A GEOGRAFIA E O ESPAÇO PÚBLICO: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE REQUALIFICAÇÃO DA RUA SÃO FRANCISCO E A CONSTRUÇÃO DA PRAÇA DE BOLSO DO CICLISTA

May 24, 2017 | Autor: Jhonnatan Porto | Categoria: Human Geography, Public Space
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

JHONNATAN DE MATTOS PORTO

A GEOGRAFIA E O ESPAÇO PÚBLICO: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE REQUALIFICAÇÃO DA RUA SÃO FRANCISCO E A CONSTRUÇÃO DA PRAÇA DE BOLSO DO CICLISTA

CURITIBA 2016 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

JHONNATAN DE MATTOS PORTO

A GEOGRAFIA E O ESPAÇO PÚBLICO: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE REQUALIFICAÇÃO DA RUA SÃO FRANCISCO E A CONSTRUÇÃO DA PRAÇA DE BOLSO DO CICLISTA TCC apresentado à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso – Bacharelado em Geografia II. Departamento de Geografia, Setor de ciências da Terra, Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Adilar Antonio Cigolini.

CURITIBA 2016 2

Na rua sem resistir me chamam torno a existir Paulo Leminski

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RESUMO Nos últimos anos a geografia vem se debruçando para o melhor entendimento sobre o Espaço Público, no sentido que tal conceito contempla outros dois: espaço e público, no caso desse trabalho, o objeto de estudo está localizado no espaço urbano. A histórica Rua São Francisco, localizada no centro da cidade de Curitiba – Paraná, depois de anos de abandono, passou por um processo de requalificação, onde houve também a construção da Praça de Bolso do Ciclista. Assim esse trabalho tem como proposta a análise geográfica desse processo, como também das formas de utilização após a requalificação. Nesse sentido o objeto da pesquisa não é apenas a rua em si, mas também os sujeitos e atores que a partir de suas relações, modificam esse espaço, diretamente e indiretamente, entendendo que tais relações são políticas e sociais. Palavras-chave: Espaço, Espaço Público, Requalificação, Rua São Francisco, Praça de Bolso do Ciclista.

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ABSTRACT

In the last years geography has been looking for the best understanding about the Public Space, in the sense that this concept contemplates other two: space and public, in the case of this research, the object of study is located in the urban space. The historic São Francisco Street, located in the center of the city of Curitiba – Paraná, after years of abandonment, underwent a process of requalification, where there was also the construction of the Pocket Square of the Cyclist. So this work has as its proposal the geographic analysis of this process, as well as the ways of use after revitalization. In this sense, the object of the research is not only the street itself, but also the persons and actors who, through their relations, modify this space, directly and indirectly, understanding that such relations are political and social.

Keyword: Space, Public Space, Requalification, São Francisco Street, Pocket Square of the Cyclist.

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LISTA DE SIGLAS CEAD – Centro de Educação à Distância CEEBJA – Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos CICLOIGUAÇU – Ciclistas do Alto Iguaçú FECOMÉRCIO – Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Paraná GM – Guarda Municipal IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba ONG – Organização Não Governamental SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

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LISTA DE FIGURAS FIGURA 01. Síntese da estrutura metodológica e conceitual desse trabalho. FIGURA 02. Paisagem antiga da Rua São Francisco. FIGURA 03. Rua do Fogo na planta do centro de Curitiba, 1850. FIGURA 04. Planta do centro de Curitiba, 1857. FIGURA 05. Imagem de satélite do centro de Curitiba, 2016. FIGURA 06. Calçada reformada e o matacão colonial, registros técnicos na paisagem. FIGURA 07. Paisagem noturna da Rua São Francisco em 2014. FIGURA 08. Entrada CEAD Poty Lazzarotto. FIGURA 09. Paisagem da construção da Praça de bolso do ciclista. FIGURA 10. Praça de bolso do ciclista, vista para a Rua Presidente Faria. FIGURA 11. Placa de Inauguração. FIGURA 12. Paisagem do evento Plas Ayisyen – Somos Tod@s Migrantes! FIGURA 13. Espaço Kids em uma tarde de domingo. FIGURA 14. Vigilância da Guarda Municipal no início da São Francisco.

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9 2. AS FACETAS DO ESPAÇO: UM DEBATE CONTEMPORÂNEO FUNDAMENTAL ....................................................................................................... 15 3. PLANEJAMENTO URBANO E SEUS AGENTES: UM OLHAR SOB A SÃO FRANCISCO E A PRAÇA DE BOLSO DO CICLISTA .............................................. 25 4. OS USOS E OCUPAÇÕES DA RUA E DA PRAÇA: UMA LEITURA EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS. ..................................................................................... 40 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A RUA SÃO FRANCISCO E A PRAÇA DE BOLSO DO CICLISTA, SEUS ESPAÇOS E SUA GEOGRAFIA. ........................................... 50 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 55 7. ANEXOS ............................................................................................................. 57

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1. INTRODUÇÃO

A Rua São Francisco faz parte do Centro Histórico de Curitiba, e sempre foi importante na dinâmica do centro da cidade. Em 2013 passou por um processo de requalificação1, pois nos anos anteriores, a rua se encontrava praticamente abandonada, sendo refúgio de usuários de drogas. Assim as obras realizadas na São Francisco buscaram requalificar esse espaço, no sentido de aumentar o comércio e a segurança. Caracterizada enquanto espaço público, em 2014 foi construída a Praça de bolso do ciclista, reforçando tal caráter. O processo de requalificação modificou as relações sociais, políticas, econômicas e culturais que ali se articulam, nesse sentido, esse trabalho tem enquanto objetivo geral a utilização de conceitos geográficos para compreendermos tais relações, sendo necessário realizar um histórico que contemple o pré e o pós requalificação, a fim de identificar as modificações realizadas. Soma-se a esse quadro, a necessidade de caracterizar os sujeitos e entidades que participaram desse processo, para entendermos as idéias que embasaram o projeto. Como também a caracterização dos sujeitos que utilizam a rua, afinal as transformações do espaço se dão através das relações que ali são construídas, e como se relacionam esses sujeitos, apresentando os conflitos presentes. Esse trabalho, então, tem como objetivo, analisar o processo de requalificação da Rua São Francisco e construção da Praça de bolso do ciclista, compreendendo que tal análise necessita de um arcabouço metodológico científico principalmente geográfico e que contenha elementos teóricos de outras áreas do conhecimento. Para tanto o trabalho está dividido em cinco capítulos, sendo o primeiro a presente introdução. O segundo capítulo será feita a apresentação de sobre os conceitos de espaço, espaço urbano e espaço público, apresentando elementos fundamentais para a compreensão de espaço público, a fim de caracterizar a Rua São Francisco e a Praça de bolso do ciclista. Para estudar tais conceitos e seus significados nos 1

Foi utilizado o termo requalificação, pois o mesmo se mostrou o mais adequado para esse trabalho. Durante a construção foi utilizado o termo revitalização, porém entendemos que tal termo remete a um lugar sem vida, não sendo o caso desse trabalho.

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debruçamos em autores como Milton Santos, Henri Lefebvre, Paulo César da Costa Gomes e outros. Buscou-se então a partir da leitura desses teóricos, uma melhor compreensão dos conceitos de espaço, espaço urbano e espaço público, sendo a base teórica para esse trabalho. Também foram utilizados trabalhos que se propuseram a analisar o espaço público e suas transformações. O terceiro capítulo abordará sobre o processo de requalificação da rua e construção da praça, apresentando os principais atores, essas informações foram baseadas nas entrevistas, ressalta-se que os nomes dos entrevistados não serão apresentados por questão legal. A metodologia utilizada foi a de realizar entrevistas semi-estruturadas com as entidades e instituições que participaram efetivamente, tanto da requalificação da Rua São Francisco, como da construção da Praça de Bolso do Ciclista, assim as informações adquiridas possuem o caráter objetivo e político. Esse tipo de entrevista consiste na construção de um roteiro com perguntas básicas e principais (anexo 1), mas que não é uma estrutura fechada, pois permite uma liberdade de diálogo entre o entrevistador e o entrevistado, nesse sentido, a entrevista semi-estruturada permitiu que surgissem informações e dados de relevância, mas que não necessariamente eram esperados, permitindo a aquisição de dados mais completos. De acordo com Manzini, (2004) ao analisarmos entrevistas semi-estruturadas as perguntas são caracterizadas enquanto explicativas ou casuais, e buscam compreender as razões de determinado fenômeno social. Sendo assim, no caso desse estudo, esse tipo de entrevista permitiu a aquisição de informações sobre o pré e pós requalificação, a partir da ótica de três instituições, são elas: ONG Ciclistas do Alto Iguaçu, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba e o Centro Educacional de Jovens e Adultos Poty Lazzarotto. As três instituições foram escolhidas pela relação que possuem com a rua São Francisco e por terem vivenciado o pré e o pós requalificação. O CEAD Poty Lazzarotto é um Centro Educacional com o propósito de educar jovens e adultos, e está localizado no andares superiores de um prédio que ocupa praticamente toda a quadra entre a rua Presidente Faria e a rua Riachuelo, sendo um dos estabelecimentos mais importantes da região pelo fluxo de alunos que ali estudam, 10

entorno de 1000 a 1200 alunos diariamente, dependendo da época, no mais o CEAD se localiza nessa rua desde o ano de 2001. Já a ONG Cicloiguaçu, teve papel fundamental no projeto e construção da Praça de Bolso do Ciclista, logo foi imprescindível o relato da ONG, alguns sujeitos além de fazerem parte da instituição, também fazem parte da Bicicletaria Cultural, um espaço comunitário com serviços ligados a manutenção de bicicletas, localizado na rua Presidente Faria, exatamente de frente para a Praça. A outra instituição escolhida para realização de entrevista foi o IPPUC, caracterizada enquanto uma instituição pesquisadora e planejadora, que completou, em 2016, 51 anos de existência. É a instituição que planeja as mudanças urbanísticas da cidade de Curitiba, foram seus técnicos que projetaram e vistoriaram todas as obras da rua, é onde se iniciou, de fato, o projeto de requalificação da São Francisco. Essas três instituições podem ser caracterizadas enquanto: Instituição Estadual, Sociedade Civil Organizada e Instituição Municipal, e possuem visões e interesses diferenciados sobre um mesmo lugar, e contemplam uma análise histórica da rua em questão. Sendo assim possível uma análise mais abrangente da requalificação. As entrevistas semi-estruturadas permitiram a aquisição de informações através de uma linha histórica, contemplando a visão dessas entidades perante o processo de requalificação e consequentemente da ocupação da São Francisco. As entrevistas foram gravadas, as transcrições se encontram nos anexos. O quarto capítulo tratará de apresentar os sujeitos e os usos da rua e da praça, a partir das observações realizadas nas pesquisas de campo e de informações vinculadas nos meios de comunicação. A metodologia usada nesse capítulo foi a metodologia participante que é caracterizada pela inserção e participação do pesquisador no local de estudo, permitindo que seja possível a aquisição de informações a partir da observação, como também permite a participação do pesquisador no meio, dialogando com os sujeitos presentes. Em seu artigo sobre metodologias para aquisição de informações sobre tempos e espaços da sociabilidade juvenil, Turra Neto (2011, p.358) afirmou que Pela observação participante, pude ter ideia da dinâmica socioespacial na cidade, dos territórios, bem como dos conflitos, que caracterizam ambas as

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culturas juvenis. Com a observação participante, então, tive acesso à particularidade do acontecer localizado dessas culturas trans-territoriais na cidade.

Logo, essa metodologia colocou-se enquanto adequada para buscar elementos, processos e práticas referentes ao tipo de relações que são construídas na rua e como os diferentes usuários se apropriam desse espaço. Foram realizadas pesquisas de campo em diferentes horários do dia e diferentes dias da semana, registrando-os fotograficamente, com o intuito de observar e dialogar com os sujeitos que se utilizam da rua e da praça, buscamos observar quais os motivos que os levam a utilizar esse espaço, como também foi realizada uma caracterização por grupos, uma vez que é recorrente a presença de grupos na região. Sendo assim, para esse trabalho, as aquisições de parte dos dados sobre os sujeitos, partiram da observação de como se ambientam na rua, quais experiências compartilham e de que formas a utilizam. Buscamos também observar os sujeitos nos diferentes horários do dia, sendo realizados registros fotográficos desses períodos. Essa metodologia permitiu a coleta de dados referentes de como os sujeitos se relacionam com os objetos presentes na São Francisco, e assim, de como se comportam nos espaços da rua, espalhados por toda sua extensão, essas pessoas se aglomeram na frente de estabelecimentos, ocupam a calçada, a rua e a praça. A síntese dessas duas metodologias se constitui enquanto o método utilizado para a aquisição das informações necessárias para a análise em si. Uma contempla os usuários cotidianos da rua, como se apropriam do espaço, o que buscam nele e como se comportam. A outra contempla os agentes que participaram do processo de requalificação, quais eram suas propostas, como se articularam e como avaliam a rua após a requalificação. Assim foi possível a aquisição de dados para a construção de uma análise que de fato faz a síntese entre a geografia e a política. No quinto e último capítulo, realizaremos a síntese entre a leitura teórica e a pesquisa empírica, apresentando as considerações finais do trabalho, suas conclusões e perspectivas. Por fim, a aquisição de informações sobre o pré e o pós requalificação da Rua São Francisco, só foi efetivada a partir da busca na literatura e na mídia (jornais e internet), conjuntamente com o acúmulo das entidades que vivenciaram o processo. 12

Couberam então as entrevistas, a tarefa de contemplar os pontos de vistas, dessas entidades, onde foram expostas suas leituras sobre o processo. Tal metodologia permitiu o diálogo com as entidades que participaram diretamente da requalificação. Do ponto de vista urbanístico, apresentaremos as intervenções materiais realizadas na São Francisco e a construção da Praça de bolso do ciclista, como também a proposta por trás dessas intervenções, e de que forma essas transformações influenciaram nos usos da rua. Caracterizaremos não apenas os sujeitos que utilizam a Rua São Francisco, mas também a forma como ela é utilizada, assim foi possível entendermos o que esses sujeitos buscam lá. Somam-se a esse ponto, os conflitos que surgiram após a requalificação. Os dados coletados contemplaram a rua, a praça, os sujeitos, as instituições e suas relações, e só foram possíveis de serem adquiridos, com o aporte teórico metodológico utilizado. Durante as pesquisas de campo foram contabilizados e caracterizados os estabelecimentos presentes na São Francisco, conjuntamente com a observação dos objetos materiais da rua e da praça. Através da metodologia participante, foi possível a aproximação com os sujeitos que utilizam os espaços da rua e da praça, sendo possível o diálogo sobre o que buscam nesse espaço, ou seja, quais atividades são realizadas, como também o diálogo sobre os conflitos que ali ocorrem. Enfim, o estudo do processo de requalificação da Rua São Francisco conjuntamente com o estudo de seus usos, coube adequadamente a essa síntese geográfica. Durante as reflexões iniciais sobre a estrutura desse trabalho construímos um organograma estrutural, os elementos teóricos e empíricos que estruturam a síntese entre o material e o abstrato.

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FIGURA 01. SÍNTESE DA ESTRUTURA METODOLÓGICA E CONCEITUAL DESSE TRABALHO

Fonte: Jhonnatan Porto, 2016.

Sendo assim, compreendemos que a análise geográfica da rua e da praça, passa pelos sujeitos, grupos e instituições que possuem seus interesses e assim se relacionam, buscamos também uma leitura a partir de uma perspectiva histórica de suas modificações, contemplando conceitos essenciais para esse trabalho.

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2. AS FACETAS DO ESPAÇO: UM DEBATE CONTEMPORÂNEO FUNDAMENTAL

A geografia tem como o seu principal objeto de estudo o espaço, compreende-se que tal conceito é complexo, pois inerente a ele, estão inseridas as diferentes práticas sociais que existem numa sociedade. Logo o estudo sobre o espaço, é também o estudo sobre os sujeitos que constroem suas relações no e com o espaço. Gomes et all (2012, p.08) nos explicam que “Tão importante quanto um esforço de definição do espaço objeto da geografia é o esforço de analisar algumas de suas dimensões para interpretar os ordenamentos que resultam e integram a dinâmica do mundo social”. O geógrafo brasileiro Milton Santos faz o debate das facetas complexas e interativas inerentes ao espaço, dos objetos presentes nesses espaços às ações que o modificam. Contemplando a leitura da construção do espaço através de um olhar material, histórico e dialético, como Santos (2006, p.49) coloca Esses objetos e essas ações são reunidos numa lógica que é, ao mesmo tempo, a lógica da história passada (sua datação, sua realidade material, sua causação original) e a lógica da atualidade (seu funcionamento e sua significação presentes). Trata-se de reconhecer o valor social dos objetos, mediante um enfoque geográfico. A significação geográfica e o valor geográfico dos objetos vem do papel que, pelo fato de estarem em contiguidade, formando uma extensão contínua, e sistematicamente interligados, eles desempenham no processo social.

Essas ações modificadoras, possuem intencionalidade, ou seja, os sujeitos agem por causa de seus diferentes interesses, tais ações são conteúdo, são a essência para compreender essas ações. Já os objetos são criados, construídos e transformados por essas ações, são as materialidades concretas aparentes provindas dessas ações, ou seja, são formas, que são refletidas no espelho do tempo, presente, passado e futuro. Assim, o espaço é formado pelas relações entre os sistemas que os constituem, através do tempo, sua materialidade é transformada a partir das relações dialéticas entre os sistemas, é a sociedade e o espaço se reproduzindo, dialeticamente. Sobre essa dialética, Santos (2006, p.81) explica,

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Essa visão renovada da dialética concreta abre novos caminhos para o entendimento do espaço, já que, desse modo, estaremos atribuindo um novo estatuto aos objetos geográficos, às paisagens, às configurações geográficas, à materialidade. Fica mais claro, desse modo, porque o espaço não é apenas um receptáculo da história, mas a condição de sua realização qualificada. Essa dialética também inclui, em nossos dias, a ideologia e os símbolos.

Se o espaço é a condição da reprodução de nossa própria história, podemos fazer a reflexão, que tal objeto também deva ser estudado por outras áreas do conhecimento, inclusive por causa de sua complexidade. Assim, para além da geografia, outras ciências também se debruçaram sobre o mesmo, das Ciências Sociais à Arquitetura e Urbanismo, o filósofo e sociólogo francês Lefebvre (1991) afirma que a sociedade e espaço não são elementos separados, o espaço social é construído através de mediações de diferentes grupos de sujeitos, que possuem ações, conhecimentos e ideologias, conjuntamente, há diversos objetos no espaço social, naturais ou não, e fazem parte dessas relações. Partindo da concepção de que o espaço é um objeto complexo e que não se limita apenas à geografia, conclui-se que para a realização de um trabalho que faça a síntese entre a abstração teórica e a realidade empírica, faz-se necessário o recorte do espaço a ser estudado, conjuntamente com a apropriação das formas de como as diferentes ciências estudam esse objeto. Sendo assim, no primeiro recorte realizado buscou-se compreender os elementos teóricos que são alicerces para o estudo do espaço urbano. Não apenas pelo objeto de estudo desse trabalho estar inserido no espaço urbano, mas também compreendendo que é no espaço urbano onde se dá, principalmente, a produção e reprodução do sistema capitalista. Nesse sentido, há diferentes atores que pensam, planejam e executam transformações nas cidades, baseados em seus próprios interesses, se ocupando, se apropriando e transformando esse espaço. Fazem o caminho entre a abstração planejadora e a realidade transformadora. O estudo sobre o espaço urbano iniciou-se na Escola de Chicago, no início do século passado, através do olhar das Ciências Sociais, tema de interesse também da Arquitetura e Urbanismo no que tange o planejamento urbano. A Escola de Chicago, através de seus estudos sob o prisma da antropologia urbana, debruçou-se pra compreender as transformações que ocorriam no espaço urbano, daquela cidade, a partir da década de 30 do século passado. Principalmente para entender o processo do surgimento de áreas da cidade, em que a 16

nacionalidade era um fator importante para a construção desses bairros. A partir do estudo das Ciências Sociais é que nas décadas seguintes as outras áreas do conhecimento científico se apropriaram da importância do estudo sobre o espaço urbano. No caso da geografia, tanto a geografia quantitativa quanto a crítica buscaram compreender o fenômeno do processo de urbanização, e consequentemente o espaço urbano. No âmbito geográfico, coube a geografia urbana fazer o estudo sobre as transformações do espaço urbano, sintetizando elementos de diferentes ciências, inclusive a geografia tem em sua epistemologia a capacidade de “passear” nas diferentes ciências. Como visto anteriormente, para o estudo do espaço urbano, no âmbito geográfico, há de se estudar também os sujeitos, e consequentemente suas práticas sociais, ou seja, as relações sociais influenciam na construção e transformações do espaço urbano, da mesma forma que dialeticamente o espaço influencia nessas dinâmicas sociais, impossibilitando qualquer tipo de dissociação desses conceitos, logo para um estudo geográfico sobre esse tema coloca-se imprescindivelmente a contemplação tanto dos aspectos concretos do espaço urbano, como os abstratos de caráter social, como Serpa (2004, p. 22) explica Dialeticamente, forma e conteúdo são a um só tempo produtos e processos: são autocondicionantes, auto-referentes e historicamente determinados. Na análise do espaço público urbano, forma e conteúdo são, portanto, indissociáveis, e uma discussão sobre tal tema passa necessariamente pela difícil articulação entre os aspectos que dão “concretude” à esfera pública urbana e aqueles de cunho mais abstrato [...].

Pensar na produção do espaço urbano é um desafio difícil pela própria complexidade dos diferentes agentes que interferem nos processos, com diferentes interesses e práticas, é importante ressaltar a própria lógica da cidade moderna capitalista, onde o fluxo de capital é necessário para a reprodução do próprio sistema, soma-se a esse quadro a frequência e velocidade em que ocorrem esses processos, dificultando a análise, Corrêa (2002, p.11) problematiza essas dinâmicas A complexidade da ação dos agentes sociais inclui práticas que levam a um constante processo de reorganização espacial que se faz via incorporação de novas áreas ao espaço urbano, densificação do uso do solo, deterioração de certas áreas, renovação urbana, relocação diferenciada da infraestrutura e mudança, coercitiva ou não, do conteúdo social e econômico de

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determinadas áreas da cidade.

Assim podemos pensar o espaço urbano enquanto o local de produção e reprodução do sistema capitalista, espaço do qual é transformado de acordo com os interesses do capital através da mediação do Estado. É necessário ressaltar que se soma a esse quadro, a participação da sociedade civil. Tal mediação se dá através da construção e efetivação de Planos Diretores. Fani (2007) diz que é através do Estado, enquanto poder político dominador, em que se dá a normatização do espaço, ou seja, o Estado planejador cumpre o papel de direcionar e hierarquizar os investimentos a serem realizados na cidade, interferindo diretamente na reprodução do espaço urbano. Um dos debates mais atuais em relação ao espaço urbano, é sobre os processos de requalificação, áreas degradas localizadas nos mais diferentes espaços urbanos, são revitalizadas não apenas com o intuito de que a população se utilize desses espaços, mas também que esses espaços sejam revalorizados, uma vez que a reprodução do capital depende do espaço urbano. Sobre esses processos Fani (2007, p.88) afirma Esses processos revelam que o espaço na metrópole se reproduz, não só enquanto condição, mas também como produto do processo de reprodução política e econômica, revelando a condição do espaço enquanto “valor de troca”, ou seja, como produto direto do processo de generalização da mercadoria do mundo moderno e também como elemento estratégico para a reprodução do poder [...] Essas transformações espaciais produzem, imediatamente, transformações nos usos, funções e formas de apropriação do espaço e, com isso, transformações no modo de vida, pois modifica as relações e a vida dos habitantes, bem como sua condição diante do lugar que se diz respeito a sua vida e com qual se identifica.

Compreendemos então o espaço urbano, como um local onde se apresentam relações de poder, relações econômicas, relações políticas e relações sociais. Logo, são sujeitos, entidades e instituições, com suas variadas formas e diferentes interesses que disputam o espaço urbano. Não apenas o transformado, mas transformando também a forma de apropriação do mesmo. Há mais um elemento diretamente associado ao espaço urbano, elemento do qual esse trabalho tem enquanto recorte que é o espaço público. Nas áreas urbanas, atualmente, a apropriação pública de porções desses espaços tem chamado atenção e gerado debates. A apresentação de elementos teóricos sobre o conceito de espaço e a contextualização sobre o espaço urbano moderno, serviu para a 18

aquisição de elementos teóricos para entendermos, de fato, o recorte desse trabalho, que é o espaço público. Quando fazemos o exercício de pensarmos sobre o que é o espaço público, logo nos vem em mente uma praça, uma rua e etc, ou seja, um lugar que existe concretamente enquanto uma área física. Porém se dermos mais um passo nesse exercício, e nos perguntarmos “o que fazemos no espaço público?” podemos fazer a reflexão que é nessa área física, que nos encontramos publicamente com outras pessoas, conversamos, nos divertimos, discutimos e etc, e assim exercemos nosso papel de cidadãos, ou seja, fazemos política. Nesse singelo exercício de pensarmos sobre “o que é” e “o que fazemos” no espaço público, podemos perceber elementos que são intrínsecos à caracterização do espaço público. Um elemento se refere diretamente a questão material e concreta, são as construções de viadutos, são as reformas de ruas, são as demolições de praças, são ações pensando e transformando o espaço público. O outro elemento são as relações sociais e políticas que se dão nesse espaço, são as barricadas em viadutos, passeatas nas ruas e ocupações de praças, é o movimento político pensando e abstraindo as relações que constroem o espaço público. Ora, percebemos então, que o estudo do espaço público, pode ser feito do prisma da abstração, como também o da materialidade. Nesse sentido, podemos pensar que a geografia, pode ser a Ciência que faça a síntese entre esses dois prismas, conforme problematiza e propõe Gomes (2012, p.20). Assim, por um lado, planejadores e urbanistas tendem a evitar a discussão propriamente política ou tratá-la de forma simplista; por outro lado, os cientistas políticos estão propensos a trabalhar com a ideia do espaço público como uma esfera abstrata e imaterial. Dificilmente essas duas dimensões dialogam ou se integram em um mesmo discurso [...] Ousa-se também dizer que uma abordagem propriamente geográfica do espaço público pode demonstrar exatamente a necessidade de estabelecer um diálogo profundo entre essas duas dimensões: a física e a abstrata, a da prática urbanística e a das teóricas análises dos politólogos.

Por se tratar de um objeto particularmente novo na geografia, é necessário que aprofundemos a discussão sobre o espaço público. No âmbito teórico, o espaço público possui dois pilares estruturantes, o de cidadania e o de democracia. Ambos os pilares surgem na antiga cidade grega, de acordo com Gomes (2012) o entendimento do conceito de cidadania surge a partir do momento em que houve o 19

confronto de habitantes de Atenas com uma oligarquia rural, ou seja, a partir da confrontação de ideias, e consequentemente de relações sociais e políticas. Vale ressaltar que o ideal de cidade platônica, que tinha enquanto valor a posição de igualdade social e espacial, a completa isonomia, também influenciou na construção de um Estado, construção da qual se consolidou com a entrada do grupo demos em Atenas, que permitiram a divisão territorial da Grécia, territórios controlados por diferentes grupos que se articulavam socialmente e politicamente, surgindo assim a democracia. Apesar de a sociedade grega antiga ser dividida em classes, havia a escravidão, por exemplo, os seus cidadãos, aqueles que de fato eram habitantes nascidos naquela cidade, e que possuíam uma relação hereditária, podiam participar de espaços que discutiam a própria cidade, e assim pensavam a conjuntamente, tanto do ponto de vista material como abstrato, tendo uma relação estreita com o debate filosófico da época, conforme afirma Lefebvre (2011, p.38) O Logos da Cidade grega não pode se separar dos Logos filosófico. A obra da cidade continua e se concentra na obra dos filósofos, que recolhe as opiniões e os conselhos, as obras diversas, que reflete sobre elas numa simultaneidade, que reúne diante de si as diferenças numa totalidade: locais urbanos no cosmo, tempos e ritmos da cidade nos tempos e ritmos do mundo (e inversamente). Portanto, é apenas por uma historicidade superficial que a filosofia traz para a linguagem e para o conceito a vida urbana, a vida da Cidade.

A proposta aqui não é aprofundar no debate filosófico sobre a esfera pública Habermasiana e a democracia em Arendt2, e sim apresentar a teoria de maneira sucinta, compreendendo que tais debates se realizam na esfera abstrata sendo necessário para caminhar na tentativa de síntese entre o abstrato e o material. No livro Espaço público: do urbano ao político, Abrahão (2008) explica que para Hannah Arendt a vida pública grega era constituída de dois elementos estruturais que permitiam à realização da mesma, logo, a vida é pública era baseada nas atividades de ação (práxis) e do discurso (conversação), porém com o tempo o discurso se tornou a atividade principal, logo a retórica era o instrumento de 2

De maneira sintética, a esfera pública Habermasiana pressupõe o caráter histórico da sociedade em que a mesma se constitui, assim relacionando-a com o Estado, e seus instrumentos de poder, e consequentemente como a lógica de esfera pública é construída. Já Arendt, debruçou-se sobre o estudo do conceito de democracia, relacionando-o com o público e o político, compreendendo que o espaço público deva ser o local da realização política, através da palavra e da ação, dessa forma garantindo o exercício da democracia.

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persuasão. Historicamente então, há a relação direta entre o público e o político, pelo menos no período onde surgem a democracia e a cidadania. Assim entende-se que o espaço público se configura enquanto um local onde é exercida a democracia e a cidadania, a partir de sujeitos políticos, onde a discussão é a ferramenta que permite avanços ou retrocessos, ressalta-se a importância da ação, que de certa forma seria a materialização do discurso, ou melhor, a transformação do espaço e das relações. Com esse breve histórico de como surge a cidadania, a democracia e, por conseguinte a sociedade “pensando a cidade”, podemos iniciar a reflexão sobre o espaço público na atual sociedade moderna. O espaço público atual se localiza na cidade moderna, e essa é produzida e planejada pelo Estado moderno capitalista, Estado que define democracia e cidadania de acordo com regras referentes ao nosso tempo, assim tais conceitos foram transformados ao longo da história da humanidade, e refletiam os diferentes interesses de determinadas classes. O filósofo e sociólogo Jürgen Habermas dedicou sua vida ao estudo da esfera pública, através do olhar histórico das mudanças que ocorreram nas diferentes sociedades. Em seu artigo sobre Habermas, Losekann (2009, p.39) explica que Com relação à palavra ‘público’, Habermas salienta que embora existam vários significados para esta, a dimensão que, aqui, ganha maior importância é a de que um público é sempre um público que julga. Aquilo que é objeto de julgamento é o que ganha publicidade. Ou seja, o surgimento de uma esfera pública significaria, desta maneira, a emergência de um espaço, no qual, assuntos de interesse geral seriam expostos, mas também controvertidos, debatidos, criticados, para, então, dar lugar a um julgamento, síntese ou consenso. Como decorrência, quanto mais assuntos forem trazidos para discussão, mais julgamentos acerca da realidade existirão. Olhando por outro ângulo, quando um tema ganha publicidade, isto significa que está submetido a uma avaliação pública. Aí reside o ponto fundamental da noção de esfera pública para a teoria democrática.

Ao fazermos tal caracterização do público, na atual sociedade capitalista, onde o capital dita as regras a partir da mediação do Estado burguês, logo os assuntos de interesse da sociedade civil podem ser secundarizados, principalmente no âmbito urbano, vemos diariamente na mídia, notícias do despejo de centenas de famílias de seus lares, sempre com o interesse do mercado imobiliário, por exemplo. Até agora foram apresentados elementos teóricos que abrangem o debate abstrato do pensar sobre o espaço público, e que também trazem à tona aspectos 21

essenciais para pensá-lo no âmbito geográfico. Conjuntamente a esses elementos, precisamos fazer a reflexão do aspecto material de como se caracteriza tal espaço na atual sociedade moderna, em seu trabalho sobre a vida pública moderna Caldeira (2000, p.302) afirma que [...] há um grande consenso a respeito de quais são os elementos básicos da experiência moderna de vida pública urbana: a primazia e a abertura de ruas; a circulação livre; os encontros impessoais e anônimos pedestres; o uso público e espontâneo de ruas e praças; e a presença de pessoas de diferentes grupos sociais passeando e observando os outros que passam, olhando vitrines, fazendo compras, sentando nos cafés, participando de manifestações políticas, apropriando as ruas para seus festivais e comemorações, ou usando o espaço especialmente designado para o lazer das massas.

Ora, se a sociedade capitalista necessita da circulação de capital para se reproduzir, acredita-se que sua organização se dá para que ocorra essa circulação, pronta para que as mais variadas trocar comerciais sejam realizadas, e parte do planejamento urbano se dá nesse sentido, espaços públicos que permitam facilmente a circulação de pessoas, para que as mesmas consumam. Assim, a partir da década de 90, vivenciamos nas metrópoles brasileiras processos de requalificação de diversas áreas da cidade, da construção de grandes condomínios à reformas de áreas degradadas. Através de ferramentas como Plano Diretor, Projetos e Programas o Estado transformou concretamente o espaço urbano, e para Fani (2007) essas transformações alteram as relações presentes nesse espaço, pois transformam as funções, os usos e as apropriações, recaracterizando-o, e tais revitalizações se constituem enquanto um processo de revalorização do solo urbano. Sant’anna

(2008) estudou

sobre as diferentes formas de práticas,

representações e usos do espaço público do Hipercentro, que faz parte da área central da cidade de Belo Horizonte, tal espaço foi transformado através de requalificações de determinadas áreas e ruas. As requalificações realizadas no centro de Belo Horizonte se deram a partir da atuação do setor público com o privado, com o intuito de reformas de prédios históricos, ruas, praças e outros lugares, outro fator importante foi a potencialização dos diversos tipos de comércios da região, o que gerou uma revalorização desse espaço, conjuntamente com a revalorização de imóveis da região. No mais, esse trabalho também analisou os 22

diferentes usos do espaço público, que se dá de forma heterogênea, variando de acordo com os diferentes horários dos dias durante a semana, caracterizando o espaço público do Hipercentro enquanto múltiplo e diverso. . Em outro trabalho sobre o espaço público, Valverde (2007) analisa as transformações ao longo do tempo, do Largo da Carioca, na cidade do Rio de Janeiro, abordando elementos do planejamento urbano e de como o espaço do Largo da Carioca é utilizado pela população. A partir de uma base teórica interdisciplinar, realizada profundamente a discussão de como o conceito de espaço público se modificou historicamente, através das diferentes áreas do conhecimento. E ao fazer a síntese entre o teórico e o empírico, propôs o conceito de heterotopia como instrumento de análise geográfica do espaço público, pois o mesmo permite uma leitura mais próxima da complexa e conflituosa realidade do espaço público. A abordagem geográfica para o estudo do espaço público é ampla, perpassa pelo entendimento de sociedade, democracia, cidadania e o espaço em si, logo uma diferente forma de analisar a sociedade, refletirá na forma de analisar o espaço público. Outro ponto importante, que exemplifica a dificuldade de compreensão do espaço público, é que, ao mesmo tempo em que a sociedade capitalista é excludente e privatizadora, há a demanda dessa própria sociedade por mais espaços públicos, enquanto lugares de sociabilidade, ou seja, um lugar de inclusão. Se por um lado é no espaço público onde exercemos nossa cidadania, ou seja, praticamos a política, na atual democracia burguesa são poucos os espaços onde os cidadãos possuem a liberdade de definir os melhores caminhos sobre o planejamento urbano, e consequentemente a construção e transformação do espaço público, pois os interesses capitalistas tendem a se sobrepor ao interesse da população. Por outro lado se o espaço público é usado e apropriado pela população, nas suas mais variadas formas, nada mais justo que tal população tivesse não apenas voz, mas a capacidade real de transformação desses espaços, e de fato possuem essa capacidade, ora, se sociedade e espaço não são elementos separados, então as relações sociais e

políticas diárias num

espaço

público

devem

ser

transformadoras do mesmo, e se articuladas com o poder público, tais mudanças podem ser planejadas, e assim talvez, de fato a democracia pode ser exercida. Assim o próximo capítulo tratará dos processos de requalificação realizados 23

no centro de Curitiba, a partir de registros dos envolvidos nos processos, o recorte da Rua São Francisco apresentará elementos até aqui citados. Nessas pesquisas foi possível perceber elementos teóricos que foram apresentados anteriormente, tanto da proposta de revalorização do espaço urbano perante planejamento do Estado, como a complexidade das diferentes práticas e usos do espaço público, assim nesse capítulo foram apresentados elementos teóricos científicos que embasaram esse trabalho como um todo, a tentativa aqui foi a da construção de um raciocínio que contemplasse, no âmbito do espaço público, a esfera abstrata e a esfera material.

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3. PLANEJAMENTO URBANO E SEUS AGENTES: UM OLHAR SOB A SÃO FRANCISCO E A PRAÇA DE BOLSO DO CICLISTA

Como citamos na introdução da presente pesquisa, esse capítulo tem o objetivo de apresentar os elementos observados durante as pesquisas de campo e entrevistas, assim será apresentado o processo histórico da realização da requalificação da Rua São Francisco, do Planejamento Urbano aos sujeitos envolvidos, contextualizando o objeto dessa pesquisa. Ao estudarmos processos de revitalizações realizadas por instituições públicas de planejamento urbano, há a necessidade de compreendermos o Plano Diretor em que tal requalificação está inserida. No caso de Curitiba, de acordo com o documento de Revisão do Plano Diretor de Curitiba de 2014, Curitiba teve um plano preliminar em 1965 que se tornou, de fato, um plano diretor no ano seguinte. No Plano Diretor de 1966 houve um claro direcionamento do crescimento da cidade através dos eixos estruturais, esse direcionamento permitiu o crescimento da cidade para suas áreas mais periféricas, porém também limitou os investimentos públicos na região central. Obviamente que houveram ações de planejamento no centro da cidade, como a criação da Rua XV de Novembro na década de 70, mas essas ações foram de menor porte se comparadas as ações nos eixos estruturais. Mesmo que citado de maneira sucinta, esse histórico é importante para compreendermos as mudanças que ocorreram com a revisão Plano Diretor de 2004, onde foi realizada uma adequação ao Estatuto da Cidade, pois foi a partir dessa adequação conjuntamente com a revisão do Plano como um todo, em que surgiram programas do governo municipal que buscavam a requalificação de partes da área central de Curitiba. No ano de 2004 foi realizado um diagnóstico da área central da cidade, buscou-se informações sobre o patrimônio histórico, edifícios desocupados, transporte, situação das calçadas, tipos de comércios e outros aspectos importantes para o planejamento urbano. Configurou-se então como um primeiro passo para as intervenções da prefeitura no centro de Curitiba, pois esse diagnóstico serviu enquanto um estudo para compreender melhor a conjuntura do centro de Curitiba na 25

época. Esse estudo então foi utilizado de base para programas que buscavam a requalificação de determinadas áreas centrais. Sendo que o primeiro programa criado, foi intitulado de Marco Zero. Nesse programa foram realizadas obras físicas que buscaram a reforma de áreas importantes do centro de Curitiba, como a Avenida Marechal Deodoro, onde houve a reforma das calçadas, com a manutenção do famoso “petit-pave” e conjuntamente com a criação de uma faixa acessível para pessoas com deficiência visual. Outra obra importante que esteve dentro do Programa Marco Zero foi a reforma e requalificação da Praça Tiradentes, praça mais antiga da cidade, durante essa reforma foram encontrados calçamentos de cunho arqueológico, que podem ser vistos através do piso de vidro laminado, que foi colocado durante a reforma. Nesse mesmo programa houve a reforma da Capela Santa Maria e do Mercado Municipal. Essas foram as primeiras intervenções da prefeitura na região central após a revisão do Plano Diretor de 2004, é válido ressaltar que todos os projetos foram construídos pelos planejadores urbanos do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Curitiba, o IPPUC. Após a realização das obras de requalificação de determinadas áreas centrais, foi criado um novo projeto intitulado Novo Centro. Para esse projeto foi realizado um diagnóstico em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, o SEBRAE, que ficou com a tarefa de diagnosticar os diferentes tipos de comércios que haviam na região do entorno da Praça Generoso Marques. Esse tipo de diagnóstico, permite que sejam feitas análises dos potenciais das áreas centrais, no que tange o comércio, logo a proposta não era de reinventar a cidade, e sim de promover, através de reformas, uma melhor acesso para as pessoas e consequentemente o aumento do comércio na região. Assim foi realizada uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Curitiba e a Federação do Comércio do Estado do Paraná. A restauração do edifício do Paço da Liberdade foi realizada pela FECOMÉRCIO em troca de uma concessão de uso de aproximadamente 20 anos, também houve a requalificação do entorno do Paço, ou seja, da Praça Generoso Marques como um todo. Criaram-se incentivos fiscais numa área delimitada ao redor do Paço da Liberdade, para que se instalassem novos comércios. Após a conclusão das obras, foram definidas diretrizes de ruas da 26

região a ser revitalizada, a primeira escolhida foi a Rua Riachuelo, as obras foram de intervenção física nas calçadas, acessibilidade e iluminação para os pedestres. É importante considerar a localização da rua, afinal é uma ligação entre a rua XV e o Shopping Mueller, o comércio de móveis usados foi potencializado, e de acordo com a entrevistada, de fato houve um aumento na circulação de pessoas após a requalificação, foi avaliado que a iluminação favoreceu a circulação de pessoas, pois as mesmas se sentiram mais seguras e a vontade para caminhar nela. Após a apresentação da linha histórica de obras realizadas pelo poder público municipal, entraremos no objeto desse trabalho, que é o processo de requalificação da Rua São Francisco, compreendo agora, o processo que precedeu a requalificação, e não apenas em qual projeto ele está inserido, mas também o contexto de um Plano Diretor com diretrizes de transformações a serem realizadas no espaço urbano. Ressalta-se que a Rua São Francisco será apresentada num primeiro momento, no segundo abordaremos sobre a construção da Praça de bolso do ciclista, apesar da mesma estar inserida no contexto da rua, seu processo de construção se diferencia da requalificação da rua. A Rua São Francisco, é uma das mais antigas e emblemáticas ruas de Curitiba, já foi conhecida como Rua do Hospício, Rua do Terço, Rua do Riachuelo e Rua do Fogo, localizada no coração pulsante da cidade, carrega historicamente desde sua formação o caráter boêmio da vida noturna curitibana. FIGURA 02. PAISAGEM ANTIGA DA RUA SÃO FRANCISCO. RUA SÃO FRANCISCO, A ANTIGA RUA DO FOGO. DATA 1923.

Fonte: autor desconhecido. Acervo: Cid Destefani. Gazeta do Povo, Coluna Nostalgia (17/05/1992). Disponível

em

curitibanaquelesidos.blogspot.com.br/2015/01/rua-sao-francisco-antiga-rua-do-

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fogo.html Acessado em 2016.

De acordo com documentos do IPPUC seu nome mais antigo é Rua do Fogo, há registro histórico de sua menção em documentos da Câmara Municipal datado em 1786. Cabe ressaltar que o nome das ruas, em determinada época, eram referenciadas através de suas características, por isso, Rua do Terço e do Hospício, por causa da Igreja e do Hospital que ali existiram no século 19. Sobre algumas das características da São Francisco, o documento do IPPUC diz que Ainda nos dias de hoje a São Francisco conserva o traçado dos tempos coloniais. Tempos em que se amarravam cavalos em argolas fincadas nas estreitas calçadas de pedra e se penduravam os chapéus nos beirais das casas. Conserva, também, elementos de diferentes temporalidades, visíveis nos antigos sobrados de grossas paredes, no calçamento irregular, nas construções mais recentes e, até mesmo, em atividades seculares que já inspiraram uma de suas denominações.

Do ponto de vista da geografia podemos refletir sobre a relação dos objetos de diferentes temporalidades com a paisagem, Milton Santos (2006) explica que a paisagem possui objetos concretos, e que tais objetos são providos de conteúdo técnico referente ao seu período histórico. Essa leitura nos leva ao entendimento de que a paisagem é, então, mutável, pois esses objetos mudam de função com o tempo, ou seja, de significação e valor. Esse sistema de valores que é o espaço, e suas significações se transformam dialeticamente.

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FIGURA 03. RUA DO FOGO NA PLANTA DO CENTRO DE CURITIBA, 1850.

Fonte: Acervo Histórico IPPUC, 2016.

Nessa figura da planta de Curitiba datada de 1850, temos o registro de parte do centro de Curitiba, na época a Rua São Francisco era chamada de Rua do Fogo. Podemos perceber também o Largo da Matriz, que atualmente é a Praça Tiradentes. Essa figura nos mostra a importância histórica da Rua São Francisco na dinâmica central de Curitiba. Na próxima página há outra planta dessa época, porém numa outra escala.

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FIGURA 04. PLANTA DO CENTRO DE CURITIBA, 1857.

Fonte: Acervo Histórico IPPUC, 2016

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FIGURA 05. IMAGEM DE SATÉLITE DO CENTRO DE CURITIBA, 2016.

Fonte: Google Earth, 2016.

Nessa imagem atual do centro de Curitiba, podemos perceber os mesmos lugares que foram representados nas plantas de 1850 e 1857. A Rua São Francisco se mostra como um dos caminhos entre a Praça Santos Andrade e o Largo da Ordem, além de ficar próxima ao Marco Zero da cidade, a Praça Tiradentes. Observamos então a importância da Rua São Francisco na história do desenvolvimento do centro de Curitiba. No caso da Rua São Francisco, as casas e edifícios são registros históricos, como também o chão de matacão colonial, que foi preservado na reforma das calçadas, são os objetos de diferentes tempos que compõe a paisagem da rua. As significações desses objetos mudaram com o tempo, e com a requalificação, são os registros históricos dos elementos presentes na rua, é conservação da história concreta da rua.

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FIGURA 06. CALÇADA REFORMADA E O MATACÃO COLONIAL, REGISTROS TÉCNICOS NA PAISAGEM

Fonte: Natália Leister, 2016.

Apesar das mudanças que ocorrem no espaço urbano durante o tempo, a Rua São Francisco, sempre foi uma rua importante, caracterizada pelo comércio, e por muito tempo, um comércio diversificado. Como também foi caracterizada enquanto uma rua de caráter boêmio, onde andavam pelas suas calçadas, as pessoas à margem da sociedade. Foi consenso entre os entrevistados, que o período anterior a requalificação, a São Francisco encontrava-se abandonada perante o poder público, sendo dominada por usuários de “crack”, o que remetia a rua num lugar obscuro e marginalizado, a falta de notícias sobre essa época, é um sinal desse abandono. É nesse contexto, de um espaço urbano e público, que surge a Requalificação da São Francisco e posteriormente a construção da Praça de bolso do ciclista. No período noturno, a rua curta e estreita, de apenas duas quadras, era ambiente de tráfico de drogas, principalmente o crack. A iluminação era praticamente inexistente, os carros estacionados aumentavam a dificuldade de se transitar na rua, assim o comércio ilegal era realizado dentro desses carros, e o uso de drogas se 32

efetivava na calçada, entre carros, de baixo das marquises e etc, ou seja, a rua era um local inseguro, dominada por dependentes químicos excluídos da sociedade. Sob a coordenação do urbanista Mauro José Magnabosco, o projeto seguiu a lógica das obras realizadas anteriormente, então o IPPUC pensou num projeto em que a acessibilidade do pedestre fosse garantida, conjuntamente com uma iluminação enquanto fator de segurança. Outro ponto foi a pintura da fachada dos prédios históricos e a manutenção do piso de matacão colonial. No âmbito comercial decidiu-se por potencializar o viés gastronômico da rua. De acordo com o projeto as calçadas foram alargadas aproximadamente 2 metros, sendo adicionada uma faixa de 1,20 metros de material antiderrapante, também foi proibido o estacionamento de carros na rua, promovendo uma maior acessibilidade aos pedestres. A calçada seguiu o mesmo padrão de material que da Rua Riachuelo, havendo assim uma continuidade do calçamento. O pavimento da rua, em paralelepípedo foi mantido e passou por um processo de nivelamento, assim tanto a rua como a calçada foram niveladas. FIGURA 07: PAISAGEM NOTURNA DA RUA SÃO FRANCISCO EM 2014.

Fonte: Gazeta do Povo, 2014. Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/dinheiropublico/wp-content/uploads/sites/113/2014/11/S%C3%A3o-Francisco-1.jpg?a77b20, acesso em 2016.

A iluminação pública possui alimentação subterrânea, com intuito de manter o caráter histórico da região, houve a manutenção dos postes e arandelas fixadas nas fachadas dos estabelecimentos. 33

Uma parte importante relacionada ao Projeto Novo Centro foi o Projeto nomeado “Tudo de cor pra você, e foi realizado em parceria com a Tintas Coral, o projeto tinha enquanto objetivo a pintura das fachadas de todos os estabelecimentos da Rua São Francisco, tal processo, demandou a articulação do IPPUC com os proprietários dos imóveis. As tintas foram fornecidas pela Tintas Coral, o estudo das cores das fachadas foi feito pelo IPPUC e os proprietários arcaram com os custos da contratação e mão de obra do serviço. Outro projeto relacionado a arte e cultura, foi o Projeto Arte Urbana que realizou intervenções com desenhos grafitados nas fachadas de determinados estabelecimentos, que disponibilizaram suas fachadas para que grafiteiros fizessem artes com a temática “Curitiba, histórias e memórias”. A rua foi entregue a população curitibana em dezembro de 2012, o terreno baldio foi contornado por um tapume, que possuía uma linha histórica da Rua São Francisco, de acordo com o acervo histórico do IPPUC. Após a requalificação da rua, alguns estabelecimentos se mantiveram e outros surgiram, a caráter gastronômico é claro ao percebemos um total de 14 restaurantes, lanchonetes e bares, bem diversificados, são estabelecimentos que abrangem culinárias variadas, sendo o Restaurante São Francisco, o mais antigo da rua, fundado em 1955. Apesar de passarem quase despercebidos pelas pessoas que frequentam a rua, a mesma possui dois edifícios de habitação importantes, de médio e grande porte, o primeiro é de apartamentos para locação, enquanto o segundo os proprietários são a grande maioria. Há algumas edificações que no andar térreo há estabelecimento comercial, enquanto os andares superiores são destinados a aluguel de quartos. Outros tipos de estabelecimentos comerciais existem na rua, brechós, loteria, estacionamento, funerária e outros. A Funerária São Francisco e o Estacionamento Gralha Azul se localizam na quadra acima da rua Riachuelo, onde há um maior trânsito de carros. O CEEBJA Poty Lazzarotto, é um importante centro educacional estadual de jovens e adultos, localizado na primeira quadra da rua, nos andares superiores de um edifício, suas salas se estendem praticamente até o fim da quadra, ocupam aproximadamente 2/3 do andar superior da quadra. Atende, desde 2001, um número 34

em torno de mil estudantes de Curitiba e Região Metropolitana. De acordo com a atual diretora da escola a professora Silvia Aparecida Rodrigues Cardoso, o prédio é alugado, foi construído para fins comerciais, suas salas são pequenas, porém são adequadas, pois as turmas possuem poucos alunos, o ambiente proporciona uma aproximação dos professores e alunos. FIGURA 08. ENTRADA CEAD POTY LAZZAROTTO.

Fonte: Secretaria de Educação do Estado do Paraná – CEAD Poty Lazzarotto, 2016.

As aulas são ministradas nos períodos da manhã, tarde e noite, logo há uma alta rotatividade de alunos, que buscam na escola uma possibilidade de conciliar os estudos com o(s) trabalho(s), ao irem a escola, esses estudantes também se utilizam da Rua São Francisco, nos aprofundaremos mais além. No contexto da revitalização também houve a emergência de um fato novo em termos de construção de espaços públicos em Curitiba, que é o caso da Praça de bolso do ciclista, projeto do qual abordaremos nos próximos parágrafos. A Praça de bolso do ciclista se localiza no início da Rua São Francisco, apesar de ser um terreno público, se encontrava abandonado. A partir da 35

requalificação da São Francisco, houve diálogos entre agentes em todas as fases do projeto, do planejamento a construção em si. Os principais agentes desse processo foram a sociedade civil organizada através de duas entidades, a ONG Ciclistas do Alto Iguaçu e a Bicicletaria Cultural. A ONG surge em 2011, com o objetivo da realização do diálogo com o poder público sobre a ciclomobilidade, pouco tempo depois foi criada a Bicicletaria Cultural, um espaço de construção coletiva, localizado à frente da Praça, que funciona como um estacionamento de bicicletas, mas também com outros serviços e atividades, busca trabalhar com economia criativa e colaborativa. As entidades possuem um laço forte, com sujeitos participando de ambas. São essas entidades, articuladas através da ciclomobilidade, que buscaram informações sobre o terreno abandonado. Logo no início da gestão do Luciano Ducci, em 2013, a ONG questionou a prefeitura sobre o terreno, de acordo com o cicloativista que participou do processo e foi um dos entrevistados nesse trabalho, ao ser questionada sobre projetos para o terreno, a prefeitura tinha a ideia de criar naquele espaço, uma praça “diferenciada”, ou seja, a prefeitura estava aberta a propostas. Assim a ONG propôs de ser uma praça do ciclista, a prefeitura gostou da proposta, ficando a cargo dos urbanistas do IPPUC a tarefa de apresentar um projeto sobre a temática. O projeto construído pelo Magnabosco era arrojado, tinha até a proposta de bicicletas fixas que o seu uso permitiria a produção de energia, para carregar celulares, por exemplo. Tal projeto não saiu do papel por falta de verbas, logo no início da gestão, no ano de 2013, assim a ONG apresentou a contraproposta de construir a praça com as próprias mãos, em formato de mutirão, o IPPUC aceitou a proposta da ONG, e assim ficou a cargo da poder público municipal de fazer a terraplanagem e a doação de materiais mais brutos, enquanto a aquisição de materiais mais específicos e construção da praça ficaram a cargo da ONG. Assim a adaptação e simplificação do projeto inicial foi realizado pela Ciclo Iguaçu, não apenas na questão de materiais e estrutura física da praça, mas também a forma de trabalho. Os materiais mais brutos como areia, brita, cimento e outros foi disponibilizado pelo poder público, não houve a necessidade da realização de licitações para o aluguel dos equipamentos, assim os mesmos foram emprestados por empresas apoiadoras. A construção se deu de forma horizontal e 36

coletiva, apesar de haver um grupo coeso, pessoas próximas circulavam nesse grupo e contribuíam também durante a construção, aos sábados e domingos, diversas atividades eram realizadas durante a construção da praça, som mecânico, produção de comida e atividades infantis. A construção durou ao todo seis meses, durante o processo ocorreu o Fórum Mundial da Bicicleta em Curitiba, após esse evento, não apenas se formou um grupo coeso que atuou na construção, mas também foi de onde surgiu a pintura da artista Mona Caron, representando uma flor que poliniza a cidade com uma bicicleta, remetendo a ideia de movimento que se apropria do espaço urbano. FIGURA 09. PAISAGEM DA CONSTRUÇÃO DA PRAÇA DE BOLSO DO CICLISTA

Fonte: Documentário Praça de Bolso do Ciclista, disponível em: https://vimeo.com/122463936, acesso em 2016.

O formato e posição dos objetos inseridos no contexto da praça, permite tanto a permanência como o fluxo de pessoas por ela. Os bancos com desenhos de mosaico e a pequena mureta, proporcional um local ideal para a permanência de um grupo de pessoas. Seus caminhos abertos, permitem o ir e vir das pessoas, e os paraciclos permitem que os ciclistas estacionem suas bicicletas, facilitando o seu trânsito pela rua. Suas paredes são revestidas pelos mais variados desenhos grafitados, mensagens escritas e papéis colados. Ao lado da parede, que faz divisa com um 37

prédio, foram plantadas diferentes espécies de plantas, esses elementos podem ser visualizados na foto abaixo FIGURA 10. PRAÇA DE BOLSO DO CICLISTA, VISTA PARA A RUA PRESIDENTE FARIA.

Fonte: Jhonnatan Porto, 2016.

No dia 22 de setembro, Dia Mundial Sem Carro, no ano de 2014, foi inaugurada a Praça de bolso do ciclista, com as mais variadas formas de expressões artísticas. Inclusive contou com a participação do prefeito na época, Gustavo Fruet. FIGURA 11. PLACA DE INAUGURAÇÃO.

Fonte: http://acervo.paranaportal.com.br/wp-content/uploads/2014/09/ciclista22.png Acesso em 2016.

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Através da linha histórica do planejamento urbano da cidade de Curitiba, apresentando as diretrizes escolhidas e as obras realizadas, foi possível contextualizar em que projeto a requalificação da Rua São Francisco fez parte, como também os agentes que participaram desse processo, conjuntamente com a forma que se deram as articulações. A construção da Praça de bolso do ciclista possui um caráter diferenciado, da ideia à inauguração, todo o processo, sujeitos da sociedade civil pensaram, planejaram, construíram e inauguraram um espaço público para uso comunitário, sendo a experiência de articulação onde o poder público permitiu uma certa autonomia a população. Através da associação de todo o processo, do início ao fim, do projeto da Praça de bolso do ciclista, com o debate teórico realizado no primeiro capítulo, percebemos o diálogo entre a teoria e a prática. Como as relações sociais e políticas, transformaram de fato o espaço público, onde democracia e cidadania se colocaram presentes, dentro de seus limites. Em síntese, esse capítulo buscou abordar elementos essenciais que caracterizam a Rua São Francisco, dos anos que antecederam a requalificação ao processo como um todo, contemplando os aspectos concretos dos objetos no espaço e suas características qualitativas. Foram também apresentados as instituições públicas e privadas, e as entidades da sociedade civil, que participaram do processo, e possuem suas opiniões e interesses. As articulações se relacionam com o debate “abstrato” realizado no primeiro capítulo, da mesma forma que o planejamento e transformação do espaço público se relaciona com o debate “material”. Todavia para termos elementos que contemplem uma análise mais completa do espaço público, precisamos caracterizar como tal espaço é usado e apropriado, afinal, quem são os sujeitos que utilizam a Rua São Francisco? Quais atividades são realizadas? Essas e outras perguntas são essenciais para compreendermos as relações sociais, políticas e culturais que se dão nesse espaço público, e serão trabalhadas no próximo capítulo.

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4. OS USOS E OCUPAÇÕES DA RUA E DA PRAÇA: UMA LEITURA EM RELAÇÃO AOS SUJEITOS. Nesse capítulo serão apresentados os sujeitos que utilizam a Rua São Francisco, de suas mais variadas formas. Para tal caracterização foram utilizados elementos que surgiram durante as entrevistas, como também as pesquisas de campo, que contaram com observações e diálogos com esses sujeitos. Os diferentes estabelecimentos e espaços da rua, também influenciam no tipo de experiência que os sujeitos buscam, sendo necessário relacionarmos esses estabelecimentos enquanto facilitadores de determinados usos da rua. Ao relacionarmos sujeitos com o espaço, não apenas relacionamos indivíduos, como também grupos que se articulam nesse espaço, e utilizam-no da forma que lhes convém. Então, podemos nos questionar se há conflitos entre os diferentes sujeitos na Rua São Francisco, e se sim, quais conflitos? No capítulo anterior, foram apresentadas as mudanças realizadas pelo IPPUC na Rua São Francisco, baseadas no diagnóstico e potencialidades da mesma. Porém tais transformações influenciaram na forma em que a rua é utilizada, ou seja, tais mudanças permitiram novas formas de uso desses espaços. Antes da requalificação, os carros estacionados na rua, eram um dos pontos chaves para a insegurança da rua, conjuntamente com a falta de iluminação. Assim as calçadas foram expandidas, inclusive com a construção de uma faixa acessível. O aumento da calçada propiciou uma nova dinâmica na rua, pois permitiu à permanência das pessoas na calçada, assim, a calçada serve tanto como passagem, como permanência. Para contribuir com a experiência de permanência na rua, a Praça de bolso do ciclista possui bancos e degraus onde as pessoas se sentam em grupos. A Praça de bolso do ciclista carrega em sua breve história, características que são intrínsecas ao movimento pela mobilidade urbana, não só sobre o processo de sua construção, mas o projeto proposto e realizado, o caráter artístico e cultural está presente em suas estruturas, criando um ambiente para o encontro de uma juventude urbana. Em relação aos estabelecimentos, de fato a Rua São Francisco possui um caráter gastronômico, durante o período que foi realizada as pesquisas de 40

campo(dados em anexo 2), havia um total de 38 estabelecimentos, sendo 14 deles ligados ao comércio de comidas e bebidas, são restaurantes, lanchonetes e bares. Esses estabelecimentos variam de acordo com sua culinária, lanchonete árabe, restaurante brasileiro, restaurante japonês, hamburgueria e outros. As vendas de bebidas alcoólicas ocorrem praticamente em todos os períodos do dia, de bebidas comuns a bares à chopps produzido artesanalmente. Essa diversidade de opções de comidas e bebidas, de certa forma, é o que leva os sujeitos a irem usufruir da Rua São Francisco, pelo menos foi esse o viés a ser potencializado com a requalificação. Apesar de esses estabelecimentos possuírem uma parte interna, com mesas e cadeiras, ou seja, espaço para a clientela. O que ocorreu foi que grande parte dos consumidores costumam fica na calçada, em pé ou encostados na parede, compram no estabelecimento, mas consomem na calçada, ou melhor, na rua. Esse tipo de ocupação da rua não foi esperado, de acordo com a opinião exposta pela representante do IPPUC entrevistada, logo no início da requalificação, tal processo de ocupação não existia, a expansão das calçadas tinha o objetivo de retirar os carros e facilitar a passagem dos pedestres, e de fato, no início as pessoas iam para consumir dentro dos estabelecimentos. De acordo com diálogos realizados, durante as pesquisas de campo com sujeitos que costumam ir à Rua São Francisco, apesar de tal estabelecimento não existir mais, havia uma distribuidora de bebidas, assim os sujeitos compravam ali e consumiam na rua, pois não havia espaço para consumo interno. Podemos dizer que, assim iniciou-se a lógica de permanência na rua, processo que cresceu desde a requalificação e construção da praça. Outro estabelecimento que possui influência na ocupação da rua, apesar dê às vezes passar despercebido, é o CEAD Poty Lazzarotto. A escola especializada na educação de jovens e adultos, recebe centenas de alunos durante todos os períodos do dia. Sendo comum encontrar estudantes da escola reunidos em grupos, principalmente na quadra entre as ruas Presidente Faria e Riachuelo, contemplando também o espaço da praça. Ressalta-se que há dois edifícios de domicílios na rua, então são moradores de condomínios que se localizam numa rua onde há uma clara busca pelo lazer, e que convivem diariamente com a realidade da São Francisco. 41

Entender os elementos que constituem o ambiente que foi construído e o caráter diversificado dos estabelecimentos ali presentes é de suma importância para compreendermos quais os interesses dos sujeitos que ocupam a rua, ou melhor, quais experiências são buscadas ali. Nesse sentido, percebemos que há estabelecimentos ligados ao lazer e a boêmia, mas também estabelecimentos ligados ao estudo e ao descanso, logo há sujeitos que buscam experiências diferentes. Aprofundaremos nessas relações mais a frente. Com a construção da Praça de bolso do ciclista, a Rua São Francisco ganhou um espaço adequado para a realização de eventos artísticos e culturais. A própria inauguração já foi uma celebração de um trabalho realizado coletivamente. A partir daí, só aumentaram os eventos na rua, de apresentações organizadas autonomamente por pessoas a eventos organizados por entidades, assim, recorrentemente a Praça é ocupada por sujeitos que estão ali para compartilhar arte, cultura e política. Como exemplo de evento, em dezembro de 2014, foi realizada a festa Plas Ayisen – Somos Tod@s Migrantes! Com a proposta de apoio aos migrantes haitianos, o Programa Português Brasileiro para Migração Humanitária da Universidade Federal do Paraná e entidades parceiras, organizaram esse evento. Houve a apresentação de filme, danças, músicas e fotos, além da venda de alimentos típicos. Foi ocupação da praça para um evento que em sua essência é político, afinal a pauta da migração está na agenda até hoje.

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FIGURA 12. PAISAGEM DO EVENTO PLAS AYISYEN – SOMOS TOD@S MIGRANTES!

Fonte: http://www.cicloiguacu.org.br/2014/12/12/somos-todos-migrantes/ acesso em 2016.

Outros eventos foram realizados na Praça de bolso do ciclista, como apresentações musicais de artistas de rua curitibanos, ou seja, a rua e a praça são ocupadas por sujeitos que ali expressam suas culturas e opiniões. Obviamente a rua não é ocupada apenas em eventos, algo comum de se ver são grupos de pessoas com seus instrumentos musicais ou som mecânico. Assim a São Francisco se tornou um ambiente que pulsa cultura em suas diversas formas, logo, os sujeitos que se utilizam da rua, possuem relação direta com essa cultura. Há

dois

dias

na

semana

em

que,

através

da

organização

dos

estabelecimentos comerciais, a primeira quadra da Rua São Francisco é fechada para carros. Na quinta-feira, é realizada uma feira com a venda de diversos produtos artesanais, e aos domingos são colocados brinquedos e tabuleiros na rua, para a realização de atividades com crianças. Essas atividades realizadas com e para as crianças foi intitulada de Espaço Kids, causou conflito na câmara dos vereadores, que pediram o fim dessas atividades, com o discurso que o espaço da São Francisco não é apropriado para crianças. Sobre as argumentações realizadas, em agosto de 2016, a Câmara Municipal de Curitiba publicou uma notícia na internet intitulada “Vereadores pedem o fim do Espaço Kids na rua São Francisco”

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Apesar dos argumentos de que a revitalização dos espaços públicos se dá com a ocupação dos mesmos pela população, prevaleceu a tese que o local é inapropriado para atividades recreativas com crianças – chamada de “Espaço Kids” na indicação de sugestão ao Executivo. “A prefeitura está dando um mau exemplo. [As crianças] ficam no meio de bêbados, drogados, pessoas do mesmo sexo que 'se amassam' na rua”, defendeu o autor da iniciativa. “As crianças precisam ser resguardadas de agressão, de aliciamento”, seguiu outra vereadora.

A decisão sobre o fim do “Espaço Kids” ainda se mantém aberta, recorda-se aqui a interação das crianças durante a construção da Praça de bolso do ciclista. No mais, os vereadores também são contra o fechamento da rua, para carros, aos fins de semana. Esse fechamento permite uma melhor utilização, dos espaços da São Francisco, pela população, por garantir segurança e liberdade de trânsito. Em documentário realizado sobre a construção da Praça de bolso do ciclista, entrevistados expuseram suas impressões e opiniões, um desses dialoga com o debate proposto Essa ideia de que o público ou espaço público é fundamental para a constituição da democracia, porque as pessoas se encontram, por exemplo, e como ponto de encontro, elas acabam dissolvendo essas diferenças sociais, é claro, elas não terminam, mas são ao menos apaziguadas, todo regime de segregação racial se baseia na segregação espacial, acima de tudo. Se as pessoas convivem, esse tipo de preconceito não consegue se sustentar, numa ditadura, por exemplo, se estabelece quais são as primeiras medidas a serem tomadas, cerceiam a imprensa, mas cerceiam o espaço público também, é o toque de recolher, é a proibição de aglomeração no espaço público, enfim, o espaço público de alguma forma assusta o poder estabelecido, porque da chance de convívio as pessoas.

Tais eventos têm o objetivo de que a população usufrua e ocupe o espaço público, a festa da migração haitiana é um exemplo de como o espaço público tem em sua essência a democracia, e o Espaço Kids nos mostra que a ocupação do espaço público é diversa, e que essa diversidade pode ser conflituosa.

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FIGURA 13. ESPAÇO KIDS EM UMA TARDE DE DOMINGO

Fonte: Jhonnatan Porto, 2016.

A apresentação sobre os estabelecimentos conjuntamente com os eventos, nos mostram elementos importantes para caracterizarmos os sujeitos que se utilizam da Rua São Francisco. Afinal esses elementos possuem relação direta com as formas de uso e ocupação desse espaço, as possibilidades de experiências, são, de certa forma, influenciadas pelos objetos ali encontrados. As caracterizações a serem feitas aqui, partem da síntese dos dados adquiridos através das metodologias utilizadas nesse trabalho, assim, as informações possuem um caráter qualitativo, que nos ajudam a entender melhor o perfil das pessoas que compartilham experiências na Rua São Francisco. Um grupo de sujeitos que estão diariamente na São Francisco, e que são a maioria nos períodos da manhã e tarde, são os estudantes do CEAD Poty Lazzarotto. Entre uma aula e outra, durante o período do intervalo, é comum ver os estudantes ocupando espaços da rua, conversam, namoram, jogam cartas, tocam instrumentos e outras atividades, enfim, encontram na rua um espaço para socializarem. Somam-se a esses estudantes, alunos de outros colégios da região central de 45

Curitiba. Não é difícil encontrar jovens com uniformes do Colégio Estadual do Paraná e do Instituto de Educação do Paraná Professor Erasmo Pilotto, além de outras escolas. Sendo assim, percebemos que há a ocupação da São Francisco por jovens estudantes, provenientes de Curitiba e Região Metropolitana, que encontram na rua, um ambiente aconchegante para o lazer, principalmente pelo caráter de uma cultura urbana, representada pelos grafites, pichações e “lambes” encontrados em toda a extensão da rua. O grupo dos estudantes do CEAD e de outras escolas curitibanas, formam uma parte dos sujeitos que não apenas ocupam a rua, mas também transformam-na a partir das relações sociais que ali são construídas, mais além falaremos sobre os conflitos que ocorrem com esse grupo. Outro grupo importante são o de trabalhadores e estudantes universitários, maiores de idade, que buscam arte, cultura e diversão nas calçadas da Rua São Francisco. Geralmente ocupam a rua no fim de tarde e a noite, espalhados na frente dos diversos bares, socializam enquanto ouvem música e bebem. Dentro desse grande grupo, há divisões em grupos menores, se separam de acordo com o estabelecimento de preferência, como também possuem estilos diferenciados, percebíveis através de suas vestimentas. Apesar das diferenças desses sujeitos, todos encontram na Rua São Francisco um lugar central, ideal para o lazer boêmio, essas diferenças caracterizam uma diversidade de ideias e opiniões, mas que compartilham do mesmo espaço simultaneamente. Apesar das poucas informações obtidas, outro grupo de sujeitos encontrados na São Francisco, são sujeitos ligados ao tráfico de drogas. Se anteriormente a requalificação, a rua era espaço do comércio ilegal, após a requalificação tal tipo de comércio continuou. Não entrando no mérito da questão, mas o tráfico de drogas é uma atividade que gera conflito na rua. Tantos as entidades, como os sujeitos aqui caracterizados, se utilizam e ocupam o mesmo espaço, e assim constroem suas relações sociais, culturais, econômicas e políticas. Podemos imaginar que tanta diversidade de interesses e ideias devam exprimir conflitos, mas quais são esse conflitos? De quinta-feira a domingo, no fim de tarde em diante, as pessoas lotam a Rua 46

São Francisco em busca de diversão. A concentração de pessoas promove muito barulho, alguns estabelecimentos promovem apresentações de bandas musicais, como também colocam caixas de som. O barulho alto é a principal reclamação dos moradores dos edifícios e dos professores e professoras do CEAD Poty Lazzarotto. O som ecoa atrapalhando aqueles que querem descansar e estudar. Algumas das salas de aula ficam de frente para a rua, não há condição de deixar as janelas abertas nesses dias, até com as janelas fechadas o som chega até a sala de aula. O barulho não apenas atrapalha a concentração dos estudantes, como também dos próprios professores. No mais, o ambiente boêmio da Rua São Francisco, acaba sendo um convite para os estudantes deixarem a sala de aula para se divertirem. Soma-se a questão do som alto, um problema que é recorrente no centro de Curitiba, que é o tráfico de drogas. Não entremos no mérito moral da questão, se é certo ou errado, a questão é que a venda e consumo de substâncias ilícitas ocorrem na São Francisco. De acordo com a entrevista realizada com a representante do CEAD, esse é o principal conflito que a escola tem com o lugar onde está localizada. Por se tratar de uma escola para a educação de jovens e adultos, isso significa que os estudantes do CEAD, em algum momento de suas vidas, tiveram problemas para finalizar o ensino regular. Como a entrevistada afirma Então veja, nós temos um problema sério, pois se um aluno que já teve problema com drogas numa escola regular e esse problema afeta sua vida escolar, porque a partir do momento que alguém se matricula na educação de jovens e adultos, é porque alguma coisa não deu certo no regular, ou porque teve que trabalhar muito cedo, problema de déficit de atenção, nós temos muitos alunos com deficiência visual, deficiência auditiva, assim como problemas psicológicos, e tem o pessoal que realmente tem problema com droga, aí o que acontece, chega aqui e encontra, porque é livre, você pode olhar, chega ali na janela e você vai ver o pessoal enrolando seu baseado [...].

Anterior a requalificação, também havia o tráfico de drogas, mas na época, tal situação não era vista como conflitante em relação a escola, pois os alunos não se envolviam com os usuários. Porém atualmente, a relação entre os alunos e as drogas é muito próxima, atrapalhando completamente o objetivo desses estudantes, que é terminar os estudos. 47

Outro ponto colocado pela entrevistada, é que pelo alto fluxo de estudantes da escola, há a dificuldade do controle de entrada de pessoas na escola, assim, os traficantes têm acesso à escola, emprestando a carteira de estudantes, por exemplo. Por se tratar de uma escola pública, todas as matrículas são aceitas, então há o interesse desses traficantes de se matricularem, pois encontra no CEAD um ponto de segurança, seja para se esconder da polícia ou para guardar suas drogas. O comércio ilegal de drogas, conjuntamente com a aglomeração de pessoas, nos leva a outro conflito, que é o de segurança pública. De acordo com o portal de notícias Bem Paraná, em 2016, entre o período de 1º de janeiro a 14 de março, foram registradas 26 ocorrências ocorridas na rua, a principal ocorrência é porte de substância ilícita, seguida de perturbação do sossego, dano e roubo. Durante o dia, não é difícil de encontrar agentes de segurança pública na região da São Francisco. Porém no período noturno, a presença desses agentes é praticamente nula. Com o intuito de aumentar a segurança da rua, no início desse ano, foi instalado um totem de videomonitoramento interativo da Guarda Municipal. Além das câmeras de vídeo, o totem possui alto-falantes que emitem avisos e sistema de interação direto com a GM. A presença desse objeto busca inibir a prática de crimes na rua. FIGURA 14. VIGILÂNCIA DA GUARDA MUNICIPAL NO INÍCIO DA SÃO FRANCISCO.

Fonte: Jhonnatan Porto, 2016.

No mais, pouco se fez em relação aos problemas citados pelo CEAD Poty 48

Lazzarotto, tanto que no processo de requalificação, não houve diálogo entre a esfera municipal com a estadual. Apesar de a escola estar localizada na São Francisco muito tempo antes da requalificação, atualmente estão buscando outro local para se instalarem, pois de fato, os conflitos apresentados estão atrapalhando a condução de um processo educacional correto. Apesar da articulação entre comerciantes, moradores e estabelecimentos, para minimizarem esses problemas, os conflitos permanecem, são recorrentes notícias nas mídias sobre a Rua São Francisco e seus conflitos. Nesse sentido, a São Francisco configura-se enquanto uns espaços de multiusos, divergentes inclusive, afinal no mesmo espaço pessoas buscam o estudo e a diversão. No documentário Praça de bolso do ciclista, há a entrevista com um morador da São Francisco, o mesmo opina em relação ao conflito gerado por causa do barulho da rua O que não foi legal, pra gente aqui, foi para nós moradores, foi os bares, muita bagunça depois do horário do silêncio, então eu estou saindo daqui, como morador, porque não dá, não dá nem pra assistir televisão, tem dia que a “muvuca” é tão grande, o barulho[…].

Para concluir, podemos fazer a reflexão geográfica, sobre os aspectos apresentados, ressalta-se que a proposta desse trabalho é o estudo do espaço público, porém foram observados outros elementos da geografia, que mereceriam um aprofundamento teórico para uma análise mais completa. Ao apresentarmos os sujeitos, apresentamos também as diferentes atividades que realizam durante o dia, e como essas atividades se relacionam de forma dialética com o espaço, algumas dessas atividades são conflituosas, caracterizando a rua como território(s), o que nos leva aos questionamentos, quais o(s) território(s) da Rua São Francisco? Como variam em relação ao período do dia? Podemos pensar numa Geografia da Rua São Francisco?

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A RUA SÃO FRANCISCO E A PRAÇA DE BOLSO DO CICLISTA, SEUS ESPAÇOS E SUA GEOGRAFIA.

Conforme vimos anteriormente, o espaço público é caracterizado por dois conceitos essenciais, o de cidadania e o de democracia. Ao analisarmos o pré e pós requalificação, construção da Praça de Bolso do Ciclista e os usos da Rua São Francisco, percebemos a presença desses dois elementos. Apesar de haver a participação da população no planejamento urbano, tal participação é baixa, restringida a audiências públicas, nesses espaços a população tem a oportunidade de apresentar suas dúvidas e opiniões, porém na prática, não necessariamente essas opiniões contam no momento de realização de um projeto. No caso da Praça de bolso de ciclista, tivemos a experiência de uma entidade civil que teve a oportunidade de planejar e construir uma praça, essa experiência foi um avanço em cidadania e democracia, uma vez que esse processo permitiu uma apropriação, de fato, de um espaço público. O processo de construção da Praça de bolso do ciclista, não apenas estreitou a relação entre as pessoas, mas também dessas pessoas com o próprio espaço público. Em sua essência, a construção da praça foi um ato político, percebemos então que o conceito de “política” relacionado ao espaço público não se limita apenas ao uso desse espaço, pois nesse caso, a política esteve presente no planejamento, na construção e no uso. Para além, a Praça de bolso do ciclista já foi palco de eventos de caráter social, político e cultural, como exemplo o Plas ayisyen – Somos Tod@s Migrantes, reforçando o caráter político da rua. Reforçando o caráter político do espaço público, Gomes (2012, p.24) coloca Os espaços públicos são, nesse sentido, lugares onde os problemas são assinalados e significados, um terreno onde se exprimem tensões, o conflito se transforma em debate, e a problematização da vida social é posta em cena. Ele constitui, por isso, uma arena de debates, mas também um terreno de reconhecimento e de inscrição dos conflitos sociais. Por essa razão, esses espaços são marcadores fundamentais da transformação social.

Apesar da permanência das pessoas nas calçadas não ter sido o objetivo do aumento da largura das mesmas. Foram os sujeitos que vão à Rua São Francisco que resolveram utilizá-las assim, ou seja, se apropriam do espaço público da forma 50

que melhor convém. Ou seja, mesmo sem participarem do planejamento, as pessoas ao usufruírem desse espaço, modificam suas formas de utilizarem-no, transformando assim as próprias relações ali presentes. Ao fazermos o recorte da requalificação, sem a construção da praça, percebemos o caráter planejador do estado aliado à lógica de reprodução do capital. A requalificação da Praça Generoso Marques, da Rua Riachuelo e da Rua São Francisco, todas foram com o intuito de potencializar o comércio da região, as obras nas calçadas e de iluminação foram realizadas para aumentar o fluxo de pedestres, e consequentemente, o aumento do comércio. Nesse contexto, percebemos a articulação de um órgão público planejador com entidades que representam interesses do capital, como o SEBRAE e a FECOMÉRCIO, no que tange o planejamento urbano, podemos pensar então, a proximidade dessas entidades com o Estado, e nos questionarmos quais são seus interesses perante o espaço urbano. Em relação ao todo o processo de revitalizações realizados através dos Projetos Marco Zero e Novo Centro, Fani (2007, p.89) explica que Assim, a revitalização é, antes de mais nada, um processo de revalorização do solo urbano que muda o uso do espaço pela imposição do valor de troca, expulsando aquele que não está apto a pagar por ele, como pode ser visto, por exemplo, em São Paulo, Salvador ou mesmo em Paris. A revitalização, por sua vez, também produz a assepsia dos lugares, pois o “degradado” é sempre o que aparece na paisagem como o pobre, o sujo, o feio, exigindo sua substituição pelo rico, limpo, bonito; características que não condizem com a pobreza.

Assim podemos nos questionar, que o interesse primário na requalificação da São Francisco pode não ter sido o valor de troca, por ser tratar de uma área principalmente comercial, a limpeza social na região permitiria não apenas um aumento do comércio, mas também a sensação de maior segurança. Obviamente, é fato, que tal requalificação também aumenta os valores dos imóveis, seja para venda ou aluguel, assim o mercado imobiliário lucra, então fica o questionamento, Será que houve a influência do mercado imobiliário na requalificação da grande área central de Curitiba? Num debate mais amplo, em seu livro A natureza do Espaço, Santos (1996) explica que o espaço é formado por sistemas de ações e de objetos, que interagem dialeticamente, assim, a sociedade transforma o espaço, e vice-versa. Nos capítulos 51

anteriores, vimos como se deram essas transformações, e também vimos como as relações sociais se dão na Rua São Francisco. Percebemos então, a São Francisco enquanto um espaço de multiúso, se fizermos um recorte da mesma, reconhecemos a praça, as calçadas, a rua, os estabelecimentos e aí em diante. Conforme nos explica Lefebvre (1988, pg.88), Be that as it may, the places of social space are very different from those of natural space in that they are not simply juxtaposed: they may be intercalated, combined, superimposed – they may even sometimes collide. (…) The hypercomplexity ol social space should by now be apparent, embracing as it does individual entities and peculiarities, relatively fixed points, movements, and flow, and waves – some interpenetrating, others in conflict, and so on.

Assim a Rua São Francisco possui seus lugares, onde diferentes grupos se encontram, e às vezes possuem objetivos diferentes, porém todos se utilizam do mesmo espaço, fazendo com que a mesma possua uma complexidade de relações. Inclusive percebemos que os sujeitos que costumam ficar na primeira quadra da rua, possuem características diferentes dos que ficam na quadra superior. Porém a relação mais pulsante, e que aparece recorrentemente na mídia, são os conflitos causados pelo tráfico ilegal de drogas e o alto barulho durante as noites. O que nos levam a reflexão, que tanto o CEAD quanto os edifícios de habitação estão localizados num local não tão bem adequado para as atividades propostas pelos mesmos, e que talvez, o diálogo anterior a requalificação deveria ter sido realizado com esses estabelecimentos, algo que não ocorreu, no sentindo de pensar as modificações da requalificação. Nesse sentido, houve a falha no diálogo entre a esfera municipal com a estadual, mostrando a falta de diálogo entre instituições do Estado. A Rua São Francisco se mantém em constante processo de transformação, no sentido que os sujeitos que se utilizam dela, a transformam. Porém percebemos a dificuldade de analisarmos essas transformações, pois, basicamente, elas estão sendo realizadas pelas complexas relações estabelecidas na rua. Podemos nos questionar o que será da Rua São Francisco nos próximos anos? E se aumentarmos a escala de análise, compreendendo que a São Francisco está inserida na lógica de uma região central da cidade, região da qual passou por revitalizações, podemos nos perguntamos, será que os sujeitos que utilizam da Rua São Francisco, também se utilizam de outras ruas centrais? Caso a resposta seja afirmativa, podemos pensar em dinâmicas de fluxos desses sujeitos pelo centro de 52

Curitiba. Para além, podemos pensar numa geografia da rua São Francisco, Souza (2015) debruçou-se sobre a discussão de conceitos fundamentais da geografia, e ao tratar sobre o território, buscou em Arendt, Habermas e outros, elementos teóricos para compreender as relações de poder que são inerentes ao território, e que essas relações são projetadas no espaço. Assim podemos fazer a reflexão de territórios no espaço, como os diferentes sujeitos se relacionam e constroem relações de poder, por exemplo uma gangue juvenil que se encontra a noite numa praça, onde nessa mesma praça, crianças brincam durante a tarde. Esse exemplo, no mostra a fluidez do território, onde diferentes sujeitos se apropriam do espaço em determinados horários do dia. Ao trazermos essa visão para o objeto estudado, podemos pensar numa territorialização da Rua São Francisco e da Praça de bolso do ciclista, afinal por se tratar de um espaço que possui conflitos, consequentemente, se configura enquanto território(s). Essa percepção, da rua e da praça, foi observada durante o processo de construção desse trabalho, apesar de não ter sido a abordagem teórica inicial, a mesma, se coloca enquanto, possibilidade de estudo futuro, aprofundando a análise geográfica da São Francisco. Compreendendo que tal abordagem deva contemplar como a rua é ocupada nos diferentes períodos do dia, e nos diferentes dias da semana, necessitando um aprofundamento de estudos não apenas da parte teórica, mas também de campo sobre os grupos de sujeitos que se relacionam, explorando seus conflitos e interesses, promovendo um estudo qualificado da Geografia da Rua São Francisco. Sendo assim, esse trabalhou buscou analisar o espaço público da rua São Francisco através do prisma geográfico, para isso, realizamos o debate teórico sobre a complexidade dos “espaços” , e como a geografia pode contribuir para o estudo do espaço público. Nos capítulos seguintes, apresentamos as informações históricas e atuais do objeto em questão, a fim de compreender suas transformações, e os sujeitos envolvidos. Essas informações foram adquiridas através do aporte metodológico, que buscaram dialogar com o caráter interdisciplinar da geografia sob o espaço público, sendo utilizados autores de outras disciplinas. E por fim, a síntese entre o teórico e o empírico. Conforme apresentamos no primeiro capítulo, utilizamos conceitos que serviram 53

de base para o estudo de caso, no âmbito do espaço público, foi possível analisarmos que o processo de requalificação da Rua São Francisco e da construção de Praça de bolso do ciclista, se constituiu enquanto um processo onde houve a participação da sociedade civil, do planejamento à execução, no mais, as formas que são utilizadas esses espaços, contribui conjuntamente com a proposta de compreender o espaço público, enquanto um espaço da democracia e da cidadania. Nesse sentido, podemos pensar de fato, o espaço público enquanto um objeto de estudo da geografia, podemos inclusive acrescentar o fato de como é utilizado esse espaço, compreendendo que a transformação do mesmo se dá cotidianamente, são as relações que se articulam dialeticamente nesse espaço, que o transformam, e são transformadas. Essa leitura pode até servir, para as instituições públicas de planejamento a pensar como inserir de maneira mais efetiva, a sociedade nos projetos que transformam o espaço urbano, acrescentando assim a visão de quem realmente se utiliza desses espaços. Acrescenta-se que tal diálogo, pode resultar em melhores propostas em relação aos conflitos que se apresentam nesse espaço, no caso da São Francisco, um diálogo entre as esferas estatal e municipal, poderia ter amortecido o conflito com o CEAD Poty Lazzarotto, por exemplo. Concluímos então, que o através do prisma interdisciplinar da geografia, podemos trabalhar não apenas no sentido da síntese entre o abstrato e concreto, mas que podemos pensar de fato a geografia enquanto uma das ciências envolvidas no planejamento urbano, trabalhando assim para o aumento da democracia e cidadania nos processos decisivos de transformação da cidade.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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7. ANEXOS Anexo 1. Roteiro das entrevistas 1 – Apresentação (Perguntas básicas¹) (Perguntar sobre dados, falar um pouco da vida de ambos) 2 – Introdução (Perguntas básicas¹) Histórica Pessoal/Estabelecimento: Quando surgiu, relação com o estabelecimento. Finalizar sobre a rua. 3 – São Francisco (Perguntas básicas¹ e principais²) Perguntar sobre as transformações ao longo dos anos¹ Perguntar anteriormente a revitalização² Como era?² Perguntar pós a revitalização² Como ficou?² 4 – Processo/Articulação Revitalização “Já que falamos do pré e pós, como foi o processo?” (Perguntas básicas¹ e principais²) Perguntar se participou do processo¹ (caso não tenha comentado) Perguntar em que grau de participação o mesmo atuou² Perguntar sobre o projeto e articulação² Quem eram?¹ Como faziam?¹ Duração?¹ Diálogo?¹ Conflitos?¹ Pontos Positivos e Negativos?¹ 5 – Articulação Pós Revitalização “A São Francisco está na mídia...” (Perguntas básicas¹ e principais²) Perguntar se há e como está a articulação atualmente² Perguntar avaliação do diálogo¹ Perguntar propostas¹ 6 – Fim

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Anexo 2. Anotações sobre os estabelecimentos, os dados foram coletados em uma das pesquisas de campo, com a ajuda de Natália Leister.

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Anexo 3. Entrevista 1 – Bicicletaria Cultural em 20 de setembro de 2016. Eu sou o (nome retirado), tenho 38 anos, fiz faculdade de música e belas artes, me forme em gravura. Lá na universidade eu conheci pessoas que também praticavam a cidade e nós criamos um coletivo chamado Coletivo Interlux, que foi o coletivo mais ativo, por mais tempo, na primeira década do segundo milênio, nesse coletivo nós começamos a criar ações de elogio a bicicleta, depois de questionamentos ao poder público, por final ações de provocação, até culminar na multa pela abertura da primeira ciclofaixa de Curitiba em 2007, de lá pra cá as coisas foram mudando, criamos um festival de cultura da bicicleta. E em 2011 nós fundamos uma associação de ciclistas, a CicloIguaçu – Associação dos Ciclistas do Alto Iguaçu, nesse mesmo ano, havendo o crescimento da ciclomobilidade, eu e a Patricia Valverde resolvemos inaugurar a bicicletaria cultural, a ideia da bicicletaria cultural é um estacionamento de bicicletas, um espaço coletivo, que trabalha com uma economia de impacto social, também tem atividades de economia criativa e colaborativa, a gente está a 5 anos nesse espaço, recebeu diversos prêmios, internacional também, agora no processo de se conhecer como 'advocace' que é como se fosse um lobby do bem da bicicleta . Praça de Bolso do Ciclista e São Francisco Essa região é uma região problematizada, pelas atividades escusas que ocorrem nessa região da cidade, a rua São Francisco tem um histórico também escuso, antigamente se chamava Rua do Fogo, é uma pequena rua estreita, importante que dá em direção ao oeste, mas ali onde tinham os prostíbulos, e os espólios do mercado municipal, vinha pra cá, a rua do fogo foi dada pro Seu Francisco com a ideia de sanear ela, e virou Rua do Seu Francisco, Seu Francisco perdeu a rua, virou rua São Francisco, que ganhou o nome dele. Quando viemos pra cá, 5 anos atrás, realmente era um lugar que havia muito uso de drogas, era uma rua estreita, que os carros paravam, acontecia que a calçada era estreita também, então tinha muitos espaços, a energia ficava parada lá, um lugar com vários meandros. Houve um projeto de reforma da rua, teve uma moça importante chamada (…) mas ela foi pesquisadora junto com o Paço da Liberdade e a FECOMERCIO que fez o projeto de reforma da rua, a reforma o beco é a ideia de transformar num Boulevard, as calçadas largas, os comércios indo pra calçada, um polo gastronômico cultural. Conjuntamente a ACP que tem o projeto de Corredor Cultural, porque tem vários imóveis, e equipamentos públicos e estaduais de cultura, e a ideia era ser um Corredor Cultural, a rua foi reformada e existia apenas um comércio ali, que era a Confeitaria Blumenau, até que começou as atividades da praça, o Brooklyn abriu um espaço ali, ele deu apoio e depois abriu um outro restaurante de comida brasileira, eu pulei um pouco a história do começo da praça, a ideia do começo da praça, nós descobrimos que ali era um terreno vago da prefeitura e pedimos explicações sobre quais eram os projetos, a prefeitura trouxe o Magna Bosco, que é um arquiteto e urbanista do IPPUC da velha guarda, deu uma aula de urbanismo da cidade aqui pra gente, e disse que a prefeitura, na época Ducci, tinha a ideia de criar uma praça diferente, ali em dois lugares, três lugares que tinham que ser diferentes. E aí nós viemos aqui para falar nossas ideias e então as ideias que eram dadas, nós rebatíamos, “poderia ser um banheiro público”, mas alguém terá que administrar, “poderia ser uma guarda” mas a guarda municipal é do lado, “poderia ser um teatro ao ar livre” mas já tem muito teatro aqui no centro, propomos de ser um espaço pra criança, porém não tem segurança, e aí falamos poderia ser uma praça do ciclista, aí eles “brilharam o olho” e gostaram da ideia, e falaram que poderia ser sim uma praça do ciclista. Em pouco tempo o IPPUC apresentou um projeto feito pelo Fritz, com nome de Praça de Bolso do Ciclista, se espelhando nas praças de Nova Iorque, a prefeitura falou que o projeto era esse e que demoraria dois anos para ficar pronto, os ciclistas que estavam reunidos, se encontraram e se olharam, e falaram “nós queremos construir com as próprias mãos”, então os urbanistas falaram “lógico que é possível fazer em forma de mutirão”, então o arquiteto amigo nosso o Gabriel Galarza, pegou o projeto inicial e fez uma simplificação, com a possibilidade da gente construir sem precisar fazer licitação de equipamentos, e mostramos para a prefeitura e eles aprovaram, e começou a construção, pedimos máquinas, a prefeitura terraplanou, pedras, cimento. O conquegrama foi uma empresa que apoiou, equipamento de segurança foi outra empresa, iluminação foi outra, a prefeitura foi mais o bruto: brita, pedra, tijolo, cimento e areia. Então aos finais de semana a gente se encontrava na

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praça, sábados e domingos, uma pessoa fazia um dj um som, outra fazia uma atividade com crianças, outra cuidava das comidas que as pessoas iam trazendo, fazíamos uma grande mesa, e outras pessoas pegavam na enxada e trabalhavam ali, quebravam as pedras e iam cimentando o espaço. Foi um trabalho muito interessante, durante 6 meses as pessoas se sentiram pertencidas a cidade, formou-se um grupo muito coeso, era um grupo que estava vindo do Fórum Mundial da Bicicleta, que tinha acontecido em Curitiba, foi dali também que surgiu a pintura que tem na praça que é da Mona Caron, a bicicleta polinizando a cidade, e aí durante esse tempo as crianças estavam ali, se sentiram muito pertencidas, as pessoas escolheram que plantas plantariam, o desenho do peti pave, se sentiram muito donas da cidade assim. Aconteceu eleições depois, aí houve uma certa desmobilização dessas pessoas, a praça por um tempo virou a vedete dos olhos da cidade, então imprensa fazia imagens, e era muito bonito de ver tudo. Mas logo aglomerou um número de pessoas, vários públicos que se digladiavam, atos de violência né, grupos que tinham a violência enquanto linguagem, a polícia interveio e a coisa criou grandes proporções, a rua ficava cheia de gente e tornavam as coisas incontroláveis, até que houve uma ocupação policial, a polícia parava o carro ali e ficava o dia inteiro ocupando o espaço, ainda não havia o totem. Aos poucos houve um esvaziamento da rua, as pessoas começaram a não frequentar a rua, foi ano passado. Foi uma época em que as pessoas estavam tomando a rua ali também, toda essa região. A polícia meio que não sabendo como lidar, teve casos da polícia dando repressão num grupo de pessoas, aí uma multidão se aglomera pra atacar a polícia, e a polícia chamar reforços, e bombas. E a polícia depois como fez um 'casinho' que quando chamavam ela, ela não poderia ir “porque não somos bem recebidos”, deixou pra deus quiser ali. Aí teve esse chamado dos comerciantes “não, temos que ocupar ali”, aí a polícia começava a ocupar, chegava de manhã e ficava o dia inteiro aqui e lá em cima. Mas a polícia logo saia, e aí o comércio de drogas se instalou ali, ali virou uma boca de tráfico, como existem outras bocas na cidade, aqui tinha uma organização mediana, não era organizada como as outras, mas eles estavam presentes, sempre presentes ali, e aqui virou um lugar libertário, nas cidades, as cidades possuem suas ruas libertárias, aqui é uma rua libertária, Londres tem, Paris tem outra. Mas aí também o comércio pena um pouco, pois os clientes mudam ali e então tem um grupo de pessoas que realmente tem uma relação com o lugar, uma outra relação, que quer desenvolver essa região, então os comerciantes se juntam e falam com a secretaria de meio ambiente, esporte e lazer, pra ter atividades culturais nos sábados, aí os comerciantes pagam e guardam os equipamentos durante a semana, pra poder fazer as atividades pras crianças nos sábados e domingos, foi chamado pra fazer, foi tentando fazer uma feira de orgânicos na quinta, mas está meio decaindo, pois os comerciantes não estão podendo vir, na quinta feira também era pra ter uma feira de arte, mas também está meio decaindo, a praça por um tempo foi culturalmente muito ativa até que teve uma extrapolação, começou a ter shows corriqueiros durante a semana, alto volume, e isso causou um desconforto com o CEAD e com os moradores, e aí mandaram acabar com isso, aí a praça foi ocupada novamente com atos de violência e ninguém mais se interessa para fazer atividades na praça. E agora a praça foi escolhida com um dos três lugares para receber enquanto experiência esse totem da guarda municipal, fica uma vigilância 24 horas ali, apesar que o totem não funciona muito, as coisas acontecem, roubos, ela funciona mais como uma presença, apertar o botão ali é como se tivesse ligando pra guarda, demora pra atender, e acaba não resolvendo as coisas no imediato. Depois da praça ser construída, a gente percebeu que essa atividade, que a gente achava muito nova, das pessoas pegarem a cidade com as mãos, descobrimos que isso é uma coisa comum e tinha um nome, chamado Place Making, pessoas que fazem os lugares, então, tem governos como do Canadá, em Vancouver, que incentiva a população a criar Place Making, até desenvolveu uma cartilha, você faz o Place Making pensando na atividade, se é para idosos ou crianças, cultural ou comercial ou turística, aí você cria o lugar e pensa como vai manter também. Pra Curitiba foi um começo, depois da praça também teve um levante pro Bosque Gomm, o espaço lá do Batel, foi conseguido agora uma praça ali também e tem relações estreitas entre a Praça de Bolso do Ciclista e o Espaço Gomm, agora a praça está ali, a rua toda, é um espaço multiétnico, multidiverso, de vários interesses, um lugar muito rico. Debate Atual/Perspectivas É vista a praça, mas alguma coisa não está deixando as pessoas tão à vontade, tão incentivadas a trabalhar na praça, a gente, vejo eu e meu coletivo, o pouco tempo, muito atrás de coisas que tenho que fazer, e a praça não está sendo uma das prioridades e nem estou trabalhando na praça. Mas sim, eu criei uma agenda cultural da praça que está parada, também fizemos uma tela de cinema, que era pra ter uma projeção de filmes, mas está parada também, e não estamos desenvolvendo muito atividades na praça, na verdade a gente está criando pequenas ações juntos aos comerciantes

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da redondeza, uma carta que será apresentada a câmara dos vereadores pra pedir incentivo para essas atividades culturais, se eles tiverem equipamentos podemos fazer uma agenda de filmes ou banda tocando, e todos os sábados fazemos uma prática de bolhas de sabão gigante.

Anexo 4. Entrevista 2 – CEAD – 21 de setembro 2016 Apresentação/Histórico Eu sou professora de matemática nessa escola, trabalho aqui desde 1997. Nesse local aqui, essa escola é uma escola de educação de jovens e adultos, ela funciona num prédio alugado, nós estamos aqui desde 2001. O ano passado teve uma proposta do governo da gente mudar de prédio, para um prédio de escola mesmo, que seria aqui na Tiradentes mas tiveram problemas políticos, e acabamos ficando aqui mesmo. Geralmente os EJA's funcionam em prédios alugados, não possuem sede. Quando nós viemos para cá, essa rua era praticamente abandonada. Uma rua escura, sem iluminação e assim foi por muitos anos. A gente nem pensou em revitalização de rua e nem nada. O que aconteceu que a rua era muito escura, nós fizemos uma iluminação com refletores, de cima a baixo da marquise, e assim funcionava a escola, a escola funcionou muito bem até a revitalização. A rua, até pela sua história, é uma rua sinistra, você já deve ter feito uma pesquisa sobre sua história, aqui era um hospital antes, que foi derrubado e construído esse prédio, que seria um prédio comercial de onze andares, porém o dono do prédio resolveu parar no terceiro andar. Então na verdade é um prédio comercial, e não um prédio de escola, as salas são pequenas porém é um prédio que nos serve, por que nossas turmas, nós trabalhamos com jovens e adultos, a gente trabalha com poucos alunos em sala, então ela nos serve. Em relação a segurança, é uma rua do centro como outra qualquer, que você pode ser assaltado, pode alguém te abordar por outra razão, mas a gente não tinha problema aqui dentro da escola. A gente não tinha problema pra dar aula, a gente não tinha problema com barulho, era uma rua tranquila para a gente cumprir nossa função enquanto escola, e a gente cumpria muito bem essa função a dois anos atrás. O que aconteceu, “vamos revitalizar a rua? Vamos, a rua ficou muito bonita, muito iluminada, ótimo”. Nós tínhamos antes algumas pessoas que fumavam crack, que de vez em quando, apareciam na nossa porta, esse era nosso problema, querendo alguma coisa pra comer, às vezes até querendo se matricular na escola, era o que acontecia, era situações pontuais. Pós revitalização/Conflitos Quando chegou a revitalização e veio a Praça do Ciclista, que veio logo depois, não que eu seja contra a ideia da Praça do Ciclista, nada disso, mas ela trouxe consigo um barulho para essa rua que atrapalha o andamento da escola e ela trouxe outra coisa junto que foi o tráfico de drogas a céu aberto, de manhã, a tarde e a noite, na porta da escola, de uma maneira que o poder público não dá conta disso e também o poder público não vê essa escola com a importância que ela tem. Por que veja, é uma escola pública de educação de jovens e adultos, passa por escola em torno de 1000 a 1200 alunos por dia conforme a época, então ela tem um possuí um público grandiosíssimo, nós atendemos principalmente a região metropolitana, aqui é uma escola de passagem. A maioria é de pessoas trabalhadoras que vem pra escola depois que termina seu turno de trabalho, pois a escola tem horário disponível, é manhã, tarde e noite, e é contínuo, eles vem para escola para estudar, a maioria. Nós temos agora uma outra clientela que tem frequentado a escola, que são os alunos, principalmente de manhã e a tarde, que são do ensino fundamental, são alunos menores de idade, nós não recebíamos alunos menores de idade até um tempo atrás, e hoje são muitos, que por alguma razão não deram certo no ensino regular. Nessa razão por não terem dado certo, há muitos alunos envolvidos com drogas, e chegaram aqui e encontraram o paraíso na porta da escola. Então veja, nós temos um problema sério, pois se um aluno que já teve problema com drogas numa escola regular e esse problema afeta sua vida escolar, porque a partir do momento que alguém se matricula na educação de jovens e adultos, é porque alguma coisa não deu certo no regular, ou porque teve que trabalhar muito cedo, problema de deficit de atenção, nós temos muitos alunos com deficiência visual, deficiência auditiva, assim como problemas psicológicos, e tem o pessoal que realmente tem problema com droga, aí o que acontece, chega aqui e encontra, porque é livre, você pode olhar, chega ali na janela e você vai ver o pessoal enrolando seu baseado, fazendo sua carreirinha de cocaína no celular, você vê, não precisa ter nenhum investigador a paisana pra ver isso, é público e

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notório. Então não há necessidade de eu falar que o poder público não sabe, porque ele sabe, e essa escola não é respeitada. Então já fizemos várias denúncias no Ministério Público, e a Prefeitura alega que essa é uma escola que não tem registro(alvará), por isso foram liberados os bares aqui. Ela é uma escola estadual, e eu não sei qual é o trâmite entre Prefeitura e Estado que deve ocorrer, sei que nós não temos alvará, temos licença sanitária, dos bombeiros, mas não temos alvará. Mas eu não vejo que isso seja motivo para o poder público fazer o pouco caso com a escola, ignoram como se ela não existisse. É uma escola que atende uma população muito grande, alunos carentes, alunos trabalhadores, como já te falei, que tem que estar nessa escola, porque não tem outra escola pra essa pessoa. Não sou contra a Praça do Ciclista, não sou contra as pessoas se divertirem, mas veja, é um absurdo o que acontece aqui, principalmente a noite, porque ainda durante o dia, a polícia vem e faz algumas batidas, quando chega a noite, é impossível a polícia entrar na rua. O que acontece que nas noites de quinta e sexta feira, o som é tão alto, o cheiro de fumaça é tão forte que é impossível nós abrirmos as janelas, darmos aulas dentro dessa escola, a maioria das salas fica pro lado da rua, então veja o descaso. E daí tem as pessoas que estão traficando na rua, que se aproveitam disso, “Como eles aproveitam?” se matriculando na escola, é uma escola de jovens e adultos, geralmente as pessoas que estão traficando não tem escolaridade, não estou dizendo que são todos, mas alguns se aproveitam e se matriculam nessa escola e “pra que?” pois é um álibi quando ele for abordado pela polícia, ou entrar na escola para usufruir do banheiro, não necessariamente estudar, ou até quem sabe, esconder sua droga por aqui, pra ter um lugar que ele possa levando proveito da situação. Então nós estamos acoados aqui, esse lugar é ótimo para nós enquanto escola, pois está perto do Terminal do Guadalupe, perto da Praça Tiradentes, Rui Barbosa e Homem Nu, então o lugar é ótimo, nós não queremos sair do centro da cidade. Em contrapartida nós também perdemos alunos, pois tem alunos que tem medo de vir até aqui, quando eles vem fazer matrícula, a gente explica que tenta manter tudo funcionando em ordem e com segurança, mas assusta, uma senhora vai sair dez horas da noite com todo esse povo na rua, ela não entende que a maioria está ali pra se divertir, ela pensa que será assaltada, roubada, então ela fica desesperada, impossível se sentir bem nesse ambiente, essa é a posição da escola. Eu não vejo solução para isso aí, depois que já está instalado, a coisa já está consolidada dessa maneira, a não ser ir embora daqui. Desde o começo nosso diálogo foi de confronto com o pessoal, quando veio a Praça, logo perto de uma eleição, e que um dos idealizadores da Praça estava em campanha, ele começou a usar a Praça para fazer sua campanha, e daí começou o som alto e tudo mais, aí nós entramos com um abaixoassinado e o que foi estabelecido que qualquer evento que tivesse na Praça ali, teria que pedir anuência da escola, o que não acontece atualmente, só aconteceu no começo. Sexta-feira mesmo, liga-se o som numa altura absurda na Praça, e quem é que empresta a tomada pro pessoal tocar a música? O bar aqui de baixo do Turco, que não respeita essa escola, porque nós já conversamos com ele, nós já conversamos com todas as pessoas, eles ignoram a presença dessa escola pra ganhar o seu dinheiro, poderia ter ali os restaurantes, tudo, se as pessoas bebessem dentro do restaurante, mas não, é pra vender e pra todo mundo fica na rua, uma bagunça, então realmente estamos numa situação muito desconfortável, é uma pena. É o próprio dono desse prédio que alugou o espaço para os bares, nós entramos em confronto, nós pedimos para que ele não fizesse isso, e ele fez, ele não percebe que pode perder o aluguel aqui, é grande o aluguel pra ele. Ele não se deu conta que estamos pra sair daqui, quando o governo encontrar um local de acordo, que possa nos atender, com certeza vão nos tirar daqui, porque não tem uma solução, a não ser que colocassem um módulo policial na rua, ou que proibissem de beber na rua. O tanto que se bebe na frente dessa escola, enquanto jogam truco, me desculpe, é um bando de vagabundo que vem aí a tarde, é um absurdo, e desafiando, vendendo a droga na tua frente, oferecendo pra você, oferecendo pra todo mundo, como se fosse um mercado livre ali na frente. E vem pessoas de todas as classes sociais, não é dizer que veio o pessoal da periferia, são todas as classes sociais que vem pra rua, ignorando essa escola, vem os alunos da UFPR, aonde você estuda, não respeitam essa escola, querem ser respeitados mas não respeitam, e também vem alunos de outras escolas, como o CEP, SESI, vem o pessoal de todas as tribos da cidade, então vem pra cá, tribos e mais tribos. É interessante até o movimento ali, como eles se respeitam, estão no mesmo espaço, se respeitam ou não, mas a maioria das vezes se respeitam, cada um no seu espaço. O problema é que aqui é uma escola, então se você pensar quem chegou aqui antes, fomos nós, estamos aqui desde 2001, sempre trabalhamos aqui direito e faz 2 anos que não conseguimos trabalhar direito. De repente eles pensaram em fazer uma coisa e não deu certo, como você falou, tinham pensado num polo gastronômico, com bares e restaurantes diferentes, e atraiu essas tribos pra ficar na rua, essa quadra especificamente onde tudo é liberado, onde se pode fazer tudo que quiser, inclusive transar na rua, acontece sim. Veja a que ponto chega nessa rua. A Guarda Municipal vem na quinta-feira, o pessoal fecha a rua e faz uma feirinha e tal, o

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problema é também que eles vem em poucas pessoas, esses dias a polícia quase saiu apanhando daqui, então veja, é difícil pra polícia também, quando vão abordar na rua, todos pegam seus celulares pra gravar, como se a polícia estivesse errada, é uma inversão de valores tão grande, não estou falando que a polícia é boazinha, mas ela está no seu direito de fazer a revista, de pegar droga, de prender quem é traficante, é uma inversão total de valores. Você fica pensando “O que está acontecendo aqui?”, “O que foi que aconteceu aqui pra gente estar nessa situação?”. Então põe-se em risco a segurança de nossos alunos, a gente não consegue controlar direito a portaria, a gente pensa em 10 mil maneiras de resolve nosso problema, tem aluno que faz amizade com o pessoal da rua e empresta seu documento para outras pessoas entrarem, é claro que quando a gente pega, a gente pune e aplica o que é possível dentro do regimento da escola, mas até agora não houve solução, é uma pena, pois estamos muito bem instalados, essa escola é organizada.

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Anexo 5. Entrevista 3 – IPPUC – 29 de setembro de 2016 Sou arquiteta, trabalho no setor de projetos urbanos do IPPUC, e estive envolvida com o projeto de revitalização da Rua São Francisco, então participei da concepção do projeto, acompanhei a execução da obra, acompanhei também a questão da pintura das casas, que foi uma parceria entre a Prefeitura e as Tintas Coral. Eu estou aqui o IPPUC a 10 anos, então a rua são francisco, na verdade eu não participei desde o começo do projeto de revitalização da área central, pois eu não estava no IPPUC ainda, nesse setor. Então, a partir do Plano Diretor de 2004, da revisão do plano, houve algumas diretrizes no Plano olhando um pouco mais para área central, pra revitalização da área central. A gente tem todo um histórico do planejamento urbano da cidade de Curitiba, a partir do plano de 66 a gente teve um plano preliminar onde se direcionou o crescimento da cidade através dos eixos estruturais. Com isso, por muito tempo, os investimentos públicos ficaram voltados para esses eixos. E a área central acabou ficando um pouco carente de um olhar mais atento, claro que teve a criação da Rua XV na década de 70, teve várias ações pontuais no centro, mas de fato os investimentos públicos ficaram mais voltados para esses eixos estruturais, isso fez com que a área central, ao longo do tempo, vamos dizer da década de 70, isso é um fenômeno mundial, não só em Curitiba, as áreas centrais acabaram ficando um pouco diferenciadas, até pela descentralização, acabou mudando o seu conceito, a sua dinâmica, então a partir dessa revisão do plano de 2004, houve realmente um olhar mais atento para a área central, e a partir disso surgiram alguns programas de governo tentando realmente, requalificar o centro. Não vou usar revitalizar, porque pra mim, o centro não está degradado e não está faltando vida no centro, concordo na abordagem que o centro teve uma mudança de apropriação, mudanças socioeconômicas, claro essa questão da descentralização, a criação de subcentros, a gente teve a vinda de shopping centers pra cidade de Curitiba, isso fez realmente com que o comércio de mais alto poder aquisitivo. A Rua São Francisco é um ponto dentro disso tudo que estou falando. Então realmente a gente teve uma mudança socioeconômica na área central do tipo de comércio, que eu participei quando era criança, eu sou curitibana e frequentava a área central com meus pais para fazer compras, ir no dentista, enfim, tudo acontecia no centro, isso acabou mudando ao longo do tempo, o comércio para as pessoas de maior poder aquisitivo realmente foram para os shopping centers, então na rua XV tínhamos joalheria, tudo que você queria comprar era na rua XV, depois isso acabou mudando pela migração para os shoppings. E fez com que o público que frequenta a área central hoje, ou melhor o comércio, é voltado para um público com menor poder aquisitivo, mas tem muita gente lá ainda, inclusive muito serviço, muitos dentistas, escritórios, bancos, tem muita vida. Por isso a palavra revitalização não cabe muito. Então voltando, a partir de 2004 surgem esses programas de governo, houve então um diagnóstico da área central, esmiuçado em relação a vários aspectos, como por exemplo, patrimônio histórico, edifícios desocupados, transporte, calçadas, foi feito um diagnóstico bem completo. A partir desse diagnóstico então, surgiu um outro programa de governo que se chamou Marco Zero, foi um programa que já veio com a intenção de requalificar o centro, de trazer um turista pra área central, então em relação ao programa em termos de obras físicas, teve a requalificação da Av. Marechal Deodoro que foi a primeira rua onde teve um olhar para a revitalização de calçadas, considerando a manutenção petit pave e se criou uma faixa acessível, aí a gente teve a Capela Santa Maria que foi uma outra obra dentro desse projeto, a requalificação da Praça Tiradentes, houve algumas obras pontuais já vistas no diagnóstico, o Mercado Municipal foi feito dentro desse programa. Posteriormente surgiu um outro programa que se chamou Projeto Novo Centro, do qual a São Francisco fez parte. O Projeto Novo Centro se inicia com a restauração do Paço da Liberdade, foi o ponta pé inicial do programa, que foi uma parceria entre a Prefeitura e a Fecomércio, foi a Fecomércio que fez a revitalização do edifício em troca de uma concessão de uso por 20 ou 25 anos. E então requalificaram o prédio, houve uma parceria com o SEBRAE que fez um diagnóstico dos tipos de comércio que haviam na região, a gente faz um diagnóstico diferente, a gente como um planejador urbano o nosso foco é outro. Então teve uma requalificação do entorno do Paço, da Praça Generoso Marques como um todo. Depois do Paço da Liberdade, houve a criação no mapa, onde foi definida algumas diretrizes de ruas a serem requalificadas, como a Rua Riachuelo, que foi a primeira rua que

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a gente revitalizou, com uma intervenção física de calçadas, acessibilidade, iluminação para pedestres, e fora isso, houve uma delimitação da área do entorno do Paço onde foram colocados alguns incentivos fiscais para que se instalassem comércios, pois a gente sabe que apenas uma revitalização física não basta, então foi dado incentivos para que novas pessoas se instalassem. A gente viu que com a revitalização da rua Riachuelo, realmente houve uma mudança na circulação de pessoas na rua, na Riachuelo em relação a revitalização é importante dizer que houve uma parceria com o SEBRAE, que fez um diagnóstico das potencialidades da rua, que no caso da Riachuelo são móveis usados, do reúso e da reciclagem, então nossa ideia com essas requalificações sempre foi de potencializar o que existia na rua, nunca foi de “vamos transformar a rua Riachuelo na avenida batel”. Acho que só a intervenção da calçada e iluminação realmente fez com que as pessoas circulasse mais na rua, a rua Riachuelo é uma rua de ligação entre o Shopping Mueller e a XV, você anda facilmente entre esses dois pontos, e as pessoas não passavam antes muito na Riachuelo, evitavam passar, faziam outro caminho, e com a revitalização, até houve algumas pesquisas, e realmente aumento a circulação, as pessoas se sentiram mais seguras e a vontade para andar nela. Bom, então a rua seguinte que foi elencada enquanto importante, foi a Rua São Francisco, que é uma rua de duas quadras, é uma rua muito pequena, então eu acompanhei esse processo desde o antes, quando a gente começou a trabalhar na rua, era uma rua que apesar dos estabelecimentos, as pessoas não circulavam na rua, havia a presença de carros, presença de tráfico de drogas, o traficante fazia o seu comércio dentro dos carros, e tinha também muitos usuários de drogas, de crack principalmente, às vezes a gente ia lá de manhã e tinha gente atrás dos carros, então percebemos que o carro era um elemento que deixava a rua mais insegura, pelo fato de você ter gente sentada na soleira, atrás do carro, fumando crack, a gente sabe que o usuário não vai fazer mal, mas pra pessoa que ia circular lá se sentiam intimidadas. Esse foi um dos motivos por qual a gente tirou os carros, e tinha também a questão que queríamos aumentar a largura das calçadas para a acessibilidade, a rua São Francisco a gente tem uma pavimentação que é um matacão colonial, que é um piso muito antigo, a gente tem esse tipo de piso na São Francisco e num pequeno trecho da Mateus Leme. Então a gente resolveu preservar esse peso e criar uma faixa acessível. Pra isso a gente precisou retirar o estacionamento de veículos, pois não cabia tudo isso na rua, e também a iluminação, pois era uma rua muito escura. Esse foi o conceito do projeto, a manutenção do viés histórico da rua, conjuntamente com acessibilidade e melhorando a iluminação da rua, a pesquisa do SEBRAE, na época, foi realmente uma vocação gastronômica da rua, que já existiam estabelecimentos antigos ligados a gastronomia, seguindo a lógica de potencializar o que já existia. Então a intenção do projeto foi essa, a circulação de veículos tem que acontecer nessa rua, principalmente na quadra de cima, que tem a funerária, é um serviço que necessita de acesso, como também há o estacionamento, na quadra de baixo então, na época, não tinha uso significativo. A gente restaurou, e na época para a inauguração, fizemos um tapume adesivado com o histórico da rua São Francisco. Na época da revitalização, eu trabalhei com meu colega Mauro Magna Bosco, que era o coordenador da revitalização da área central, eu era ajudante. E o Mauro, a gente ia na obra, e quem andava muito era o Goura, ele foi morador da rua por muitos anos, então ele teve uma relação afetiva muito grande, e na época a Bicicletaria Cultural já estava ali na frente, ele conversava com o Mauro, e ele ficou sabendo na época da revitalização, do terreno da esquina, que era um terreno da prefeitura, ou seja, público, então após a revitalização, ele procurou nós para saber sobre esse terreno, pois ele tinha o interesse de fazer uma praça para bicicletas, e foi assim que surgiu a ideia da Praça de Bolso do Ciclista. Houve um projeto formal que foi desenvolvido aqui no IPPUC, projeto bem bacana, e uma promessa do prefeito para realizar o projeto. Isso foi no começo da gestão, em 2013, como não aconteceu, como não tinha verba, assim esse projeto do IPPUC foi adaptado, pois fizeram de forma de mutirão, foi adaptado de acordo com o que se conseguia através de doações. Então após a revitalização da São Francisco foi a última, porém tínhamos outras ruas elencadas, como a rua Saldanha Marinho, que temos o projeto pronto, e tinha outras ruas, a Emiliano Perneta, a João Negrão, Conselheiro Laurindo próximo ao Terminal Guadalupe, áreas eleitas para ter intervenções, mas tem uma questão política, foi uma nova gestão que entrou, tudo isso se desmontou, quando muda a gestão, às vezes o novo gestor muda as intervenções ligadas a cidade, essa última gestão foi ligada a intervenções sociais, não tanto a intervenções físicas na cidade, porque também não tinha dinheiro, principalmente após a Copa. E assim, na Riachuelo o que está acontecendo agora é o Cine Riachuelo, está sendo executada a obra já, na esquina da Riachuelo com a rua Carlos Cavalcanti, onde era o antigo quartel, onde buscando um novo público pra essa área, resgatando o cinema de rua, tinha dois cinemas que era da Prefeitura tanto o Ritz como o Luz e que foram fechados, e então

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vão ser instalados dentro desta edificação, que já está sendo restaurada, e uma escola de cinema, porque a gente a Cinemateca já que é na rua Carlos Cavalcanti, e eles oferecem vários cursos voltados para a área de cinema, e que tem 20 vagas para 200 inscritos, então tem muita procura, a gente não percebe enquanto o cinema é importante na cidade de Curitiba, festivais e etc. O projeto do corredor cultural, era uma ideia para os 100 anos da UFPR, que foi em 2014, então eles vieram aqui buscando um projeto em parceria, enfim o que foi feito só foi a pintura do prédio histórico. A ideia era ligar os equipamentos culturais presentes no eixo Reitoria-Prédio Histórico, Capela Santa Maria, Teatro Guaíra e Caixa Cultural, porém não saiu do papel, limitou-se apenas a pintura. Dentro desse projeto da área central, tinha a proposta do bonde turístico, que é um bondinho que sairia da Praça Eufrásio Correia percorrendo a Barão, entrando na Riachuelo, no Passeio Público, circulando na frente do Teatro Guaíra, entrando na XV e voltando para a praça, promovendo a ligação entre esses equipamentos, com um viés turístico. O Projeto Novo Centro, basicamente é isso, então a revitalização da São Francisco está dentro desse contexto, que a partir de um diagnóstico que apontou essa rua como uma rua com uma paisagem interessante, tentamos potencializar essa paisagem. Quando você faz uma intervenção urbana, você tem um controle das mudanças físicas, mas você não tem controle da apropriação dela, você até pode tentar prever, apesar do diagnóstico da são francisco com o potencial gastronômico, porém a forma como ela foi apropriada foi outra, que é bom que a cidade é assim, com surpresas, com dinâmicas imprevisíveis, o espaço público é de todos, ele pode ser apropriado por todos, a gente sabe que a rua São Francisco tem muitos conflitos, principalmente nessa quadra de baixo. Eu vou te dar o meu depoimento, pois continuei indo lá, teve realmente alguns eventos com a comunidade, pedindo o fechamento da quadra, claro que quando acontece alguma coisa diferente, alguns estabelecimentos começaram a se instalar nessa quadra, um dos primeiros foi um café que tem o perfil das pessoas ficarem na rua, aí começou essa questão do povo ficar na rua, e assim começou a apropriação do espaço da rua com as pessoas que saiam a noite. Tem vários tipos de conflitos, tem o do pedestre com o veículo, da escola com o barulho, do povo mais elitizado com o povo da periferia, Curitibano tem muito disso, de preconceito né. Eu vejo a São Francisco enquanto território, a questão de poder é muito forte, eu vejo isso dos moradores, eu tenho alguns depoimentos de moradores, “eu moro a 15 anos aqui, eu conhecia todas as prostitutas e traficantes, e eles me conheciam e respeitavam, com a revitalização apareceram sujeitos diferentes, o traficante que você não conhece, que não te respeita”, então tem essa questão da mudança de uso, de apropriação e de território. Então o problema hoje é segurança, porém acho legal essa ideia dos jovens de se apropriarem da rua, de se apropriarem do espaço público. É a população que vai se apropriar do espaço público da maneira que ela quer. Pra gente enquanto planejador urbano, é uma reflexão que não adianta mudar a vocação da rua, não tem como dizer pra população como ela vai se apropriar do espaço, não dá pra definir quais sujeitos irão se apropriar. Agora está sendo proposto um balizamento, na verdade a proposta é utilizar os paraciclos na calçada enquanto balizadores, para evitar a subida de carros na calçada, que acabam destruindo a calçada, mas ainda é uma proposta em andamento.

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