A gestão de relações educativas apoiadas pelo computador por meio da pedagogia de projetos

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A gestão de relações educativas apoiadas pelo computador por meio da pedagogia de projetos

Gilberto Lacerda Santos, Ph. D. Faculdade de Educação Universidade de Brasília [email protected]

Resumo Neste trabalho, abordamos a problemática da gestão das relações educativas apoiadas pelo computador por meio da pedagogia de projetos. Apontamos algumas premissas de um novo modo de formação, em que a pedagogia de projetos aparece como uma estratégia pertinente e promissora e elencamos algumas experiências desenvolvidas pelos alunos da Oficina de Informática Educativa do programa de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

Abstract The aim of this paper is to discuss the management of educative situations based on computers by the pedagogy of projects. This discussion is illustrated by some considerations concerning the emergence of a new kind of education, in the context of the information society. Finally, we point any experiences with pedagogy of projects developed in a graduate course at the University of Brasilia Faculty of Education.

Relações educativas apoiadas pelo computador: problemas de gestão A integração efetiva do computador nas relações educativas ainda constitui uma situação problemática de grande complexidade, tendo em vista a insuficiência de intervenções significativas neste sentido no âmbito dos programas de formação de professores da quase totalidade de universidades brasileiras. De fato, tanto professores em formação quanto professores em exercício têm manifestado sistematicamente seu desconforto em gerenciar relações educativas apoiadas pelo computador tendo em vista, sobretudo, seu desconhecimento da real natureza de tais relações educativas, supostamente inovadoras, mais dinâmicas, descentralizadoras do papel do professor e potencializadoras das ações discentes. É o que demonstra tanto nossa atuação, há vários anos, na condução de oficinas de informática educativa no programa de formação de professores da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, quanto observações de meios escolares onde houve inserção do computador como recurso de ensino e de aprendizagem (Maciel e Lacerda Santos, 2001). Tal situação de desconforto é sobretudo oriunda do fato de que a introdução do computador na escola é acompanhada de uma grande expectativa com relação à modificação da própria relação educativa, na medida em que há uma representação social extremamente positiva em torno do potencial do computador como tecnologia de ponta, capaz de transformar os processos humanos. Desta forma, com o advento das novas tecnologias de comunicação e informação, o campo da educação está cada vez mais pressionado por mudanças que venham

a alterar qualitativamente a dinâmica da mediação pedagógica (Moran, Masetto e Behrens, 2000). Tal expectativa coloca em evidência a problemática de se desenhar um modelo de formação de professores que inclua uma sistemática de apropriação crítica e contextualizada da informática, de forma a possibilitar a exploração plena de seu potencial na constituição de ambientes de aprendizagem que permitam que alunos e professores redimensionem seus papéis, como apontam Almeida e Fonseca Júnior (2001). As relações educativas apoiadas pelo computador inserem-se na perspectiva de um novo modo de formação (F2) que, em oposição a um modo tradicional de formação (F1), avança na direção de uma pedagogia inovadora (Lacerda Santos, 2001), que possa responder a uma série de necessidades da educação na dita Sociedade da Informação, tais como a atualização contínua de fontes de informação, o desenvolvimento de talentos e competências em diferentes áreas, o desenvolvimento de atitudes e valores para a convivência com autonomia e cooperação, o desenvolvimento de competências e habilidades suscetíveis de permitirem o acompanhamento da evolução dos campos profissionais e o surgimento de novos campos (Fagundes, Sato e Maçada, 2001). Algumas premissas podem então ser enunciadas para caracterizar este novo modo de formação. A primeira premissa relaciona-se com a evolução de um modelo de formação estática, em que o conhecimento é facilmente (ou equivocadamente) circunstrito e delimitado pelo material didático disponível, para um modelo dinâmico, em que os muros da escola são extrapolados e o ato de estudar é profundamente ancorado na inovação de estratégias, métodos, técnicas, abordagens (figura 1).

Estático e baseado na continuidade

F1

Dinâmico e baseado na inovação

F2

Figura 1: Evolução dos modelos teóricos e pragmáticos no ensino de Ciências

A figura evidencia que as relações educativas tradicionais têm suas bases alicerçadas em torno da continuidade e da natureza “estática” dos conhecimentos, sumariamente apresentados em materiais didáticos (livros, filmes, softwares). Por outro lado, relações educativas apoiadas pelo computador, que correspondem ao F2, deverão ser conduzidas na direção da inovação, do dinamismo do conhecimento e da ação docente, o que implica em processos contínuos e continuados de aprendizagem. A segunda premissa é fortemente ancorada na reinvenção das relações educativas, de modo que ocorra uma superação de abordagens tradicionais de formação docente de natureza condutivista, que contemplam cada “saber” ou “saber fazer” como algo que se pode adquirir com um treinamento específico proporcionado de fora (Carvalho e Gil Perez, 1993) e reprodutivistas, voltadas para a transmissão sistemática, acrítica e estática dos conhecimentos. Igualmente, precisam de superação as idéias essencialistas que propõem que um bom professor “nasce” como tal, desarticulando programas mais amplos de formação de

professores. Em contraposição, o novo modo de formação acena com as possibilidades da abordagem construtivista, que estabelece interações entre os diferentes atores da relação educativa e que humaniza este processo, evidenciando suas dimensões cognitivas, afetivas e sociais (figura 2).

Condutivistas, reprodutivistas e essencialistas

F1

Construtivistas

F2

Figura 2: Evolução de abordagens didáticas nas relações educativas A terceira premissa refere-se ao fato de que, no modo tradicional de formação, o estabelecimento de ligações entre campos de conhecimentos distintos ainda é uma “caixa preta” com raras incursões de sucesso. De fato, a interdisciplinaridade, importante componente do F2 apontado por inúmeros educadores como crucial para a adequação da escola às novas demandas sociais em termos de educação formal e não-formal, é “novidade” cujas dimensões ainda não foram completamente compreendidas. No contexto da transposição didática de conhecimentos, o saber do professor é delimitado como sendo um saber de intermediação e de regulação, construído pelo docente através de suas interações formais e informais com o meio social e com o conteúdo, na perspectiva de seus objetivos pedagógicos. No entanto, como articular um tal saber por meio da interconexão com outros saberes, permitindo sobretudo a reinvenção dos saberes, a construção e a reconstrução contínua de conhecimentos, o abandono de uma perspectiva unidisciplinar, mais próxima das premissas do F1, para uma perspectiva transdisciplinar, mais adequada ao novo modo de formação? Eis uma questão que é na verdade uma exigência para garantir a passagem do F1 para o F2, explicitada por meio da figura 3:

Unidiscisciplinar

F1

Transdisciplinar

F2

Figura 3: Evolução do modo de abordagem dos campos de conhecimento

A passagem do unidisciplinar para o transdisciplinar implica também em uma diversificação de espaços de interação com conhecimentos, antes concentrados unicamente na escola. A sociedade da informação abre espaços para que conhecimentos formais possam ser construídos em diferentes locais, inserido a escola em uma rede de formação altamente integrada com o meio social e suas diferentes instâncias. Esta quarta premissa é representada na figura 4:

A escola como único locus de formação

F1

Pluralidade de locus de formação

F2

Figura 4: A evolução para a pluralidade de locus de formação

O combate ao hermetismo no tratamento dos conteúdos pedagógicos é um outra premissa essencial para a migração do F1 para o F2. Este talvez seja um dos pontos mais críticos porque ele implica na modificação de posturas tradicionais com relação ao conhecimento, geralmente percebido como patrimônio do professor a ser distribuído em doses homeopáticas aos alunos. Seria importante, portanto, que o F2 fosse construído com base em uma maior abertura para a compreensão de que todo e qualquer conhecimento está sempre em processo de construção, seja ele coletivo ou individual. E que a escola é um espaço privilegiado onde diferentes atores se encontram para, juntos, avançarem na descoberta, na reinvenção, na (re) construção dos conhecimentos, na perspectiva de compreendê-los e apreendê-los (figura 5).

Hermetismo, distância, conhecimento construído

F1

Abertura, proximidade, conhecimento em construção

F2

Figura 5: Evolução das representações acerca do conhecimento

A sexta premissa diz respeito à evolução da percepção da formação recebida por parte dos próprios alunos. No F1, a formação escolar era percebida como o mecanismo definitivo de formação, efetiva e eficaz, estática, inerte e normalmente impermeável às inovações nos diferentes campos de conhecimento. No entanto, a própria evolução dos conhecimentos, a mundialização dos processo produtivos, as sucessivas revoluções tecnológicas (Schaf, 1995) e o dinamismo comunicacional da sociedade atual (Castels, 2000) mostram, e com muita ênfase, que a formação deve sempre ser percebida como sendo uma formação inicial, suscetível de ser modificada, reestruturada pelo próprio indivíduo em função de interrelações que ele estabelecerá, individualmente e no seio de novos grupos, com conhecimentos inéditos, com inovações, com a evolução de seus saberes individuais e coletivos. Esta premissa é evocada na figura 6.

Formação final, concluída, dispensando ajustes

F1

Formação inicial, evolutiva, devendo ser continuada

F2

Figura 6: Evolução da dinâmica da formação do professor

Enfim, a gestão de relações educativas apoiadas pelo computador, na medida em que estas últimas correspondem às características do novo modo de formação (F2), apresenta uma série de dificuldades para as quais os professores geralmente não estão preparados. Além do mais, o grande número de informações aos quais os alunos têm acesso, não apenas na escola mas principalmente fora dela, gera diversas situações em que professores têm que lidar com uma total ignorância dos processos cognitivos dos alunos. Isto ocorre por diversas razões entre as quais o próprio tempo da relação educativa e a complexidade das situações pedagógicas em que contribuições dos discentes são importantes para a construção de novos conhecimentos. Tendo em vista o exposto, é bastante claro que o uso efetivo, criativo e construtivo do computador na educação suscita uma série de situações que podem ser de grande complexidade para o professor, especialmente se levarmos em conta o desenho atual dos programas de formação docente, como comentamos no início, e a imperiosa necessidade de se avançar para a adoção de novas formas de ensinar e para a compreensão de novas formas de aprender, como evidencia Antunes (2002), de modo que o docente possa situar-se em meio ao seguinte questionamento que, de certa forma, delineia a intervenção educativa na escola da sociedade da informação: 1. 2. 3. 4.

Como integrar o computador como meio e não como finalidade das aprendizagens? Como diversificar o uso da tecnologia na relação educativa? Como fazer com que o aluno gerencie seu próprio processo de aprendizagem? De que forma promover a interação do aluno com diferentes linguagens de comunicação e expressão? 5. Como descentralizar a relação educativa e implementar dinâmicas de aprendizagem colaborativa? 6. Que estratégias utilizar para integrar, na relação educativa, o respeito às múltiplas inteligências, aos múltiplos saberes do aluno? 7. Como construir significados em impor sentidos? 8. Como formar para a autonomia, a criatividade, a criticidade, a sensibilidade? 9. Como promover a emergência de competências diversas e despertar capacidades motoras, emocionais, cognoscitivas? 10. Como organizar e estimular situações de aprendizagem em que o aluno seja autoavaliado?

E é justamente como um poderoso instrumento de apoio à ação docente, à formação continuada do docente e à sua evolução neste contexto de complexidade, que a pedagogia de projetos surge como uma estratégia eficiente e eficaz para a gestão das relações educativas.

A pedagogia de projetos como estratégia de gestão Projetos de aprendizagem envolvem a definição de planos de trabalho e de uma série de atividades que, embora diversificadas e lançando mão de diferentes recursos, são complementares e articulam-se em torno de um mesmo objeto de conhecimento. A proposta da pedagogia de projetos avança na direção da construção da autonomia do aluno para propor, conceber, desenvolver e avaliar uma atividade, normalmente realizada no contexto de um trabalho de equipe. Tal proposta incorpora conceitos relacionados com uma pedagogia mais dinâmica, profundamente articulada em torno da criatividade, da motivação intrínseca, da auto-avaliação e da construção ativa de conhecimentos. Originada do método de projetos dos educadores americanos Dewey e Kilpatrick, a pedagogia de projetos assenta-se sobre o aprender a aprender e não sobre o ensinar, como enfatizam Madalena e Costa (2002). As autoras evocam o termo construção, em detrimento do termo instrução, para colocar em evidência algumas idéias centrais da pedagogia de projetos, com as quais compartilhamos totalmente. Primeiramente, trata-se de processo interativo em que conhecimentos estão em permanente construção, independentemente da intervenção direta do professor, quebrando os vínculos de dependência do aluno com relação a este último, sem no entanto diminuir-lhe a importância na dinâmica da relação educativa. A realização de um projeto envolve o aluno em uma situação de interação com conhecimentos, pelo viés da construção e da reconstrução de conceitos, de idéias, permitindo que o indivíduo transite mais naturalmente e seguro de seus saberes individuais para os saberes coletivos e vice-versa. Na medida em que têm a prática como suporte para a reflexão, os projetos de aprendizagem incorporam princípios propostos por Kolb (1984) para a promoção de aprendizagens significativas e permitem que o aluno passe pelos quatro estágios da aprendizagem, conforme pensamento do autor: parte da experiência concreta, passa pela observação refletida, pela conceituação abstrata e chega à experimentação ativa, recomeçando o processo logo em seguida, em uma dinâmica que incorpora a cooperação, a reflexão e a tomada de consciência. Permitem também que sejam respeitados os diferentes estilos de aprendizagem dos alunos (Kolb, 1979), ou o que Jung (1977) chamaria de tipos psicológicos. A interdisciplinaridade é igualmente uma importante característica dos projetos de aprendizagem, que podem e devem avançar por diferentes campos de conhecimento, amealhando contribuições e estabelecendo ligações muitas vezes ignoradas pelos professores. Neste sentido, os projetos constituem espaço privilegiado para a manifestação dos conhecimentos privados dos alunos, para a criatividade, para a invenção, para o fortalecimento da auto-estima. Outra importante característica dos projeto de aprendizagem reside no fato de que eles rompem com a rigidez da sala de aula, com os horários estabelecidos, com o currículo, com as seqüências didáticas estabelecidas pelos programas escolares, com os pré-requisitos, com o espaço, com o tempo, com as hierarquias, de modo que a relação educativa seja verticalizada no que se refere às interações alunosprofessores e alunos-alunos. Se na relações educativas tradicionais, a adoção da pedagogia de projetos permite que se alcance resultados significativos (Almeida e Fonseca Júnior, 1999; Hernandez, 1997; Hernandez e Ventura, 1998, 1996; Leite, 1996), no campo da informática educativa, suas possibilidades são imensas, especialmente como instrumentos de gestão de relações educativas apoiadas pelo computador, em situações em que o uso de tal tecnologia é, por si

mesmo, um fator problemático para o docente. Neste caso, o projeto de aprendizagem construído em torno da utilização do computador abre espaço para uma plena utilização desta tecnologia, como meio de aprendizagem, inserida em um contexto mais amplo de diálogo com outras tecnologias, tanto materiais quanto intelectuais. O professor, interagindo com os alunos, libera-se da tarefa de ensinar o uso do computador e do peso de ter que mostrar-se excelente em tal uso, para aprender juntamente com seus pares-discentes. A gestão da relação educativa torna-se, portanto, tarefa muito mais simples e envolvente, constituindo inclusive interessante instrumento de formação continuada do professor. A relação educativa apoiada pelo computador encontra na pedagogia de projetos um excelente lastro para justificar e organizar as intervenções discentes e um excelente argumento para a utilização da informática de forma contextualizada e integrada à conteúdos específicos, permitindo que os alunos envolvam-se na concepção dos ambientes de aprendizagem necessários à sua própria formação. Em tais projetos de aprendizagem, o computador é empregado da maneira mais ampla possível, seja como suporte para o uso de algum aplicativo ou software educativo, seja como meio de pesquisa, comunicação e de expressão, ou ainda como suporte para o fio condutor do projeto pedagógico, para cálculos diversos necessários ao mesmo, como instrumento de gestão dos trabalhos e de avaliação dos resultados. No entanto, é importante frisar que a noção de ambiente de aprendizagem que adotamos é baseada na multiplicidade de recursos, meios e linguagens. Assim, outras mídias e tecnologias, intelectuais e materiais, são perfeitamente elegíveis para comporem o projeto pedagógico, que é, via de regra, concebido, proposto, executado e avaliado pelos alunos. Para o professor, responsável geral pela gestão das relações educativas, o percurso desenhado pela pedagogia de projetos permite que ele próprio interaja de forma mais harmoniosa com o computador e com suas inúmeras possibilidades, muitas delas construídas pelos alunos na dinâmica de concepção dos projetos pedagógicos. Neste sentido, tal estratégia permite que o professor possa, entre outras possibilidades: 1. gerir a organização do trabalho pedagógico, sem interferir diretamente e impor caminhos tradicionais aos alunos; 2. gerir o processo de construção de conhecimentos, até onde é possível fazer isto em sala de aula, aparando arestas, propondo novas possibilidades, desafiando a criatividade dos alunos, sempre na perspectiva de os conduzir mais e mais longe; 3. gerir o processo de avaliação formativa e inserir-se na dinâmica proposta pelos alunos; 4. gerir sua própria relação com a cultura da informática educativa, apropriando-se dela gradualmente, de forma contextualizada e crítica; Um experiência de emprego da pedagogia de projetos é sempre empolgante, envolvente e extremamente rica de inovações na maneira como alunos e professores interagem uns com os outros e todos com o conhecimento. É justamente o que acontece na Oficina de Informática Educativa, do programa de formação de professores da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, conforme relato apresentado a seguir.

Algumas experiências com graduandos em pedagogia da Universidade de Brasília Desde 1999, vimos experimentando a estratégia da pedagogia de projetos para proporcionar a professores em formação, que têm pouco contato com o computador e com a tecnologia informática ao longo de sua profissionalização formal, a construção de uma compreensão

acerca do potencial e do papel do computador na educação. Se por um lado isto nos permite dinamizar as relações educativas e incitar a construção de representações positivas com relação às aplicações pedagógicas do computador, por outro lado isto nos permite gerenciar nossa intervenção pedagógica de modo que conseguimos ultrapassar a mesmice dos conteúdos repetidos semestre após semestre, de uma certa padronização de todas as intervenções, mesmo que os alunos não sejam os mesmos. Assim tanto a criatividade dos alunos quanto a do professor é extremamente privilegiada. Vejamos alguns exemplos de trabalhos desenvolvidos pelos alunos. Um interessante projeto pedagógico foi desenvolvido para a área de Ciências Naturais e dirigia-se para apoiar a construção de conhecimentos sobre os diferentes seres que habitam a Terra. Tratava-se de um projeto destinado a crianças da 4ª série do ensino fundamental, cuja construção foi, por si só, um projeto pedagógico destinado aos alunos futuros professores. Inicialmente, os alunos apropriaram-se do conteúdo a ser explorado e verificaram as possibilidades que ele oferecia em termos de tratamento multimídia no sentido próprio do termo. Para tanto, os alunos traduziram o conteúdo sob a foma de uma rede conceitual, segundo os princípios ditados por Ausubel (1968) e Novak (1981). Então, cada conceito ou cada conjunto de conceitos foi considerado isoladamente, no sentido de se identificar que tipo de tratamento ele poderia receber para ser melhor apreendido pelos alunos. Assim, enquanto um conjunto de conceitos foi associado a uma atividade de pesquisa na Internet, outro conjunto foi associado a um trabalho de coleta de dados sobre os seres que existem na Terra. Outros conceitos foram ainda associados a atividades de exploração de um software educativo e assim por diante. Os alunos construíram assim um projeto pedagógico com temas e atividades definidas, que foi aplicado em duas escolas públicas do Distrito Federal. Os resultados da aplicação demonstraram um extraordinário engajamento tanto dos professores de Ciências em exercício da profissão, quanto dos alunos envolvidos no desenvolvimento das atividades propostas. Analisadas as verbalizações de avaliação da experiência, vejamos duas colocações interessantes a respeito da pedagogia de projetos e do projeto propriamente dito: [verbalização de professor] Me sinto mais livre para dialogar com meus alunos e aprendo com eles, especialmente com suas pesquisas na Internet e com a descoberta espontânea de outras fontes de conhecimento. [verbalização de aluno] É muito melhor do que ficar o tempo todo na sala, colado no livro. Outro projeto pedagógico interessante, desta vez com tema definido e atividades livres, foi desenvolvido por alunos da licenciatura em artes. O projeto tinha no roteiro indicações sobre o tema – Van Gogh -, e sobre a obrigatoriedade de uso do computador em alguma atividade necessária para a compreensão da vida e da obra do referido pintor. Os professores em formação construíram um pequeno roteiro para a elaboração do projeto pedagógico, que foi submetido a um grupo de alunos de uma escola pública de Brasília (DF). O objetivo era o de levar os alunos a planejarem seus próprios projetos sobre Van Gogh e a construírem conhecimentos independentemente da intervenção do professor. Durante a experimentação, diferentes grupos de alunos construíram e desenvolveram diferentes projetos pedagógicos. Em um deles, por exemplo, o aplicativo Power Point foi empregado para a construção de uma apresentação sobre o pintor, fruto da pesquisa na biblioteca e na Internet. Também, foi empregado o Paint Brush para que os alunos desenvolvessem atividades de desenho em imitação do trabalho do artista, além de uma vasta pesquisa de textos e imagens, realizada principalmente na Internet. Ao final da atividade, um pequeno folheto sobre Van Gogh foi

construído pelos alunos, na perspectiva de distribuí-lo a toda a classe, o que não foi possível por falta de recursos materiais. Sobre este projeto, vejamos as seguintes verbalizações: [verbalização de professor] Não tive nenhum trabalho, nada fiz a não ser explicar o projeto pedagógico e propor o tema. Os alunos fizeram tudo sozinhos. Fiquei impressionada com uma capacidade que eu ignorava existir neles. [verbalização de aluno] Trabalhar livremente é muito mais legal... E a gente aprende sozinho, ou com os outros. Só foi mais complicado usar o computador, mas a gente conseguiu na boa... Um terceiro exemplo de projeto pedagógico idealizado e aplicado no âmbito da Oficina de Informática Educativa foi com tema livre, mas com atividade definida. Neste caso, os alunos, divididos em grupos, deveriam fazer demonstrações do uso do software Cabri Geomètre, meio de apoio ao ensino e à aprendizagem da geometria. O tema era totalmente livre, assim como a natureza da atividade, que poderia integrar outros recursos, outras situações, desde que integradas com o software proposto. O projeto foi aplicado em uma classe de 4ª série do ensino fundamental e não foi nem mesmo preciso que a professora interviesse para ajudar os alunos a manipular o Cabri. Sozinhos, extremamente motivados, os alunos avançaram na aprendizagem do software, na compreensão da dinâmica do projeto pedagógico e fizeram prova de grande criatividade, a ponto da professora manifestar a seguinte verbalização: [verbalização de professor] Se eu for fazer isto em todas as minha aulas, eu vou acabar subvertendo a escola. No ano que vem os professores não vão conseguir mais trabalhar com os alunos, vai ser um inferno... Outras modalidades de projetos pedagógicos poderiam ser elencados aqui, na medida em que muitos foram desenvolvidos na Oficina de Informática Educativa. No entanto, para avançarmos para a conclusão do texto, é importante frisar que a própria problemática da alfabetização tecnológica do professor, claramente exposta por Sampaio e Leite (1999) encontra na pedagogia de projetos pedagógicos apoiados pelo computador um forte aliado para a desmistificação do computador como objeto tecnológico e como material didático. A própria disciplina oferece aos graduandos em pedagogia uma oportunidade de lidar com tal tecnologia, sem tê-la como eixo norteador das relações educativas propostas. Neste sentido, a própria oficina é um projeto pedagógico que é construído e reconstruído a cada semestre, sempre com a criatividade plena dos atores que dela participam.

Conclusão A gestão de relações educativas apoiadas pelo computador é uma tarefa de grande complexidade para o professor, especialmente quando este ainda carrega consigo os preceitos da escola tradicional de onde, geralmente, todos nós somos oriundos. A pedagogia de projetos, enquanto estratégia que permite que o professor desloque sua atenção da intervenção pedagógica direta para uma espécie de meta-intervenção pedagógica, abre espaço para um trabalho pedagógico mais livre, menos comprometido com a forma e mais comprometido com o conteúdo, com a livre circulação de idéias, com a plena contribuição dos alunos (Lacerda Santos, 2002). Nossa experiência na Oficina de Informática Educativa do programa de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília tem sido

espaço para uma verdadeira pesquisa-ação sobre a pedagogia de projetos pedagógicos que têm a tecnologia informática como meio de ensino e de aprendizagem, revelando tanto o potencial da própria estratégia quanto sua dimensão de transição, de verdadeiro passaporte para um novo modo de formação, em que premissas como dinamismo, inovação, construtivismo, transdisciplinaridade, pluralismo de locus de formação e outros encontram espaço para evoluir e para contribuir para a formação contínua do professor e para a reinvenção da relação educativa. A tipologia de projetos de aprendizagem apresentada, fruto de nosso trabalho na referida oficina, permite-nos compreender a extensão das possibilidades do trabalho pedagógico baseado em projetos, ao mesmo tempo em que mostra, na prática, novas possibilidades de aplicações pedagógicas do computador.

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