A Grande Depressão e o Brasil

June 13, 2017 | Autor: Georgi Belinski | Categoria: Brazil, Great Depression, Economia, Brasil
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Universidade de Salamanca. Centro de Estudos Brasileiros. Mestrado Universitário em Estudos Brasileiros. Módulo de Economia. A GRANDE DEPRESSÃO E O BRASIL

GEORGI PAVLOV BELINSKI SALAMANCA, 2015

PROF.ª DRª. ELISA BOTELLA RODRÍGUEZ, USAL PROF.ª DRª. VERA LUCIA AMARAL FERLINI, USP

A Grande Depressão é um acontecimento económico da primeira metade do século XX que tem uma influência fortíssima para o desenvolvimento, não só económico, mas também político, nas décadas entre as guerras mundiais e depois disso. É uma crise que ainda tenha o seu início nos EUA, abrange por causa da mútua dependência a maioria dos países e provoca graves consequências. Para a melhor compreensão dos efeitos económicos para o Brasil, vou dividir o trabalho em três partes, cada um das quais explica um diferente aspeto da crise. Em primeiro lugar é importante saber qual é a situação económica no Brasil antes de 1929 para poder depois perceber quais são as mudanças que essa provocou na economia brasileira. Em seguida vou falar mesmo sobre a crise – as suas raízes e etapas iniciais nos EUA, assim como as consequências em escala internacional. Finalmente, vou falar com pormenores sobre a crise dentro do Brasil e os efeitos que teve. O estado da economia brasileira não mudou significativamente desde a proclamação da independência até aos anos 30 do século XX – apesar de todo o progresso tecnológico e industrial na Europa e nos EUA, Brasil continua a ser um país periférico e agrário com pouca industrialização. A propósito, esta situação é típica para os outros países de América Latina também. A economia brasileira é baseada na exportação de produtos agrários, com os de maior importância sendo o café (com 62.3% do total) e a borracha (15,9%) (Thorp 1998, 53). Depois de 1896, Brasil torna-se no maior exportador de café, produzindo uns 60% da demanda mundial (Thorp 1998, 54). Apesar disso, esse modelo de sustentação torna-se inefetivo no longo prazo – um aspeto que se mostra ainda antes do começo da crise de 1929 – o ano, quando o Brasil atinge o auge na venda de café e que põe o início do declínio rápido. (Leppard 2012). Uma grande parte do lucro de venda de commodities o país gasta para comprar produtos, sobretudo tecnológicos, que não consegue produzir mesmo e cujos preços são muito mais elevados do que os que vende. Com outras palavras, a economia brasileira torna-se cada vez mais dependente do mercado internacional – tanto da exportação, como da importação. Além disso, como já ficou claro, uns 80% da toda a exportação são formados de só dois produtos. Esta falta de diversificação do mercado faz o país muito vulnerável a shocks externos. A dependência da exportação para a formação do PIB aumenta-se ainda pela falta de mercado interno, qual, na sua existência limitada, não é integrado e não corresponde à demanda. Existe ademais uma assimetria no desenvolvimento económico nas diferentes regiões que ainda mais limita o desenvolvimento. Temos assim por um lado a região Sudeste, com os grandes centros de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, opostos à parte Nordeste ou aos Amazonas por exemplo. Em que se refere à estrutura da produção, essa é concentrada nas mãos dos grandes fazendeiros,

apoiados duma grande parte pelo Estado1 e que mantém o monopólio da produção e do mercado de trabalho. Assim é a situação socioeconómica no Brasil na véspera da Grande Depressão. Como a crise por si é externa para o país, a melhor maneira de identificar as suas consequências é prosseguir a sua formação e desenvolvimento primeiro no seu lugar de origem, os Estados Unidos. Em linhas gerais podemos apontar que a crise mundial é um efeito, ainda atrasado, da Primeira Guerra Mundial. Os anos depois dela caracterizam-se com certa estabilidade nos EUA, algo que por sua parte estimula o desenvolvimento económico. O país saiu da guerra como vencedor e havia um sentimento de otimismo comum que também refletia na economia – o desemprego diminui, melhoram as condições de trabalho, aumenta o salário. O governo também estimula o desenvolvimento através de créditos favoráveis e aumento das tarifas para os produtos estrangeiros. É um período de crescimento de produção e da exportação em quase todos os setores, desde a agricultura até à construção de carros (com a maior importância aqui podemos destacar o Ford), rádios, televisões e telefones. Abrem fábricas, aumenta a crença no mercado internacional, os bancos começam a dar empréstimos com baixa taxa de interesse, a maioria da população nos EUA vive de crédito, com dinheiro de que de facto não dispõe, mas no entanto desfrutando a vida. Forma-se a designada maneira de vida norte-americana, “the American way of life”, baseada no consumismo. Muitas pessoas participam também no mercado bolsista e têm ações de várias empresas. Os EUA tornam-se no maior credor dos países europeus com os fins de estabilizar e reconstruir as economias deles, destruídas durante a guerra, fazendo assim um mercado garantido para a própria produção que naquela época já representa a metade do comércio internacional (Leppard 2012). Esta situação idílica começa a mudar na metade de 1929 quando se notam as primeiras indicações de recessão nos Estados Unidos. Os países europeus, ainda não inteiramente recuperados da guerra, não têm a capacidade de comprar todos os produtos norte-americanos e assim aparece uma situação onde a produção é maior da demanda. A superprodução resulta em caída rápida dos preços, a construção para, que por sua parte diminui também os valores das ações. Os bancos tentam recuperar o dinheiro emprestado, tanto a pessoas físicas como a instituições e países, e a taxa de interesse sobe, resultando na impossibilidade dos comerciantes de pagar as suas dívidas. A população começa a vender as suas ações nas empresas, aparece a

Desde o fim do Império Brasileiro até 1929/30 estabelece-se a chamada política “Café com leite”, cuja meta principal, entre outras, é manter o regime de poder oligárquico, aumentando os lucros dos produtores através de diversos programas de subsídios e mantendo artificialmente o preço das produções. 1

especulação bolsista e o Dow Jones perde o seu valor, inicialmente mais devagar, mas depois acelerando-se rapidamente entre os 24 e 29 de Outubro de 1929. Só num único dia, a chamada terça-feira negra no dia 29, são vendidas mais que 16 mil milhões de ações (Loyola 2008). Apesar das tentativas do governo de controlar o impacto negativo, um caos abrange todos os setores do país e paralisa-o. As consequências da crise não só nos EUA, mas também no todo o mundo são muito graves. O sistema bancário estado-unidense é frágil e pouco controlado, resultando na impossibilidade de garantir o funcionamento normal, que resulta nos meses e anos a seguir no encerramento de mais de 3200 bancos (Loyola 2008). As grandes empresas como Ford, na tentativa de salvar os negócios, começam a despedir trabalhadores e a taxa de desemprego cresce, atingindo uns 27% nos EUA. (Loyola 2008) Como o comércio mundial naquela época é muito dependente da economia norte-americana, em breve os outros países começam também a sentir os efeitos da crise, às vezes muito mais graves do que no próprio país de origem. Umas das medidas introduzidas pelos Estados Unidos com os fins de proteger a própria produção é o protecionismo, aumentando assim os impostos das importações, que por sua parte leva a reciprocidade dos outros países e ainda mais paralisa o comércio. Só depois de 1933 com a posse do poder por parte de Franklin T. Roosevelt e o seu New Deal a situação começa a melhorar – aumenta o intervencionismo do Estado, cria-se trabalho através de obras públicas, amplia-se o controlo financeiro, favoriza-se o desenvolvimento de certos setores como a indústria e a agricultura. As consequências mais duras da crise na Europa observam-se na Alemanha e Itália, mas também na França e Inglaterra. Em resultado do desemprego e das péssimas condições aparecem movimentos populistas e fascistas como os de Mussolini e Hitler, que depois se espalham à América de Sul. O único país onde os efeitos negativos não são tão notáveis é a União Soviética por causa do seu sistema político e económico. De tudo já dito é evidente que a crise de 1929 tem de verdade um carater mundial e que muito são os países afetados. O continente sul-americano também não abre uma exceção. É interessante aqui observar que a maioria deles mostram muitos traços comuns no seu caminho de saída da crise – ocorrem câmbios nos sistemas políticos, percebe-se a necessidade dum novo modelo de desenvolvimento económico, muda a estrutura da sociedade. O caso brasileiro por sua parte é um pouco específico - enquanto outros países como Argentina ou Venezuela já têm as primeiras tentativas de diversificação económica e industrialização, o Brasil da primeira metade do século XX é quase inteiramente dependente da exportação de café, sendo que o

maior parceiro comercial da produção são mesmo os Estados Unidos (Leppard 2012, 208). É lógico então que as consequências também sejam muito mais graves. A Grande Depressão começa a sentir-se no Brasil quase imediatamente depois do Crash de Wall Street, com os preços do café diminuindo rapidamente desde 21,7 cents/libra em 1929 até 9,8 cents entre 193137 (Leppard 2012, 217). Segundo o economista de USP Wilson Barbosa, o valor do café naquela época é menos do que o valor dos sacos, usados para a embalagem. (Loyola 2008). No esforço de diminuir a oferta e aumentar o preço, o governo brasileiro, através do inaugurado Departamento Nacional do Café, primeiro tenta reduzir os cafeeiros e depois começa a comprar o café dos produtores e queimá-lo – mais de 60 milhões de sacos foram queimados até 1939. (Leppard 2012). Uns 75% dos produtores de café não conseguiram resistir à pressão e tiveram que fechar as suas produções. Isto por sua parte provoca aumento do desemprego2 no campo e a única solução para as pessoas é fugir para a cidade, provocando ondas migratórias, em consequência das quais a estrutura da sociedade também muda – confirma-se a formação dos grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, mas assim começam a aparecer simultaneamente as favelas como bairros de trabalhadores, que com o tempo se tornam em lugares de ainda mais pobreza e desigualdade. Com tal situação socioeconómica no Brasil é evidente a necessidade de câmbio do modelo – não só em termos económicos, mas também políticos. Os anos mais duros da Grande Depressão coincidem cronologicamente com o governo de Getúlio Vargas – a figura-chave que predetermine o desenvolvimento do país nas décadas a seguir – segundo Robert Levine, falamos dos “anos decisivos” (Levine 2001, 17). Os desafios que ele enfrenta são claros – sair da crise de maneira mais rápida e menos dolorosa, diversificar a produção, integrar o mercado nacional, industrializar a economia, fazer o Brasil menos dependente de fatores externos. Apesar de ele ser influenciado pelo pensamento populista e fascista em que se refere à sua figura autoritária e às vezes pouco democrática, é o New Deal de Roosevelt que o inspira e cujos passos segue nas suas reformas, ainda com “um ritmo muito mais lento” (Lopez e Mota 2009, 467). Formase o chamado “nacional-desenvolvimentismo varguista” (Bastos 2006) que estimula o crescimento, tendo em conta antes de tudo os interesses do Estado nacional. É importante aqui sublinhar que já no início dos anos 30 se observa um certo grau de industrialização e diversificação, provocados mesmo pela crise – como efeito da parálise do mercado internacional, os comerciantes brasileiros, com poucas oportunidades para investir o seu capital em produtos estrangeiros, procuram outras maneiras de satisfazer o mercado nacional e 2

O desemprego nos anos mais graves da crise chega até 2 milhões de pessoas (Lopez e Mota 2009, 471)

aumentar os seus lucros através de investimentos na construção de fábricas e tornando-se à pecuária e à produção de algodão. Dá-se o início do sistema de Substituição de Importações (ISI). Entre os setores onde se põe a maior ênfase destacam-se o de petróleo, com a criação da Companhia Petróleos do Brasil, o atual Petrobras, a metalurgia, a construção de aviões (Embraer). Moderniza-se a agricultura, cria-se emprego através de obras públicas, semelhante aos Estados Unidos. Presta-se mais atenção aos recursos naturais de que dispõe o país e a sua cultivação. Para a prevenção no caso de futuros shocks externos são promulgadas leis trabalhistas – introduzem-se o salário mínimo, as indenizações, a pensão, o horário fixo. Restringe-se a explotação do trabalho infantil e regularizam-se as profissões e os ofícios. Abrem as primeiras universidades brasileiras que têm que formar os novos especialistas segundo as exigências do mercado de trabalho. É com a ajuda de todas essas medidas que o Brasil consegue sair da crise. Ainda lentamente, a economia começa a recuperar-se no decorrer da década dos anos 30. Com o seu crescimento, aumenta também a população do país e no fim da Era Vargas essa já é por volta de 52 milhões de pessoas – com 20 milhões mais do que 20 anos antes (Levine 2001, 15). Melhoram as condições de vida e de trabalho; o câmbio é muito mais que económico – é também social. O Brasil abre-se para o mundo. De tudo já dito é evidente que a Crise Mundial de 1929, apesar de ser um grande desafio para o Brasil, mostra também uma série de oportunidades das quais o país aproveita – o modelo de desenvolvimento, baseado em importações é trocado pela produção própria, fundamentada na industrialização. A economia é mais diversificada e não é dependente de um só produto, fazendo-a nesse jeito mais estável. A criação dum mercado interno ainda mais diminui os riscos de shocks externos. Com outras palavras, Brasil sai da Grande Depressão muito mais forte do que entrou em 1929, como um país modernizado e competitivo, se ainda não comparável com as grandes potências mundiais como os Estados Unidos ou Inglaterra, pelo menos em relação aos seus vizinhos sul-americanos.

Bibliografia Bastos, Pedro Paulo Zahluth. 2006. “A construção do Nacional-Desenvolvimentismo de Getúlio Vargas e a Dinâmica de Interação entre Estado e Mercado nos Setores de Base.” Revista Economia, Dezembro: 239-275. Leppard, Tom&co. 2012. IB History of the Americas Course Book: Oxford IB Diploma Program. Oxford University Press. Levine, R.M. 2001. Pai dos Pobres? O Brasil e a Era Vargas. São Paulo: Companhia das Letras. Lopez, Adriana, e Carlos Guilherme Mota . 2009. Historia de Brasil. Una interpretación. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca. Loyola, Leonardo. 2008. Revista Época. 19 de 09. Acedido em 09 de 12 de 2015. http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI12892-15223,00O+FANTASMA+DA+GRANDE+DEPRESSAO.html. Thorp, Rosemary. 1998. Progress, Poverty and Exclusion. An economic history of Latin America in the 20th century. Baltimore: John Hopkins University Press.

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