A gestão da pesquisa acadêmica em Comunicação Midiática no ambiente digital

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A gestão da pesquisa acadêmica em Comunicação Midiática no ambiente digital 1 SILVEIRA, Ada Cristina Machado (Doutora em Comunicação) 2 GUIMARÃES, Isabel Padilha (Doutora em Comunicação) 3 DE PAULA, Lenon Martins (Graduando em Jornalismo) 4 UFSM/RS Resumo: A memória sonora e audiovisual das mídias brasileiras padece de notório esquecimento e desleixo no que se refere a sua guarda. Uma exceção é a da mídia impressa, que algumas vezes pode ser recuperada nos acervos de bibliotecas. Pretende-se refletir sobre a importância da gestão da pesquisa acadêmica em Comunicação Midiática realizada em ambientes virtuais. O objetivo do artigo é compreender a elaboração de repositórios do material investigado pelo grupo de pesquisa Comunicação, Identidades e Fronteiras 5, como forma de documentação, registro e memória. Através do blog Observatório do Noticiário de Fronteiras e do repositório disciplinar de matérias jornalísticas sobre periferias nacionais e metropolitanas, refletir sobre a publicização das pesquisas, processos e resultados, evidenciando-se a relevância da estruturação de bancos de dados para futuras pesquisas. Palavras-chave: mídia digital; comunicação; pesquisa acadêmica; repositório.

Introdução A importância de estruturar repositórios nas condições em que ocorre a atividade da Comunicação Midiática em contextos como o brasileiro é notória. Trata-se de uma sociedade sobre a qual incide de maneira muito forte a atividade midiática e a estrutura de meios que está dominada pela iniciativa privada. Isso equivale a dizer que a veiculação está absolutamente controlada por empresas que, de uma maneira geral, dificultam sobremaneira o acesso aos arquivos, quando os guardam. A memória sonora 1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Digital, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, 2015. “Trabalho Concorrente ao Prêmio José Marques de Melo de Estímulo à Memória da Mídia” 2015. 2 Pós-Doutora, Pesquisadora do CNPq e Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFSM, Email: [email protected] 3 Bolsista de Estágio Pós-doutoral (DOCFIX – Capes/Fapergs) no Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFSM. Email: [email protected] 4 Estudante de graduação do 5º semestre do Curso de Comunicação - Jornalismo da UFSM e Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq. Email: [email protected] 5 O Grupo de Pesquisa Comunicação, Identidades e Fronteiras, coordenado pela Prof. Dr.ª Ada Cristina Machado Silveira, conta com uma bolsista de ensino médio, três bolsistas de graduação, três mestrandos, quatro doutorandos e três pesquisadores. Mais informações sobre o Grupo de Pesquisa no blog , ou no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, Acesso em: 22 mai. 2014.

e audiovisual das mídias brasileiras padece de notório esquecimento e desleixo no que se refere a sua guarda. Uma exceção é a mídia impressa, que algumas vezes pode ser recuperada nos acervos de bibliotecas. Evidencia-se a relevância da estruturação de bancos de dados para futuras pesquisas. Assim, objetiva-se compreender a elaboração de um banco de dados referente ao material investigado pelo grupo de pesquisa Comunicação, identidades e fronteiras 6, como forma de documentação, registro e memória, identificando o papel que as novas tecnologias podem desempenhar neste processo, observando os repositórios organizados a partir da perspectiva dos objetos empíricos analisados, relativos ao arquivamento digital de revistas semanais de informação e ao panorama da circulação de informações por intermédio do blog Observatório do Noticiário de Fronteiras, refletindo assim, sobre a publicização das pesquisas, processos e resultados. Pretende-se observar a importância da gestão da pesquisa acadêmica dos grupos de pesquisa científica e tecnológica7, realizada em ambientes virtuais, visando a contribuir com a área de conhecimento, buscando também, instaurar canais de comunicação através da internet com outros pesquisadores e interessados nos temas de pesquisa desenvolvidos. “Ambientes informacionais digitais estão surgindo com o intuito de possibilitar o gerenciamento, o tratamento, a recuperação, o uso, a preservação e a disseminação de informações e de documentos científicos e acadêmicos” (CAMARGO; VIDOTTI, 2009, p.55). Desse modo, trata-se de um espaço que possibilita o armazenamento da produção científica, o auto-arquivamento de documentos, a recuperação e a disseminação da informação, além da preservação em longo prazo, facilitando a visibilidade dessa produção. (CAMARGO; VIDOTTI, 2009, p.59). Há diferentes conformações de ambientes científicos digitais, como os

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O Grupo de Pesquisa Comunicação, Identidades e Fronteiras, coordenado pela Prof. Dr.ª Ada Cristina Machado Silveira, conta com uma bolsista de ensino médio, três bolsistas de graduação, três mestrandos, quatro doutorandos e três pesquisadores. Mais informações sobre o Grupo de Pesquisa no blog , ou no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, Acesso em: 22 mai. 2014. 7 Os grupos de pesquisa estão localizados, principalmente, em universidades, instituições isoladas de ensino superior com cursos de pós-graduação stricto sensu, institutos de pesquisa científica e institutos tecnológicos. Disponível em: < http://lattes.cnpq.br/web/dgp/o-que-e >. Acesso em: 16 abril 2015.

repositórios, por exemplo. Segundo Camargo e Vidotti (2009), a utilização desse tipo de ambiente auxilia o gerenciamento da produção acadêmica, na construção de trabalhos científicos, nos intercâmbios e trocas de informações. “Pode-se considerar que existem objetivos em comum entre esses tipos de ambientes informacionais: armazenar, representar, preservar, interoperar, facilitar o acesso e disseminar informações”. (CAMARGO; VIDOTTI, 2009, p.63). Suas funções podem variar, com perspectiva de aplicações e usos inéditos, como por exemplo: “gestão de atividades de pesquisa, veiculação de publicações eletrônicas, armazenamento de materiais de aprendizagem, gestão de dados de pesquisa, curadoria de materiais digitais, gestão de conhecimento, exposição virtual (...)”. (MARCONDES; SAYÃO, 2009, p.24). Os autores complementam, afirmando que uma das principais motivações para a criação deste tipo de ambiente é o acesso à informação científica de qualidade, com o autoarquivamento da produção acadêmica. No que concerne a ser “científica ou academicamente orientado”, é importante ressaltar duas questões, as quais têm relação com decisões presentes nas políticas de funcionamento. A primeira é que “cientificamente orientado”, deve significar conteúdo reconhecido e validado pela comunidade científica, o que, por sua vez, aponta, necessariamente, para as “publicações” científicas, especialmente o artigo de periódico. A segunda é que “academicamente orientado” flexibiliza a perspectiva da validação alcançada pelo peer review, e contempla também outras formas de comunicação científica, mais informais, inclusive material de ensino. (COSTA; LEITE, 2009, p.164).

Utilizaremos uma adaptação da categorização proposta por Camargo e Vidotti (2009, p.59) para identificar os repositórios, que podem ser de dois tipos: disciplinar ou institucional. “O repositório institucional é a reunião de todos os repositórios temáticos hospedados em uma organização. Os disciplinares são sistemas abertos que arquivam os resultados de investigação de uma ou várias disciplinas e também são conhecidos como repositórios temáticos.”. É inegável a importância do desenvolvimento de repositórios institucionais. Mas como se trata de uma questão complexa que envolve grandes investimentos em longo prazo, como planejamento, custos e mão de obra, pondera-se também sobre a relevância dos ambientes digitais elaborados por grupos de pesquisa acadêmicos. Trata-se de refletir não só sobre o conteúdo das pesquisas, mas considerar também, engendrar a

produção relacionando-a a diversas plataformas como forma de avaliar e manter um inventário dessa produção. Propõe-se reconhecer e apontar aspectos e recursos específicos com os quais atua o grupo de pesquisa Comunicação, Identidades e Fronteiras, considerando-o como um ambiente do tipo disciplinar (temático). Pois além da preservação, há a possibilidade de criação de novos arranjos, com a disposição das informações efetuadas a partir de uma temática, selecionando e arquivando determinados materiais de pesquisa, tratandose da produção, circulação e memória de nossa produção acadêmica no ambiente digital. Compreender os mecanismos da memória pode nos ajudar a escolher entre procedimentos de preservação que visem ou a manutenção da totalidade da oferta de informações (acúmulo de informações), ou a seleção destas (disputa entre o que lembrar e o que esquecer). (DODEBEI, 2009, p.84).

Os dois tipos de repositórios que serão examinados neste trabalho se cruzam nas suas temáticas, pois ambos têm na sua elaboração, a mesma proposição, oriunda de projetos de pesquisa que norteiam as atividades acadêmicas do referido grupo, marcando assim, o seu caráter relacional, tratando-se da reunião do corpora de pesquisa, contemplando, de um lado, a seleção e arquivamento de matérias jornalísticas, considerando a cobertura jornalística realizada por mídias nacionais sobre o cotidiano das periferias nacionais (fronteiras internacionais do Brasil) que as mantém atreladas a um imaginário de situações recorrentes articulados pela ausência de estado, caos e violência, com observação de prática semelhante quanto à cobertura de acontecimentos ocorridos nas periferias metropolitanas (favelas) o que, em certa medida, acaba por contaminar a cobertura que as mídias locais fronteiriças realizam de seu cotidiano. Neste sentido, idealizou-se o Observatório do Noticiário de Fronteiras, para observação de mídias locais fronteiriças e seu agenciamento. Assim, para além do preceito canônico de informar com objetividade, observar se o agenciamento jornalístico mantém a noticiabilidade sobre as periferias numa condição ambígua que enquadra seus acontecimentos indistintamente ou como alarmes de incêndio ou dispositivos panópticos que alertam continuamente a comunidade nacional/local para seus perigos. Delineia-se uma similaridade com o repositório do tipo temático com a prática de nosso grupo de pesquisa, pois os ambientes digitais aqui descritos se distinguem por

serem espaços temáticos voltados para as questões estudadas, norteadas por projetos de pesquisa. Trata-se de reunir a produção dos pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação e bolsistas de iniciação científica, através do acesso a diversos tipos de arquivamentos que incluem matérias jornalísticas de diferentes veículos, artigos acadêmicos e outros tipos de material a partir da temática da cobertura jornalística das fronteiras internacionais e periferias metropolitanas, restringindo e arquitetando, desta forma, a criação da memória do grupo.

Repositório disciplinar de matérias jornalísticas sobre periferias nacionais e metropolitanas Em artigo anterior (DE PAULA et al. 2014a), buscamos sistematizar os métodos utilizados para a alimentação de um banco de dados sobre a cobertura jornalística das periferias nacionais (fronteiras internacionais) e metropolitanas (favelas) no Brasil, através da aplicação de um protocolo de caráter metodológico para organizar a captura de matérias, na prática de pesquisa desenvolvida pelo grupo, tendo como objeto empírico revistas semanais de informação. Baseou-se na coleta de matérias sobre a temática publicadas entre os anos 2006 e 2012, nas quatro principais revistas semanais de informação do país – Veja, Época, Carta Capital e IstoÉ – em suporte impresso e digital, totalizando um universo de 1344 edições. O olhar direcionado para as revistas semanais de informação se justifica por sua condição de mídia de referência no cenário nacional como fonte de informação e pela expressão de sua tiragem e circulação continuada, dada a qualidade do papel de impressão e durabilidade de suporte. A coleta é feita a partir de coleções das revistas disponíveis na web, em bibliotecas universitárias e acervos institucionais. Observa-se a dificuldade em reunir o material impresso para captura digital das matérias que interessam à seleção realizada. A biblioteca da Universidade Federal de Santa Maria, por exemplo, não mantém o acervo destas revistas, se desfazendo dos seus exemplares, periodicamente. As dificuldades no que se refere à disponibilidade de material para pesquisa, frequentemente, é tema de discussão e debate na área da comunicação. O levantamento consiste em um processo que compreende a avaliação da disponibilidade das revistas (na qual verificamos quais edições estão disponíveis), leitura de mapeamento (das edições disponíveis em busca de matérias que tratem de

fronteiras internacionais do Brasil e periferias metropolitanas), captura dessas matérias (por meio de fotografia ou captura digital) e a posterior alimentação de um banco de dados integrado com o auxílio do software Nvivo 8 para congregar as matérias coletadas. Neste levantamento, obtivemos acesso a 54,84% das edições (737 revistas de uma totalidade de 1344) e destas, até o momento da submissão desta comunicação, temos 291 edições e 373 matérias arquivadas no nosso levantamento. 9 A disparidade entre a quantidade de edições acessadas e as edições arquivadas no nosso banco de dados, ocorre devido à dificuldade em se encontrar o acervo completo nos locais pesquisados. Frequentemente, enfrentamos falhas na linearidade da disponibilização, como a ausência de edições impressas em um determinado período de tempo no acervo pesquisado10. Esta dificuldade exige nosso deslocamento para outras dependências, visando o acesso a todas as edições que compõem o nosso corpora. Apesar de empresas jornalísticas digitalizarem seus acervos, como é o caso da revista Veja

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, cujo acervo completo está disponibilizado online, deve-se considerar de

que se trata, no exemplo dado, de uma empresa privada, em que existe a possibilidade dos arquivos não estarem disponíveis de um dia para o outro ou serem cobradas taxas para a sua utilização. Mesmo com esta contingência, recordamos que se trata de uma realidade que não é regra. No período compreendido entre os anos de 2006 e 2012, ao se contar uma edição por semana, totalizam-se em torno de 336 edições publicadas da revista Veja. No nosso 8

O levantamento está conformando um banco de dados alimentado no software NVivo 9.0 adquirido com recursos do CNPq. Teve-se ainda que adquirir o programa Parallels para poder trabalhar com a plataforma Mcintosh. O programa teve sua versão posteriormente atualizada para a edição 10.0 com recursos do Programa de Pós-graduação em Comunicação. O repositório também dá guarida, através do arquivamento no Nvivo, a esforços como a produção de estudos sobre o estado da arte no tema. Um primeiro estudo realizado quanto à periferia fronteira internacional permitiu reconhecer a existência de 65 trabalhos acadêmicos, sendo 36 artigos publicados em periódicos indexados e 29 artigos completos em anais de eventos da área da Comunicação. Dentre estes, destacam-‐se quantitativamente a predominância de análises que enfocam o meio impresso como objeto empírico e localizadas na fronteira sul do Brasil, observando-‐se também uma predominância de pesquisadores situados nessa região. 9 O número de 737 edições a que tivemos acesso compreendem as que já foram lidas (tanto no impresso quanto na web) em busca de matérias, mesmo que ainda não tenham sido capturadas (fotografadas). Várias edições impressas pesquisadas das revistas Época, Carta Capital e IstoÉ foram descartadas pela Biblioteca da UFSM no período compreendido entre a leitura de mapeamento e a captura das matérias. As edições que não estavam disponíveis na Biblioteca foram mapeadas nos sites das próprias revistas, dentro das limitações expostas (vide nota de rodapé n. 2). 10 Devido a estas falhas de disponibilização, conseguimos abranger apenas o período de 2009 a 2012 das revistas Carta Capital e IstoÉ; de 2007 a 2012 da revista Época (vide nota de rodapé n. 2). 11 Disponível em: Acesso em: 05 abr. 2014.

banco de dados constam 92 edições e 100 matérias relacionadas à temática trabalhada pelo grupo. A diferença entre as edições publicadas e as edições arquivadas no nosso levantamento é explicada pelo recorte do objeto, delimitado para que fossem selecionadas e arquivadas apenas as edições que possuíssem matérias relacionadas às fronteiras internacionais do Brasil e às periferias metropolitanas. Os acervos das outras três revistas que compõem o corpora pesquisado (Carta Capital, Istoé e Época) não possuem seus arquivos digitalizados12. As notícias disponíveis nos respectivos sites, não são as páginas diagramadas do impresso, mas apenas textos e fotos, o que impede a análise da disposição de elementos como título, cartola, editoria, box, lide, etc.. Neste sentido, manifesta-se atenção com a necessidade de lidar com a indisponibilidade destes acervos. Mesmo assim, optou-se pelo arquivamento das notícias disponibilizadas nos sites concomitante à busca das matérias nos exemplares impressos. No encontro regional da Rede Alcar, em 2012, na cidade de São Borja, o professor Antônio Hohlfeldt apresentou conferência sobre perspectivas e desafios para compor uma história da imprensa e, na ocasião, relatou pesquisa com jornais impressos, realizada em seu pós-doutorado em Portugal e a dificuldade em se reunir jornais em fotocópias, fotografias ou através da digitalização 13. Neste sentido, considerando as condições materiais de trabalho, compreende-se a difícil empreitada de se abarcar uma totalidade, elegendo assim, a via relacional na reunião do corpora de pesquisa. Não se trata exclusivamente de digitalização de material, mas da criação de um ambiente digital no qual um determinado conjunto de matérias esteja agrupado. Assim, na abordagem das matérias a serem analisadas sob determinada orientação, poupa-se tempo e esforço ao iniciar o trabalho em continuidade 12

A revista Época disponibiliza digitalmente as edições publicadas a partir de 16 de dezembro de 2011, porém, apenas assinantes possuem acesso em sua formatação original. Disponível em Acesso em: 10. abr. 2015. Já as revistas Carta Capital e IstoÉ disponibilizam apenas os links das suas notícias na web conforme as edições publicadas, e não a revista na íntegra, como se apresenta na forma impressa. Apenas matérias com texto e foto, o que impede a análise da disposição dos elementos diagramados na versão impressa (título, foto, cartola, editoria, Box, lide, texto, entre outros). Disponível em: Acesso em: 10 abr. 2015. 13 Após a palestra, ao ser interpelado por uma pesquisadora sobre as dificuldades em se conseguir junto às emissoras de televisão, acesso aos seus arquivos, o prof. Hohlfeldt (Pucrs) abordou a necessidade dos pesquisadores se organizarem para arquivar o próprio material de pesquisa.

a uma pré-seleção já realizada anteriormente, não necessitando recorrer às fontes nas quais se originaram as notícias. Daí a criação dessa memória partir justamente de um âmbito relacional e não classificador. Eu compreendia cada vez melhor que qualquer totalidade é inalcançável, fragmentada, fracionada. Não se tratava de renunciar à totalidade, mas de integrar a ela seu contrário, que a desintegra. Essa foi a contribuição decisiva de Adorno: “A totalidade é a não verdade.” Isso não significava que era necessário renunciar a qualquer aspiração ao saber global, mas que essa aspiração não podia ser satisfeita e que um sistema totalizante era ilusório. Era muito mais necessário associar todo saber parcial à consciência do todo como todo. (MORIN, 2014, p. 85).

Assim, as novas tecnologias podem contribuir para a criação de acervos próprios, como através do software Nvivo

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. Seu uso permitiu ampliar a capacidade

para lidar com o volume e a complexidade do corpora de pesquisa composto por diferentes materiais como matérias de revistas (que incluem texto e fotografia), matérias telejornalísticas,

notícias linkadas e outros tipos de dados que tornam-se

disponibilizados para diferentes metodologias, formando assim, um banco de dados para futuros pesquisadores do grupo.

Observatório do Noticiário de Fronteiras Para pensar a circulação de informações, é necessário iniciar uma incursão e apropriação do termo “sociedade da informação”, termo este que constitui uma perspectiva

que

considera

os

avanços

tecnológicos

na

microeletrônica

e

telecomunicações e seu impacto na sociedade, originando uma tendência dominante para se definir um novo paradigma: o da tecnologia da informação, que expressa a essência da presente transformação tecnológica em suas relações com a economia e a sociedade. (WERTHEIN, 2000). Esta perspectiva tem as seguintes características: a informação é sua matéria prima (o homem atua sobre a informação, a partir das novas tecnologias); a alta penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias (a informação está

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O NVivo é um software especíalizado em organização e armazenamento de dados com a gestão de métodos de pesquisa qualitativas, permitindo reunir, organizar e analisar conteúdos como imagens, áudios, vídeos, documentos de texto, páginas da web e de rede sociais. Este programa é otimizado com uma ferramenta de busca, consulta e visualização, permitindo um manuseio mais amplo de um determinado corpus. Disponível em: < http://www.qsrinternational.com/other-languages_portugueseresources.aspx >. Acesso em: 10 abr. 2015.

inerente a todos, e todos podem ser afetados por uma nova tecnologia); e predomínio da lógica das redes; flexibilidade e convergência. Castells (2008) trata dos fluxos de informação como “suporte dos processos e funções dominantes na sociedade informacional” e afirma que “tanto o espaço quanto o tempo estão sendo transformados sob o efeito combinado do paradigma da tecnologia da informação e das formas e processos sociais induzidos pelo processo atual de transformação histórica (...).” (CASTELLS, 2008, p.467). O autor defende que essa transformação ocorre em duas formas diferentes: simultaneidade (com sentido semelhante à instantaneidade, tempo real dos eventos, propiciando “fazer” história diretamente testemunhada) e intemporalidade (mistura de tempos que torna o hipertexto de multimídia atemporal, numa instância sem começo, fim, ou sequência). Frente a este constante excesso de informações ao qual a sociedade da informação está submetida, restringimos esta discussão para o meio da web, que muito contribui para este debate. Para se pensar numa organização das informações, Gleick (2013) traz alguns apontamentos sobre a intensidade do fluxo de informação, afirmando que Dilúvio passou a ser uma metáfora comum para as pessoas que descreviam a fartura de informação. Existe uma sensação de afogamento: o excesso de informação seria como uma enxurrada, violenta e irrefreável. Ou evoca à mente um bombardeio, os dados impingindo uma série de golpes, vindos de todos os lados e rápidos demais. (GLEICK, 2013, p. 412).

O autor também ressalta a importância da indexação na web frente ao grande fluxo de informação, afirmando que “um site não indexado na internet se encontra no limbo tanto quanto um livro deixado na estante errada da biblioteca” (GLEICK, 2013, p.420). Barabási (2009, p.147) nos traz uma reflexão importante acerca da organização da informação e sua navegabilidade na web, expondo a relação entre os links dentro da direcionalidade das redes com base no trabalho de Andrei Broder, do site de buscas e indexador AltaVista15 (atualmente desativado)16, em 1999. Broder 15

Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2015. 16 Ver: < https://sites.google.com/site/historiasobreossitesdebusca/historia-dos-principais-sites-debusca/historia-do-site-de-busca-alta-vista >. Acesso em: 10 abr. 2015.

dividiu a web em quatro grandes continentes: Núcleo central, abriga todos os grandes sites da web (Google, Yahoo!, Facebook); Continente interior, tão grande quanto o núcleo central, porém mais difícil de navegar, a partir dele pode-se chegar ao núcleo central, mas o caminho contrário não ocorre; Continente exterior, semelhante ao continente interior, porém este continente é acessado através do núcleo central e o caminho reverso não ocorre (sites corporativos); e Filamentos e ilhas, que são “grupos isolados de páginas interconectadas que são inacessíveis a partir do núcleo central e não possuem links de volta para ele”, como sites não indexados em ferramentas de pesquisa (BARABÁSI, 2009, p.149). Nesta perspectiva, e considerando as relações entre os continentes (BARABÁSI, 2009, p. 147), os links presentes na web a partir dos sistemas hipertextuais permitem conectar, a partir de um texto, outros textos complementares ou contraditórios, agregando mais informação a uma primeira informação dada. Através da linkagem hipertextual toda informação é dotada de informações subsequentes, umas sempre relacionadas com as outras. Sempre que colocamos um texto numa rede de outros textos, reforçamos a sua existência como parte de um diálogo complexo. A linkagem hipertextual, que tende a mudar os papéis de autor e receptor, altera também os limites do texto individual (LANDOW, 1992, p.63 apud DALMASO, 2010).

Neste sentido configura-se o Observatório do Noticiário de Fronteiras, como um repositório de links sobre uma mesma temática (fronteiras internacionais do Brasil) através de postagens17, onde se estabelece a relação entre diferentes textos por meio dos hiperlinks. A sua dinâmica consiste em congregar a produção de notícias de diversas mídias/suportes com a finalidade de promover o mútuo conhecimento entre a variedade de profissionais dispersos em mais de 16 mil quilômetros de fronteiras internacionais que o Brasil possui com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname.18. Anteriormente, pretendeu-se compreender a articulação da rede de portais de notícias envolvidos na produção de 17

As postagens são estruturadas da seguinte forma: título (a manchete da notícia), e texto (que contém a data de publicação e um link para direcionamento à informação). 18 Em artigo anterior, relatamos o desenvolvimento do blog Observatório do Noticiário de Fronteiras descrevendo os processos de sua construção e analisando as notícias nele postadas. Disponível em: < http://clipfront.wordpress.com >. Acesso em: 19 mai. 2014.

noticiário e observar os temas recorrentes nos veículos locais, no que se refere às fronteiras internacionais do Brasil, além de amparar as investigações em curso no Grupo de Pesquisa Comunicação, Identidades e Fronteiras. (DE PAULA, L. M., 2014b). Os critérios adotados para o levantamento dos portais foram: a atualidade dos portais, notícias postadas regularmente e notícias publicadas que se enquadrassem no escopo delimitado pelos projetos de pesquisa do grupo, citados anteriormente, remetendo aos seguintes temas: fronteiras internacionais do Brasil, Amazônia, tráfico de drogas, tráfico de armas, segurança nacional, segurança pública, imigração, violência, saúde e eventos de integração entre as cidades fronteiriças, envolvendo a relação do Brasil com os países vizinhos. Dos 108 sites de jornais, emissoras de TV e emissoras de rádio reunidos no primeiro levantamento, foram selecionados 19 portais que atendiam aos critérios predefinidos. Neste trabalho, enfrentamos algumas dificuldades iniciais, como por exemplo, a descontinuidade de alguns sites, que foram excluídos após o levantamento inicial; a desatualização com notícias esporádicas e defasadas, além de publicações bastante concisas e com interface de difícil inteligibilidade, compreendendo, com estas características, a maioria dos portais pesquisados. (DE PAULA, L. M., 2014b, p.4).

Observou-se que, às vezes, essas notícias não estão mais disponíveis nos sites em que foram postadas e para que não sejam perdidas, o recurso encontrado foi o de salvar e arquivar estas matérias. Neste sentido, procede-se à criação de uma memória, pois se trata de uma nova espacialidade, quando se observa um conjunto de notícias de veículos locais com temática semelhante agrupadas em um ambiente. Vários pesquisadores e profissionais de comunicação, como um radialista de Mato Grosso do Sul ou um professor residente na Colômbia, entraram em contato com o grupo, após terem acesso ao referido blog. Cogita-se, futuramente, agregar novos informantes, de modo a formar uma rede colaborativa, com participantes localizados ao longo da fronteira brasileira. Atualmente, são postadas as manchetes das notícias com seus respectivos links para os portais que as veicularam. Em uma coluna do lado direito das notícias postadas, se encontram as tags, com os principais operadores semânticos abordados e as cidades sobre as quais as notícias foram postadas. Além da própria identificação do grupo de

pesquisa e o link para a rede social digital do Facebook. Pondera-se que as manchetes estão em um novo ambiente, em um espaço que constrói novos sentidos, se tratando da replicação de informações constituídas de outros meios, com cada link representando uma informação já mediada dentro de outra mediação. (RECUERO, 2012, p.12). Segundo Carelli, Monteiro e Pickler, (2006, p.118), “sendo a memória objeto de estudo de várias áreas e possuindo vários atributos, a categoria ‘preservação’ é a mais utilizada pela ciência da informação no tocante à compreensão desse objeto”. No entanto, em se tratando do ciberespaço, “a preservação parece não estar muito fortemente ligada à inteligibilidade da memória, em função da desterritorialização do signo e do saber em fluxo”. Isso porque ocorre uma mudança de natureza da memória neste ambiente. Assim, segundo as autoras, temos vários tipos de memória como tempo; espaço; preservação; representação. Consideramos aqui, a categoria “representação”, em função de estarmos tratando de um tipo de repositório temático, pois o noticiário selecionado se encontra em um ambiente dedicado exclusivamente ao noticiário da fronteira, o que pode ampliar a percepção a respeito de alguns temas. Considerações finais Segundo Marcondes e Sayão (2009, p.23), através da implementação de repositórios, as comunidades acadêmicas podem “explorar as possibilidades oferecidas pelas tecnologias de informação e comunicação para criar serviços de informação inovadores, através dos quais as novas mídias digitais possam potencializar o ensino, a pesquisa e a comunicação científica”. As informações podem ser armazenadas digitalmente, liberando os originais do manuseio constante. Nos dois tipos de ambientes digitais selecionados para análise, tanto no Observatório do Noticiário de Fronteiras e como no Repositório de matérias jornalísticas, utilizou-se de uma espécie de clipagem digital no arquivamento de matérias considerando o tema das periferias nacionais e metropolitanas e a seleção de links de veículos de comunicação localizados ao longo da fronteira brasileira, considerando que ambos ainda podem incorporar novas funções, serviços e princípios para atender da melhor forma possível os seus usuários, aumentando a visibilidade dos resultados de pesquisa, do pesquisador e da instituição por meio de processos adequados de gestão da informação científica. (CAMARGO e VIDOTTI, 2009, p.63). Optou-se em

categorizá-los como repositórios disciplinares (ou temáticos), pois se sabe, conforme afirma Dodebei (2009, p.83) que “não há como guardar toda a produção do conhecimento e sabemos também que o custo da preservação de memórias é alto, o que nos obriga a fazer escolhas”. Com o advento da criação do ciberespaço e a possibilidade tecnológica de criação de memórias eletrônicas, a reunião do material se tornou mais acessível. É importante considerar também a constituição da memória do material impresso produzido, que pode se perder se não houver a preocupação com o seu arquivamento e preservação, no que se refere ao seu conteúdo. Por isso optou-se, além do registro das notícias veiculadas no site das revistas, pela seleção de matérias das revistas impressas, mesmo com a dificuldade implicada em se buscar este material, como explicitado anteriormente. No caso do Observatório, se tratou de realizar um inventário com o noticiário produzido por veículos de comunicação localizados ao longo da faixa de fronteira. Observa-se a relevância deste material como banco de dados para futuras pesquisas, a partir das novas tecnologias, reiterando-se a importância de se pensar sobre a preservação da memória jornalística por parte dos pesquisadores, salvaguardando também a memória do próprio grupo de pesquisa, Referências BARABÁSI, A. Linked: a nova ciência dos networks. 1.ed. São Paulo: Leopardo. 2009. CAMARGO, L. A; VIDOTTI, S. A. Arquitetura da informação para repostórios digitais. In: SAYÃO, L. F. et al (Org.). Implantação e gestão de repositórios institucionais: políticas, memória, livre acesso e preservação. 1. ed. - Salvador : EDUFBA, 2009. p.55-82. CASTELLS, M. A sociedade em rede In: A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2008. v.1. inteligência artificial métodos de pesquisa adriana COSTA, S. M.; LEITE, F. C. Insumos conceituais e práticos para iniciativas de repositórios institucionais de acesso aberto à informação científica em bibliotecas de pesquisa. In: SAYÃO, L. F. et al (Org.). Implantação e gestão de repositórios institucionais: políticas, memória, livre acesso e preservação. 1. ed. - Salvador : EDUFBA, 2009. p.163-202. DALMASO, S. Post intertextuais: links e intetextos na construção textual dos blogs In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 33, 2010, Caxias do Sul – RS. Anais. São Paulo: Intercom, 2010. DALMOLIN, A. R.; GUIMARÃES, I. P.; SILVEIRA, A. C. M.; Um outro olhar sobre as

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