduos (MOREIRA NETO, 2007, p. 39). O sentido de ser do Direito 43

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

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Administrativo também passa a ser esse, conforme recentes posicionamentos pela criação de uma sociologia das políticas reformistas da Administração Pública (BEZES, 2009, p. 25).

5.1 Razoabilidade, orçamento e eficiência

A ideia de racionalização da Administração já não é tão recente, tendo em vista as tentativas francesas nos anos 1960 e 1970 (SANTOS, 2003, p. 182). No entanto, tem ganhado contornos diferentes no Brasil há alguns anos. Com a reforma administrativa brasileira dos anos 1990, principalmente após a emenda constitucional EC 19/1998, a tentativa de diminuir a atuação do Estado diante do mercado e a iniciativa privada e maior ênfase do princípio da eficiência ganharam maior destaque. De fato, a eficiência enquanto princípio já existia de forma implícita antes da referida emenda (SANTOS, 2003, p. 183). Mais que um princípio, a eficiência administrativa é vista como um mandamento que vincula os agentes públicos a gastarem apenas o que for necessário quando necessário e da melhor forma possível. Entretanto, como qualquer outro princípio, não deve ser interpretado de forma absoluta e deve-se analisar o caso concreto para que não fira outros princípios. Não há pacificidade quanto à maneira de abordar-se tal princípio, visto que tem sua origem econômica ligada a uma tecnicidade entendida, por parte da doutrina, como uma tentação tecnocrática do Estado brasileiro que deve ser evitada e não pode ser vista do ponto meramente econômico (MAIA FILHO, 1982, p. 25-35). Conforme assinala Emerson Gabardo (2002, p. 26-28), o princípio constitucional da eficiência administrativa é administrado pela razoabilidade (vista como condicionante principiológica), não podendo ser mitigada tampouco exagerada ao ponto de colocar em risco outros princípios e preceitos fundamentais, sem se resumir ao que ele chama de “princípio de cumprimento de objetivos formais” O planejamento econômico, portanto, funciona como uma obrigação do Estado para que este não tenha que deixar de cumprir suas obrigações. Embora a reserva financeira pública seja limitada, não pode haver nenhuma desculpa viável desacompanhada de um estudo financeiro para que o Estado seja capaz de adimplir suas obrigações – mesmo que em longo prazo (BINEBOJM, 2008, p. 29-33). Há quem defenda uma “economia normativa” (MONCADA, 1985, p. 9-11), na qual

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o planejamento econômico estaria sempre ao lado do intervencionismo econômico, pois o planejamento do Estado está em conformidade com a Constituição e esta também tem posições políticas, embora muitas vezes de caráter híbrido. No entanto, não é essa a questão fulcral para a análise da responsabilidade civil do Estado. Em algum grau, se existe agente estatal, sempre haverá alguma intervenção no plano econômico. É natural que as coisas sejam assim. Todavia, discordando do posicionamento da escola portuguesa, o planejamento econômico pode ter um simples viés orçamentário de fazer com que o Estado esteja preparado da melhor forma para cumprir com suas metas e deveres fundamentais, principalmente no tocante aos direitos fundamentais (SARLET; TIMM, 2008, p. 55-68) e sua concretização por uma hermenêutica estruturante, ou seja, que viabilize o conteúdo da norma com razoabilidade.

5.2 Responsabilidade internacional do Estado como garantia subsidiária

Os doutrinadores do Direito Internacional utilizam basicamente o mesmo conceito de responsabilidade civil que o direito administrativo (REZEK, 2011, p. 315), mas, muitas vezes, com menor grau de discussão. A diferença básica dá-se apenas na abrangência dos sujeitos. Não se trata mais de um particular frente à administração do seu Estado de forma isolada. Uma possível hipótese é quando um Estado ou Organização Internacional cria um dano para outro Estado ou Organização Internacional, de modo que seja necessária a reparação adequada de danos. Outra hipótese bem mais moderna ocorre quando um indivíduo – entendido recentemente como sujeito do direito das gentes – foi lesado pelo Estado e este não repara o dano como deveria. A depender da jurisdição a qual o Estado infrator se submeteu, o caso poderá chegar a uma Corte Internacional que tenha competência. Caso o Estado não tenha se submetido a nenhuma jurisdição internacional, outras formas não jurisdicionais poderão vir a ocorrer como sanções de Organizações Internacionais ou retaliações de outros países nas relações internacionais, geralmente de caráter econômico. De qualquer forma, tal como ocorre no direito administrativo brasileiro, a responsabilidade internacional do Estado não é gerada pela culpa subjetiva, pois se trata também de analisar o dano e o nexo de causalidade. Porém, há uma ressalva: não se trata de

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Revista Pesquisas Jurídicas ISSN 2316 – 6487 (v. 4, n. 2. jun./ago. 2015) responsabilidade objetiva. Para Rezek (2012, p. 316), “não se admite em direito das gentes uma responsabilidade objetiva, independente da verificação de qualquer procedimento faltoso, exceto em casos especiais e tópicos, disciplinados por convenções recentes”. Não é necessário analisar a ocorrência de culpa por parte de uma pessoa física. Se o Direito das Gentes foi descumprido, então deve haver algum ato ilícito configurado e que precisa ser comprovado. Outro elemento essencial é o dano relacionado a uma ação ou omissão de determinado Estado e sua imputabilidade para que esteja configurada a responsabilidade civil internacional. É bem verdade que nem todos os internacionalistas pensam assim, mas a “corrente grociana” é a que obteve maior destaque e ganhou mais seguidores nos tribunais internacionais. Ian Bronwlie (1997, p. 462-464) não acompanha esse entendimento e acredita que se trate mesmo de uma responsabilidade objetiva tal como ocorre no direito interno. Sua defesa é axiológica ao defender que isso manteria o mais elevado padrão nas relações internacionais e aplicar com maior eficácia o princípio da reparação. Em uma posição conciliadora, há quem defenda que a previsão expressa pelos Estados é que garantirá o nível de responsabilidade, podendo ser objetiva ou partilhada por considerações de oportunidade (DINH; DAILLIER; PELLET, 2003, p. 779). Só poderá invocar a responsabilidade internacional do Estado infrator aquele sujeito de direito internacional que foi afetado pelo dano. Não há hipótese para um terceiro agir em nome de outro na exigibilidade de reparação (REZEK, 2011, p. 320), embora possam existir outros tipos de retaliações. Afinal, o dever de indenizar é uma “consequência normal da responsabilidade, mas não é a única” (BROWNLIE, 1997, p. 460). A natureza da reparação de danos no direito internacional também tem caráter compensatório. Isso não quer dizer, entretanto, que qualquer ato ilícito internacional possa ser indenizado ou reparável pecuniariamente (REZEK, 2011, p. 332). Em matéria de direitos humanos, diante de qualquer omissão do Estado brasileiro que crie dano para o refugiado ou qualquer indivíduo, estará configurada a responsabilidade civil do Estado. Se essa não for suficiente e os meios nacionais estiverem esgotados, o direito internacional deverá proteger o refugiado. É inadmissível imaginar que o Poder Judiciário não pode ser responsabilizado por eventuais erros. Afinal, não há incompatibilidade entre a independência do magistrado e a

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responsabilidade do Estado diante do indivíduo (CAVALIERI, 2010, p. 273). Tal tópico, porém, sempre foi muito claro no Direito Internacional, pois as decisões de qualquer tribunal nacional não deixam de fazer parte da estrutura do Estado (BROWNLIE, 1997, p. 474).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, é perceptível que o caso dos sírios presos no Rio Grande do Norte tem recebido precária fundamentação jurídica, visto que o Direito Internacional dos Refugiados não tem sido considerado na formulação de interpretações conforme o ordenamento jurídico brasileiro, responsabilizando o Estado brasileiro pelos inadimplementos de suas obrigações internacionais. A falta de interação com o CONARE ou ACNUR só podem resultar em um sistema de decisões judiciais apartadas da necessidade jurídica e anseios de uma sociedade cosmopolita. Restringir o exame judicial de matérias discricionárias de decisões administrativas é, na verdade, uma escolha realizada por diversos países, inclusive o Brasil. Em um Estado de Direito, é extremamente relevante que qualquer intervenção aos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário deve ser exaustivamente justificada, pois se for considerado equívoco internacional, deverá ser responsabilizado. A simples analogia ao direito interno não é suficiente para responder a todas as questões da responsabilidade internacional dos Estados. Quando o magistrado nacional não se encarrega de vencer, um a um, os argumentos do Direito Internacional, então, todo o Estado brasileiro passa a ter que responder pelo direito lesado do indivíduo. Não só o refugiado regularizado, mas, também, o solicitante de refúgio ou outro que possa ser considerado refugiado informal devem receber especial atenção dos agentes estatais, independente da repartição pública que esteja envolvida. Isso inclui o Poder Judiciário. A proteção do refugiado e solicitante de refúgio ganha, portanto, duas dimensões: a proteção nacional e a proteção internacional. Esta última tem caráter mais subsidiário, mas apresenta diversas facetas que vêm a tornar o direito mais eficaz. Sendo o direito uno e indivisível, seria incorreto analisar a responsabilidade do Estado sem uma abordagem

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administrativa. A eficiência da Administração Pública requer planejamento do Estado brasileiro, mas principalmente atitudes coordenadas que venham a adimplir as obrigações contraídas no cenário internacional. À luz dos objetivos da pesquisa, a investigação acerca do principal argumento utilizado pelo Estado no tocante a problemas financeiros também restou devidamente analisada ao rejeitar a desculpa da reserva do possível, desde que seja necessário que o Estado planeje-se e elabore medidas orçamentárias que venham a colaborar na execução de suas mais básicas obrigações. O Estado que se omite do planejamento de políticas públicas previstas em tratados internacionais está cometendo ato ilícito internacional e deve reparar o dano ao indivíduo, pois este também é considerado sujeito de direito internacional na atualidade. Se algum refugiado, formal ou informal, vier a ser prejudicado pelo Estado brasileiro,

este

será

responsabilizado

internamente

ou

internacionalmente.

Na

responsabilidade internacional, entretanto, grandes juristas acreditam que não se trate de responsabilidade objetiva, contrariando o desenvolvimento da doutrina interna, mas sem demonstrar com exatidão as causas que levaram a esse pensamento. De fato, merece maior investigação sobre esse aspecto. O certo é que a Teoria Geral do Direito dos Refugiados nunca foi tão necessária como na atualidade. O amadorismo em questões jurídicas que envolvam os direitos desses povos pode resultar em péssimas consequências para uma época marcada pela globalização econômica.

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THE OAB-RN’S FUNCTION IN CONTROL OF APPLICATION INTERNATIONAL LAW: POTIGUARS IN DEFENSE OF REFUGEES

OF

ABSTRACT This research seeks to analyze the main legal issues related to the case of Syrians in the city of Natal, in November 2014, under International refugee law. In a scene of a little studied jurisprudence, analyzes the dogmatic of international responsibility of the State and the constitutional principle of legal efficiency. It reflects the remarkable participation of OAB-RN which positively affected the country in this case. Finally, allow a reconstruction of judgments about the recent case in Natal, presenting a necessary and constructive criticism. Keywords: Public Administration. State responsibility. Refugees.

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