A GLOBALIZAÇÃO CAPITALISTA COMO CENÁRIO DO PROCESSO DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

June 1, 2017 | Autor: Ronaldo Santos Silva | Categoria: Precarização do Trabalho
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Doutorando em Ciências Sociais do Centro de Estudo Comparado das Américas – Ceppac, da Universidade de Brasília - UnB


A GLOBALIZAÇÃO CAPITALISTA COMO CENÁRIO DO PROCESSO DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

Ronaldo dos Santos Silva

Resumo
Discute-se neste artigo o fenômeno da globalização capitalista a partir da visão de seis abordagens teóricas, objetivando entender os impactos desse fenômeno sobre os movimentos de trabalhadores e a dinâmica desses movimentos. Conclui-se que a globalização, quer seja um fenômeno novo, quer seja a continuação do processo de internacionalização capitalista, trás tendências contraditórias, precarizando, desempregando e pauperizando a "classe que vive do trabalho", mas ao mesmo tempo abre perspectivas de ação para essa classe ao internacionaliza-la e amplia-la, tendendo a fortalecer sua unidade contra o capital.

INTRODUÇÃO
De já algumas décadas as transformações vivenciadas pelo sistema capitalista mundial tem impactado na pauta de discussão do movimento de trabalhadores e socialista e ditado seus rumos. Para alguns autores há exagero desses fatos sobre as preocupações e elaborações dos socialistas ao redor do mundo. Para outros autores as mudanças verificadas são tão expressivas que representam uma mudança qualitativa na sociedade e no modo de produção capitalistas atual, chegando a representar uma verdadeira revolução dentro desse sistema e, portanto, exigem uma revisão de toda a teoria e prática dos socialistas.
Neste artigo discute-se a questão da globalização capitalista, sob a perspectiva de diversas correntes de pensamento, segundo a sistematização feita por Martins (2011), agregando-se a abordagem de Harvey (2015, 2006), sempre dentro de uma perspectiva histórica e classista. O objetivo dessa discussão é verificar os impactos desse processo sobre o movimento de trabalhadores e as dinâmicas que abre a esse movimento.
Na próxima seção faz-se uma revisão sobre as teorias sobre a globalização e, na seguinte, discutem-se seus impactos sobre o movimento dos trabalhadores.

DESAFIOS TEÓRICOS DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO
Para Borón (2003, p.1) "Uno de los rasgos más categóricos de la victoria ideológica del neoliberalismo há sido su capacidad para influenciar decisivamente la agenda teórica y práctica de las fuerzas sociales". A discussão sobre a globalização seria um desses traços.
Stiglitz (2002) questiona como "A globalização – uma força que trouxe tantos benefícios – se tornou tão contraditória." e, apesar de sua estreita vinculação ao mainstream, reconhece que em tempos de globalização "o número dos que vivem na miséria efetivamente aumentou e muito (...) ao mesmo tempo em que a renda total do mundo elevou-se, em média, 2,5 por cento ao ano.", fato que se reflete também em termos de nações, pois "algumas das nações mais pobres do mundo, na verdade, ficaram em situação muito pior".
Santos (2005, p. 18) defende que não existe apenas uma globalização, mas três: a globalização como fábula, como perversidade e enquanto possibilidade de um mundo novo e melhor.
Cruz (2007) questiona o aspecto meramente técnico da globalização, afirmando que ela necessariamente implicou negociações políticas (Gatt e OMC, entre outras) sem as quais não se verificaria.
Martins (2011) aponta a existência de múltiplas conceituações sobre a globalização, sinalizando o caráter de tempos de incerteza associado à globalização, em função desta ocorrer num momento de transição do sistema mundo. Para Martins "a crise dos paradigmas científicos é uma expressão ideológica de uma crise que alcança (...) dimensões muito mais extensas" (MARTINS, 2011, p. 21). O autor identifica cinco grandes abordagens sobre o processo de globalização, que serão brevemente apresentadas a seguir.
Os globalistas
A primeira visão apresentada por Martins (2011), a globalista, vê o surgimento de uma sociedade global que subsume o nacional e o local. Essa nova realidade seria fruto da integração produtiva e financeira em escala mundial, propiciada pelas novas tecnologias eletrônicas e de comunicação. No mundo globalizado as corporações transnacionais e as instituições intergovernamentais se tornaram atores supranacionais decisivos e o regime de acumulação se desterritorializou.
Para o autor, essa corrente se divide em dois grupos, aqueles que vislumbram maior tendência à sincronia, harmonia e integração na sociedade global e, pelo contrário, aqueles que identificam a polarização do processo social, com tendências a revoluções.
No polo socialista encontram-se, entre outros, Octávio Ianni, Toni Negri e Michael Hardt, ainda que estes últimos, segundo Borón (2003, p. 4), "lejos de instalarse em el terreno político del pensamento contestatorio son plenamente compatibles com el discurso neoliberal dominante.".
Para Ianni (2001, p. 58-59) "o capitalismo continua a ter bases nacionais, mas estas já não são determinantes.", pelo contrário, muitas das características dos Estados-nação capitalistas passam a ser determinadas desde fora, pelas "instituições, organizações e corporações multilaterais".
Diferentemente de Negri e Hardt, que veem a diluição das classes sociais na "multidão" (BORÓN, 2003), para Ianni (2001, p. 64) a internacionalização do capital, impulsionada pela globalização, não leva ao fim da luta de classes, mas implica "a internacionalização das classes sociais, em suas relações, reciprocidades e antagonismos.".
Ianni não vê a globalização como um processo repentino, surgido a partir da década de 1970. Para ele (IANNI, 2001, p. 171) "Desde o princípio, o capitalismo revela-se como um modo de produção internacional" provocando uma "interdependência das nações" (MARX; ENGELS, 2005, p. 43). O novo, segundo IANNI é que na época atual ocorre:
... a adoção da economia de mercado por praticamente todas as nações do ex-mundo socialista; nessa época ocorre uma transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório. Uma transformação quantitativa e qualitativa no sentido de que o capitalismo se torna concretamente global, influenciando, recobrindo, recriando ou revolucionando todas as outras formas de organização social do trabalho, da produção e da vida. (IANNI, 2001, p. 184).
Esse diferencial da época atual não elimina a interdependência entre as nações ou o imperialismo, o que ocorre é que:
Na mesma medida em que a globalização redefine e subordina os Estados nacionais, inclusive os mais fortes, nessa mesma medida a interdependência e o imperialismo são recriados e superados. De fato cresce mais do que nunca a interdependência [e] o imperialismo também se acentua... Ao lado dos Estados nacionais, mesmo os mais fortes, já se colocam e impõem as corporações transnacionais, que se transformaram inclusive em estruturas mundiais de poder. (IANNI, 2001, p. 186).
A hegemonia compartilhada
Uma segunda visão identificada por Martins (2011) é a das teorias da hegemonia compartilhada. Seus maiores expoentes são Joseph Nye e Robert Keohane. Para esses autores os avanços tecnológicos provocaram uma mudança de grau no processo de internacionalização e não uma ruptura com o modelo anterior. As empresas capitalistas permanecem internacionais, não tendo se tornado conglomerados mundiais, ou seja, elas ainda têm como referência seus países sede originais, que lhes servem de base para se projetar sobre a economia mundo. Dessa forma, os Estados nacionais continuam como atores relevantes. Para Keohane e Nye (1989, p. 3, tradução minha) "Vivemos em uma era de interdependência" essa interdependência "afeta a política mundial e o comportamento dos Estados, porém as ações governamentais também influem sobre os modelos de interdependência" (Keohane; Nye, 1989, p. 11, tradução minha). Os autores observam, ainda, que o grau de interdependência é variável de acordo com a conjuntura:
A interdependência se refere a uma condição, a um estado da situação que pode incrementar-se, como tem ocorrido na maior parte das dimensões desde o fim da II guerra mundial; ou pode declinar, como ocorreu, pelo menos em termos econômicos, durante a Grande Depressão doa anos de 1930 (Nye; Keohane, 1989, p. 9, tradução minha).
Para os autores dessa corrente a velocidade e amplitude do fluxo de capitais a nível mundial demonstra a existência de redes e parcerias entre as corporações transnacionais, exigindo adequações dos Estados nacionais, mas não eliminando a relevância destes (MARTINS, 2011).
A hegemonia, por outro lado, não poderia mais ser exercida de forma unilateral, exigindo, necessariamente, a construção de redes internacionais, nas quais os Estados nacionais ainda teriam papel de destaque (MARTINS, 2011).
O neodesenvolvimentismo
Segundo Martins (2011) para o neodesenvolvimentismo a globalização é um fenômeno essencialmente financeiro, fundado na integração mundial dos mercados, não sendo possível identificar um sistema produtivo mundial. Tal globalização financeira refletiria uma ofensiva dos Estados Unidos da América para manter e expandir sua hegemonia, buscando atingir níveis quase imperiais. Essa corrente está dividida em dois grupos, um ligado à reorganização capitalista (Maria da Conceição Tavares, José Luis Fiori, Susan Strange e outros) e outro que abraça um enfoque socialista (Samir Amin, François Chesnais e outros).
Os teóricos da reorganização capitalista vislumbram a possibilidade de um novo ciclo de desenvolvimento capitalista, a partir de uma possível, porém difícil, reforma do Estado hegemônico.
Samir Amin e François Chesnais, representantes do enfoque socialista, afirmam que o capitalismo atual é um regime de acumulação financeirizado, fortemente associado ao poderio financeiro e militar dos EUA e tende a gerar um cenário progressivamente depressivo, impedindo o crescimento da economia mundial (MARTINS, 2011). Essa ala socialista acredita que o processo revolucionário de superação da sociedade capitalista tende a se iniciar no âmbito dos Estados nacionais ou de alguma região do planeta. Amin (2005, p. 80) analisando a situação da Europa e da China afirma que "o futuro do sistema global dependerá em larga escala de mudanças internas possíveis e particulares dessas duas regiões que poderão iniciar uma evolução para além 'do imperialismo'".
O papel dos Estados nacionais é um ponto de discórdia entre neodesenvolvimentistas e globalistas. Enquanto Ianni (1999, 2001) vê um deslocamento do cenário de luta do nacional para o mundial, Amin (2005, p. 80) afirma que "O Estado é e permanecerá por muito tempo o ator principal que ocupa o primeiro plano da cena". Este autor relativiza o processo de globalização entendendo que "O imperialismo, então, não é um estágio – nem mesmo o estágio supremo – do capitalismo. Ele é, desde a origem, imanente à sua expansão" nesse sentido, o processo hoje definido como globalização representa tão somente uma "terceira onda" da ofensiva imperialista, visando "o controle da expansão dos mercados, a pilhagem dos recursos naturais do planeta, a superexploração das reservas de mão-de-obra da periferia", ainda que opere em novas condições e com significativas diferenças em relação às ondas anteriores (AMIN, 2005, p. 84).
Teoria do sistema mundo capitalista
A quarta concepção apontada por Martins (2011) é a dos teóricos do sistema mundo, particularmente Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e Beverly Silver – teóricos do moderno sistema mundo, que o autor vê com simpatia crítica – e André Gunder Frank e Barry Gills, que defendem a tese de formação do sistema mundo durante a revolução neolítica (DOS SANTOS, 2003). Para esses autores a globalização é a etapa final do capitalismo histórico, marcando a transição da humanidade para outra forma sistêmica, cujas características serão dadas pelo desenrolar das lutas sociais.
A teoria do moderno sistema mundo afirma que a longa duração (Braudel) é formada por ciclos (Kondratieff). Com a instalação do capitalismo histórico, no século XVI, iniciou-se a atual fase do sistema mundial. A governança mundial seria feita através de hegemonias e não de impérios e combinaria persuasão, coerção e consentimento. O Estado hegemônico seria aquele que conseguisse obter a supremacia dos pontos de vista produtivo, comercial e financeiro sobre as demais nações do mundo (MARTINS, 2011). Os ciclos de longa duração, ou hegemônicos, apresentariam fases de expansão e crise, intercaladas por períodos de caos sistêmico, este marcado por guerras pela hegemonia (MARTINS, 2011).
Segundo a teoria sistema mundo a atual fase de globalização do capitalismo coincide, por um lado, com a crise, entre 1967 a 1973, da hegemonia dos EUA, alcançada no pós-segunda guerra mundial, e por outro com a revolução científico-técnica, que iniciou a migração do paradigma produtivo fordista para paradigmas de produção flexível, como o toyotista (WALLERSTEIN, 1988).
Os teóricos do sistema mundo divergem quanto à superação da atual crise do sistema capitalista. Para Wallerstein (1988, 1990) o que está em crise é o próprio sistema mundo capitalista, é uma crise civilizatória, que tende a levar à superação desse paradigma. Arrighi (1996, 2001) e Frank (2003), por outro lado, entendem que a crise atual é uma crise de hegemonia e dela emergirá uma nova nação hegemônica, podendo ou não levar a uma crise civilizatória. Analisando a evolução histórica do sistema mundo Frank (2003, p. 24) comenta:
Podemos ver isto como um processo de deslocamento contínuo do centro de gravidade do mundo na direção do Ocidente no globo, da Ásia Oriental/China para a Europa Ocidental, depois, através do Atlântico, para os Estados Unidos, e aí então do litoral oriental para o litoral ocidental e, agora progressivamente, através do Pacífico, de volta para a Ásia Oriental.
dependentistas
A última visão apresentada por Martins (2011) é a da escola marxista da teoria da dependência, associada aos nomes de Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini, Orlando Caputo e Ana Esther Cecena, entre outros. Para esta corrente de pensamento a globalização é um processo extremamente complexo, que não cria uma nova sociedade global, mas promove uma profunda revolução nas forças produtivas, afetando o conjunto da produção da vida humana. Nas palavras de Dos Santos (2003, p. 47) "o conceito de globalização ou mundialização constitui-se num mais alto nível em relação aos conceitos de internacionalização, multi-nacionalização e transnacionalização". Essa tendência revolucionária, não é integralmente absorvida pela acumulação de capital, criando um período de transição em que se confrontam projetos antagônicos.
Dos Santos (2003), a partir das teorias de Radovan Richta, afirma que a revolução industrial foi superada pela revolução científico-técnica e criou-se a perspectiva uma transição civilizatória, o que não se dará sem uma "luta política dramática entre a tentativa de se apropriar dessas novas forças produtivas conservando-se as relações sociais de produção (...) e a tentativa de ajustar as relações sociais às novas forças produtivas e gerar a nova civilização" (MARTINS, 2011). Segundo Dos Santos (2003, p. 48):
Este novo estágio de civilização ainda não se concretizou, mas já é antevisto pelos interesses comuns de todos os países e de todos os governos que precisam sobreviver num planeta único, integrado por modernos meios de comunicação e transporte. Todos eles estão subordinados aos mesmos recursos naturais globais, e suas populações dependem de uma herança biológica e cultural comum a toda humanidade.
David Harvey e a compressão espaço-temporal
Para além da classificação realizada por Martins é relevante trazer à discussão a visão de David Harvey, pelas particularidades que ela acrescenta à compreensão da globalização.
Harvey não é adepto do termo globalização, que ele prefere definir como "desigual desenvolvimento espaço-temporal", mas seu pensamento não se confunde com o daqueles que identificam o momento atual como mera continuidade do passado. Segundo ele, se lhe perguntassem se as seguidas mudanças quantitativas vividas pelo capitalismo ao longo do século XX forjaram uma mudança qualitativa sua resposta seria "um 'sim', imediatamente acompanhado da afirmação de que não se verificou nenhuma revolução fundamental nos modos de produção e nas relações sociais que dele derivam" (HARVEY, 2015, p. 14).
Para Harvey (2015, p. 8) a discussão ao redor do termo globalização "parece ser uma importante mudança política nos discursos ocidentais (mesmo se não necessariamente na realidade) (...) [contudo] o termo 'globalização' parece exigir um preço político muito caro.". Segundo o autor, a descrição contida no Manifesto Comunista, de 1848, (MARX; ENGELS, 2005, p. 43) sobre a tendência à internacionalização do modo de produção capitalista já era uma descrição do processo de globalização do capital, nesse sentido:
Sem dúvida, desde 1492 até aqui, o processo de globalização do capitalismo tem avançado e sempre se revestiu da máxima importância na sua dinâmica. De fato, a globalização sempre fez parte do desenvolvimento capitalista desde o início. (HARVEY, 2015, p. 8)
Para o autor (HARVEY, 2015), o que torna o atual momento da globalização capitalista diferente dos anteriores é "a profunda reorganização geográfica do capitalismo" que reduziu drasticamente os custos e tempos de deslocamento, através da "rede informática mundial" e dos meios de transporte sempre mais velozes e eficientes, construiu gigantescas infraestruturas físicas destinadas a facilitar o deslocamento de pessoas e mercadorias e redefiniu a construção da organização territorial.
Essa reorganização geográfica profunda foi motivada não apenas pelas facilidades que a tecnologia proporcionou (HARVEY, 2015), mas também pelas necessidades do capitalismo de promover ajustes espaço-temporais para gerir a sobreacumulação de trabalho e capital existentes no centro do sistema (HARVEY, 2006). Segundo o autor essa sobreacumulação pode ser absorvida por:
(a) O deslocamento temporal através dos investimentos de capital em projetos de longo prazo ou gastos sociais (tais como educação e pesquisa), os quais jogam para o futuro a entrada em circulação dos excedentes de capital atual; (b) deslocamentos espaciais através da abertura de novos mercados, e novas possibilidades de recursos e trabalho em outros lugares; ou (c) alguma combinação de (a) e (b). (HARVEY, 2006, p. 96-97).
Harvey considera importante situar historicamente a discussão da globalização e começa com a questão da desregulamentação financeira, promovida pelos EUA no início da década de 1970, que para ele não foi previamente planejada, mas sim uma "resposta forçada à estagflação interna e à queda do sistema de Bretton Woods" (HARVEY, 2015, p. 12), provocando:
A passagem de um sistema global largamente controlado pelos Estados Unidos para um outro sistema global mais descentralizado e coordenado por meio do mercado, com o efeito de tornar as condições financeiras do capitalismo muito mais instáveis e volúveis. (HARVEY, 2015, p. 13).
Essa mudança nas finanças capitalistas globais, aliada às mudanças nos sistemas de comunicação de massa e nos custos e tempos de transporte de pessoas e mercadorias permitiu: a) a dispersão geográfica e a fragmentação dos sistemas produtivos, simultaneamente ao aumento da centralização do poder dentro das corporações; b) um assombroso crescimento no número de assalariados em todo o globo, ainda que com enorme dispersão; c) uma maior mobilidades das populações no globo, ainda que os Estados nacionais ainda sejam mais permeáveis ao capital do que às pessoas; d) a hiperurbanização planetária, com o surgimento de centros urbanos com mais de vinte milhões de habitantes; e) a limitação à soberania nacional, especialmente no que se refere ao fluxo de capitais financeiros e à política fiscal; f) uma maior possiblidade dos Estados nacionais obterem bons resultados na competição intercapitalista mundial, entendida competição como baixos salários e forte disciplina do trabalho (HARVEY, 2015, p. 13-14).
Nesse processo, reconhece Harvey, "criou-se um poderoso regime financeiro baseado em Wall Street e na Reserva Federal com poder de controle sobre as instituições financeiras globais (tais como o FMI) [e] o poder econômico norte americano se projetou para o exterior" (HARVEY, 2006, p. 104) permitindo a centralização do poder político nos EUA e em alguns mercados financeiros privilegiados (particularmente Tóquio, Londres e Frankfurt) dando uma sobrevida à hegemonia norte-americana sobre o globo.
Assim, reconhecendo que importantes mudanças quantitativas ocorreram no sistema capitalista internacional, particularmente a partir da década de 1970, Harvey conclui que:
não se verificou nenhuma revolução fundamental nos modos de produção e nas relações sociais que dele derivam e (...) se existe algum trend qualitativo real, ele se dirige para a reafirmação dos valores capitalistas típicos do século XIX, acompanhada por uma inclinação do século XXI para uma deliberada marginalização de largos segmentos da população mundial. (HARVEY, 2015, p. 14).
Portanto, para o autor, foram as necessidades de ajustes espaço-temporais, aliadas às mudanças tecnológicas nas comunicações e nos transportes e à forçada desregulamentação financeira as responsáveis pelo atual momento da globalização capitalista, não tendo havido, portanto, qualquer mudança histórica que justifique uma nova interpretação sobre o papel das classes sociais ou a luta de classes. Não houve nenhuma revolução.
O limite dessa nova fase é que:
Os novos espaços dinâmicos de acumulação de capital terminam por gerar excedentes que devem ser absorvidos através da expansão geográfica (...) [ou seja] o desenvolvimento interno forte transborda na busca de ajuste espaço-temporal (HARVEY, 2006, p. 100)
[é exemplifica]
A rapidez com que certos territórios como Coréia do Sul, Cingapura, Taiwan e agora também China, passaram de receptores líquidos a exportadores líquidos, foi bastante assombrosa se a comparamos com o ritmo mais lento em períodos anteriores. Assim, estes territórios bem-sucedidos devem se adaptar rapidamente à pressão interna de seus próprios ajustes espaço-temporais. (HARVEY, 2006, P. 101).

Em decorrência é de se esperar que, dada a maior velocidade de circulação de capitais e mercadorias, os ajustes espaço-temporais do sistema capitalista mundial tenham fôlego mais curto nessa fase chamada "globalização", levando a crises mais intermitentes do modo de produção capitalista e a maiores possibilidades de ação da classe assalariada e dos oprimidos em geral contra esse modo de produção e exploração.
TRABALHO PRECARIZADO E GLOBALIZAÇÃO
As diversas teorias sobre o processo que se vive no sistema capitalista mundial hoje, associadas ao termo "globalização", auxiliam na compreensão das modificações sofridas pela "classe que vive do trabalho" (ANTUNES, 2010) e possíveis dinâmicas desse processo.
Em primeiro lugar verifica-se que:
De fato, para a grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a SIDA se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. (SANTOS, 2005, p. 19-20).
Esses efeitos perversos da globalização ocorrem, por um lado, devido a que:
O trabalho organizado foi solapado pela reconstrução de focos de acumulação flexível em regiões que careciam de tradições industriais anteriores e pela reimportação para os centros mais antigos das normas e práticas regressivas estabelecidas nessas novas áreas [ao mesmo tempo em que] Os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados e subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis. (HARVEY, 1992, p. 142-143)
Assim, menos organizados e com menor tradição de luta, massas de trabalhadores antes não integradas ao capitalismo mundial passam a sê-lo sob condições totalmente desumanas, recebendo salários ínfimos e em condições de trabalho humilhantes.
Por outro, a ampliação da miséria é fruto de um "desemprego estrutural [que] pode implicar a formação da subclasse, uma manifestação particularmente aguda da questão social" (IANNI, 1999, p. 138).
Esse desemprego estrutural resulta da
reducción del tiempo de trabajo productivo en relación con el tiempo total disponible para la producción, lo que en la sociedad capitalista se manifiesta en la disminución de la población obrera, fenómeno paralelo al crecimiento de la población que se dedica a actividades no productivas (MARINI, 2014, p. 145)
Redução de tempo esta provocada por um novo padrão tecnológico que:
está baseado numa intensiva automação da produção que já está causando e deverá causar ainda mais uma drástica redução da quantidade de trabalho socialmente necessário para produzir os mesmos produtos que temos hoje. Isto está afetando e irá afetar os custos dos produtos industriais, mas também o emprego e a duração da jornada de trabalho. [em decorrência] a diminuição da força de trabalho e especificamente da demanda de trabalho manual irá produzir desemprego nestes setores, tornando-se um problema dramático, mesmo no período de crescimento. (DOS SANTOS, 2003, p. 55).
Apesar dessas tendências negativas "A força de trabalho assalariada do mundo é mais do que duplicada em menos de vinte anos [e] O proletariado global é agora muito mais amplo do que nunca, mas geograficamente disperso e por isso difícil de organizar." (HARVEY, 2015, p. 13).
Esse conjunto de transformações ocorre ao mesmo tempo em que se fortalece a "interdependência entre as nações" e o fluxo de capitais e pessoas se amplia, assim, conforme observou Ianni (1999, p. 144) "juntamente com a mercadoria, que é a primeira a adquirir cidadania mundial, vem o operário, que se torna cidadão do mundo antes de tomar plena consciência disto." (IANNI, 1999, p. 144), ainda que o trânsito de pessoas seja mais restrito do que o transito de mercadorias e capitais (AMIN, 2005; HARVEY, 2015).
A consequência desse maior trânsito de trabalhadores, de seu crescimento numérico e de sua dispersão sobre o globo é que "esse mundo do trabalho e o consequente movimento operário apresentam características mundiais" (IANNI, 1999, p. 124), ou seja, a internacionalização da "classe que vive do trabalho" é uma realidade mais forte hoje do que na época em que o Manifesto Comunista fez o famoso chamado a todos os trabalhadores do mundo, justificando ainda mais a observação de Trotsky de que "O internacionalismo não é um princípio abstrato, mas tão somente o reflexo teórico e político da natureza mundial da economia, do desenvolvimento mundial das forças produtivas e do alcance mundial da luta de classes" (TROTSKY, 2012, p. 208).
Assim, apesar das tendências negativas da época atual as condições de vida dos trabalhadores e dos povos em geral, a internacionalização crescente da "classe que vive do trabalho" e o aumento dos contingentes de assalariados ao redor do mundo, bem como a tendência a crises sistêmicas frequentes cria "um autêntico fermento de oposições" ao capitalismo gerando oportunidades ao movimento sindical e socialista de ação pela transformação dessa realidade e superação desse sistema.
Para aproveitar essas oportunidades, segundo Harvey (2015, p. 16), "devemos demonstrar como problemas tão diversos como a aids, o efeito estufa e a degradação ambiental, a destruição das tradições culturais locais são sobretudo questões de classe", levando à unificação de todas as lutas dos explorados e oprimidos contra o sistema capitalista mundial.
CONCLUSÕES
Neste artigo discutiu-se a globalização capitalista, na visão de algumas correntes de pensamento, e a influência desse processo sobre a "classe que vive do trabalho", dentro de uma perspectiva histórica e socialista.
O levantamento das correntes de pensamento sobre a globalização foi feito a partir da sistematização feita por Martins (2011), agregando-se a contribuição de HARVEY (2015, 2006), que apresenta um enfoque particular sobre esse processo.
Foi possível identificar características que são comuns a várias abordagens, particularmente a tendência à mundialização do sistema capitalista, especialmente a partir das transformações tecnológicas e financeiras ocorridas desde a década de 1970.
Esse conjunto de características permitiu identificar alguns efeitos e tendências que a globalização provoca sobre o mundo do trabalho, principalmente a degradação das condições de vida e de trabalho e o aumento do desemprego estrutural e da precarização do trabalho, ao mesmo tempo em que cresce o número de assalariado no mundo e aumenta a tendência à internacionalização da "classe que vive do trabalho", abrindo maiores possibilidades de ação internacional contra a globalização perversa e o modo de produção capitalista.
A pretensão deste trabalho é estimular o debate sobre o processo de globalização, dentro de uma perspectiva classista e socialista, valorizando o que Harvey chama de abordagem marxista da questão social.

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