A geopolítica nos mapas dos Reinéis, Lopo Homem e Diogo Ribeiro: a América do Sul e o Brasil na cartografia ibérica entre os tratados de Tordesilhas e Saragoça

September 12, 2017 | Autor: Jonathan Lopes | Categoria: Geopolitics, History of Cartography, Geohistory, Historia Da Cartografia, Geopolítica, Geohistoria
Share Embed


Descrição do Produto

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

A geopolítica nos mapas dos Reinéis, Lopo Homem e Diogo Ribeiro: a América do Sul e o Brasil na cartografia ibérica entre os tratados de Tordesilhas e Saragoça J. Lopes(a) (a)

Centro de Estudos Geográficos/Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa, Email: [email protected]

Resumo Este resumo tem como objetivo apresentar uma fração do trabalho desenvolvido nos estudos preliminares sobre relação entre geopolítica e cartografia antiga, tendo como objeto os mapas produzidos no contexto da colonização ibérica na América durante o século XVI. Colonização aqui é compreendida como um processo iminentemente geopolítico, pois implica a ação de conquista e delimitação dos espaços conquistados, bem como as relações de poder que envolvem esse processo. Nessa compreensão, a cartografia emerge como instrumento fundamental das coroas de Portugal e Castela, pois compreendemos que a produção cartográfica não é apenas um instrumento de projeção dos espaços, mas uma forma de representá-lo. A partir deste prisma, foram analisados os mapas de Lopo Homem, dos Reineis e de Diogo Ribeiro, com destaque a representação do Brasil, nas três primeiras décadas após a chegada de Pedro Álvares Cabral. Palavras chave: Cartografia Histórica; Geopolítica; Colonização; América do Sul

1. Introdução Este artigo tem como objetivo apresentar uma proposta de abordagem sobre a relação entre geopolítica e a cartografia antiga, tendo como objeto a colonização ibérica da América Meridional no século XVI. Colonização aqui é compreendida como “a relação entre uma sociedade que se expande e os lugares onde ocorre essa expansão” (Moraes, 2011). Nesse sentido, trata-se de um objeto de estudo da geopolítica, pois implica em compreender as dinâmicas de distribuição e divisão dos espaços e sua vinculação com as relações de poder1. Sendo a conquista um processo de expansão externa, isto é, sobre outros espaços, o seu domínio envolve, para além da ocupação efetiva, o reconhecimento da delimitação dos espaços perante outras potências coloniais. É neste contexto que a cartografia emerge como instrumento fundamental das coroas de Portugal e Castela. Aqui é preciso ressaltar que a produção cartográfica não é apenas um instrumento de

1

Segundo Agnew (2002), a geopolítica constitui: The study of the impact of geographical distributions and divisions on the conduct of world politics. In its original usage, it referred to the impact on inter-state relations of the spatial disposition of continents and oceans and the distributions of nature and human resources. Today, however, the term also covers examination of all of the geographical assumptions, designations and understandings that enter into making of world politics (as in critical geopolitics) and how these change in concert with material conditions (historical geopolitics).

99

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

representação do território, podendo ser mais ou menos preciso, mas tal como menciona Harley (2009) “os mapas são um meio de imaginar, articular e estruturar o mundo dos homens”. A partir desses elementos serão analisados os mapas de Lopo Homem, dos Reineis e de Diogo Ribeiro 2, com destaque a representação do Brasil, nas três primeiras décadas após a chegada de Pedro Álvares Cabral. Trataremos, portanto, da primeira fase de colonização das terras americanas pelos europeus.3

2. Análise cartográfica: proposta de abordagem a partir da geopolítica A seleção de mapas aqui apresentada, nos ajuda a compreender a colonização da América do Sul sob dois prismas: 1) a divisão proposta pelo Tratado de Tordesilhas. Sobre isso, nos atentando apenas sobre os planisférios por enquanto, devemos destacar a) a disposição do meridiano correspondente às possessões das duas coroas ibéricas em cada um dos mapas e b) o posicionamento do meridiano em relação ao território brasileiro. O segundo prisma corresponde 2) aos interesses comerciais de colonização de franceses na costa brasileira. Sobre o primeiro aspecto é notável que o meridiano de Tordesilhas esteja projetado na área central dos planisférios, pois releva em primeiro lugar a importância atribuída pelos cartógrafos ao Tratado. Nos atenhamos a isso por enquanto. O contexto histórico deste acordo remonta ao início das explorações no Atlântico por Portugal e Castela e, principalmente, após a chegada de Cristovão Colombo, em 1492, a um espaço até então desconhecido aos europeus que trouxe novos interesses aos atores políticos e econômicos das principais potências que se lançavam ao Atlântico. Seguiram-se, assim, de imediato uma série de negociações entre Portugal e Castela, arbitradas pelo Papa Alexandre VI, o Espanhol, que levariam à assinatura, um ano após a primeira viagem de Colombo, de uma série de bulas papais: Inter cætera I (de 3 de maio de 1493); Inter cætera II (4 de maio de 1493); Eximiae devotionis (3 de maio de 1493); Piis fidelium (25 de junho de 1493). No ano seguinte, os direitos de navegação e exploração no eixo atlântico foram renegociadas diretamente entre Portugal e Castela, sendo finalmente definido o Tratado de Tordesilhas, ratificado pelo Papa Julio II, apenas em 1506. Este acordo só será modificado pelo Tratado de Saragoça, em 1529, o qual estabelece o contrameridiano à oriente.

2

As análises foram desenvolvidas a partir das reproduções existentes na Portugalae Monumenta Cartographia (PMC) vol. 1, organizada por Armando Cortesão e Avelino Teixeira da Mota (1960). Referências: Planisfério Anônimo de Jorge Reinél c. 1519 (Estampa 12). Terra-Brasilis, Lopo Homem-Reinéis, Atlas de 1519 (Estampa 22). Planisfério Anônimo de Diogo Ribeiro, 1525 (Estampa 37). Planisfério Anônimo de Diogo Ribeiro, 1527 (Estampa 38). Planisfério de Diogo Ribeiro, 1529 (Estampa 39) 3 Moraes (2011), menciona que o processo colonial possui três fases, a primeira delas diz respeito ao achamento e a exploração: “Trata-se, portanto, de um pressuposto lógico das iniciativas coloniais, cuja rápida e disseminada concretização atua como handcap das distintas geopolíticas metropolitanas” (Moraes, 2011: 276). As etapas subsequentes são, respectivamente a de conquista e consolidação.

100

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

Esse contexto de constante negociação diplomátia é justificado, principalmente, pelo contexto geopolítico, no qual estavam em cena: a navegação segura pelo Atlântico, o comércio marítimo com o Oriente e o monopólio por direito às novas terras, processo este que se intensificou após a viagem de Vasco da Gama, de 1497-1499, contornando a África pelo Atlântico e alcançando Calicute, na costa indiana do Malabar, e que seria relançado após a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, em 1500, pois eliminava de vez a crença de que aquele território descoberto por Colombo corresponderia ao das Índias. É nesse contexto que a produção cartográfica assume, para além da sua função em auxiliar a navegação, uma importante tarefa geopolítica. As cartas e planisférios, antes mesmo da ocupação efetiva dos territórios pelos europeus, passam a desempenhar o papel de apresentar e delimitar, aos olhos da Europa, as terras e limites do Novo Mundo. Reforça nosso argumento o que Dorigo (2006: 37) percebeu ao mencionar que no mapa do Brasil (1519) do Atlas Miller: […] as bandeiras portuguesas definem como domínios os estuários do Amazonas e do Prata. Isso se deu graças a um desvio no traçado da costa para incluí-los no hemisfério luso do Tratado de Tordesilhas. Além disso, os portugueses se representam como os senhores do Atlântico, pois suas caravelas se espalham por todo o oceano.

A afirmação do Tratado de Tordasilhas, todavia, não significa um interesse imediato pela ocupação do espaço no qual se insere o Brasil, a preocupação dos portugueses, neste momento, recai sobre a navegação segura do Atlântico. No entanto, não se pode ignorar que o Tratado de Tordesilhas também estabelecia as regras para terras a serem descoberta, evidenciando o interesse, também, pelos territórios descobertos e a serem descobertos4. Tanto que no ano seguinte a chegada de Cabral ao Brasil seguiram duas expedições para reconhecimento dos recursos econômicos disponíveis nesta terra. Ambas capiteneadas por Gonçalo Coelho, a primeira de 1501, tinha participação de importantes comerciantes italianos como Geraldo Verde e Américo Vespúcio que, além de navegador, havia atuado como feitor para o negociante florentino Bartolomeu Marchioni (Couto, 1997). Portanto, ainda que não houvesse uma política de ocupação efetiva, não se pode esquecer que o interesse comercial, principalmente por pau-brasil e, também, de escravos, já 4 [...] outorgaram e consentiram que se trace e assinale pelo dito mar Oceano uma raia ou linha directa de pólo a pólo; convém a saber, do pólo Árctico ao pólo Antárctico, que é de norte a sul, a qual raia ou linha e sinal se tenha de dar e dê direita, como dito é, a trezentas e setenta léguas das ilhas de Cabo Verde em direcção à parte do poente, por graus ou por outra maneira, que melhor e mais rapidamente se possa efectuar contanto que não seja dado mais. E que tudo o que até aqui tenha achado e descoberto, e daqui em diante se achar e descobrir pelo dito senhor rei de Portugal e por seus navios, tanto ilhas como terra firme desde a dita raia e linha dada na forma supracitada indo pela dita parte do levante dentro da dita raia para a parte do levante ou do norte ou do sul dele, contanto que não seja atravessando a dita raia, que tudo seja, e fique e pertença ao dito senhor rei de Portugal e aos seus sucessores, para sempre. E que todo o mais, assim ilhas como terra firme, conhecidas e por conhecer, descobertas e por descobrir, que estão ou forem encontrados pelos ditos senhores rei e rainha de Castela, de Aragão etc., e por seus navios, desde a dita raia dada na forma supra indicada indo pela dita parte de poente, depois de passada a dita raia em direcção ao poente ou ao norte-sul dela, que tudo seja e fique, e pertença, aos ditos senhores rei e rainha de Castela, de Leão etc. e aos seus sucessores, para sempre. (Tratado de Tordesilhas (1494) – Extraído de Ribeiro e Neto (1992), p. 69-74)

101

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

tinha a atenção da corte e de empreendimentos privados. Tal o foi que em 1502, a terra de Santa Cruz é arrendada a associação comercial chefiada por Fernão de Loranha o qual teria monopólio do comércio e, em contrapartida, se comprometia a enviar esquadras para reconhecimento do território e dos limites portugueses na América Meridional. Por essa razão, é preciso aqui pontuar que a intenção de colonizar e a colonização de fato correspondem a objetos distintos, mas que, no entanto, estão interligados. A análise cartográfica dos mapas ibéricos do século XVI, mais especificamente, das primeiras três décadas dos quinhentos correspondem ao interesse comercial e a intensão de colonizar, isto é, a representação formal das delimitações aos olhos dos atores políticos e, por essa razão, nos evidenciam as relações geopolíticas das cortes ibéricas, entre si e com outros estados. Seguindo então para o segundo aspecto, isto é, a representação dos limites do Brasil no contexto da América do Sul é importante mencionar que a cartografia deste período se dedicou com maior atenção ao registro dos litorais, sem detalhar seu interior, a não ser por representações e descrições generalistas e esteriotipadas sobre a fauna, a flora, e a população nativa. A principal razão para isto repousa no ritmo de reconhecimento do continente cujo primeiro momento se dedica aos litorais. Ainda assim, nos é possível fazer algumas pontuações sobre esse processo de delimitação. Cortesão (2009) nos chama atenção para a habilidade tida pelo corpo diplomático e pelos cartógrafos em consolidar uma visão cartográfica do Brasil muito além das suas posses. Fala-nos esse autor que seguindo estritamente àquilo estipulado no Tratado de Tordesilhas, isto é, a divisão às 370 léguas a partir do arquipélago de Cabo Verde, teria Portugal um território muito restrito, fadado ao fracasso em seu projeto de colonização: “Assim delimitado, esse território ficava ilaqueado e oprimido pelas duas bacias do Tocantins e do Paraná, excelentes vias de acesso e assédio, em mãos de inimigos, para o invadir e conquistar”. (op cit: 197) É nesse contexto que tem início o esforço de estender a leste a costa do Brasil e a oeste o meridiano do Tratado de Tordesilhas, evidenciando o desejo por manter as terras meridionais na já conhecida quarta parte do mundo. Essa tese ficou conhecida como falsificação cartográfica e foi defendida por importantes estudiosos como Cortesão (2009); Couto (1997) e Goes Filho (1999) e tem como ponto de partida o Planisfério de Cantino (1502). Trata-se de uma tese bastante contestada, dada a real dificuldade do cálculo das longitudes, tendo em vista a navegação dava-se por latitudes, além disso, podemos mencionar a indefinição da ilha de Cabo Verde da qual se iniciam as 370 léguas e, mesmo, a qual unidade de medida exatamente correspondem as léguas. Esta tese é reforçada, todavia, por dois eventos históricos, um relativo à própria cartografia e outro relacionado à espionagem. Comecéssemos pelo segundo, conforme mostrou Couto (1997) é-nos sabido que três anos após a viagem de Cabral, os reis de Aragão e Castela

102

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

enviaram à Lisboa o mestre Juan de LaCosa para espionar as notícias sobre a Terra Nova e verificar se os portugueses haviam ultrapassado os domínios de Castela. Capturado, LaCosa retorna a Espanha, à mando de D. Manuel, com duas cartas de marear e a justificativa de que a notícia na qual Portugal havia extrapolado seus limites dava-se a incapacidade dos pilotos espanhóis em calcularem as longitudes. O curioso deste fato é que somente Diogo Ribeiro, cartógrafo português a serviço de Castela, irá projetar, a partir de 1525, o meridiano e a costa do Brasil de modo empiricamente mais próximo a realidade, reforçando a idéia de que perpetuava-se na cartografia a visão de que o território português era maior do que o era de fato. Aqui é importante mencionar que escolhemos propositalmente os mapas a partir de 1519, de origem ibérica, a serviço das duas cortes desta península. Tendo em vista que partem do conhecimento comum das primeiras viagens ao Brasil, chefiadas por Gonçalo Coelho (1501 e 1503), mas, principalmente, pelas expedições de Diogo Ribeiro e Estevão Fróes (1513) e de João Dias Solis e Francisco Torres (1515-1516). Essas últimas são fundamentais pois constituem expedições ao sul da Cananeia e ao conhecimento do estuário da Prata, que viria a ser um fator de conflito entre as duas coroas até o século XVIII. Os resultados dessas viagens são vistos na topografia, no contorno da costa e na presença do estuário da prata, indicando que tanto os planisférios, quanto o mapa do Brasil de 1519 tinham conhecimento dessas expedições. Neste mapa é particularmente interessante a iconografia, abundante e elucidativa (Alegria, Daveau, Garcia, Relanõ, 2012) Portanto, a seleção de mapas aqui apresentada evidencia um momento que envolve um conhecimento maior da costa sul-americana e, também, um aumento na complexidade das relações geopolíticas entre a coroa portuguesa e a coroa espanhola no que tange ao território da América Meridional, pois traz a necessidade de delimitar, também, as terras ao Sul. Soma-se a isso que desde a expedição portuguesa de 1513 ficou conhecida a possibilidade de alcançar áreas onde existem metais preciosos (Cortesão, 2009), basta lembrar que o nome de Rio da Prata é atribuído a um machado levado a Portugal feito com o precioso metal (Couto, 1997). Além disso, do convívio contato com os nativos, torna-se do conhecimento dos europeus a existência de um civilização acima da montanha (Cordilheira dos Andes). A confecção dessas cartas tem papel ativo nos processos geopolíticos, a exemplo do mapa do Brasil atribuído a Homem-Reinéis, possivelmente um presente de D. Manuel I ao rei da França (Cortesão, Mota, 1960; Dorigo, 2006) no intento de ilustrar e, portanto, afirmar os domínios lusitanos em um momento que a França passa a se interessar pelas mercadorias trazidas do Brasil: “Na era de 1504 vieram franceses à Baía e Pernambuco; logo os portugueses lhes deram guerra e os botaram da terra e lhes tomaram três naus”. Assim descreveu Francisco Soares nas “Coisas notáveis do Brasil” (Albuquerque, 1989). O padre Soares se referia aqui à expedição de Cristovão Jaques (1516-19), enviada por Dom Manuel para ampliar

103

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

a presença portuguesa no território brasileiro, diante o aumento da presença francesa e da nova disputa pelos limites ao sul da América Meridional. Na ocasião, Cristovão Jaques encontrou três naus bretoas as quais duas causou o naufrágio e a outra capturou. Isso evidencia o interesse na manutenção do monopólio comercial, mediante a ameaça estrangeira. Sobre isso é particularmente interessante a presença das caravelas representadas no mapa do Brasil, marcadas pela Cruz de Cristo. Ao observar o conjunto de mapas do Atlas esse fator torna-se particularmente importante, pois apenas três tipos de embarcações são nele observados, as caravelas marcadas com a Curz de Cristo nas velas, navios marcados com a Lua, símbolo do islamismo e do império otomano, e aquelas sem nenhum marcação. Mostrando um cenário hegemônico no Atlântico Sul e de disputa no Índico, sendo, portanto, um ótimo exemplo de demonstração de poder marítimo. Neste período, observa-se uma importante mudança geopolítica. Por um lado, a ascenção de Carlos V impõe novos desafios que dizem respeito ao próprio território continental português, forçando Portugal e França a adotarem uma regime diplomático mais moderado entre si. No entanto, o tráfico mercantil do Atlântico tornava-se uma fonte fundamental de renda aos mercadores franceses e, consequentemente, da corte diante aos altos custos das guerras na Itália. Por outro lado, a conquista otomana no norte da África e a mudança na política alfândegária deste império revive as rotas comerciais terrestres do oriente, tornando a empreitada marítima mais custosa. O regime de D. João III decide, então, concentrar esforços nos eixos oriental (África) e ocidental (Brasil) do Atlântico Sul. A disputa com o império de Carlos V, todavia, restringia a ação contra os franceses que só poderá tomar forma a partir de 1529, resolvida a questão das Molucas, após o Tratado de Saragoça. Não é aleatório, portanto, que em 1530 têm início a ocupação efetiva do Brasil, por meio da política de Capitanias.

3. Considerações finais Neste artigo apresentamos uma forma de abordagem da cartografia histórica à luz do campo de estudos da geopolítica. As cartas atuam como elementos representativos dos atores políticos e, por isso, podem nos revelar aspectos significativos sobre o passado. Mencionamos aqui o empreendimento de caráter privado e comercial que dá início à ocupação, ainda que insipiente, e ao próprio processo de reconhecimento e delimitação de fronteiras. Processo esse que envolveu para além das cortes e dos acordos entre os reis o interesse comercial de navegadores e companias privadas, tal como nos informa Moares (2011: 133) E, aí, assiste-se a uma formidável associação de aspirações que unificou os distintos segmentos das classes dominantes no projeto expansionista. Magalhães Godinho observa que a perspectiva de “dilatação territorial” une Coroa, nobreza, clero e burguesia – cada uma tendo sua ótica própria ante a empresa: os setores burgueses (nacionais ou

104

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

estrangeiros) ansiavam um “alargamento marítimo e comercial”, a aristocracia movia-se tendo por meta os saques ou a “conquista territorial”.

A complexa trama de interesses traduziu-se no eixo do comércio de mercadorias que, por sua vez, consolidou-se em disputas político-jurídico centralizadas na figura das cortes e que se fazem ver nos mapas mediante as representações de marcos e limites das disputas pelos nos novos espaços e pela representação das mercadorias, e no caso dos mapas aqui estudados, na forma como se descreve o mundo5 e, também, o divide por meio do meridiano de Tordesilhas.

4. Bibliografia Agnew, John. (2002). Making political geography. New York; Oxford: Oxford University Press Inc. Albuquerque, L. de (org). (1989). O reconhecimento do Brasil. Lisboa: Publicações Alpha. Alegria, M. F., Duveau, S., Garcia, J. C., Relaño, F. (2012). História da Cartografia Portuguesa – Séculos XV a XVII. Porto: Figueirinhas Cortesão, A. (1935). Cartografia e cartógrafos portugueses dos séculos XV e XVI, vol. I. Lisboa: Seara Nova. Cortesão, A., Mota, A. T da. (1960). Portugaliae Monumenta Cartographica, vol. 1. Lisboa: Imp. Nac.-Casa da Moeda. Cortesão, J. (2009). História do Brasil nos velhos mapas – Tomo 1. Lisboa: Imprensa nacional-Casa da moeda. Couto, J. (1997). A construção do Brasil: Ameríndios, portugueses e africanos, do início do povoamento a finais de quinhentos, 2ed. Lisboa: Edições Cosmos. Dorigo, A. M. de B. (2006). Esplendor e sigilo: o Brasil na cartografia portuguesa dos séculos 16 e 17. Revista do programa de pós-graduação em artes visuais, 35-39 Godinho, V. M. (1971). Os descobrimentos e a economia mundial vol. 1. Lisboa: Editorial presença. Goes Filho, S. S. (1999). Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. São Paulo: Martins Fontes. Harley, B. (2008). Mapas, saber e poder. Confins: Revista franco-brasilera de geografia, (5). Disponível em: http://confins.revues.org/5724. [Acedido em 05 de setembro de 2012] Moraes, A. C. R. (2011). Bases da formação territorial do Brasil, GEOGRAFARES (2), 105-112. Ribeiro, D.; Neto, C. de A. M. (orgs.). (1992). A fundação do Brasil: Testemunhos, 1500-1700. Petrópolis: Vozes.

5

Segundo Godinho (1971: 62): A palavra decisiva esta dita: pela mercadoria, pelo alargamento do mercado à escala do orbe, nasce uma nova mentalidade pela qual o homem aprende a situar-se no espaço da percepção visual e da geometria (...)

105

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.